REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DE TIMOR-LESTE

REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DE TIMOR-LESTE

DECRETO LEI GOVERNO

3/2009

SERVIÇO NACIONAL DE INTELIGÊNCIA



A consolidação do Estado de Direito democrático e a afirmação de Timor-Leste como país independente capaz de enfrentar as novas ameaças emergentes da prática de actos de terrorismo, sabotagem, espionagem, criminalidade organizada transnacio-nal, reclamam do Governo a aprovação do regime jurídico que cria o Serviço Nacional de Inteligência (SNI) que agora se apresenta.



O SNI é, nos termos da Lei, um serviço personalizado do Estado incumbido da produção de informações que contribuam para a salvaguarda da independência nacional, dos interesses nacio-nais, da segurança externa e da garantia da segurança interna, da prevenção da sabotagem, do terrorismo, da espionagem, da criminalidade organizada e dos actos que pela sua natureza possam alterar ou destruir o Estado de Direito constitucio-nalmente estabelecido.



O SNI é um serviço personalizado do Estado dotado de com-petência interna e externa, impedido de praticar actos que en-volvam a violação de direitos, liberdades e garantias con-sagradas na Constituição ou que sejam da competência exclu-siva das demais autoridades que exerçam funções de segurança interna, do Ministério Público ou dos Tribunais, estando ve-dado aos seus agentes proceder à detenção de pessoas e à instauração de processos de natureza criminal.



Reafirma-se a competência do Governo na condução da política de segurança nacional e fixa-se a tutela directa do Primeiro-Ministro sobre o SNI, com a ressalva de que este organismo está exclusivamente ao serviço do Estado, sendo-lhe rigorosa-mente vedada a prossecução de qualquer actividade que vise atingir fins político/ partidários.



Determina-se que a Comissão Interministerial de Segurança Interna (criada no âmbito da Lei de Segurança Interna) funcione também como órgão de consulta em matéria de Informações e cria-se um órgão novo de coordenação operacional designado por Comissão Técnica, que permitirá uma maior eficácia e articulação na troca de informações entre o SNI e os serviços de segurança e defesa.



Fixa-se um sistema de controlo político parlamentar sobre a actividade e processamento de dados recolhidos pelo SNI, exercido por uma comissão independente, designada por Conselho de Fiscalização, constituída por um elemento indicado pelo Presidente da República e dois eleitos por maioria absoluta dos deputados do Parlamento Nacional, com um mandato de cinco anos e garante-se a possibilidade de qualquer cidadão solicitar ao Conselho de Fiscalização o cancelamento ou rectifi-cação de actos erróneos irregularmente obtidos ou violadores dos direitos, liberdades e garantias individuais.



Estas opções estão normalmente associadas à necessidade de criação de um serviço público que contribua para a afirmação de Timor-Leste como País independente, capaz de se defender das ameaças que possam pôr em causa a soberania nacional ou subverter o Estado de Direito constitucionalmente esta-belecido.



Assim, nos termos previstos na alínea d) do art.º116º da Cons-tituição, o Governo decreta, para valer como lei, o seguinte:



CAPÍTULO I

NATUREZA, ATRIBUIÇÕES, COMPETÊNCIAS E DEVERES



Artigo 1º

Criação



O presente diploma cria a Orgânica do Serviço Nacional de Inteligência (SNI).



Artigo 2º

Natureza



1. O Serviço Nacional de Inteligência (SNI) é um serviço per-sonalizado do Estado, na dependência directa do Primeiro-Ministro e goza de autonomia administrativa e financeira.



2. O SNI está exclusivamente ao serviço do Estado e exerce as suas atribuições no respeito da Constituição da República Democrática de Timor-Leste, das leis e de acordo com as disposições do presente diploma.



Artigo 3º

Atribuições



O SNI é o único organismo incumbido da produção de infor-mações que contribuam para a salvaguarda da independência nacional, dos interesses nacionais e da segurança externa, bem como da garantia da segurança interna na prevenção da sabotagem, do terrorismo, da espionagem, da criminalidade organizada e dos actos que pela sua natureza possam alterar ou destruir o Estado de direito constitucionalmente estabe-lecido.



Artigo 4º

Limites da actividade



O SNI está impedido de praticar actos que sejam da competência exclusiva de cada uma das demais entidades que exercem funções de segurança interna, do Ministério Público e dos Tribunais, designadamente proceder à detenção de pessoas e à instauração de processos de natureza criminal.



Artigo 5º

Competência material



Compete ao SNI, no âmbito das suas atribuições:



a) Promover de forma sistemática a pesquisa, recolha, análise, interpretação e conservação de informações e de dados;



b) Informar o Primeiro-Ministro e as entidades constantes da lista por este designada, liderada pelo Presidente da Re-pública, do resultado das suas actividades e sempre que solicitado;



c) Elaborar estudos e preparar documentos de acordo com as orientações do Primeiro-Ministro;

d) Estudar e propor ao Primeiro-Ministro a adopção de me-canismos de colaboração e de coordenação entre o SNI e as forças e serviços de informações e de segurança estran-geiros;



e) Comunicar às autoridades competentes para a investigação criminal e para o exercício da acção penal os factos confi-guráveis como ilícitos criminais, salvaguardado o que na lei se dispõe sobre segredo de Estado;



f) Comunicar às autoridades competentes, nos termos da lei, as notícias e informações de que tenha conhecimento, e respeitantes à segurança interna e à prevenção e repressão da criminalidade.



Artigo 6º

Competência territorial



O SNI tem competência em todo o espaço territorial sujeito aos poderes soberanos da República Democrática de Timor-Leste.



Artigo 7º

Deveres gerais e especiais de colaboração



1. Os cidadãos têm o dever de colaborar na prossecução dos fins da segurança nacional, observando as disposições estabelecidas na presente lei, acatando as ordens e man-dados legítimos das autoridades e não obstruindo o normal exercício das competências das forças e serviços de segurança.



2. Os funcionários e agentes do Estado ou das pessoas co-lectivas de direito público, bem como os membros dos ór-gãos de gestão de empresas públicas, têm o dever especial de colaboração com as forças e serviços de segurança, nos termos da lei.



3. Todos aqueles que estejam investidos em funções de di-recção, chefia, inspecção ou fiscalização em qualquer órgão ou serviço da Administração Pública, têm o dever de comu-nicar prontamente às forças e serviços de segurança compe-tentes os factos de que tenham conhecimento no exercício das suas funções ou por causa delas, e que constituam preparação, tentativa ou execução de actos criminais especialmente graves, designadamente actos de sabota-gem, espionagem, terrorismo, tráfico de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, tráfico de armas e outras formas de criminalidade organizada, bem como a prática de actos que, pela sua natureza, possam pôr em causa, alterar ou destruir o Estado democrático constitucionalmente estabelecido.



4. A violação do disposto nos números anteriores implica responsabilidade disciplinar e criminal, nos termos da lei.



CAPÍTULO II

ÓRGÃOS E SERVIÇOS



Artigo 8º

Órgãos



São órgãos do SNI:



a) O Director-Geral;

b) O Conselho Administrativo.



Artigo 9º

Director-Geral



1. O SNI é dirigido por um Director-Geral nomeado pelo Pri-meiro-Ministro e equiparado, para efeitos remuneratórios, ao cargo do Ministro.



2. A nomeação a que se refere o número anterior é obriga-toriamente precedida de informação e consulta com o Presidente da República.



3. O Director-Geral é coadjuvado por dois Directores-Gerais Adjuntos, sendo substituído, na sua ausência e impedi-mentos, por um deles, designado para o efeito.



Artigo 10º

Competência do Director-Geral



Compete em especial ao Director-Geral:



a) Representar o SNI;



b) Orientar superiormente a actividade dos serviços e do Centro de Dados e exercer a sua inspecção, superintendên-cia e coordenação;



c) Presidir ao Conselho Administrativo;



d) Dar execução às orientações genéricas e instruções con-cretas do Primeiro-Ministro, bem como às deliberações do Conselho de Fiscalização;



e) Orientar a elaboração do orçamento do SNI;



f) Preparar e submeter à aprovação do Primeiro-Ministro o plano de actividades para o ano seguinte e o relatório de actividades do ano anterior;



g) Presidir à Comissão Técnica.



Artigo 11º

Deveres do Director-Geral



São deveres do Director-Geral:



a) Zelar pelo normal funcionamento interno do SNI e afectar os recursos humanos e materiais de forma eficiente;



b) Não se envolver em quaisquer actividades de natureza po-lítica e não ser filiado em partidos políticos;



c) Manter o Primeiro-Ministro permanentemente informado relativamente às actividades do SNI;



d) Não prestar declarações à comunicação social sobre as ac-tividades do SNI ou, havendo necessidade de o fazer, apenas com autorização do Primeiro-Ministro;



e) Manter uma postura isenta e neutra na abordagem das ma-térias e operações que lhe forem confiadas.

Artigo 12º

Competência do Conselho Administrativo



1. O Conselho Administrativo é composto pelo Director-Geral, pelos Directores Gerais Adjuntos e pelo responsável do serviço administrativo.



2. Compete ao Conselho Administrativo:



a) Elaborar o projecto de orçamento anual e submetê-lo à aprovação do Primeiro-Ministro;



b) Gerir as dotações orçamentais;



c) Autorizar a realização de despesas nos limites fixados por despacho do Primeiro-Ministro.



Artigo 13º

Serviços Centrais



1. São serviços centrais do SNI:



a) O Departamento de Informações Internas;



b) O Departamento de Informações Externas;



c) O Serviço Administrativo.



2. A organização interna de cada serviço ou departamento é definida por despacho do Primeiro-Ministro, sob proposta do Director-Geral.



CAPÍTULO III

RECRUTAMENTO, SELECÇÃO E FORMAÇÃO DE PESSOAL



Artigo 14º

Quadro de Pessoal



1. Os órgãos e serviços do SNI dispõem de pessoal provido de entre funcionários da Administração Pública, per-manentes ou contratados.



2. Os cargos de direcção e chefia, bem como os quadros téc-nicos dos serviços que integrem o SNI, podem ser providos de entre especialistas civis, policiais ou militares, nos termos do Estatuto da Função Pública.



3. O exercício por polícias, militares, ou funcionários públicos, requisitados, de funções nos serviços que integram o SNI, não prejudica os seus direitos de progressão na carreira.



Artigo 15º

Formação e instrução



1. O recrutamento e a formação dos quadros do SNI terão em conta a especial natureza do serviço e abrangem preparação especializada na respectiva actividade.



2. Para efeitos do número anterior serão regulamentadas, em diploma próprio, a organização e natureza dos respectivos cursos.

Artigo 16º

Requisitos gerais de recrutamento



São condições indispensáveis ao recrutamento e nomeação para os quadros técnicos do quadro do SNI:



a) Reconhecida idoneidade cívica;



b) Elevada competência profissional;



c) Habilitações literárias mínimas correspondentes ao 12º ano.



Artigo 17º

Requisitos especiais de recrutamento



São requisitos especiais de recrutamento para o quadro do SNI:



a) Ter nacionalidade originária timorense;



b) Ter idade não inferior a 25 anos de idade nem superior a 35;



c) Submeter-se às condições de recrutamento e selecção;



d) Não desempenhar quaisquer cargos político-partidários;



e) Não ter sido condenado por crimes de delito comum a que corresponda pena de prisão;



f) Não ter participado em quaisquer actos contra o Estado de Direito constitucionalmente estabelecido;



g) Não ter colaborado com qualquer serviço de informações estrangeiro.



Artigo 18º

Direitos



Para além dos direitos consagrados no Estatuto da Função Pública, aos membros do SNI assistem os seguintes direitos:



a) Receber preparação específica para o exercício das suas funções;



b) Uso e porte de arma de fogo em condições a regulamentar pelo Director-Geral do SNI;



c) Livre-trânsito em lugares públicos de acesso condicionado, mediante exibição do respectivo cartão;



d) Beneficiar de estatuto remuneratório específico;



e) Beneficiar, para efeitos de aposentação, de um acréscimo de 25% em relação ao tempo de serviço prestado.



Artigo 19º

Restrições



1. Os membros do SNI estão sujeitos às seguintes restrições:



a) Exercem as suas funções em regime de exclusividade, não podendo exercer qualquer outra actividade, incluindo as de natureza liberal ou empresarial;



b) Não convocarem nem participarem em quaisquer activi-dades político-partidárias e sindicais;



c) Não proferirem declarações públicas de carácter político, partidário ou sindical;



d) Não exercerem o direito de greve.



2. Os membros do SNI consideram-se disponíveis permanen-temente para o serviço.



CAPÍTULO IV

DISCIPLINA



Artigo 20º

Normas aplicáveis



Em matéria disciplinar é subsidiariamente aplicável ao pessoal do SNI, em tudo o que não esteja expressamente previsto no presente diploma, o disposto para a Administração Pública em geral.



Artigo 21º

Infracções Disciplinares



1. Constitui infracção disciplinar a violação, por funcionário ou agente do SNI, dos respectivos deveres funcionais, in-cluindo, nomeadamente:



a) A prática, com prevalência da sua qualidade ou função, de facto que esteja fora das atribuições e competência do serviço;



b) O acesso, uso ou comunicação de dados ou informa-ções, com violação das regras relativas a essas activi-dades;



2. A tentativa e negligência são puníveis.



Artigo 22º

Sanções disciplinares



1. São aplicáveis aos funcionários e agentes do SNI as san-ções disciplinares previstas no Estatuto Disciplinar da Fun-ção Pública.



2. São sanções especiais aplicáveis aos funcionários e agentes do SNI:



a) A cessação da comissão de serviço;



b) A rescisão do contrato administrativo de provimento.



Artigo 23º

Competência disciplinar



1. O Director-Geral do SNI tem competência para aplicar qual-quer sanção disciplinar.



2. Os Directores Gerais Adjuntos, em relação aos funcionários colocados nos serviços que deles dependem, têm compe-tência para aplicar qualquer sanção disciplinar até à pena de suspensão inclusive.



Artigo 24º

Suspensão Preventiva



Sempre que a sua presença se revele inconveniente para o serviço, ou para o apuramento da verdade, pode ser decretada a suspensão preventiva do funcionário ou agente.



Capítulo V

Centro de dados



Artigo 25º

Centro de Processamento de Dados



1. O SNI dispõe de um Centro de Dados, compatível com a natureza do serviço, ao qual compete processar e conservar em arquivos apropriados os dados e informações recolhi-das no âmbito da sua actividade.



2. O Centro de dados será criado de forma compartimentada, com base na natureza específica de cada um dos órgãos e serviços do SNI.



Artigo 26º

Funcionamento



Os critérios e normas técnicas necessárias ao funcionamento do Centro de Dados, bem como os regulamentos indispen-sáveis à garantia da segurança das informações processadas, são aprovados pelo Conselho de Ministros, devendo ser ouvida a Comissão Interministerial de Segurança Interna.



Artigo 27º

Acesso às Bases de Dados



1. Os funcionários ou agentes, civis ou militares, só podem ter acesso a dados e informações conservados no Centro de Dados, desde que autorizados pelos respectivos su-periores hierárquicos, sendo proibida a sua utilização para fins estranhos aos do SNI.



2. Sem prejuízo dos poderes de fiscalização previstos na lei para o Conselho de Fiscalização, nenhuma entidade estra-nha ao SNI pode ter acesso directo aos dados e informações conservadas no Centro de Dados.



Artigo 28º

Cancelamento e rectificação de dados



1. Se se produzir erro na imputação de dados ou informações, ou se verificar alguma irregularidade no seu tratamento, a entidade processadora fica obrigada a dar conhecimento do facto ao Conselho de Fiscalização.



2. Quem por acto de qualquer funcionário, ou agente de auto-ridade ou no decurso de processo judicial ou adminis-trativo, tiver conhecimento de dados que lhe digam respeito e que considere erróneos, irregularmente obtidos ou viola-dores dos seus direitos, liberdades e garantias pessoais, pode, sem prejuízo do direito de recorrer aos tribunais, requerer ao Conselho de Fiscalização que proceda às verificações necessárias e ordene o seu cancelamento ou a rectificação dos dados que se mostrarem incompletos e erróneos.



CAPÍTULO VI

SEGURANÇA



Artigo 29º

Regras de Segurança



1. As actividades do SNI são consideradas, para todos os efeitos, classificadas e de interesse para a segurança na-cional.



2. São abrangidos pelo Segredo de Estado todos os docu-mentos respeitantes às matérias referidas no artigo 3º.



3. A actividade de pesquisa, recolha, análise, interpretação, classificação e conservação de informações relacionada com as atribuições do SNI, bem como o respectivo resul-tado, estão sujeitos ao dever de sigilo.



Artigo 30º

Prestação de depoimentos ou declarações



1. Nenhum membro do SNI chamado a depor ou a prestar declarações perante autoridades judiciárias, pode revelar factos abrangidos pelo Segredo de Estado ou ser inquirido sobre os mesmos.



2. Se a autoridade judicial considerar injustificada a recusa invocada, nos termos do número anterior, poderá solicitar confirmação junto do Primeiro-Ministro.





CAPÍTULO VII

DISPOSIÇÕES FINAIS



Artigo 31º

Nomeação e exoneração



1. Os despachos de nomeação e exoneração dos funcionários e agentes do SNI não carecem de visto da Comissão do Or-çamento Nacional nem de publicação no Jornal da Re-pública.



2. Os funcionários e agentes do SNI consideram-se em serviço a partir da tomada de posse.



Artigo 32º

Omissões



Às dúvidas e omissões resultantes da interpretação e aplicação da presente lei aplica-se subsidiariamente, o Estatuto da Função Pública.



Artigo 33º

Entrada em vigor



Este diploma entra em vigor 30 dias após a sua publicação.



Aprovado em Conselho de Ministros de 6 de Outubro de 2008.





O Primeiro-Ministro,





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Kay Rala Xanana Gusmão





Promulgado em 18/12/08



Publique-se.





O Presidente da República,





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José Ramos-Horta