REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DE TIMOR-LESTE

REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DE TIMOR-LESTE

LEI DO PARLAMENTO

9/2008

SISTEMA NACIONAL DE INTELIGÊNCIA

DA REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DE TIMOR-LESTE



O sistema de inteligência da República Democrática de Timor-Leste insere-se no âmbito da segurança nacional e constitui um instrumento de acção e de garantia contra as ameaças à segurança externa e interna.



Com efeito, a consolidação do Estado de Direito Democrático passa pela salvaguarda da independência e soberania nacionais e pela garantia da segurança interna, no respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, impondo-se a criação de um regime jurídico que regule o serviço público do sistema de inteligência.



Assim, o Parlamento Nacional decreta, nos termos da alínea o) do n.o 2 do artigo 95.o da Constituição da República, para valer como lei, o seguinte:



CAPÍTULO I

PRINCÍPIOS GERAIS



Artigo 1.º

Objecto



A presente lei estabelece as bases gerais do Sistema Nacional de Inteligência da República Democrática de Timor-Leste, adiante designado por Sistema Nacional de Inteligência.



Artigo 2.º

Finalidades



1 - As finalidades do Sistema Nacional de Inteligência realizam-se mediante as atribuições e competências dos órgãos e serviços previstos na presente lei.



2 - Aos serviços de inteligência incumbe assegurar, no respeito pela Constituição e pela lei, a produção de informações ne-cessárias à salvaguarda da independência nacional e à garantia da segurança interna e externa.



Artigo 3.º

Informações militares e policiais



O disposto na presente lei aplica-se às actividades de recolha de informações levadas a cabo pelas FALINTIL-Forças de De-fesa de Timor-Leste (F-FDTL) e pela Polícia Nacional de Timor-Leste (PNTL) necessárias ao cumprimento das suas missões específicas e à garantia da segurança militar e do combate à criminalidade comum, respectivamente.



Artigo 4.º

Limites das actividades dos serviços de inteligência



1 - Não podem ser desenvolvidas actividades de pesquisa, processamento e difusão de informações que envolvam ameaça ou ofensa aos direitos, liberdades e garantias con-signados na Constituição e na lei.



2 - Cada serviço só pode desenvolver as actividades de pes-quisa e tratamento das informações respeitantes às suas atribuições específicas, sem prejuízo da obrigação de parti-lhar mutuamente os dados e informações que, para além de interessarem às suas atribuições específicas, possam con-tribuir para as finalidades do Sistema Nacional de Inteligência.



Artigo 5.º

Delimitação do âmbito de actuação



1 - Os funcionários ou agentes, civis, policiais ou militares, dos serviços de inteligência previstos na presente lei não podem exercer poderes, praticar actos ou desenvolver acti-vidades no âmbito ou competência específica dos tribunais ou das entidades com funções policiais.



2 - Sem prejuízo do previsto na lei processual penal, é expressa-mente proibido aos funcionários e agentes, civis ou milita-res, dos serviços de inteligência proceder à detenção de qualquer indivíduo ou instruir processos penais.



3 - Os polícias e militares, embora mantenham o seu vínculo de origem, não podem desempenhar funções ou praticar actos de natureza policial ou militar enquanto membros do Serviço Nacional de Inteligência.

CAPÍTULO II

ORGÂNICA DO SISTEMA



SECÇÃO I

ÓRGÃOS DO SISTEMA NACIONAL DE INTELIGÊNCIA



Artigo 6.º

Órgãos



O Sistema Nacional de Inteligência é constituído pelos se-guintes órgãos:



a) O Conselho de Fiscalização do Sistema Nacional de Inteli-gência, adiante designado por Conselho de Fiscalização;



b) A Comissão Técnica;



c) O Serviço Nacional de Inteligência, adiante designado por SNI;



d) A Comissão Interministerial de Segurança Interna.



SECÇÃO II

FISCALIZAÇÃO



Artigo 7.º

Conselho de Fiscalização



1. A fiscalização das actividades e bases de dados dos servi-ços de inteligência é assegurada pelo Conselho de Fiscaliza-ção, sem prejuízo dos poderes de fiscalização do Parlamento Nacional previstos na Lei de Segurança Interna.



2. O Conselho de Fiscalização é composto por três cidadãos, de reconhecida idoneidade e no gozo pleno dos seus direi-tos civis e políticos, sendo um indicado pelo Presidente da República e dois eleitos por voto secreto e maioria absoluta dos Deputados do Parlamento Nacional em efectividade de funções.



Artigo 8.º

Competência



1. Ao Conselho de Fiscalização compete acompanhar e fiscali-zar a actividade dos serviços de inteligência, zelando pelo cumprimento da Constituição e da lei e, especialmente, pelo respeito dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.



2. O Conselho de Fiscalização deve anualmente submeter ao Parlamento Nacional um relatório de actividades sobre o funcionamento do SNI, o qual, posteriormente, deve ser remetido por aquele órgão ao Presidente da República e ao Primeiro-Ministro.



3. O Conselho de Fiscalização tem o direito de pedir junto da direcção do SNI, do Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas e do Comandante-Geral da PNTL os esclarecimentos que considere necessários ao exercício dos seus poderes de fiscalização.



Artigo 9.º

Mandato e posse



1 - Os membros do Conselho de Fiscalização exercem o seu mandato pelo período de cinco anos.



2 - Os membros do Conselho de Fiscalização tomam posse perante o Presidente do Parlamento Nacional.

Artigo 10.º

Deveres



1 - Constituem deveres especiais dos membros do Conselho de Fiscalização:



a) Exercer o cargo com independência, isenção e imparciali-dade;



b) Guardar sigilo sobre as matérias de que venham a tomar conhecimento.



2 - O dever de sigilo referido na alínea b) do número anterior mantém-se após a cessação das respectivas funções.



Artigo 11.º

Direitos e regalias



1 - Os membros do Conselho de Fiscalização não podem ser prejudicados na sua actividade profissional em virtude do desempenho do mandato que lhes for conferido pelo Parlamento Nacional.



2 - Os membros do Conselho de Fiscalização, exercendo as suas funções em acumulação com as respectivas activida-des profissionais, recebem, por cada dia de actividade efectiva, uma remuneração diária de valor a fixar por decreto-lei.



3 - O disposto no número anterior não prejudica o direito ao percebimento de ajudas de custo, nos termos da lei geral aplicável.



4 - Os encargos resultantes da actividade dos membros do Conselho de Fiscalização são suportados por verba do orçamento do Parlamento Nacional.



SECÇÃO III

ÓRGÃOS EXECUTIVOS E DE COORDENAÇÃO



Artigo 12.º

Comissão Técnica



1 - A Comissão Técnica é o órgão de coordenação operacional em matéria de informações entre serviços de inteligência e forças de segurança.



2 - A Comissão Técnica tem a seguinte composição:



a) Director-Geral do SNI, que preside;



b) Director do Serviço de Informações da Polícia;



c) Chefe do Serviço de Informações Militares das F-FDTL.



3 - Além das entidades previstas no número anterior, o presi-dente da Comissão Técnica pode solicitar a presença das seguintes entidades, sempre que o considerar relevante para a natureza dos assuntos a tratar:



a) Director do Serviço de Migração;



b) Director-Geral das Alfândegas.



4 - Excepcionalmente, o presidente da Comissão Técnica pode ainda convocar outras entidades sempre que o considerar relevante para a natureza dos assuntos a tratar.



5 - A Comissão Técnica reúne quinzenalmente em sessão ordinária e extraordinariamente mediante convocação do respectivo presidente.

Artigo 13.º

Serviço Nacional de Inteligência



1 - Ao SNI compete a produção de informações que contri-buam para a salvaguarda da independência nacional, dos interesses nacionais e da segurança externa, bem como da garantia da segurança interna na prevenção da sabotagem, do terrorismo, da espionagem, da criminalidade organizada e dos actos que pela sua natureza possam alterar ou destruir o Estado de Direito constitucionalmente estabelecido.



2 - O SNI é um serviço público dependente do Primeiro-Mi-nistro e goza de autonomia administrativa e financeira.



3 - A orgânica do SNI consta de decreto-lei.



Artigo 14.º

Comissão Interministerial de Segurança Interna



1 - A Comissão Interministerial de Segurança Interna é o ór-gão interministerial de consulta do Primeiro-Ministro em matéria de informações.



2 - A Comissão Interministerial de Segurança Interna rege-se pelo disposto na presente lei e na Lei de Segurança Interna.



CAPÍTULO III

DADOS



Artigo 15.º

Centros de dados



Os serviços de inteligência podem dispor de centros de dados compatíveis com a natureza do serviço, aos quais compete processar e conservar, em arquivo magnético, os dados e informações recolhidos no âmbito da sua actividade.



Artigo 16.º

Bases de dados



O SNI e os restantes serviços de inteligência poderão dispor de bases de dados autónomas, estando vedada a sua conexão informática.



Artigo 17.º

Condições de acesso



1 - Os critérios e as normas técnicas necessárias ao funcio-namento dos centros de dados e das bases de dados cen-trais do SNI, bem como os regulamentos necessários a garantir a segurança das informações recolhidas, são elabo-rados pela Comissão Técnica e aprovados pelo Conselho de Ministros, mediante parecer prévio da Comissão Inter-ministerial de Segurança Interna.



2 - Os funcionários ou agentes, civis ou militares, que exerçam funções nos órgãos de polícia criminal só podem ter acesso a dados e informações do Sistema Nacional de Inteligência desde que autorizados por despacho do competente mem-bro do Governo, sendo proibida a sua utilização para fins diferentes da tutela da legalidade democrática ou da repres-são da criminalidade.



3 - O funcionário ou agente, civil ou militar, que comunicar ou fizer uso de dados e informações com violação do disposto no número anterior é punido nos termos da lei penal, inde-pendentemente da medida disciplinar que ao caso couber.



Artigo 18.º

Cancelamento e rectificação de dados



1 - Quando se revelar erro na imputação de dados ou informa-ções ou irregularidades no seu tratamento, a entidade pro-cessadora fica obrigada a dar conhecimento do facto ao Conselho de Fiscalização.



2 - Quem, por acto de qualquer funcionário ou agente dos serviços de inteligência ou no decurso de processo judicial ou administrativo, tiver conhecimento de dados que lhe digam respeito e que considere errados, irregularmente obtidos ou violadores dos seus direitos, liberdades e garan-tias pode requerer ao Conselho de Fiscalização que proceda às verificações necessárias e ordene o seu cancelamento ou rectificação.



Artigo 19.º

Segredo de Estado



1 - São abrangidos pelo segredo de Estado os dados e as informações cuja difusão seja susceptível de causar dano à uni-dade e integridade do Estado, à defesa das instituições democráticas estabelecidas na Constituição, ao livre exercí-cio das respectivas funções pelos órgãos de soberania, à segurança interna, à independência nacional ou à prepara-ção da defesa militar.



2 - Consideram-se abrangidos pelo segredo de Estado os registos, documentos, ficheiros e arquivos dos serviços de inteligência relativos às matérias mencionadas no núme-ro anterior, não podendo ser requisitados ou examinados por qualquer entidade estranha aos serviços, com excepção dos membros do Conselho de Fiscalização em funções.



3 - As informações e elementos de prova respeitantes a fac-tos que indiciem a prática de crimes contra a segurança do Estado devem ser comunicados às entidades competentes para a sua investigação ou instrução.



CAPÍTULO IV

DISPOSIÇÕES FINAIS



Artigo 20.º

Revogações



É revogada toda a legislação contrária à presente lei.



Artigo 21.º

Entrada em vigor



A presente lei entra em vigor no dia imediato ao da sua publicação.



Aprovada em 26 de Maio de 2008.





O Presidente do Parlamento Nacional em substituição,





Vicente da Silva Guterres





Promulgado em 1 de Junlho de 2008



Publique-se.





O Presidente da República,





Dr. José Ramos Horta