A cobrança transfronteiriça de alimentos no espaço CPLP

Texto elaborado por Joaninha da Costa, jurista, assessora jurídica da Direcção Nacional de Assessoria Jurídica e Legislação do Ministério da Justiça da República Democrática de Timor-Leste

À semelhança da importância dos mecanismos já adoptados no domínio da cooperação judiciária em matéria penal, o estabelecimento de medidas de cooperação judiciária em matéria civil constitui um importante instrumento ao serviço do desenvolvimento de um espaço de liberdade, segurança e justiça no domínio da CPLP.

A cobrança internacional ou transfronteiriça de alimentos é apenas um dos muitos exemplos em que se pode estreitar a cooperação judiciária em matéria civil e promover uma boa administração da justiça no espaço CPLP, com vista a facilitar a execução das decisões e o reconhecimento dos direitos que visam garantir.

Por sua vez, a cobrança internacional de alimentos é um importante meio de cooperação, já que visa assegurar que crianças e outros membros da família tenham o seu sustento garantido, mesmo quando o responsável pela prestação de alimentos se encontre fora do território no qual os alimentos são demandados.

Na verdade, o problema colocado pela cobrança internacional de alimentos não é novo e tem suscitado, desde há muito, a atenção da comunidade internacional que, também nesse domínio, se tem empenhado na criação de mecanismos para a realização da justiça, através da construção de pontes entre os seus sistemas jurídicos, com vista a superar o obstáculo que as fronteiras impõem ao cumprimento da lei.

Como tal, o panorama do direito internacional é vasto e aconselha a leitura das Convenções da Haia sobre a matéria, destacando-se a mais recente sobre a Cobrança Internacional de Apoio à Criança e de outros Membros da Família de 23 de Novembro de 2007, por traduzir um importante instrumento cuja finalidade é assegurar a eficácia da cobrança internacional de alimentos, através do estabelecimento de um sistema completo de cooperação entre as autoridades dos Estados Contratantes, de forma a garantir o reconhecimento e a execução de decisões em matéria de alimentos, bem como a permitir a possibilidade de obtenção ou modificação de decisões.

Ainda no domínio da Conferência da Haia, destacam-se a Convenção sobre a lei aplicável às obrigações alimentares (1973), a Convenção sobre o reconhecimento e execução de decisões relativas a obrigações alimentares (1973), a Convenção relativa à lei aplicável em matéria de prestação de alimentos a menores (1956) e a Convenção relativa ao reconhecimento e execução de decisões em matéria de obrigações alimentares para com os menores.

Já no âmbito da Organização das Nações Unidas, é de mencionar a Convenção de Nova York, de 1956, das Nações Unidas, sobre a Prestação de Alimentos no Estrangeiro, outro importante instrumento sobre a matéria. Por seu turno, também cabe referir a proliferação de inúmeros instrumentos que têm regulado a questão no plano bilateral entre os países. Do outro lado do mundo, destaca-se, por último, a Convenção Inter Americana sobre a obrigação alimentar, um bom exemplo a seguir no que respeita às medidas que facilitam a cobrança de alimentos entre os seus Estados.

Contudo, no espaço CPLP, à excepção de Portugal e do Brasil, os restantes países da CPLP continuam à margem de qualquer regra que facilite a execução de decisões prestação de alimentos e a sua cobrança além fronteiras, mesmo no caso de alimentos devidos a menores.

E apesar da generalidade dos países partilhar, ao nível do direito interno, os mesmos valores e princípios no que respeita ao reconhecimento dos valores da família e da protecção da criança, sendo uma grande vantagem a assinalar, a verdade é que são parcos ou mesmo inexistentes os mecanismos dirigidos à sua execução transfronteiriça.

Tomemos o exemplo de Timor-Leste e centremo-nos no direito de alimentos a menores. A Constituição da República prevê o direito da criança à protecção especial por parte da família, da comunidade e do Estado, particularmente contra todas as formas de abandono, discriminação, violência, opressão, abuso sexual e exploração, reconhecendo ainda à criança a qualidade de sujeito de direitos fundamentais e o dever de apoio e de orientação dos progenitores e demais membros da família para o seu desenvolvimento. Assim, os pais têm o dever de assegurar aos seus filhos os meios necessários ao seu sustento, tais como alojamento, alimentação, higiene, vestuário e educação.

Por sua vez, o Estado tem o dever de adoptar instrumentos políticos e legislativos para proteger, assegurar e salvaguardar os interesses da criança. Já o Código Civil de Timor-Leste prevê o poder paternal relativamente aos filhos e as medidas necessárias para a protecção da criança no âmbito da responsabilidade para promover o desenvolvimento físico, intelectual e moral dos filhos, estabelecendo ainda a regulação do exercício do poder paternal nos casos de divórcio ou separação judicial, sendo os alimentos devidos e a forma de os prestar regulados por acordo dos pais sujeito a homologação do tribunal.

Ora, se no plano do direito interno não se antevê qualquer problema no reconhecimento do direito a alimentos e na sua execução, quando se coloca a questão da obtenção do direito a alimentos no caso de o devedor ou o credor estar em Timor-Leste e a outra parte no estrangeiro, falham, por inexistentes, os mecanismos destinados à sua cobrança internacional, na medida em que Timor-Leste não assumiu ainda qualquer compromisso internacional, quer bilateral, quer multilateralmente, na matéria.

E o mesmo se verifica na maioria dos países que integram a CPLP. Por isso, é crucial que se estabeleçam mecanismos que permitam a um credor de alimentos obter facilmente num Estado da CPLP uma decisão que terá automaticamente força executória noutro Estado da CPLP, com dispensa de formalidades muito complexas ou difíceis de executar, tornando assim mais eficazes os meios de que dispõem os credores de prestações de alimentos para reivindicar os seus direitos.

A fim de alcançar esse objectivo uma das soluções possíveis consiste em criar um instrumento no espaço CPLP em matéria de obrigações alimentares que agrupe disposições sobre os conflitos de jurisdição, os conflitos de leis, o reconhecimento e a força executória, a execução, o apoio judiciário e a cooperação entre autoridades locais.

Outra solução possível chega-nos do já existente direito internacional privado aplicável à cobrança de alimentos transfronteiriça e que se traduziria na adesão por parte de todos os países da CPLP a esses instrumentos, por exemplo, a Convenção da Haia, de modo a facilitar a execução das decisões relativas a obrigações alimentícias, assegurando um exercício mais efectivo dos direitos que visam proteger.

Quer se opte por uma ou por outra, ou por nenhuma das duas, o importante será ver o espaço CPLP a ganhar consciência da sua importância e identidade enquanto espaço de liberdade e justiça e no domínio da cooperação jurídica em matéria civil aplicada à cobrança transfronteiriça, tal há-de centrar-se em dois pontos essenciais:

por um lado, os seus Estados deverão tomar medidas adequadas, incluindo a adopção de instrumentos internacionais, tendentes a assegurar a cobrança da pensão alimentar, em especial quando devida a um menor, quando o devedor se encontre num outro Estado; por outro lado, a nível interno, os Estados da CPLP deverão prever medidas eficazes para executar as decisões de prestação de alimentos.