REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DE TIMOR-LESTE

REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DE TIMOR-LESTE

RELATÓRIO

2/Const/2009/TR

Acórdão do Colectivo de Juízes do Tribunal de Recurso, Cláudio de Jesus Ximenes, Presidente e Relator, Maria Natércia Gusmão Pereira e Antonino Gonçalves:





I. Sua Excelência o Presidente da Republica solicita ao Tribunal de Recurso a apreciação preventiva da constituciona-lidade do Decreto do Parlamento Nacional nº 22/II, sobre “Lideranças Comunitárias e Sua Eleição”, enviado para promulgação, ao abrigo dos artigos 149°, nº 1 e 2, e 164° da Constituição, por ter entender que esse decreto contém normas que violam a Constituição, dizendo, em conclusão:



a) O Decreto nº 22/11 sobre Lideranças Comunitárias e a sua Eleição, dispõe no sentido de os Conselhos de Suco serem eleitos por sufrágio maioritário sob listas fechadas.



b) Dispõe ainda sobre a exclusão dos partidos políticos do processo eleitoral, nomeadamente da apresentação de candidaturas.



c) O apuramento maioritário pode levar à eleição da lista que recolha sufrágio não representativo, em caso de se apresentarem à eleição uma miríade de candidaturas, como permitem as soluções do subsídio público eleitoral e da ilimitação.



d) A lista fechada impede, por sua vez, a integração dos Conselhos de Suco por chefes directamente eleitos de cada uma das aldeias, base comunitária elementar, mas designados sem representatividade normativa por quem tiver a iniciativa da apresentação da candidatura.



e) Deste modo, os artigos 5°, 21°, 22°, 24°, 25° e 35° do Decreto nº 22/II sobre Lideranças Comunitárias e a sua Eleição: infringem os artigos 7°, 46°/1.2.3, 65°, 70° e 72° da CRDTL.



f) Em síntese: O decreto enviado pelo Parlamento Nacional para promulgação pelo Presidente da República, tra-tando do regime jurídico eleitoral de um órgão do poder local, propõe um regime de escolha popular dos titula-res, desobedecendo ao princípio da participação politica universal, incluindo a representação e congregação da minoria e afastando o sistema constitucional da mediação dos partidos políticos, expressão organizada da vontade popular.



Notificados do requerimento, o Parlamento Nacional e o Ministério Público apresentaram as respectivas posições sobre a questão.



O Ministério Público pronunciou-se pela inconstitucionalidade do Decreto 22/II, por entender que os órgãos do suco são órgãos de poder local, face aos disposto nos artigos 2º, 4º, 10º, 11º e 12º desse decreto e no artigo 72º, nº 1, da Constitui-ção, e na sua eleição não se pode negar a participação dos partidos, face ao disposto nos artigos 46º e 24º da Constituição, e tem que se utilizar a o sistema proporcional, por força do disposto no artigo 65º, nº 4, deste diploma.



O Parlamento Nacional defende a constitucionalidade do Decreto 22/II, argumentando, em síntese, que:



As actividades desempenhadas pelos Conselhos de Suco interessam ao Estado, que ocasionalmente as subsidia, por considerá-las de interesse público;



Este interesse público consubstancia-se em manter um canal de comunicação aberto com as comunidades dispersas pelo território nacional, servindo mutuamente os interesses da comu-nidade e do Estado, reconhecendo, assim, uma forma legítima de comunicação entre o Estado e os cidadãos;



Com os Conselhos de Sucos, viu assim o Estado suprido um obstáculo à prestação de serviços, sobretudo nas comuni-dades mais remotas e de difícil acesso;



Da leitura do artigo 72º da Constituição fica claro que “o poder local é constituído por pessoas colectivas de território dotadas de órgãos representativos com o objectivo de organizar a participação do cidadão dos problemas próprios da sua comunidade e promover o desenvolvimento local”;



Por outro lado, o artigo 5º esclarece que “O Estado respeita, na sua organização territorial, o princípio da descentralização da Administração Pública”. Diz ainda que “A lei define e fixa as características dos diferentes escalões territoriais, bem como as competências administrativas dos respectivos órgãos”;



Os sucos e conselhos de suco não podem ser definidos como poder local, pois o poder local é constituído por pessoas colectivas de território, ou seja, por divisões administrativas do território de Timor-Leste;



Para além disso, analisando as competências atribuídas por qualquer diploma legislativo aos Sucos, não se identifica ne-nhuma que seja privativa do Estado, nem mesmo aquelas refe-ridas pelo Senhor Presidente da República, como o caso do registo civil, em que o chefe do Suco se limita a fornecer uma declaração confirmando dados civis do cidadão, que pos-teriormente é utilizada pela Direcção Nacional do Registo Civil para a emissão da certidão competente – o Chefe do Suco ape-nas colabora, prestando uma declaração à qual se reconhece fé pública para a emissão do documento pelo Estado;



O Senhor Presidente da República anda bem ao reconhecer as lideranças comunitárias como um fenómeno do ordenamento jurídico que se situa no âmbito genérico do poder político – como uma manifestação social na qual se envolvem cidadãos democraticamente escolhidos e que exercem um poder de representação de uma determinada comunidade;



A esse fenómeno não se nega a natureza de poder político, porém, não nos estritos termos da Constituição, que é muito clara ao restringir o poder politico aos órgãos de soberania e de poder local;



Logo, qualquer herança de poder local, que eventualmente tenha raízes nos usos e costumes locais não foi acolhida pela Constituição que delimitou formalmente o poder político aos órgãos de soberania e de poder local;



Assim, os Sucos nunca poderão ser considerados como poder local, pois não são reconhecidos pela Constituição, não são pessoas colectivas de território e não foram em circunstância alguma reconhecidos pela lei como tal;



Recentemente o Governo apresentou um conjunto de legis-lação ao Parlamento Nacional que visa a criação de poder local em Timor-Leste, nomeadamente a lei da divisão administrativa do território, a lei do poder local e a lei para eleição municipal, para além das lideranças comunitárias;



Tais leis devem ser entendidas em conjunto, pois reflectem uma opção politica para a concretização do mandamento constitucional;



O sistema de lista aberta e o de lista fechada são reconhecida-mente democráticos e usados largamente em todo o mundo;



Se adoptado o sistema de lista aberta proposto pela presidência, como na última eleição para os sucos, basta que uma candida-tura seja sustentada por 10% dos participantes do encontro comunitário, para ser considerada válida para a participação na eleição;



Por ser um critério mais flexível, potencializa a apresentação de muito mais listas para a eleição do que a proposta consagrada no decreto onde se propõe a formalização das candidaturas através de lista fechada;



A opção recaiu pela formalização das candidaturas por lista fechada porque, assim, elas corporizam uma manifestação de consenso, onde se forma uma equipa afinada para discutir e propor soluções para os problemas da comunidade;



Representado o interesse da comunidade perante a Adminis-tração ou mais tarde, como se prevê que venha a ocorrer, junto do poder local: os Municípios;



A alternativa de eleições através de listas abertas é manifesta-mente mais desfavorável, porque não garante a tradução clara em mandatos da vontade popular;



Para melhor entender a presença do Lian Nain nos Conselhos de Suco há que perceber, num primeiro momento a sua posição social numa comunidade, sobretudo num conjunto de aldeias que formam o suco;



Os Lian Nain de cada suco não estão ao mesmo nível hierár-quico, havendo reconhecidamente nas comunidades um Lian Nain de maior grau hierárquico, tornando inviável, e até perturbador, a rotatividade entre Lian Nain de diferente nível hierárquico;



Neste sentido, o decreto aprovado preferiu adoptar a indicação do Lian Nain pelo conselho de Suco, na sua primeira reunião, não impedindo que futuramente, o conselho, atendendo a uma decisão da comunidade, não promova a indicação de outro Lian Nain para sua composição;



Portanto, a indicação daquele Lian Nain que é reconhecido na comunidade como de maior hierarquia, está de acordo com os costumes e tradições de Timor-Leste, como determinado pelo nº 4 do artigo 2º da Constituição;



Como não estamos no plano do poder local, esta variante de indicação do Lian Nain é admissível, pois vai beber inspiração às mais profundas tradições timorenses, garantindo a aceitação o reconhecimento das comunidades;



Relativamente ao financiamento das candidaturas, o financiamento ainda vai ser definido por decreto-lei do Go-verno que certamente vai levar em consideração o número de listas de candidatura aprovadas pela CNE;



Limitando-se a valores considerados compatíveis com os limites estabelecidos pelo Orçamento do Estado;



Apenas os órgãos de soberania e de poder local estão clara-mente definidos pela Constituição como órgãos de poder polí-tico, não havendo margem para uma interpretação alargada deste preceito constitucional;



O legislador constitucional quis limitar os órgãos de poder politica apenas aos órgãos de soberania e ao poder local, e nada mais;



A Constituição garante a participação dos partidos políticos nos órgãos do poder político, que a própria Constituição delimita como sendo os órgãos de soberania e os órgãos do poder local;



Portanto, não está garantida na Constituição a participação dos partidos políticos nas eleições, que não nas dos órgãos de soberania e do poder local;

Acresce, que todo cidadão tem o direito de participar por si ou por representante democraticamente eleito, na vida politica do país;



O que não significa somente por meio de partidos políticos, atento o artigo 46º da Constituição;



Também é importante destacar que os candidatos não podem se vincular a partidos políticos, mas a lei não impede que um partido político apoie um candidato;



Por isso, está claro que não existe nenhuma exigência constitu-cional para que os partidos políticos participem nas eleições para as lideranças comunitárias;



Está perfeitamente de acordo com o ordenamento constitu-cional o decreto que afasta os partidos políticos de apresen-tarem listas de candidaturas e de se envolverem directamente na campanha eleitoral para as lideranças comunitárias.



É importante também mencionar que durante as audiências públicas efectuadas pelo Governo e que se estenderam por mais de um ano e meio a maioria dos chefes de suco e aldeia, as comunidades, incluindo ONGs, manifestaram seu apoio a não participação dos partidos políticos na eleição.



II. Cumpre decidir.



Temos que decidir neste processo (a) se o Decreto nº 22/II sobre Lideranças Comunitárias e a sua Eleição viola alguma norma da Constituição ao excluir os partidos políticos do processo eleitoral das lideranças comunitárias, nomeadamente da apresentação e apoio de candidaturas; (b) se o Decreto nº 22/II viola alguma norma da Constituição por estabelecer que os Conselhos de Suco são eleitos por sufrágio maioritário sob listas fechadas e/ou que o lia nain é designado através de eleição indirecta pelo conselho de suco.



1. Se o Decreto nº 22/11 sobre Lideranças Comunitárias e a sua Eleição viola alguma norma da Constituição ao excluir os partidos políticos do processo eleitoral das lideranças comunitárias, nomeadamente da apresentação e apoio de candidaturas



A questão fundamental que se coloca se coloca neste processo e divide o Senhor Presidente da República e o Ministério Público, por um lado e o Parlamento Nacional, por outro, consiste em determinar se os Chefes e Suco e de Aldeia e os Conselhos de Suco são órgãos representativos de poder local, para os fins consignados no artigo 72º da CRDTL.



É o seguinte o teor dos artigos em causa do Decreto nº 22/II, ora em análise:



Artigo 21°

Apresentação de candidaturas



1. Apresentam-se as candidaturas por lista complete, em dia e local marcados pelo STAE, de entre os cidadãos residentes e registados como eleitores naquele suco e aldeia.



2. Juntamente com a lista, os candidatos apresentam os seus suplentes e a carta de aceitação da candidatura.



3. Não é admitida lista de candidatura apresentada por partido político.



4. A apresentação pública dos candidatos é feita durante encontro comunitário convocado pelo STAE nos termos da lei.



5. As demais normas de procedimento constarão de regula-mento a ser elaborado pelo STAE e aprovado pela CNE com uma antecedência mínima de sessenta dias da data marcada para a eleição.



Artigo 24°

Princípios da campanha eleitoral



1. A campanha eleitoral 6 conduzida no respeito pelos seguin-tes princípios:



a) Liberdade de propaganda eleitoral;



b) Proibição de vinculação da candidatura a partido politico;



c) Igualdade de oportunidades e de tratamento das diver-sas candidaturas;



d) Imparcialidade das entidades públicas perante as candidaturas;



e) Transparência e fiscalização das contas eleitorais.



2. A CNE verifica o respeito por estes princípios e adopta me-didas tendentes a encorajar o funcionamento pacífico da campanha.



Sustenta o Senhor Presidente da República que os aludidos artigos violam o disposto nos artigos 7°, nº 2, 46°, nº 1 e 2, 65°, 70°, nº 1, e 72° da CRDTL.



Escreve-se no douto requerimento do Senhor Presidente da República:



Nos termos do decreto “sub judice” as decisões do Conselho de Suco não comprometem o Estado; no entanto, exigem uma estreita cooperação com as autoridades políticas.



As competências que lhes são atribuídas excedem, entretanto, a mera representação comunitária: “compete ao Conselho de Suco (a) ... a elaboração de um plano anual de desenvolvimento para o suco; (b) ... busca de soluções com vista ao desenvolvi-mento de actividades no Suco; (3) identificar, planear e fazer o acompanhamento da execução das actividades nas áreas da saúde, educação, meio ambiente, promoção do emprego e segurança alimentar, entre outras a serem realizadas em prol do desenvolvimento do Suco; ... (h) colaborar com o governo e com a Administração Municipal na implementação de progra-mas e actividades que visem promover o desenvolvimento do Suco (artigo 12°).



Estas tarefas são claramente tarefas de governo autárquico, devendo este órgão ser considerado parte do poder local.



Acresce de qualquer modo que compete ao Chefe de Suco “exercer quaisquer outras funções (...) que sejam conformes com a natureza das suas funções ou atribuídas pelo governo ou pela Administração Municipal”.



Mas o presente decreto não esclarece, em relação às tarefas que lhe sejam atribuídas pelo Estado e pelos Municípios, se obrigam ou não o Estado.



Actualmente, já são exercidas pelos Chefes de Suco, funções básicas das atribuições do Estado: registo civil, pagamentos de subsídios e apoios financeiros e estas funções não se des-tinam à mera regulação da vida comunitária, mas antes são verdadeiras funções de interesse nacional, endereçadas à unidade funcional da base do poder local.



Aliás, se outros argumentos não houvera, apenas se compre-ende a utilização da máquina do Estado para estas eleições, por se tratar da eleição de órgãos do poder político.



Em suma: o exercício de características funções do Estado, na dominante de órgão de poder local, incluída, define os Conse-lhos de Suco como órgãos do poder político e como tal a proi-bição aos Partidos Políticos de apresentarem listas é contrária à Constituição.



As normas constitucionais em questão prescrevem o seguinte:



Artigo 7º

(Sufrágio universal e multipartidarismo)



1. O povo exerce o poder político através do sufrágio universal, livre, igual, directo, secreto e periódico e através das demais formas previstas na Constituição.



2. O Estado valoriza o contributo dos partidos políticos para a expressão organizada da vontade popular e para a parti-cipação democrática do cidadão na governação do país.



Artigo 46º

(Direito de participação política)



1. Todo o cidadão tem o direito de participar, por si ou através de representantes democraticamente eleitos, na vida política e nos assuntos públicos do país.



2. Todo o cidadão tem o direito de constituir e de participar em partidos políticos.



3. A constituição e a organização dos partidos políticos são reguladas por lei.



Artigo 65º

(Eleições)



1. Os órgãos eleitos de soberania e do poder local são esco-lhidos através de eleições, mediante sufrágio universal, livre, directo, secreto, pessoal e periódico.



2. O recenseamento eleitoral é obrigatório, oficioso, único e universal, sendo actualizado para cada eleição.



3. As campanhas eleitorais regem-se pelos seguintes princípios:



a) Liberdade de propaganda eleitoral;



b) Igualdade de oportunidades e de tratamento das diversas candidaturas;



c) Imparcialidade das entidades públicas perante as candidaturas;



d) Transparência e fiscalização das contas eleitorais.



4. A conversão dos votos em mandatos obedece ao sistema de representação proporcional.



5. O processo eleitoral é regulado por lei.



6. A supervisão do recenseamento e dos actos eleitorais cabe a um órgão independente, cujas competências, composição, organização e funcionamento são fixados por lei.



Artigo 70º

(Partidos políticos e direito de oposição)



1. Os partidos políticos participam nos órgãos do poder polí-tico de acordo com a sua representatividade democrática, baseada no sufrágio universal e directo.



2. É reconhecido aos partidos políticos o direito à oposição democrática, assim como o direito a serem informados, regular e directamente, sobre o andamento dos principais assuntos de interesse nacional.



Artigo 72º

(Poder local)



1. O poder local é constituído por pessoas colectivas de terri-tório dotadas de órgãos representativos, com o objectivo de organizar a participação do cidadão na solução dos problemas próprios da sua comunidade e promover o desenvolvimento local, sem prejuízo da participação do Estado.



2. A organização, a competência, o funcionamento e a compo-sição dos órgãos de poder local são definidos por lei.



Relativamente à questão, convergem o Ilustre Requerente e o Parlamento Nacional no seguinte:



«O Estado surge em virtude de se instituir um poder que transforma uma colectividade em povo...



«O Estado existe para resolver problemas da sociedade, quotidianamente, existe para garantir segurança, fazer justiça, promover a comunicação entre os homens, dar-lhes paz e bem-estar e progresso.



«O poder político (assim) é um poder constituinte enquanto molda o Estado segundo uma ideia, um projecto, um fim de organização.

«É um poder de decisão no momento presente, de escolher entre opções diversas, de praticar os actos pelos quais satisfaz pretensões generalizadas ou individualizadas das pessoas ou dos grupos» - Jorge Miranda, “Manual de Direito Constitucio-nal”, tomo III, 5ª edição, págs. 165 e 166.



O poder político é essencialmente uma vontade. Nas democra-cias ele é vontade da maioria para realizar o bem público. É a vontade de que os governantes, eleitos pelo povo, realizem o que o próprio povo entende ser o bem público.



Actos políticos são os praticados no desempenho da função política e têm por objecto directo e imediato a conservação da sociedade política e a definição e prossecução dos interesses essenciais da colectividade mediante a livre escolha dos rumos ou soluções consideradas preferíveis, exprimindo tais actos, precisamente, as opções do poder político.



No âmbito da função política cabe, designadamente, definir primária e globalmente o interesse público, interpretando-se os fins do Estado e elegendo os meios que em cada momento sejam tidos por adequados à sua concreta prossecução. Vejam-se Freitas do Amaral, “Curso de Direito Administrativo”, pág. 46, Sérvulo Correia, “Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos”, págs. 280/282 e 768, Vieira de Andrade, “A Justiça Administrativa”, 2ª edição, pág. 14, Marcelo Rebelo de Sousa, “Lições de Direito Administrativo”, Vol. I, pág. 9, Jorge Miranda, “A Competência do Governo na Governo na Constituição de 1976”, em “Estudos sobre a Constituição”, Vol. II, pág. 637, e “Órgãos e actos do Estado”, pág. 24, Mário Esteves de Oliveira, “Noções de Direito Administrativo”, pág. 29, e Gomes Canotilho, “Direito Constitucional”, 5ª Edição, págs. 762, 763 e 765.



Sobre esta questão importa considerar o que dispõe o Decreto 22/II:



Artigo 2º

Definição de liderança comunitária



1. A liderança comunitária é o colectivo que tem por objectivo organizar a participação da comunidade na solução dos seus problemas, zelar pelos seus interesses e representá-la sempre que necessário.



2. A liderança comunitária é exercida pelo Chefe de Suco e pelo Conselho de Suco, nos limites do Suco e respectivas aldeias, eleitos de acordo com as disposições desta lei.



3. Os líderes comunitários não pertencem à Administração Pública e as suas decisões não obrigam o Estado.



Artigo 3°

Definição e delimitação de suco e aldeia



1. O suco é uma organização comunitária formada com base em circunstâncias históricas, culturais e tradicionais e que tem área estabelecida no território nacional e população definida.



2. A aldeia compõe-se de um agregado populacional unido por laços familiares e tradicionais e ligado aos sucos por relações históricas e geográficas.

3. Compete ao Governo delimitar o número e a área dos sucos e respectivas aldeias.



Artigo 4º

Chefe de Suco e Conselho de Suco



O Chefe de Suco é o líder comunitário eleito para dirigir as actividades desenvolvidas pela comunidade num determinado suco, em áreas que concorrem para a consolidação da unidade nacional e para a produção de bens e serviços com vista à satisfação das necessidades básicas de vida e desenvolvimen-to, em estreita articulação com o Conselho de Suco.



Artigo 5°

Conselho de Suco



1. O Conselho de Suco é o órgão colectivo e consultivo do Suco, que se destina a coadjuvar e aconselhar o Chefe de Suco no exercício das suas funções, cabendo-lhe trabalhar em favor dos interesses da comunidade local e sem prejuízo dos interesses nacionais.



2. O Conselho de Suco é composto pelo Chefe de Suco, pelos chefes de todas as aldeias que compõem o suco e ainda pelos seguintes membros:



a) Duas mulheres;



b) Dois jovens, um por cada sexo;



c) Um ancião ou anciã;



d) Um lian nain.



3. O lian nain não é eleito, mas indicado pelo Conselho de Suco na sua primeira reunião.



4. Para os efeitos da presente lei, entende-se por “jovem” quem no dia das eleições tiver idade compreendida entre os dezassete e os trinta anos de idade e por “ancião” aquele que no dia das eleições tiver idade superior a sessenta anos.



Sobre competências importa considerar os seguintes artigos:



Artigo 10°

Área de actividades



1. As actividades do Chefe de Suco e do Conselho de Suco podem desenvolver-se em áreas tais como:



a) Paz e harmonia social;



b) Recenseamento e registo da população;



c) Educação cívica;



d) Promoção das línguas oficiais;



e) Desenvolvimento económico;



f) Segurança alimentar;

g) Protecção do meio ambiente;



h) Educação, cultura e desporto;



i) Auxílio na manutenção de infra-estruturas sociais tais como habitação, escolas, postos de saúde, abertura de poços de água, estradas e comunicação.



2. As actividades do Chefe de Suco e do Conselho de Suco não podem desenvolver-se com prejuízo dos programas e planos nacionais aprovados pelo Governo.



Artigo 11º

Competências do Chefe de Suco



1. Compete ao Chefe de Suco representar o Suco e presidir às reuniões do Conselho de Suco, devendo agir com imparcia-lidade e independência no exercício das suas funções.



2. Compete-lhe ainda:



a) Coordenar a implementação das decisões tomadas pelo Conselho de Suco e, em coordenação com os outros membros do Conselho de Suco, promover um processo contínuo de consulta e discussão com toda a comuni-dade sobre o planeamento e execução de programas de desenvolvimento comunitário;



b) Cooperar com a Administração Municipal e os representantes do Governo sobre os procedimentos a adoptar no desenvolvimento das actividades do Suco;



c) Favorecer a resolução de pequenos conflitos que envolvam duas ou mais Aldeias do Suco;



d) Promover a criação de mecanismos de prevenção da violência doméstica;



e) Apoiar as iniciativas que tenham por fim o acompa-nhamento e a protecção da vítima de violência domés-tica e o tratamento e a punição do agressor, de forma a eliminar a ocorrência de tais casos na comunidade;



f) Solicitar a intervenção das forças de segurança em caso de conflitos não solucionáveis a nível local e sempre que ocorram crimes ou distúrbios;



g) Apresentar para aprovação do Conselho de Suco o relatório anual financeiro e das actividades desenvol-vidas;



h) Exercer quaisquer outras funções que sejam conformes com a natureza das suas funções ou atribuídas pelo Governo ou pela Administração Municipal.



Artigo 12º

Competências do Conselho de Suco



Compete ao Conselho de Suco:



a) Apoiar o Chefe de Suco na elaboração de um plano anual de desenvolvimento para o Suco;

b) Aconselhar o Chefe de Suco na busca de soluções com vista ao desenvolvimento de actividades no Suco;



c) Identificar, planear e fazer o acompanhamento da execu-ção das actividades nas áreas de saúde, educação, meio ambiente, promoção do emprego e segurança ali-mentar, entre outras a serem realizadas em prol do desen-volvimento do Suco;



d) Convocar reuniões ordinárias a nível do Suco com o objectivo de discutir planos e actividades de desenvol-vimento;



e) Promover o respeito pelo princípio da igualdade;



f) Promover o respeito pelo meio ambiente;



g) Velar pelo respeito pelos usos e tradições do Suco;



h) Colaborar com o Governo e com a Administração Municipal na implementação de programas e actividades que visem promover o desenvolvimento do Suco;



i) Prestar contas ao Ministério da Administração Estatal e Ordenamento do Território dos recursos recebidos do Orçamento Geral do Estado.



Daqui pode-se concluir que os órgãos dos sucos praticam actos políticos. Tal constatação resulta evidente do confronto dos artigos referidos com os artigos 95º, 96º, e 115º da CRDTL.



Mas serão os órgãos dos sucos órgãos políticos?



Em democracia os órgãos políticos são aqueles que são eleitos directamente pelo povo a nível nacional e que têm por função definir o interesse geral da colectividade e definir as grandes opções que o país enfrenta ao traçar os rumos do seu destino colectivo.



Daí que se conclua com Freitas do Amaral, que «a política pertence por natureza aos órgãos superiores do Estado» - obra e volume citados, pág. 46.



Efectivamente, órgãos políticos só podem ser aqueles que a própria Constituição enumera, face ao princípio da tipicidade constitucional, que impede a existência de outras formas de exercício do poder político, para além das que constam da própria constituição – Gomes Canotilho, “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Vol. I, Coimbra 2007, pág. 287.



Importa então verificar se os órgãos em causa (Chefes de Suco e de Aldeia e Conselhos de Suco) obedecem ou não ao aludido princípio da tipicidade, ou seja, se estamos perante órgãos de poder local, previstos no artigo 72º da CRDTL.



Na definição de Laical Dowbor, em “O que é Poder Local?”, Editora Brasiliense, Coleção Primeiros Passos, São Paulo 1995, pág. 27, o poder local é um sistema organizado de consensos da sociedade civil num espaço limitado.



«A questão do poder local está rapidamente emergindo para se tornar uma das questões fundamentais da nossa organização como sociedade. Referido como “local authority” em inglês, “communautés locales” em francês, ou ainda como “espaço local”, o poder local está no centro do conjunto de transfor-mações que envolvem a descentralização, a desburocratização e a participação, bem como as chamadas novas “tecnologias urbanas”» - Laical Dowbor, ob. cit., pág. 2.



Entende-se por poder local a composição de forças, acções e expressões organizativas no nível da comunidade, do município ou da micro-região, que contribuem para satisfazer as necessidades, interesses e aspirações da população local para a melhoria de suas condições de vida: económicas, sociais, culturais, políticas etc. – Lucia Czer, “O Poder local e o princípio de participação”, pág. 1.



A Constituição timorense reconhece às comunidades locais uma verdadeira autonomia face ao Estado-administração, constituindo o poder local uma autêntica “administração autónoma”, concebida como parte integrante da “organização democrática do Estado” (artigo 72º, nº 1, da CRDTL) e expressão do auto governo das populações no âmbito de cada circuns-crição territorial.



«As autarquias locais existem, não para realizarem interesses gerais da organização central do Estado, mas, para prosse-guirem os interesses específicos das respectivas populações através de órgãos próprios (...). Realização de interesses próprios (específicos das respectivas colectividades) através de órgãos próprios (eleitos pelos próprios componentes das colectividades), eis o que caracteriza as autarquias locais como administração autónoma», «a autonomia local no texto constitucional está orientada, não apenas para a eficácia e a funcionalidade do conjunto da administração pública, mas também para a realização da democracia e equilíbrio dos diver-sos pólos de poder que o pluralismo social nos consente» - J. Casalta Nabais, “A Autonomia Local (Alguns Aspectos Gerais)”, Coimbra, 1990, separata do número especial do Bole-tim da Faculdade de Direito de Coimbra, “Estudos em Homena-gem ao Prof. Doutor Afonso Rodrigues Queiró”, 1986, pág. 51, 53 e 54.



Porém, poder local não é apenas o conjunto de forças sociais que actuam numa comunidade, mas uma instância do Estado que tem abrangência num determinado âmbito territorial – David Capistrano Filho, “O poder local e a habitação popular”, pág. 1.



Embora a população de um determinado território constitua o verdadeiro substrato da pessoa colectiva, o território é ele mesmo um elemento fundamental do poder local.



Na definição de Marcello Caetano, tratam-se de «pessoas colectivas públicas de população e território, correspondentes aos agregados de residentes em diversas circunscrições do território nacional, e que asseguram a prossecução dos interes-ses comuns resultantes da vizinhança, mediante órgãos pró-prios representativos dos respectivos habitantes» - Manual de Direito Administrativo”, Vol. I, pág. 193.



A relevância do território na definição do poder local é igualmente enfatizada por Freitas do Amaral (“Curso de Direito Administrativo”, 2ª Ed., Vol. I, págs. 418 a 421), como bem acentuado pelo Parlamento Nacional.



Segundo a Constituição de Timor-Leste, “o poder local é constituído por pessoas colectivas de território” (artigo 72, nº 1); é da competência exclusiva do Parlamento Nacional legislar sobre a divisão territorial (artigo 95º, nº 2, alínea g); “a lei define e fixa as características dos diferentes territórios, bem como as competências administrativas dos respectivos órgãos” (artigo 5º, nº 2); “a organização, competência, funcionamento e a composição dos órgãos do poder local são definidos por lei” (artigo 72º, nº 2).



Ou seja, a Constituição define o poder local como pessoas colectivas de território, e comete ao Parlamento Nacional a definição das características e do território das pessoas colectivas de território que o constituirão. «O poder político é um poder constituinte enquanto modula o Estado segundo uma ideia, um projecto, um fim de organização» – Jorge Miranda, obra citada, pág. 165.



Os sucos não estão definidos na lei como divisão adminis-trativa do território timorense. O Decreto 22/II também não define os sucos como divisão administrativa do território, e, portanto, não lhes confere o estatuto de autarquia local, tal como o não fez a Lei 2/2004. O poder dos sucos, segundo esse Decreto, mais não é mais do que um poder de mera colaboração com o Estado, já que os seus membros não têm vínculo laboral ou de qualquer outra natureza com o Estado (artigo 2º, nº 3) e as competências que lhes atribui não são privativas do Estado (artigos 10º, 11º e 12º).



Durante a administração portuguesa, os sucos conheceram relativa autonomia de facto, por conveniência da própria administração de então, que se colocou no topo da organização tradicional, deixando-a intacta, mas sem atribuir aos sucos a natureza de divisão territorial administrativa. Essa situação manteve-se durante a administração indonésia. Desde a restauração da independência de Timor-Leste, em 20 de Maio de 2002, até ao momento não foi atribuído aos sucos natureza de divisão territorial administrativa.



Os sucos representam os chamados “Corpos Intermédios”, que são, por sua natureza, anteriores ao próprio Estado e são os autênticos representantes do espírito associativo do Povo. A representação dos Corpos Intermédios na Assembleia do Povo é, por isso, a verdadeira Representação Nacional (António Jacinto Ferreira, «Poder Local e Corpos Intermédios», Lisboa, 1987).



Como acentua Norberto Bobbio, «movimentos sociais, associações voluntárias em geral, corpos intermediários, comités de fábricas, conselhos comunitários e municipais, juntas distritais, comunidades religiosas de base, órgãos colegiais e instituições culturais etc. são uma nova forma de se fazer política que se institui a cidadania colectiva. Uma cidadania que nasce com a participação democrática dos diversos sectores da sociedade na tomada de decisões e na solução dos problemas pela descentralização de competências, recursos e riquezas e pela criação de mecanismos de controle do Estado formando novas bases de legitimação» - “Dicionário de Política”, pág. 210.

Importa redefinir a cidadania, e em particular as instituições para que os espaços participativos coincidam com as instâncias de decisões significativas. As hierarquizações clássicas dos espaços já são insuficientes, ou inadequadas, precisamos de muito mais democracia, de uma visão mais horizontal e inter-conectada da estrutura social – Prof. Ladislau Dowbor, “Da Globalização ao Poder Local: a Nova Hierarquia dos Espaços”, pág. 11.



«A sociedade local aparece configurada sob a forma de uma comunidade em que se encaixam diversas comunidades me-nores. Estas comunidades encastoadas umas nas outras distin-guem-se, no entanto, em rigor, dos grupos de interesse. Estes, em sentido estrito, apresentam-se como grupos secundários, isto é, como associações de pessoas que lutam pela realização de um objectivo limitado e bem definido. É próprio da comuni-dade, ao contrário, a relação intersubjectiva e a prossecução da totalidade de interesses dos seus membros» - António Teixeira Fernandes, “Poder Local e Democracia”, ler.letras.up.pt, pág. 33.



«A despolitização da vida social gerada pelo Estado é superada pela mobilização assente numa densa rede de relações sociais. Estas relações e os movimentos sociais que delas poderão re-sultar são, de facto, os mecanismos construtores da história das sociedades» - António Teixeira Fernandes, op. cit., pág. 59.



Convém, pois, realçar a importância crescente das diversas formas de associação comunitária na sociedade hodierna, como aliás afirma pretender o Parlamento Nacional. Mas daqui não se pode concluir necessariamente pela sua transformação em instituições com natureza de órgãos de poder local.



Certamente, por reconhecer a sua importância, o Parlamento Nacional, como já fez com a Lei 2/2004, de 14 de Fevereiro, ainda vigente, através do Decreto 22/II, resolve conferir aos sucos e à liderança comunitária tratamento especial, nomeada-mente, regulando a composição e competência dos seus ór-gãos e utilizando a máquina do Estado para a sua eleição, mas sem lhes atribuir a natureza e as competências próprias de poder local.



O Decreto 22/II, tal como a Lei 2/2004, trata os sucos como organizações da sociedade civil ou mesmo de associações públicas que se diferenciam do poder político pela inexistência de canais permanentes de interlocução entre os diversos actores e as estruturas locais.



No caso vertente estaremos perante aquilo que se chamam associações públicas, pessoas colectivas públicas, de tipo associativo criadas (ou reconhecidas) para assegurar a prossecução de determinados interesses públicos pertencen-tes a um grupo de pessoas que se organizam para a sua pros-secução (v. Freitas do Amaral, ob. cit., pág. 400).



«As associações públicas são pessoas colectivas de tipo associativo: isso quer dizer que são associações de indivíduos, ou de pessoas colectivas, que se agrupam para prosseguirem os seus fins próprios, e que, por isso mesmo, dirigem, orientam e gerem os seus destinos, os seus bens, o seu pessoal e as suas finanças. São entes independentes» – idem.

Tal especificidade não resulta da Constituição mas do próprio Decreto ora em análise. Efectivamente, trata-se de estruturas organizativas tradicionais, que a lei ordinária veio reconhecer e ordenar, mas que não se podem qualificar, pelas razões expos-tas como órgãos de poder local.



Não sendo os sucos poder local, nada impede a exclusão dos partidos da apresentação de listas para eleição dos seus órgãos, já que a Constituição apenas impede essa exclusão em relação às eleições para os órgãos políticos nela previstos.



Não impondo a Constituição a obrigatoriedade da participação dos partidos na eleição dos órgãos dos sucos, fica ao critério do Parlamento Nacional optar ou não por essa participação; qualquer uma das opções seria legítima.



O Parlamento Nacional optou por excluir os partidos políticos de participar na eleição dos órgãos dos sucos, alterando nesse ponto a solução adoptada na Lei 2/2004; e explica na sua resposta ao requerimento presidencial porque o faz.



Não podemos ignorar que a apresentação de candidatos por via partidária às eleições dos sucos pode levar a que a vida política da comunidade local, enquanto democracia real, seja esquecida ou subalternizada e se transfira para as comunidades locais as preocupações e os afrontamentos partidários.



O Parlamento Nacional terá sido sensível a esse risco ao não acolher no Decreto 22/II a solução, consagrada na anterior Lei 2/2004, de admitir a participação dos partidos na eleição dos órgãos dos sucos, ao ver-se confrontado, como refere na sua resposta, com o facto de nas audiências públicas efectuadas pelo Governo se ter concluído que essa participação não era bem acolhida pela maioria dos chefes de suco e de aldeia e pelas comunidades, incluindo ONGs.



Concluímos, portanto, que o disposto nos artigos 21º, nº 3, e 24º, nº 1, alínea b), do Decreto do Parlamento Nacional nº 22/II não viola o disposto nos artigos 7º, nº 2, 46º e 70º da CRDTL.



2. Se o Decreto 22/II viola alguma norma da Constituição pelo facto de estabelecer que os Conselhos de Suco são eleitos por sufrágio maioritário sob listas fechadas e/ou que o lia-nain é designado através de eleição indirecta pelo conselho de suco.



Sobre este ponto argumenta o Senhor Presidente da República:

O decreto nº 22/II prevê um sistema de apuramento maioritário simples, em eleição com listas fechadas: permite eleger o Con-selho de Suco por uma minoria; exclui a possibilidade de repre-sentação das forças alternativas, nomeadamente ao nível da aldeia (artigos 21°, 22° e 35°).



Quanto mais listas se apresentarem à eleição, menor é a maioria que elege a lista vencedora. Por outro lado, perante listas fecha-das, acresce não existir possibilidade de se incluírem vozes minoritárias do Suco.



Mas, pelo contrário, uma previsão de listas abertas permite que se possam expressar vozes, para além da maioria, enquanto respeita sobretudo a unidade político-administrativa elementar: a aldeia.

Na verdade, não exige a uma mesma lista congregar todos os Chefes de Aldeia e antes permite que cada uma eleja o seu próprio chefe de aldeia, por maioria.



Enfim, é necessário, segundo a Constituição, um equilíbrio na base; ora, este modelo não permite verdadeira e fiel represen-tação comunitária.



Por outro lado, na eleição dos Lian Nain, quando, neste caso, o decreto prevê uma eleição indirecta pelo Conselho de Suco (artigo 5°), a norma está ferida da mesma ou, pelo menos, idên-tica ilegitimidade: será tanto mais grave, quanto menor for a maioria que elegeu a lista para o Conselho de Suco.



Com efeito, havendo vários Lian Nain em cada Suco, a eleição indirecta de apenas um deles pode gerar conflitos e ser politica-mente questionável, por não ser aceite pela base.



Este modelo pode comprometer, assim, o papel que actualmente é exercido pelos verdadeiros líderes comunitários: opõe-se por-ventura à norma da excepção expressa, na CRDTL, da admissi-bilidade do método eleitoral indirecto.



E, no entanto, uma eleição por sufrágio universal minimizaria este risco, podendo, embora, ser admitida a alternativa mínima de a lei prever um sistema rotativo que venha a permitir a todos os Lain Nain participar no Conselho de Suco.



Depois, no domínio do financiamento das candidaturas admitidas (artigo 25°), o Decreto nº 22/II potencia a proliferação de listas e permite subverter o processo eleitoral.



Na verdade, a concessão de um subsidio, proveniente do Orça-mento Geral do Estado, para financiamento da campanha elei-toral, aliado à lassidão dos requisites para apresentar as can-didaturas permite subverter o processo eleitoral através da apresentação de candidaturas com o objectivo de aproveitar só o financiamento do Estado, ou apenas para bloquear o pro-cesso eleitoral.



Por conseguinte, ao permitirem a eleição não representativa de órgãos da comunidade, os artigos 5° 21°, 22°, 25° e 35°, do Decreto nº 22/II sobre Lideranças Comunitárias e a sua Eleição violam os artigos 46º, nº 1, 65° e 72° da CRDTL.



É o seguinte o teor das aludidas disposições do Decreto nº 22/II:



Artigo 5°

Conselho de Suco



1. O Conselho de Suco é o órgão colectivo e consultivo do Suco, que se destina a coadjuvar e aconselhar o Chefe de Suco no exercício das suas funções, cabendo-lhe trabalhar em favor dos interesses da comunidade local e sem prejuízo dos interesses nacionais.



2. O Conselho de Suco é composto pelo Chefe de Suco, pelos chefes de todas as aldeias que compõem o suco e ainda pelos seguintes membros:



a) Duas mulheres;

b) Dois jovens, um por cada sexo;



c) Um ancião ou anciã;



d) Um lian nain



3. O lian nain não é eleito, mas indicado pelo Conselho de Suco na sua primeira reunião.



4. Para os efeitos da presente lei, entende-se por “jovem” quem no dia das eleições tiver idade compreendida entre os dezassete e os trinta anos de idade e por “ancião” aquele que no dia das eleições tiver idade superior a sessenta anos.



Artigo 21°

Apresentação de candidaturas



1. Apresentam-se as candidaturas por lista complete, em dia e local marcados pelo STAE, de entre os cidadãos residen-tes e registados como eleitores naquele suco e aldeia.



2. Juntamente com a lista, os candidatos apresentam os seus suplentes e a carta de aceitação da candidatura.



3. Não é admitida lista de candidatura apresentada por partido político.



4. A apresentação pública dos candidatos é feita durante en-contro comunitário convocado pelo STAE nos termos da lei.



5. As demais normas de procedimento constarão de regula-mento a ser elaborado pelo STAE e aprovado pela CNE com uma antecedência mínima de sessenta dias da data marcada para a eleição.



Artigo 22°

Requisitos para apresentação de candidaturas



1. Admitem-se as listas das candidaturas se subscritas por pelo menos 1% dos eleitores residentes no suco.



2. Para os sucos com menos de trios mil eleitores admitem-se as listas com pelo menos trinta assinaturas de eleitores residentes no Suco.



Artigo 25°

Financiamento da campanha eleitoral



1. As candidaturas das listas admitidas recebem um subsídio do Orçamento Geral do Estado para financiamento da cam-panha eleitoral.



2. O valor do subsídio é proposto pelo Governo e aprovado pelo Parlamento Nacional.



3. As candidaturas devem prestar contas das despesas efec-tuadas à CNE.





Artigo 35°

Candidatos vencedores



1. A lista de candidaturas que obtiver o maior número de vo-tos válidos elege o Chefe de Suco e os membros do Con-selho de Suco.



2. Na eventualidade de empate, precede-se a segunda volta entre as duas listas mais votadas no prazo de quinze dias.



Os preceitos constitucionais invocados pelo Senhor Presidente da República como fundamento da sua reserva do são do seguinte teor:



Artigo 46º

(Direito de participação política)



1. Todo o cidadão tem o direito de participar, por si ou através de representantes democraticamente eleitos, na vida política e nos assuntos públicos do país.



2. Todo o cidadão tem o direito de constituir e de participar em partidos políticos.



3. A constituição e a organização dos partidos políticos são reguladas por lei.



Artigo 65º

(Eleições)



1. Os órgãos eleitos de soberania e do poder local são es-colhidos através de eleições, mediante sufrágio universal, livre, directo, secreto, pessoal e periódico.



2. O recenseamento eleitoral é obrigatório, oficioso, único e universal, sendo actualizado para cada eleição.



3. As campanhas eleitorais regem-se pelos seguintes princí-pios:



a) Liberdade de propaganda eleitoral;



b) Igualdade de oportunidades e de tratamento das diversas candidaturas;



c) Imparcialidade das entidades públicas perante as candidaturas;



d) Transparência e fiscalização das contas eleitorais.



4. A conversão dos votos em mandatos obedece ao sistema de representação proporcional.



5. O processo eleitoral é regulado por lei.



6. A supervisão do recenseamento e dos actos eleitorais cabe a um órgão independente, cujas competências, composição, organização e funcionamento são fixados por lei.



Artigo 72º

(Poder local)



1. O poder local é constituído por pessoas colectivas de território dotadas de órgãos representativos, com o objec-tivo de organizar a participação do cidadão na solução dos problemas próprios da sua comunidade e promover o desenvolvimento local, sem prejuízo da participação do Estado.



2. A organização, a competência, o funcionamento e a com-posição dos órgãos de poder local são definidos por lei.



Vimos já que o último dos aludidos preceitos constitucionais não tem aqui aplicação, em virtude de não estarmos perante a eleição de órgãos de poder local, tal como previstos na própria Lei Fundamental.



Por outro lado, tal ilação influi directa e necessariamente na análise da questão que ora se coloca, uma vez que se afigura que, a partir de tal pressuposto, se deve concluir pela liberdade do legislador de fixar as regras que entender mais adequadas para a eleição dos órgãos comunitários em causa.



Sempre se dirá, porém, o seguinte:



O legislador constitucional optou pelo sistema de representa-ção proporcional e ligou-o de tal modo à ideia de genuinidade da representação democrática que o erigiu em limite material de revisão da Constituição (artigo 156º, nº 1, alínea g)), pelo que é neste quadro que terá de ser aferido o grau de respeito pelo principio da igualdade do sufrágio.



Em causa aqui está o sentido do princípio da representação proporcional enquanto «princípio de representação», isto é, enquanto conjunto de objectivos da representação que devem ser alcançados por via dos resultados de uma dada eleição.



Quando referenciado a uma eleição política, o objectivo de um sistema de representação de maioria (seja de maioria simples, seja de maioria absoluta) visa alcançar, como o seu próprio nome indica, uma maioria parlamentar para um partido ou coliga-ção de partidos. Neste contexto o critério de eficácia do sistema é o de permitir a formação de governos, dispondo do apoio de uma maioria parlamentar ainda que não disponham de uma maioria de sufrágios (Dieter Nohlen, “Los sistemas electorales entre la ciencia y la ficcion. Requisitos historicos y teoricos para una discusion racional”, in “Revista de Estudios Politicos”, nº 42, Novembro-Dezembro 1984, pág. 25).



Por contraponto, um sistema de representação proporcional pretende reflectir no Parlamento, com a maior exactidão pos-sível, as forças sociais e políticas presentes na sociedade, donde a sua função essencial (e critério de eficácia) consistir em fazer corresponder tão aproximadamente quanto possível os votos obtidos pelas candidaturas e os lugares em disputa por elas efectivamente alcançados (Dieter Nohlen, op. cit., p. 25).



Contudo, a análise destes dois «modelos puros» de represen-tação não nos pode deixar de levar em consideração que a sua tradução em concretas «fórmulas de decisão» eleitoral (específicas formas de conversão dos votos em mandatos no âmbito de cada um dos aludidos princípios de representação) introduzem cambiantes de relevo no alcance do próprio princípio de representação.



Os modernos estudos de ciência política que se debruçam sobre os sistemas eleitorais têm vindo a demonstrar que os aludidos «princípios de representação» podem recobrir situa-ções e resultados muito diversos entre si em função dos condi-cionalismos concretos envolventes, designadamente no que concerne à dimensão dos círculos eleitorais, à fórmula de determinação do número de mandatos a conferir em cada círculo, ao número de partidos políticos concorrentes. Tarefa não isenta de dificuldades é, pois, a de determinar se um dado sistema, atenta a conjugação efectiva destes diversos ele-mentos e ponderados os resultados previsíveis que dele decorrerão, pode ou não ser ainda considerado como subsu-mível a um ou a outro daqueles dois princípios de representação (cfr., entre outros, Douglas Rae, “The political consequences of electoral laws”, New Haven, 1967-1971, págs. 114 e segs., e Richard Rose, “En torno a las opciones en los sistemas electorales: alternativas politicas y tecnicas”, in “Revista de Estudios Politicos”, nº 34, Julho-Agosto de 1983, págs. 93 e segs.).



Por outro lado, vem-se aceitando que os critérios construídos doutrinariamente em sede de sistemas eleitorais para órgãos políticos não podem deixar de se considerar como os rele-vantes para a análise das questões de constitucionalidade do ponto de vista das regras dos sistemas eleitorais de outros órgãos (órgãos não-políticos) com dignidade constitucional.



Como já se referiu os órgãos comunitários, que ora nos ocupam, não colheram consagração constitucional, o que torna duvi-dosa a aplicação de tais regras ao caso vertente.



No entanto, admitindo tal aplicação, sempre importa considerar que o sistema de representação proporcional requer círculos eleitorais plurinominais, enquanto que nos casos onde o suf-rágio for uninominal, o sistema de representação em causa já será então maioritário (cfr., neste sentido, Jorge Miranda, “O direito eleitoral na Constituição”, in Estudos sobre a Constitui-ção, vol. II, Lisboa, 1978, pág. 482, Marcelo Rebelo de Sousa, “Os partidos políticos no Direito Constitucional português”, Braga, 1983, pág. 641, Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 3ª ed., pág. 622, e André Gonçalves Pereira, “Para uma reforma do sistema eleitoral”, Lisboa, 1987, págs. 11 e 17).



Acresce que o próprio grau de proporcionalidade varia con-soante a dimensão do círculo eleitoral, no sentido de que a um escasso número de mandatos em disputa corresponde um limitado (senão inexistente) grau de proporcionalidade, o qual aumentará na medida em que aumentar o número de lugares para atribuição (Douglas Rae, op. cit., p. 125).



Assim sendo, deixará pura e simplesmente de existir proporcio-nalidade quando em causa estiver um lugar apenas, e será escasso o grau de proporcionalidade quando escassos forem os lugares em disputa.



Este raciocínio, aplicado ao caso sub judice, não pode, pois, ignorar o limitado universo de lugares a que se pretende aplicar o princípio da representação proporcional.



É que os Conselhos de Suco não se apresentam como um órgão de eleição proporcional, uma vez que se visa assegurar nele a representatividade de várias aldeias, género e escalões etários, o que impede que se possa optar pelo regime da eleição proporcional.



Ora, a concreta forma de organização dos colégios eleitorais repercute-se directamente na resultante global do sistema e consequentemente na satisfação do princípio de representação que preside a uma determinada eleição, dela podendo resultar distintas consequências quanto à efectiva ponderação dos votos dos eleitores.



Relativamente à integração dos Chefes de Aldeia na lista única compreende-se igualmente a preocupação do Ilustre Reque-rente.



«Só é representação política em sentido estrito e próprio a representação do povo, e do povo todo, fundada num acto de vontade (a eleição) e destinada a institucionalizar, com variável amplitude, a sua participação no poder» - Jorge Miranda, obra citada, pág. 369. O povo só se torna presente no «exercício do poder através de quem ele escolha ou de quem tenha a sua confiança» - ibidem, pág. 370.



Como já se referiu supra, «se a democracia representativa é o governo para o povo, nas mãos de uma minoria, a democracia directa é o governo do povo nas mãos do povo. Este regime político pressupõe a existência de uma estreita rede de relações sociais, num espaço limitado em que essas relações são pos-síveis, a identificação de um interesse comum e o empenha-mento numa actividade colectiva» - António Teixeira Fernan-des, op. cit., pág. 33.



Ou seja, é hoje inquestionável a necessidade de aproximar os órgãos de decisão das populações, de substituir, tanto quanto possível, a democracia representativa pela democracia participativa.



Contudo, o sistema democrático acolhido pela Constituição foi inquestionavelmente o sistema da democracia represen-tativa.



Sendo assim, não se vê obstáculo a que a representação das aldeias possa ser escolhida através da integração do seu repre-sentante numa lista fechada, como é proposto pelo Governo e aprovado pelo Parlamento Nacional, estando sempre presente o pressuposto de que, ainda assim, a escolha pertence ao povo através da eleição directa. Veja-se Vital Moreira em artigo publicado no blog “aba-da-causa.blogspot.com”, no qual defende a constitucionalidade da eleição de um bloco unitário de representantes eleitos por maioria simples.



Por outro lado, também é reconhecida a apontada vantagem da constituição de um corpo coeso, que indubitavelmente favorecerá a sua funcionalidade.



Relativamente à eleição indirecta dos Lian Nian, também não se vislumbra qualquer impedimento constitucional à sua eleição pelo conselho de suco. A eleição indirecta tem a mesma digni-dade constitucional da eleição directa, desde que legalmente prevista, ou seja, desde que a constituição não imponha esta.



Concluímos, assim, que o disposto nos artigos 5° 21°, 22°, 25° e 35° do Decreto do Parlamento Nacional nº 22/II não viola o disposto nos artigos 46º, nº 1, 65° e 72° da CRDTL.



III. Conclusão



Pelo exposto, deliberam os juízes que constituem este Colectivo do Tribunal de Recurso não julgar inconstitucionais os artigos 5º, 21º, nº 3, 22º, 24º, nº 1, alínea b), 25º e 35º do Decreto do Parlamento Nacional nº 22/II, ou qualquer outra norma do mesmo diploma.

- Notifique.



- Publique-se o acórdão no Jornal da República.





Díli, 07 de Julho de 2009





O Colectivo de Juízes do Tribunal de Recurso





Cláudio Ximenes – Presidente e Relator





Antonino Gonçalves





Maria Natércia Gusmão Pereira



(Vencida, por entender que:



Conforme atribuição das competências nos artigos 10º, 11º e 12º, as autoridades Locais estes são configuradas como órgãos de Poder Político “conforme alias reconhece o Parlamento Nacional no seu artº 18 e 19 da sua resposta”.



Embora as atribuições do Estado possam ser igualmente prosseguidas por entidades privadas, não deixam de ser atribui-ções políticas as que foram atribuídas aos Chefes e Conselhos de Suco pela Lei em apreciação.



Sendo órgão do poder político, como está até reconhecido pelo Parlamento Nacional, face ao disposto do artº 72º da Consti-tuição da República, as autoridades reguladas pela Lei em apreciação só poderão ser consideradas como órgãos de Poder Local.



A Constituição da República não prevê outros órgãos de poder político para além do Presidente da República, do Parlamento Nacional, do Governo e dos órgãos de poder local.



Por outro lado, são entidades territoriais, uma vez que têm ter-ritório já definido há muito tempo, ainda que de modo informal (conforme é reconhecido, entre outros diplomas legais, pelo diploma ministerial nº 9/2004 de 14 de Julho).



Assim, na eleição dos seus representantes, nos termos dos artºs. 6º, 21º e 24º, n. 1, al. b), os partidos políticos terão neces-sariamente participação e a atribuição dos lugares terá de obedecer a um sistema representativo proporcional.



Também a eleição dos Chefes de Aldeia em lista fechada e a eleição do Conselho de Suco por maioria simples viola o princípio da representação política dos eleitos locais.



Assim sendo, considero contrário à Constituição da República os art. 5º, 21º, 22º, 24º,25º e 35º da lei em apreciação por infrin-girem os artºs. 7º, 46º, 65º, 70º e 72º da Constituição da República, razão pela qual votei contra o presente acórdão).os art. 5º, 21º, 22º, 24º,25º e 35º da lei em apreciação por infringirem os artºs. 7º, 46º, 65º, 70º e 72º da Constituição da República, razão pela qual votei contra o presente acórdão).