REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DE TIMOR-LESTE

DECRETO-LEI N.º 36/2014

de 17 de Dezembro

Transmissao de Direitos Sobre Bens Imoveis no projecto

Suai Supply Base

 

Com o objetivo de contribuir para o desenvolvimento económico-social da República Democrática de Timor-Leste, o Governo aprovou o Plano Estratégico de Desenvolvimento Nacional 2011-2030, o qual prevê a criação de um amplo conjunto de infraestruturas para apoiar projetos que gerem oportunidades de emprego e de desenvolvimento sectorial.

 

As referidas infraestruturas incluem a construção de várias instalações de apoio às atividades petrolíferas e indústrias conexas na costa sul do país, com o objetivo de atrair investimento e desenvolver o setor industrial de Timor-Leste, de forma a gerar benefícios económicos diretos decorrentes das suas atividades, sendo os referidos investimentos realizados no âmbito do Projeto Tasi Mane, que é um projeto plurianual que envolve a criação de três pólos industriais na costa sul de Timor-Leste, desde Suai até Beaço, e que abrange a Base Logística do Suai e indústrias conexas (Suai Supply Base), a Refinaria de Betano e as Instalações da Indústria Petroquímica, bem como as Instalações de Gás Natural Liquefeito de Beaço, que formarão o núcleo da indústria petrolífera de Timor-Leste.

 

Porém, um dos maiores obstáculos ao desenvolvimento de Timor-Leste, que tem sido frequentemente identificado por potenciais investidores nacionais e internacionais, prende-se com a incerteza sobre o direito de propriedade sobre terrenos  privados e a natureza precária da legislação existente que trata das questões relacionadas com o uso e o aproveitamento da terra.

Apesar de este problema já ter sido anteriormente identificado pelo Governo, a verdade é que a natureza sensível dos problemas de terras em Timor-Leste contribuiu para o atraso na aprovação da legislação específica sobre terras, circunstância que afetou, negativamente, a capacidade de financiamento, estruturação e implementação de projetos que carecem do uso da terra, incluindo em terrenos que, de acordo com a Constituição e a legislação aplicável, são considerados como propriedade do Estado.

 

Acresce que, mesmo quando os proprietários privados e demais ocupantes dos terrenos desejam cooperar na realização de projetos de investimento, o quadro jurídico atualmente existente não é suficientemente claro para permitir que as partes interessadas possam celebrar os acordos  necessários para oferecer, a longo prazo, a estabilidade e a proteção necessárias ao investimento, e criar as condições para o desenvolvimento sócio-económico das populações.

 

Os problemas acima identificados também se aplicam aos terrenos comunitários, que apesar de serem reconhecidos no ordenamento jurídico de Timor-Leste, nomeadamente no Código Civil, não têm ainda regulamentação adequada.

 

Após vários anos de estudos detalhados de natureza jurídica, sócio-cultural, ambiental e técnica, foi identificada uma zona, sita em Suco Camenassa, Sub-Distrito Suai Vila, Distrito Covalima, com as características ideais para implementação do projeto da Suai Supply Base, que inclui terrenos comunitários. Sendo que os membros da comunidade, após vários anos de consultas públicas em que lhes foi apresentado o projeto, respetivas oportunidades e implicações, decidiram negociar com o Estado a transmissão, pelo prazo de cento e cinquenta anos, dos seus direitos de propriedade e uso da terra, de acordo com o direito costumeiro local, tendo já chegado a acordo quanto aos termos e condições da referida transmissão, incluindo as medidas de preservação dos locais sagrados e de culto (“lulik”) e dos cemitérios, e nomeado como seus representantes um conjunto de líderes comunitários das várias estruturas existentes na comunidade.

 

Considerando que é imprescindível para o sucesso do projeto Suai Supply Base que a propriedade dos terrenos comunitários ou privados possa ser transmitida para o Estado, nos termos do disposto no artigo 1227. º do Código Civil, aprovado pela Lei n.º 10/2011, de 14 de setembro, que prevê que a transmissão do direito de propriedade nos termos acordados só é admissível nos casos previstos na lei. Tendo a comunidade de Camenassa proposto a transmissão do direito de propriedade sobre os seus terrenos ao Estado, por um período de 150 anos, e tendo-se procedido ao levantamento cadastral das parcelas, bem como à realização de uma avaliação de impacto ambiental e emissão da correspondente licença ambiental de acordo com a legislação vigente, tendo os direitos dos utilizadores efectivos sido, igualmente, acautelados no processo de

transmissão.

 

Considerando que o modelo d economia social de Mercado tem sido visto como uma forma adequada de criar as condições necessárias para o desenvolvimento sustentável a longo prazo das comunidades locais, foi acordado como contrapartida da transmissão dos terrenos a atribuição aos membros da comunidade de uma participação de 10% no capital social da sociedade comercial a ser criada para gerir os terrenos afetos ao projeto;

 

Demonstrando a comunidade de Camenassa interesse em estabelecer pessoas colectivas que lhe permitam tomar parte no desenvolvimento proporcionado pelo projeto;

 

Uma vez que a República Democrática de Timor-Leste possui um sistema de registo predial que ainda se encontra em fase de implementação;

 

O Governo decreta, nos termos das alíneas e) e o) do n.º 1 do artigo 115.º e do artigo 141.º da Constituição da República, para valer como lei, o seguinte:

 

CAPÍTULO I

Disposições Gerais

 

Artigo 1.º

Objeto

O presente Decreto-Lei estabelece o regime especial aplicável à transmissão de direitos de propriedade sobre bens imóveis comunitários ou privados e transmissão do uso dos terrenos a favor do Estado, tendo em vista a sua utilização na implementação do projeto Suai Supply Base.

 

Artigo 2.º

Âmbito de aplicação geográfica

O presente Decreto-Lei aplica-se à área delimitada no Anexo I ao presente diploma e do qual é parte integrante, onde sera implementado o projeto Suai Supply Base.

 

Artigo 3.º

Bens Imóveis Comunitários

1. Para efeitos do presente Decreto-Lei e legislação conexa, são considerados bens imóveis comunitários os terrenos reconhecidos como pertencendo à comunidade de Camenassa, de acordo com os seus usos e costumes tradicionais, e não sendo suscetíveis de constituir propriedade privada, nos termos do artigo 4.º da Lei n.º 10/2011, de 14 de setembro.

 

2. Para efeitos do presente Decreto-Lei, a comunidade de Camenassa decidiu, livremente, ser representada perante o Estado, e perante quaisquer terceiros, pelos respetivos líderes comunitários tradicionais, investidos exclusivamente de acordo com os seus usos e costumes e aceites pelos respetivos membros.

 

Artigo 4.º

Bens Imóveis Privados

1. Para efeitos do presente Decreto-Lei, são considerados bens imóveis privados todos os terrenos e edificações, conforme definidos no Código Civil, do domínio privado não pertencentes ao Estado nem, coletivamente, a uma comunidade.

 

2. É considerado como proprietário privado a pessoa, pessoas ou a entidade jurídica relativamente às quais a lei reconhece o direito de propriedade sobre determinados bens imóveis.

 

3. Os bens imóveis privados podem ser utilizados para implementação do projeto Suai Supply Base através da constituição de direitos de propriedade por tempo determinado nos termos do artigo 5.º, através da transmissão do direito de propriedade, ou através da constituição de outros direitos fundiários, conforme previsto no Código Civil.

 

Artigo 5.º

Constituição e Transmissão do direito de Propriedade

1. Os bens imóveis comunitários e privados serão utilizados para implementar o projeto Suai Supply Base através da constituição, por intermédio deste Decreto-Lei, de um direito de propriedade, nos termos do n.º 2 do artigo 1227.º do Código Civil, pelo prazo de 150 anos, que será transmitido por contrato a celebrar nos termos da lei aplicável, a favor do Estado, tal como coletivamente aprovado pela comunidade de Camenassa e aceite pelo Estado.

 

2. O direito de propriedade sobre os bens imóveis referidos no número anterior será utilizado como entrada em espécie do Estado para o capital social da sociedade comercial estabelecida para implementação do projeto Suai Supply Base nos termos do artigo 6. º.

 

3. A sociedade comercial referida no número anterior é constituída por intermédio de escritura pública, a celebrar entre o Estado e os representantes indicados pela comunidade de Camenassa nos termos do n.º 2 do artigo 3.º, ou o proprietário privado ou os seus representantes.

 

4. A escritura pública de constituição da sociedade commercial referida no número anterior conterá, nomeadamente, os seguintes elementos obrigatórios:

 

a). A descrição dos bens imóveis utilizados como entrada em espécie;

 

b). Um mapa detalhado dos bens imóveis devidamente georreferenciado;

 

c). Os estatutos da sociedade comercial e demais elementos e requisitos exigidos pela legislação aplicável;

 

d). As limitações à transmissão de ações na sociedade comercial referidas no artigo 6. º;

 

e). A declaração dos membros da comunidade de Camenassa de que abdicam de qualquer reivindicação em relação aos terrenos referidos no artigo 2.º e quaisquer direitos com eles relacionados;

 

f). A identificação dos representantes da comunidade de Camenassa que intervêm no ato, incluindo o seu nome completo e o título de liderança comunitária tradicional, ou a identificação do proprietário privado ou dos seus representantes nomeados;

 

g). Quaisquer acordos, contratos, entendimentos, declarações ou escritos semelhantes anteriormente estabelecidos, celebrados ou acordados entre o Estado e a comunidade de Camenassa ou proprietários privados;

 

h). A assinatura de todos os representantes da comunidade de Camenassa ou de proprietários privados, bem como do Chefe de Suco enquanto testemunha; e

 

i). A assinatura do representante do Estado.

 

5. Durante a duração do direito de propriedade constituído nos termos do presente Decreto-Lei, o Estado é considerado o exclusivo e legítimo proprietário do terreno, beneficiando de todos os direitos estabelecidos nos artigos 1222.º e seguintes do Código Civil, sem que os membros da comunidade de Camenassa possam revogar ou por qualquer outra forma prejudicar tais direitos.

 

Artigo 6.º

Participação acionista

1. Os membros da comunidade de Camenassa titulares dos direitos identificados de acordo com os seus usos e costumes, nos termos do mapa cadastral em anexo, terão direito a receber ações preferenciais correspondentes a 10% do capital social da sociedade comercial a criar ao abrigo do n.º 2 do artigo anterior.

 

2. As ações referidas no número anterior serão representadas por títulos nominativos de valor proporcional às areas identificadas de acordo com os usos e costumes da comunidade de Camenassa, nos termos do mapa cadastral em anexo.

 

3. Para efeitos de participação na assembleia geral da sociedade os titulares de ações preferenciais devem nomear um representante comum, nos termos da Lei Sobre Sociedades Comerciais.

 

4. Só é permitida a transmissão de ações referidas neste artigo entre cidadãos nacionais, tendo o Estado direito de preferência na respectiva aquisição.

 

5. O ónus referido no número anterior deve ser expressamente incluído no respetivo título e registado junto das autoridades competentes pelo registo comercial, sendo nulo o negócio jurídico celebrado em violação deste ónus.

 

Artigo 7.º

Compensação Direta aos Membros da Comunidade pela Perda

de Culturas Agrícolas e de Árvores

1. Os proprietários privados e os utilizadores efetivos dos imóveis transmitidos terão direito a uma compensação pela perda de culturas agrícolas e de árvores determinada nos termos do ponto 2 da Resolução do Governo n. º 20/2014, de 6 de agosto.

 

2. As compensações referidas no número anterior, devem ser disponibilizadas aos proprietários privados ou aos utilizadores efetivos, mediante a assinatura de um recibo de quitação e declaração de que abdicam de qualquer reivindicação em relação aos terrenos referidos no artigo 2.º e quaisquer direitos com eles relacionados.

 

Artigo 8.º

Direitos Fundiários Menores

 

1. Uma vez transmitida a propriedade sobre bens imóveis, a sociedade comercial referida no artigo 5.º, pode constituir e transmitir os seguintes direitos fundiários sobre os mesmos a qualquer pessoa singular ou coletiva de direito timorense ou com uma representação registada em Timor-Leste, para o exercício de actividades dentro do perímetro do projeto Suai Supply Base:

 

a). Direito de usufruto;

 

b). Direito de superfície;

 

c). Arrendamento.

 

2. Os direitos fundiários enumerados nas alíneas do número anterior não poderão constituir-se por um prazo superior ao do direito de propriedade que lhes serve de base e caducam com o termo do direito de propriedade, não sendo devida qualquer compensação a favor dos seus beneficiários por parte da sociedade comercial, do Estado ou de qualquer das suas instituições, das comunidades locais ou dos proprietários privados.

 

3. À constituição e transmissão dos direitos fundiários enumerados nas alíneas do n.º 1 aplicam-se as disposições do Código Civil.

 

Artigo 9.º

Registo e Utilização dos Terrenos

1. Qualquer direito transmitido nos termos dos acordos abrangidos pelo presente Decreto-Lei deverá, no prazo de 60 dias após a respetiva transmissão, ser registado junto do Ministério da Justiça, através da entidade competente para o registo predial, nos termos a regulamentar por Diploma Ministerial do Ministro da Justiça.

 

2. A entidade junto da qual os direitos são registados deverá abrir livros próprios destinados ao registo dos factos e direitos previstos neste Decreto-Lei.

 

3. Os terrenos ou os direitos adquiridos nos termos do presente Decreto-Lei pelo Estado serão geridos pela sociedade comercial referida no artigo 5.º, que sera responsável pela gestão imobiliária do projeto Suai Supply Base.

 

Artigo 10.º

Princípios de Utilização de Bens Imóveis

A utilização de bens imóveis pela sociedade comercial referida no artigo 5.º deve contribuir para criar as condições para o desenvolvimento económico e sustentável das populações, de acordo com os princípios da economia social de mercado.

 

Artigo 11.º

Formas de Representação dos Interesses Coletivos

1. Os membros da comunidade de Camenassa e os proprietários privados deverão organizar-se em pessoas colectivas com ou sem fins lucrativos, destinadas a representar os seus interesses e, ou, fomentar o desenvolvimento económico local.

 

2. As pessoas colectivas referidas no número anterior devem reger-se pelos seguintes princípios, e pelas demais disposições legais aplicáveis:

 

a). Democraticidade – todos os membros da pessoa coletiva têm o direito de participar na vida da mesma, incluindo o direito de, nos termos dos respetivos estatutos e disposições legais aplicáveis, eleger e ser eleito para os órgãos sociais;

 

b). Boa governação – os membros dos órgãos sociais e demais corpos representativos exercerão as suas funções no mais estrito cumprimento da legalidade e das regras estabelecidas nos respetivos estatutos e nos regulamentos internos que vierem a ser aprovados;

 

c). Transparência – a atuação da pessoa coletiva e dos membros dos seus órgãos sociais será pautada pela transparência, nomeadamente no que diz respeito à publicação e disponibilização das decisões dos órgãos sociais, às atividades que venha a promover e às suas contas;

 

d). Determinação das formas de representação – os membros da pessoa colectiva devem, a cada momento, determinar a forma de representação que melhor reflecte os seus interesses coletivos, sem prejuízo da legislação aplicável; e

 

e). Promoção do desenvolvimento da comunidade – as pessoas coletivas terão como fim a promoção económica e social da comunidade, sem discriminação de qualquer espécie.

 

3. O Estado pode assegurar o apoio necessário à constituição e funcionamento das pessoas coletivas mencionadas no presente artigo.

 

 

CAPÍTULO II

Levantamento Cadastral, Reivindicações e Disputas de Terras

 

Artigo 12.º

Levantamento Cadastral, Reivindicações e Disputas de Terras

1. Cada utilizador efetivo ou proprietário privado, nos acordos celebrados com o Estado respeitantes à compensação referida no artigo 7.º, reconhece, expressamente, que participou no levantamento cadastral realizado pelas autoridades competentes, tendo tido oportunidade de levantar todas as questões e de obter todos os esclarecimentos necessários à defesa dos seus interesses e direitos e abdica de qualquer reivindicação em relação aos terrenos referidos no artigo 2.º por um period correspondente à duração do projeto.

 

2. Quaisquer reivindicações e disputas relativamente à titularidade ou à ocupação de terras que venham a ocorrer após a conclusão do processo de levantamento cadastral e que não possam ser resolvidos amigavelmente por via negocial, serão dirimidas com recurso aos tribunais judiciais, nos termos da lei.

 

3. Nos casos previstos no número anterior, nenhuma reivindicação ou disputa afetará os direitos adquiridos pelo Estado, pela sociedade comercial referida no artigo 5.º ou quaisquer direitos adquiridos por terceiros de boa-fé e registados nos termos do disposto no artigo 9.º.

 

4. No caso de reivindicação ou disputa, qualquer compensação devida nos termos do artigo 7.º, e ainda não paga, deverá ser depositada numa conta bancária exclusivamente aberta para esse efeito e paga ou disponibilizada apenas após a reivindicação ou disputa estar definitivamente resolvida pela via negocial ou, caso tenha existido recurso aos tribunais judiciais, após uma decisão final com trânsito em julgado ter sido emitida.

 

CAPÍTULO III

Disposições Finais

 

Artigo 13.º

Outras opções para a aquisição de Direitos Reais

1. Nada no presente Decreto-Lei deve ser interpretado como forma de limitação ou restrição do direito de o Estado adquirir terrenos para a implementação do projeto Suai Supply Base nos termos de qualquer outro mecanismo previsto na lei, incluindo a expropriação e a compra e venda nos termos do Código Civil.

 

2. A compra e venda de terrenos nos termos do número anterior deve obedecer ao disposto no ponto 1 da Resolução do Governo n.º 20/2014, de 6 de agosto, e implica a renúncia pelo respetivo vendedor aos direitos e benefícios previstos no presente Decreto-Lei.

 

Artigo 14.º

Entrada em vigor

O presente Decreto-Lei entra em vigor 30 dias após a data da sua publicação.

 

Aprovado em Conselho de Ministros, em 22 de Agosto de 2014.

 

 

O Primeiro-Ministro,

 

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Kay Rala Xanana Gusmão

 

O Ministro da Justiça,

 

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Dionísio Babo Soares

 

O Ministro do Petróleo e Recursos Minerais,

 

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Alfredo Pires

 

Promulgado em 24 - 11 – 2014

 

Publique-se.

 

O Presidente da República,

 

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Taur Matan Ruak