REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DE TIMOR-LESTE

DECRETO-LEI N.º 2/2015

de 14 de Janeiro

Sobre a criação de um Conselho para a Delimitação Definitiva das Fronteiras Marítimas

 

Considerando que, desde a independência do País, o povo de Timor-Leste sempre teve a aspiração de exercer poderes de soberania plena sobre o território nacional e sobre a zona marítima que, nos termos do direito internacional, se encontra sob a sua jurisdição;

 

Considerando que, devido a circunstâncias histórias relacionadas com o período de ocupação indonésia e com a posição assumida pela Commonwealth da Austrália sobre a delimitação das fronteiras marítimas de Timor-Leste Segundo o direito internacional, Timor-Leste foi obrigado a celebrar, durante o processo de negociação da delimitação definitiva das fronteiras marítimas, acordos temporários para a exploração dos recursos naturais existentes no leito marinho localizado entre os dois países, adiando, assim, o referido processo negocial da delimitação definitiva das fronteiras marítimas;

 

Considerando que os tratados entretanto celebrados com a Commonwealth da Austrália (o Tratado do Mar de Timor e o Tratado sobre Determinados Ajustes Marítimos no Mar de Timor (Treaty on Certain Maritime Arrangements in the Timor Sea – CMATS)) não permitem o exercício pleno dos poderes soberanos de Timor-Leste, tal como reconhecido pelo direito internacional;

 

Considerando que Timor-Leste e a Austrália acordaram suspender o processo arbitral por um período de 6 meses para tentar resolver o litígio através de uma solução amigável;

 

Considerando que Timor-Leste acredita que a delimitação definitiva das fronteiras marítimas entre os dois países é a única solução aceitável, na medida em que vai ao encontro das aspirações do seu povo e é a única solução capaz de permitir o desenvolvimento económico pleno da nação;

 

Considerando que, com a delimitação definitiva das fronteiras marítimas, Timor-Leste pode oferecer mais confiança e certeza aos seus investidores.

 

Considerando que, de acordo com a Constituição da República Democrática de Timor-Leste, os poderes para preparar e negociar tratados internacionais são da competência do Governo;

 

Considerando que, de acordo com a Constituição da República Democrática de Timor-Leste, o poder de ratificação de tratados internacionais relacionados com a delimitação das fronteiras e limites transfronteiriços do país compete ao Parlamento Nacional;

 

Tendo em consideração que, volvidos 12 anos após a restauração da independência da Nação, é necessário definir, de uma vez por todas, as fronteiras marítimas nacionais à luz do enorme impacto social, político e económico inerente;

 

Considerando a Resolução do Parlamento Nacional n.º 12/2014 de 24 de Outubro, que apoia e concorda com o início imediato das negociações com a Commonwealth da Austrália, com o propósito de estabelecer a delimitação definitiva da fronteira marítima entre a República Democrática de Timor-Leste e a Commonwealth da Austrália;

 

Considerando que, segundo o disposto no número 2 do artigo 6.º da Lei n.º 6/2010, de 12 de maio, sobre Tratados Internacionais, o Governo pode especificamente delegar competências a outros departamentos ou órgãos governamentais para negociar Tratados Internacionais;

 

Reconhecendo que a negociação de um acordo de delimitação definitiva das fronteiras marítimas com a Commonwealth da Austrália exige a mobilização, não apenas de representantes e funcionários do Governo, mas também de certos cidadãos de Timor-Leste e / ou de peritos internacionais que, devido à sua experiência, competência, percurso e reconhecimento, devem desempenhar um papel ativo na prestação de uma orientação ao mais alto nível à equipa de negociação;

 

Reconhecendo que é fundamental assegurar as condições jurídicas necessárias à criação de um órgão especial de negociação, designadamente com o propósito de definir os poderes e atribuições dos respetivos membros, bem como estabelecer um procedimento especial de aprovisionamento que permitirá a contratação de peritos nacionais ou internacionais para colaborarem nas referidas negociações com a Commonwealth da Austrália, nos termos do artigo 2.º, número 3, alínea e) do Regime Jurídico do Aprovisionamento Público, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2005, de 8 de novembro, conforme alterado;

 

Assim, o Governo decreta, nos termos do disposto nos artigos 115.º número 1, alíneas a) e f) e 115.º número 3 e 116.º alínea d) da Constituição da República Democrática de Timor-Leste, artigo 6.º número 2 da Lei n.º 6/2010, de 12 de maio, sobre Tratados Internacionais, e artigo 2.º número 3 alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2005, de 8 de novembro, conforme alterado, para valer como lei, o seguinte:

 

CAPÍTULO I

DISPOSIÇÕES GERAIS

Artigo 1.º

Objeto

O presente Decreto-Lei aprova a criação de um Conselho Permanente para a Delimitação Definitiva das Fronteiras Marítimas e estabelece as regras do seu funcionamento, composição e competências.

 

CAPÍTULO II

ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO DO CONSELHO PARA A DELIMITAÇÃO DEFINITIVA DAS FRONTEIRAS MARÍTIMAS

Artigo 2.º

Criação de um Conselho para a Delimitação Definitiva das Fronteiras Marítimas

É criado, pelo presente diploma, um Conselho para a Delimitação Definitiva das Fronteiras Marítimas dentro do Gabinete do Primeiro-Ministro, para a negociação de um tratado sobre a delimitação definitiva das fronteiras marítimas com a Commonwealth da Austrália, doravante também designado por “CPDDFM”.

 

Artigo 3.º

Natureza do Conselho para a Delimitação Definitiva das Fronteiras Marítimas

 

O CPDDFM é criado para os efeitos previstos no artigo 6.º número 2 da Lei n.º 6/2010, de 12 de maio, sobre Tratados Internacionais.

 

Artigo 4.º

Duração

O CPDDFM é criado por tempo indefinido.

 

Artigo 5.º

Financiamento do Conselho para a Delimitação Definitiva das Fronteiras Marítimas

1. O financiamento do CPDDFM será efectuado através da transferência de fundos por parte do Governo, ficando este responsável pela aprovação do respectivo orçamento.

 

2. O CPDDFM gozará de total autonomia para gerir e movimentar os fundos que lhe forem afectos, devendo, contudo, elaborar um relatório anual sobre a administração de tais fundos a apresentar ao Primeiro Ministro, até ao final do mês de Março do ano seguinte ao ano a que o relatório diz respeito.

 

Artigo 6.º

Competências e atribuições

1. O CPDDFM tem as seguintes atribuições:

 

a). Definir as condições chave da negociação de um tratado para a delimitação definitiva das fronteiras marítimas com a Commonwealth da Austrália, atuando na qualidade de comité de supervisão e órgão de controlo de direção geral do processo negocial, e determinar os objetivos pretendidos;

 

b). Para definir as respectivas competências e responsabilidades da equipa de negociação, o Chefe dos quais serão nomeados pelo Presidente;

 

c). Funcionar como órgão de supervisão da Equipa de Negociações e fornecer a esta as instruções e diretrizes sobre decisões e orientações estratégicas relevantes;

 

d). Aprovar as etapas, processos e propostas de acordos e submeter os respetivos resultados ao Governo;

 

e). Reunir regularmente com a Equipa de Negociações para ser informado sobre andamento do processo negocial;

 

f). Assegurar que o Governo aloca todos os recursos e presta todo o apoio à Equipa de Negociações;

 

g). Interagir com a equipa de juristas responsável pelas arbitragens a decorrer junto o Tribunal Internacional de Justiça e sobre o Tratado do Mar de Timor e o CMATS, de forma a garantir a uniformidade de estratégias; e

 

h). Quaisquer outros poderes que lhe sejam atribuídos pelo Governo.

 

2. A Equipa de Negociações será responsável, entre outros, pela implementação de uma estrutura de gestão das negociações, recolha de informação e outros materiais relevantes, desenvolvimento de estratégias de negociação e definição das posições negociais que melhor servem os interesses de Timor-Leste, conforme estabelecido pelo CPDDFM.

 

3. O Chefe da Equipa de Negociações será responsável, entre outros, pela organização da Equipa de Negociações e nomear e destituir os membros desta, desenvolvimento de um plano de gestão e partilha de informação com o CPDDFM e o Governo, liderança das negociações, definição da estrutura das negociações, implementação do orçamento aprovado, avaliação das posições negociais, elaboração da proposta de orçamento do CPDDFM, contratação dos peritos, consultores e pessoal de suporte necessários e aprovação de todas as despesas exigidas.

 

4. O Chefe da Equipa de Negociações deverá também atuar na qualidade de plenipotenciário, ao abrigo do disposto no artigo 5.º número 1 da Lei n.º 6/2010, de 12 maio.

 

5. A proposta de orçamento do CPDDFM, que será gerido pelo Chefe da Equipa de Negociações, deverá prever os fundos necessários para cobrir, entre outros, os custos para aceder e contratar a Equipa de Negociações, peritos nas áreas jurídica, técnica, económica e da negociação, despesas relativas ao trabalho de campo e consultas, custos com viagens, alojamento, aluguer de salas de reuniões, gestão de informação e disseminação (impressão e distribuição de documentos chave), per diems, honorários de pesquisa, análise, tradução e transcrição e quaisquer outros custos necessários à preparação a participação nas negociações.

 

Artigo 7.º

Membros do Conselho para a Delimitação Definitiva das Fronteiras Marítimas

 

1. O CPDDFM será composto pelos seguintes membros:

 

a). O Primeiro-Ministro da República Democrática de Timor-Leste e, bem assim, os Ministros do Governo cuja participação se afigure relevante para efeitos de negociação do referido acordo com a Commonwealth da Austrália para a delimitação definitiva das fronteiras marítimas; e

 

b). Personalidades eminentes da Nação, incluindo ex-Presidentes da República, ex-Primeiros-Ministros, ex-Presidentes do Parlamento Nacional e qualquer outra pessoa que venha a ser designada pelo Governo e que face à sua reputação, experiência, sabedoria, antecedentes e reconhecimento público, deva desempenhar um papel activo na direcção e orientação da equipa que irá negociar o referido acordo com a Commonwealth da Austrália.

 

2. O CPDDFM é presidido pelo Primeiro-Ministro da República Democrática de Timor-Leste.

 

3. O CPDDFM pode convidar personalidades públicas ou privadas para as reuniões, cuja presença seja considerada importante e peritos de reconhecido mérito.

 

Artigo 8.º

Dever geral de segredo

1. Os membros do CPDDFM, da Equipa de Negociações e quaisquer membros independentes, incluindo peritos, que possam cooperar com aqueles ou participar em reuniões, estão sujeitos a um dever geral de segredo e devem comprometer-se a não revelar, comentar, difundir, publicitar,ou de qualquer outra forma, disseminar qualquer questão, assunto, acordo ou decisão sobre as matérias em discussão ou sobre as quais tenham tomado conhecimento, exceto quando devidamente autorizados pelo Primeiro- Ministro.

 

2. O incumprimento do disposto no número anterior, acarreta responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme previsto na legislação aplicável, incluindo o artigo 200.º do Código Penal (Violação do Segredo de Estado), que prevê uma pena de prisão até 15 anos.

 

Artigo 9.º

Reuniões, funcionamento e secretariado

1. As regras sobre a organização, funcionamento e o papel e atividades de cada membro do CPDDFM deverão ser aprovadas por este na sua primeira reunião.

 

2. O CPDDFM pode ser apoiado por um Secretariado que é responsável pelos aspetos logísticos e administrativos do trabalho do Conselho. O Secretariado é gerenciado pelo Gerente de Serviços Administrativos, que será nomeado pelo chefe da equipe de negociação.

 

CAPÍTULO III

REGIME ESPECIAL DE APROVISIONAMENTO

Artigo 10.º

Regime especial de aprovisionamento

1. As despesas incorridas com o CPDDFM, a contratação da Equipa de Negociações e de quaisquer peritos para integrarem ou prestarem apoio a esta e, bem, assim, a aquisição de quaisquer bens, serviços e equipamentos relacionados com as negociações a realizar, encontram-se sujeitas ao regime especial de aprovisionamento previsto no presente diploma.

 

2. Para efeitos do disposto no número anterior, as “despesas incorridas com o CPDDFM, a contratação da Equipa de Negociações e de quaisquer peritos” incluem, entre outras, todos os honorários, per diems, custos de viagem, pagamentos ou outras formas de compensação devidos a peritos das áreas jurídicas, técnicas, económicas e de negociação, intelectuais, académicos, geólogos, ou qualquer outra pessoa singular ou coletiva, cuja intervenção no processo negocial ou aconselhamento relacionado com o mesmo sejam necessários em função da sua perícia, competência especializada e conhecimento.

 

3. Para efeitos do disposto no número 1 do presente artigo, “bens, serviços e equipamentos” incluem, entre outros, todas as despesas relacionadas com a organização viagens, alojamento, aluguer de quartos, equipamento informático, serviços de impressão e distribuição, telecomunicações e, bem assim, a utilização de quaisquer outros bens equipamentos ou serviços necessários à preparação e participação nas negociações.

 

Artigo 11.º

Princípios gerais

1. A contratação da Equipa de Negociações e de quaisquer peritos e a aquisição de quaisquer bens, serviços e equipamentos devem assegurar que são observados os princípios gerais da concorrência e do custo-benefício, designadamente através de concurso público e de quaisquer outras formas de aprovisionamento público previstas na lei.

              

2. Sem prejuízo do disposto no número anterior, pode sempre ser adotado um procedimento de ajuste direto quando tal seja estritamente necessário por motivos de urgência imperiosa e para garantir a confidencialidade, em resultado da natureza dos trabalhos, bens ou serviços a serem prestados, por razões de adequação técnica ou devido à natureza confidencial das matérias em questão.

 

Artigo 12.º

Decisão sobre a escolha do procedimento

A decisão sobre a escolha do procedimento específico de adjudicação a ser adotado e a celebração de quaisquer contratos relacionadas com o mesmo cabe ao Chefe da Equipa de Negociações.

 

Artigo 13.º

Autorização da despesa

1. Todas as despesas relacionadas com a contratação da Equipa de Negociações e de peritos e a aquisição de quaisquer bens, serviços ou equipamentos devem ser efetuadas através do orçamento aprovado do CPDDFM.

 

2. Na eventualidade de, em qualquer ano orçamental, os fundos disponíveis sejam insuficientes para fazer face às despesas necessárias ou previstas, o Chefe da Equipa de Negociações pode apresentar um pedido de financiamento adicional junto do CPDDFM.

 

CAPÍTULO IV

DISPOSÇÕES FINAIS

Artigo 14.º

Dúvidas e omissões

As dúvidas suscitadas na aplicação e interpretação do presente Decreto-Lei são resolvidas pelo Primeiro-Ministro ou pelo Conselho de Ministros.

 

Artigo 15.º

Entrada em vigor

O presente Decreto-Lei entra em vigor no dia seguinte à sua publicação em Jornal da República.

Aprovado em Conselho de Ministros em 24 de outubro de 2014.

 

O Primeiro-Ministro,

 

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Kay Rala Xanana Gusmão

 

 

Promulgado em 8 / 01 / 2015

 

Publique-se.

 

O Presidente da República,

 

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Taur Matan Ruak