REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DE TIMOR-LESTE

REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DE TIMOR-LESTE

LEI DO PARLAMENTO

4/2010

Preâmbulo





Garantir a Segurança Interna, através das actividades que visam prevenir e combater a criminalidade e salvaguardar a ordem e a tranquilidade públicas, constitui condição de salvaguarda da paz e da estabilidade de qualquer país soberano, sendo, por isso uma actividade de capital importância a levar a cabo pelo Estado, mas na qual se devem também envolver todos os sectores da sociedade civil.



Na verdade, nas sociedades modernas de cariz democrático, em que Timor-Leste constitucionalmente se insere, a actividade de segurança interna deixou de se confinar exclusivamente a um ou dois departamentos governamentais, para ser assumida como questão a ser tratada, em permanência, por todas as instituições públicas e privadas e pelas comunidades locais.



O percurso dramático que o Estado timorense enfrentou no passado próximo, iniciado em Abril de 2006 com os graves conflitos que subverteram a ordem pública e puseram em causa a sobrevivência das instituições democráticas, e culminado em Fevereiro de 2008, quando os titulares de dois dos principais órgãos de soberania ficaram expostos perante grupos armados que atentaram contra as suas vidas, aconselha a adopção de medidas preventivas no âmbito da segurança interna.

Neste sentido, torna-se imperativo que as entidades com responsabilidade no garante da segurança nacional sejam antecipadamente munidas dos recursos materiais e humanos, indispensáveis para responderem prontamente a eventuais situações de violação do Estado de direito, de desastres ou de calamidade pública, reportando-se a um órgão de coordenação e direcção, no qual todas estejam representadas.



Igualmente devem ser retirados os ensinamentos resultantes da experiência que constituiu a recente operação conjunta desenvolvida pelas forças de defesa e de segurança nacionais, a qual conduziu ao desmembramento dos grupos armados que desafiavam o poder democrático legítimo, e que vieram provar a indispensabilidade das Forças Armadas desempenharem um papel preponderante em apoio a missões de segurança interna e humanitárias, salvaguardando-se os direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos.



A tradicional separação entre Defesa (Segurança Externa) e Segurança (vista na vertente Interna) está cada vez mais esbatida e as respectivas áreas deixaram de ser estanques, pelo que as diversas forças e serviços que integram o Sistema de Segurança Nacional devem passar a exercer a sua actividade em coordenação permanente, visando um único objectivo comum, sem deixar de referir que a segurança interna deve ser encarada nas suas duas vertentes, a policial e a de protecção e socorro.



Assim, devem ser criados mecanismos que garantam que a actividade de segurança interna, enquanto actividade de interesse nacional, vital para a sobrevivência das instituições democráticas e segurança das pessoas e bens, se desenrole num quadro legal, definido de forma clara e objectiva e que permita a eficiência e eficácia do sistema.



Assim, o Parlamento Nacional decreta, nos termos dos artigos 92.º e 95.º n.º 2 alínea o) da Constituição da República, para valer como lei, o seguinte:



CAPÍTULO I

PRINCÍPIOS GERAIS



Artigo 1º

Definições



1. A segurança interna é a actividade desenvolvida pelo Esta-do para garantir a ordem, a segurança e a tranquilidade públicas, proteger as pessoas e os bens, garantir o exercício dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos, prevenir a criminalidade e assegurar o normal funciona-mento das instituições democráticas.



2. A política de Segurança Interna é o conjunto de princípios, orientações e medidas que visam a prossecução dos fins que lhe são próprios.



Artigo 2º

Princípio da legalidade



A actividade de segurança interna exerce-se nos termos da Constituição e da lei, designadamente da lei penal e processual penal e das leis da polícia e dos serviços de segurança.

Artigo 3º

Objectivos



As medidas previstas na presente lei visam especialmente proteger a vida, a integridade física das pessoas, a paz pública e a ordem democrática, contra a criminalidade violenta e organizada, designadamente o terrorismo, a sabotagem, espionagem e o tráfico de seres humanos, e prevenir e minorar catástrofes naturais, defender o ambiente e preservar a saúde pública.



Artigo 4º

Princípios fundamentais



1. A actividade de segurança interna observa as regras gerais de polícia com respeito pelos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos e observância pelos demais princípios do Estado de direito democrático.



2. As medidas de polícia e as medidas especiais de prevenção criminal são as que se encontram previstas nas leis, não devendo ser utilizadas para além do estritamente neces-sário.



3. A prevenção dos crimes, incluindo a dos crimes contra a segurança do Estado, faz-se com observância das regras gerais sobre polícia e com respeito pelos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos.



4. O uso da força é controlado política e juridicamente pela emissão de regras sobre o seu empenhamento, propostas pelo membro do governo com competência em matéria de segurança e aprovadas pelo Conselho de Ministros, sendo o armamento empregue adequado ao cumprimento das missões definidas para as forças de segurança.



Artigo 5º

Actividades subsidiárias e complementares



1. A lei pode atribuir a outras entidades públicas ou privadas, a capacidade para desenvolver actividades subsidiárias ou complementares da actividade das Forças e Serviços de Segurança definidas no artigo 14º da presente Lei.



2. As entidades referidas no número anterior não podem, em momento algum, desenvolver actividades que tenham por objecto a prossecução de funções correspondentes a competências exclusivas das autoridades judiciárias, policiais ou de Informações e Segurança do Estado.



3. As entidades referidas no n.º 1 devem colocar os seus efectivos à disposição das autoridades policiais a pedido destas, em caso de necessidade fundamentada e nos termos da legislação especifica que regule as actividades daquelas entidades.



4. Para efeitos dos números anteriores, só poderão ser consideradas as entidades privadas a que o estado tenha atribuído as devidas licenças para o exercício da sua actividade, nos termos da lei.

Artigo 6º

Âmbito de actuação



A Segurança Interna desenvolve-se em todo o território nacional, podendo as Forças e Serviços de Segurança actuar fora do espaço nacional, no quadro de compromissos internacionais e das normas de direito internacional aplicáveis, nomeadamente em cooperação com organismos e serviços de Estados estrangeiros ou organizações internacionais de que faça parte a Republica Democrática de Timor-Leste.



Artigo 7º

Dever de colaboração



1. Os cidadãos têm o dever de colaborar com os funcionários e agentes das forças e serviços de segurança, obedecendo às ordens e mandados legítimos, não obstruindo o normal exercício das suas funções.



2. Os funcionários e agentes do Estado ou das pessoas colec-tivas de direito público, bem como os membros dos órgãos de gestão das empresas públicas, têm o dever especial de colaboração com as Forças e Serviços de Segurança, nos termos da lei.



3. Os funcionários do Estado com funções de direcção, chefia, inspecção ou fiscalização têm o dever de comunicar imediatamente às Forças e Serviços de Segurança os factos que constituam preparação, tentativa ou execução de crimes de espionagem, sabotagem ou terrorismo, que tenham conhecimento no exercício das suas funções.



4. A não observância do que se dispõe nos n.º 2 e 3 determina responsabilidade disciplinar e criminal nos termos da lei.



Artigo 8º

Cooperação das Forças e Serviços de Segurança



As Forças e Serviços de Segurança cooperam entre si, nomea-damente através de comunicação recíproca de dados não sujeitos a regime especial de reserva ou protecção e que sejam necessários à realização das finalidades de cada um.



CAPÍTULO II

POLÍTICA DE SEGURANÇA INTERNA E COORDENAÇÃO DA SUA EXECUÇÃO



Artigo 9º

Competência do Parlamento Nacional



1. O Parlamento Nacional contribui, no exercício da sua compe-tência política e legislativa, para enquadrar a política de Segurança Interna e para fiscalizar a sua execução.



2. O Parlamento Nacional é informado regularmente pelo Go-verno, sobre os principais assuntos da política de segu-rança.



3. O Parlamento aprecia o relatório anual sobre a situação de segurança interna do País, assim como o relatório sobre as actividades das Forças e dos Serviços de Segurança, a apresentar pelo Governo no primeiro trimestre de cada ano.

Artigo 10º

Competência do Governo



1. A condução da política de segurança interna é da com-petência do governo.



2. Compete ao Conselho de Ministros:



a) Definir as linhas gerais da política governamental de segurança interna, bem como a sua execução;



b) Programar e assegurar os meios destinados à execução da política de segurança interna;



c) Aprovar o plano de comando, coordenação e coopera-ção das forças e serviços legalmente incumbidos da Segurança Interna e garantir o regular funcionamento dos respectivos sistemas;



d) Fixar em lei as regras de classificação e o controlo de circulação dos documentos oficiais e a credenciação das pessoas que devem ter acesso aos documentos classificados.



Artigo 11º

Competência do Primeiro-Ministro



1. Compete ao Primeiro-Ministro, designadamente:



a) Coordenar e orientar a acção dos membros do Governo nos assuntos relacionados com a segurança interna;



b) Convocar a Comissão Interministerial de Segurança e presidir às suas reuniões;



c) Dirigir a actividade interministerial tendente à adopção, em caso de ameaça grave à segurança interna, das medidas julgadas adequadas, incluindo, se necessário, o emprego operacional combinado de pessoal, equipamento, instalações e outros meios atribuídos a cada uma das forças e serviços de segurança;



d) Assegurar, através do Serviço Nacional de Inteligência e no respeito pela Constituição e pela Lei, a produção de informações necessárias à salvaguarda da indepen-dência nacional e à garantia da segurança interna;



e) Manter o Presidente da Republica informado acerca dos assuntos respeitantes à condução da política de segurança interna.



Artigo 12º

Composição do Sistema de Segurança Interna



O Sistema de Segurança Interna é constituído pelos seguintes órgãos:



a) A Comissão Interministerial de Segurança;



b) O Centro Integrado de Gestão de Crises;



c) As Forças e Serviços de Segurança;

d) Os organismos que exercem funções complementares de segurança interna.



Artigo 13º

Conselhos de Segurança Distritais



São criados, por lei própria, os Conselhos Distritais de Segurança, com os seguintes objectivos:



a) Contribuir para o aprofundamento do conhecimento da situação de segurança na área do distrito, através da consulta entre todas as entidades que o constituírem;



b) Formular soluções para os problemas de marginalidade e segurança dos cidadãos dos respectivos distritos e participar em acções de prevenção;



c) Promover a discussão sobre medidas de combate à crimina-lidade e à exclusão social do distrito;



d) Aprovar pareceres e solicitações que julgue oportunos e directamente relacionados com as questões de segurança e inserção social;



e) Promover a harmonia e resolver diferendos segundo a tra-dição e os costumes timorenses, sem colocar em causa os princípios legais e constitucionais, desde que exista acordo entre as partes envolvidas.



Artigo 14º

Forças e Serviços de Segurança



1. As Forças e Serviços de Segurança são entidades públicas rigorosamente apartidárias que concorrem para garantir a Segurança Interna no país.



2. Exercem funções de Segurança Interna:



a) A Polícia Nacional de Timor-Leste (PNTL);



b) O Serviço Nacional de Inteligência (SNI);



c) O Serviço de Migração (SM);



d) Os organismos integrados no Sistema de Protecção e Socorro.



Artigo 15º

Funções Complementares de Segurança Interna



Exercem funções complementares de segurança interna:



a) As Forças Armadas, em situações de excepção;



b) A Autoridade Marítima;



c) A autoridade Nacional da Aviação Civil;



d) A Direcção Nacional de Alfândegas;



e) Os Serviços Prisionais;



f) As entidades civis, públicas e privadas dedicadas à acti-vidade de segurança.

Artigo 16º

Organização, Atribuições e Competências



A organização, atribuições e competências das Forças e Serviços de Segurança e dos organismos que exercem uma actividade complementar da segurança interna, são definidas pelas respectivas leis orgânicas e demais legislação complementar, excepto as empresas privadas de segurança, cuja actividade deverá ser regulada através de legislação própria.



Artigo 17º

Autoridades de Polícia



Para os efeitos da presente lei são autoridades de polícia, no âmbito das respectivas competências:



a) O Comandante-Geral da PNTL;



b) O 2º Comandante-Geral da PNTL;



c) Os Comandantes das Unidades da PNTL;



d) Os Comandantes Distritais da PNTL;



e) O Director do Serviço de Migração;



f) O Director Nacional das Alfândegas.



Artigo 18º

Medidas de polícia



1. No desenvolvimento da actividade de Segurança Interna as autoridades de polícia podem, em conformidade com as respectivas competências específicas, determinar a aplica-ção de medidas de polícia.



2. As medidas de polícia são as que se encontram consagradas na Lei, aplicáveis nos termos e condições previstos na Constituição, designadamente:



a) Exigência de identificação de qualquer pessoa que se encontre ou circule em lugar público ou sujeito a vigilância policial;



b) Vigilância de pessoas, edifícios e estabelecimentos por período de tempo determinado;



c) Apreensão temporária de armas, munições e explosivos;



d) Impedimento de entrada de estrangeiros que não cum-pram os requisitos previstos na lei ou indocumentados;



e) Accionamento da expulsão de estrangeiros do país;



f) Cessação da actividade de empresas, grupos, organi-zações ou associações que se dediquem a acções de criminalidade altamente organizada, designadamente de sabotagem, espionagem ou terrorismo ou à preparação, treino ou recrutamento de pessoas para aqueles fins;



g) Estabelecimento e delimitação de zonas de segurança e de circulação condicionada, cujo objectivo se prenda com o cumprimento de missão da sua competência, pelo período estritamente necessário à execução da missão.



3. Sempre que, aquando da aplicação de qualquer uma destas medidas, houver lugar à detenção de pessoas ou apreensão de objectos ou documentos, os órgãos de polícia devem proceder de acordo com o estipulado na lei processual penal.



4. As medidas previstas na alínea f) do número 2 são, sob pena de nulidade, no prazo máximo de 72 horas, comunicadas ao tribunal competente e apreciadas pelo juiz em ordem à sua validação.



Artigo 19º

Medidas Especiais de Prevenção Criminal



1. As Forças de Segurança podem planear e levar a efeito, operações especiais de prevenção criminal em áreas geográficas delimitadas com a finalidade de controlar, detectar, localizar, prevenir a introdução, assegurar a remoção ou verificar a regularidade da situação de armas, seus componentes ou munições ou substâncias ou produtos explosivos ou tóxicos, reduzindo o risco da prática de infracções que a estas se encontrem habitual-mente associados ou ainda quando haja suspeita de que algum desses crimes possa ter sido cometido como forma de levar a cabo ou encobrir outros.



2. A delimitação das áreas geográficas para a realização das operações especiais de prevenção pode abranger:



a) Pontos de controlo de acesso a locais em que constitui crime a detenção de armas, dispositivos, produtos ou substâncias enumeradas na lei que regula as armas e munições;



b) Terminais de transportes colectivos rodoviários, bem como no interior desses transportes, e ainda em portos, aeroportos, vias públicas ou outros locais públicos, e respectivos acessos, frequentados por pessoas que em razão de acções de vigilância, patrulhamento ou informação policial seja de admitir que se dediquem à prática das infracções previstas no número anterior.



3. As operações especiais de prevenção criminal podem compreender, em função da necessidade:



a) A identificação das pessoas que se encontrem na área geográfica onde têm lugar;



b) A revista de pessoas, de viaturas ou de equipamentos;



c) A realização de buscas no local onde se encontrem, quando haja indícios da prática dos crimes previstos no número 1, risco de resistência ou de desobediência à autoridade pública ou ainda a necessidade de condução ao posto policial, por não ser possível a identificação suficiente e sobre ele recaírem suspeitas da eventual prática de um crime.

4. As operações podem prosseguir para além dos espaços geográfico e temporal determinados, se os actos a levar a cabo forem decorrentes de operações especiais de prevenção criminal iniciadas no âmbito deste artigo.



Artigo 20º

Controlo Judicial das Medidas Especiais de Prevenção Criminal



1. As operações especiais de prevenção criminal são sempre comunicadas ao Ministério Público, através do Procurador distrital com competência territorial na área geográfica visada.



2. A comunicação é feita pelo Comandante-Geral da PNTL, com a antecedência adequada e especificação da delimita-ção geográfica e temporal das medidas previstas.



3. Sem prejuízo da autonomia técnica e táctica das Forças e Serviços de Segurança, as operações podem ser acompa-nhadas por um magistrado, o qual será responsável pela prática dos actos de competência do Ministério Público que elas possam requerer.



4. Quando, no âmbito de uma operação especial de prevenção, se torne necessário levar a cabo buscas domiciliárias ou outros actos da exclusiva competência de juiz competente, são adoptadas as medidas necessárias ao acompanha-mento por parte deste magistrado.



5. Quando a operação deva ser desenvolvida em mais de uma comarca, intervém o juiz que, nos termos a lei, tenha competência no território da comarca em que a operação se inicie.



Artigo 21º

Dever de identificação



Os agentes ou funcionários de polícia não uniformizados que, nos termos da lei, ordenarem a identificação de pessoas ou emitirem qualquer outra ordem ou mandado legítimo, devem identificar-se previamente.



Artigo 22º

Controlo de comunicações



1. O juiz, a requerimento do Ministério Público, pode autorizar, nos termos da lei, o controlo das comunicações.



2. O requerimento para controlo de comunicações é devida-mente fundamentado e apresentado nos termos da lei processual penal.



3. A execução do controlo das comunicações mediante auto-rização judicial é da exclusiva competência da unidade de investigação criminal da PNTL ou do SNI.



Artigo 23º

Disposição transitória



Para os efeitos da presente lei os Conselhos de Segurança Distritais passarão a ter a denominação de Conselho de Segu-rança Municipais, assim que ocorrer a divisão administrativa do território.



Artigo 24º

Revogação



São revogadas a Lei n.º 8/2003, de 8 de Outubro e o Decreto-Lei n.º 2/2007, de 8 de Março, sobre operações especiais de prevenção criminal.



Artigo 25º

Entrada em vigor



A presente lei entra em vigor no dia imediato ao da sua publicação.



Aprovada em 16 de Março de 2010.







O Presidente do Parlamento Nacional,







Fernando La Sama de Araújo





Promulgado em 9 / 4 / 2010



Publique-se







O Presidente da República







José Ramos Horta