REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DE TIMOR-LESTE

REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DE TIMOR-LESTE

DECRETO-LEI

27/2011

REGULARIZAÇãO DA TITULARIDADE DE BENS IMóveis em casos NÃO DISPUTADOS





A Constituição da República Democrática de Timor-Leste assegura no artigo 54.º o direito de todos os cidadãos à propriedade privada da terra. O pleno exercício deste direito depende da resolução do estado de indefinição quanto à titularidade dos bens imóveis situados em território nacional.



Desde Outubro de 2008, a Direcção Nacional de Terras, Propriedades e Serviços Cadastrais, do Ministério da Justiça, deu início a um intenso trabalho de recolha de informações sobre a titularidade de bens imóveis, com o objectivo de compor o Registo Nacional de Propriedades e esclarecer a situação fáctica e jurídica dos bens imóveis no nosso país.



Este exercício de recolha de dados, denominado processo de levantamento cadastral, permite a todos os cidadãos reivindicar seus direitos de propriedade sobre bens imóveis por meio da submissão de “declarações de titularidade”, nas áreas que vão sendo sujeitas ao processo. Estas declarações e os mapas cadastrais identificando cada parcela de terra ou prédio são publicados localmente, em painéis instalados em lugares públicos de fácil acesso, e a nível nacional, em jornais, sítios na internet e por meio de campanhas de rádio e televisão. Esta ampla publicação permite às autoridades verificar a existência de possíveis disputas em relação aos direitos de propriedade dos bens imóveis cadastrados, tal qual percebidos pela população.



Em Abril de 2011, após mais de 35.000 (trinta e cinco mil) parcelas levantadas, o Governo pôde verificar que em 92% (noventa e dois por cento) dos casos não houve disputa sobre a propriedade dos bens imóveis cadastrados. Para esta grande maioria de Timorenses, o direito de propriedade sobre sua terra ou casa é consensual, isto é, seja na aldeia, no Suco, no Distrito ou no país, não é questionado por terceiros.



Com o objectivo de dar a esta maioria de casos sem disputa o devido reconhecimento jurídico e regularizar a situação dos declarantes nos casos sem disputa inseridos na base de dados do Cadastro, o presente Decreto-Lei pretende reconhecer o direito de propriedade sobre bens imóveis, quando tal direito não seja contestado.



Assim, o Governo decreta, nos termos dos artigos 54.º, número 1, e 115.º, Número 1, alínea b), da Constituição da República de Timor-Leste, para valer como lei, o seguinte:



Artigo 1.º

Objecto



1. O presente Decreto-lei estabelece o regime para o reconheci-mento do direito de propriedade sobre bens imóveis não disputados, para efeitos de registo.



2. Este regime tem por fim:



a) Reconhecer, para efeitos de registo, o direito de proprie-dade de bens imóveis sobre os quais não exista disputa a pessoas nacionais individuais;

b) Registar os bens imóveis do domínio privado do Estado reconhecidos por lei; e



c) Identificar definitivamente os declarantes nos casos de bens imóveis em disputa.



Artigo 2.º

Definições



Para efeitos da presente lei, entende-se por:



a) Declaração de titularidade o acto por meio do qual uma ou mais pessoas singulares declaram ser titulares do direito de propriedade de um bem imóvel perante a Direcção Nacional de Terras, Propriedades e Serviços Cadastrais (DNTPSC), no âmbito do processo de levantamento cadastral;



b) Declarante a pessoa que tenha submetido declaração de titularidade válida e tempestiva, individualmente ou em grupo, como pretendente a titular;



c) Declarante incontestado o único declarante de titularidade de um bem imóvel ou o grupo de declarantes em concor-dância.



d) Caso disputado o caso em que há mais do que uma declara-ção sobre um mesmo bem imóvel, ou nos casos sobre os quais não haja acordo entre as extremas de dois ou mais bens imóveis.



e) Bem imóvel, é o solo e tudo o que a ele está ligado com carácter de permanência, designadamente os edifícios, nos termos previstos no Código Civil.



f) Domínio público do Estado, são as áreas definidas na lei, sobre as quais não pode haver apropriação por particulares.



g) Domínio privado do Estado, são os bens imóveis do Esta-do que, nos termos da lei, podem ser objecto de comércio jurídico.



Artigo 3.º

Cadastro Nacional de Propriedades



1. O Cadastro Nacional de Propriedades é a base de dados que contém a informação oficial sobre bens imóveis recolhida através do processo de levantamento cadastral.



2. Compõem o Cadastro Nacional de Propriedades a base de dados cadastral e a base de dados do registo de proprie-dades.



Artigo 4.º

Efeitos do reconhecimento



1. A validação das declarações de titularidade nos casos não disputados serve de base ao registo, e as informações validadas integram a base de dados do registo de propriedades.



2. O registo do direito de propriedade na base de dados do Cadastro Nacional de Propriedades constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito.

Artigo 5.º

Processo de Levantamento Cadastral



O levantamento cadastral é a recolha de dados sobre bens imóveis realizada pela Direcção Nacional de Terras, Propriedades e Serviços Cadastrais em conformidade com o enquadramento procedimental específico, previsto em Diploma Ministerial, e com a finalidade de compor o Cadastro Nacional de Propriedades.



Artigo 6.º

Igualdade de direitos



O reconhecimento do direito de propriedade para efeitos de registo é assegurado igualmente a homens e mulheres, sendo vedada qualquer forma de discriminação.



Artigo 7.º

Domínio Público



Não é reconhecido o direito de propriedade sobre bens imóveis situados em área do domínio público do Estado.



Artigo 8.º

Casos não disputados



1. É reconhecido o direito de propriedade, para efeitos de registo, a favor do declarante incontestado.



2. O reconhecimento do direito de propriedade para efeitos de registo depende de Despacho Ministerial.



3. Salvo nos casos previstos na lei, este reconhecimento pode ser contestado, a todo o tempo, em Tribunal.



4. O processo de emissão de certificados de registo é regulado por Diploma Ministerial.



5. Os acordos resultantes de negociação ou mediação, em que as partes tenham concordado sobre a transmissão definitiva de direitos de propriedade sobre o bem imóvel, são válidos para efeitos de declaração de titularidade.



Artigo 9.º

Casos disputados



1. A resolução litigiosa dos casos disputados é regulada nos termos da lei.



2. Os casos disputados podem ser resolvidos a qualquer tempo, por vontade das partes.



3. O reconhecimento do direito de propriedade para efeitos de registo, nos casos referidos no número anterior, é regulado por Diploma Ministerial.



4. A identificação definitiva dos declarantes nos casos disputados fixa os possíveis declarantes de titularidade relativos a cada bem imóvel, salvo transmissão da declara-ção.



Artigo 10.º

Actualização da base de dados do registo de propriedades



1. A base de dados do registo de propriedades deve ser actualizada sempre que houver alteração da titularidade de um bem imóvel, por transmissão inter vivos, herança ou outros actos permitidos por lei.



2. Os requisitos de forma para a transmissão do direito de propriedade de bem imóvel são fixados em Diploma Ministerial.



3. O procedimento de actualização da informação cadastral e do registo da transmissão de titularidade é regulado por Diploma Ministerial.



4. O procedimento de actualizacão deve respeitar os seguintes princípios:



a) Os factos de que resulte transmissão de direitos sobre imóveis não podem ser titulados sem que os bens estejam definitivamente inscritos a favor da pessoa de quem se adquire o direito;



b) O registo efectua-se mediante pedido de quem tenha legitimidade.



5. As transmissões de direitos de propriedade reconhecidos no âmbito deste diploma só podem ser feitas a favor de pessoais individuais nacionais ou do Estado.



6. A transmissão a favor de pessoas colectivas nacionais depende de legislação própria.



7. A transmissão de bens imóveis, posterior à atribuição do direito de propriedade pelo presente regime, está sujeito à autorização do cônjuge, nos termos da lei.



8. A declaração de nulidade ou a anulação do negócio jurídico que respeite a bens imóveis não prejudica os direitos adquiridos sobre os mesmos bens, a título oneroso, por terceiro de boa fé, se o registo da aquisição for anterior ao registo da acção de nulidade ou anulação ou ao registo do acordo entre as partes acerca da invalidade do negócio.



9. Os direitos de terceiro não são, todavia, reconhecidos, se a acção for proposta e registada dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio.



10. As acções e decisões judiciais que impliquem a constitui-ção, modificação ou extinção e direitos de propriedade sobre bens imóveis estão sujeitas a registo.



Artigo 11.º

Processos judiciais



1. As partes em processo judicial em que esteja em causa a titularidade de um bem imóvel ficam obrigadas a informar o Ministério da Justiça da existência da lide, antes do fim do prazo para a submissão de declarações de titularidade, sob pena de o registo ser feito em favor da parte declarante.



2. As decisões transitadas em julgado são inscritas na base de dados do registo de propriedades mediante a apresentação de certidão comprovativa.



Artigo 12.º

Crimes



A prática de corrupção activa e passiva, a falsificação de documentos, a apresentação de falsas declarações no âmbito de aplicação do presente Decreto-Lei, são punidos nos termos do Código Penal.



Artigo 13.º

Disposições Transitórias



1. São válidas as declarações de titularidade recolhidas antes da entrada em vigor deste Decreto-lei, observada a exigência de republicação e reabertura de prazo para a submissão de novas declarações.



2. Os mapas cadastrais das áreas incluídas na base de dados do Cadastro antes da entrada em vigor deste Decreto-lei, bem como suas respectivas listas de declarantes, devem ser republicados.



Artigo 14.º

Suspensões



1. Suspende-se a aplicação da alínea a) do nº 3 do artigo 37º do Decreto-Lei 3/2004, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 24/2009, sendo essa matéria, transitóriamente, regulada pelo nº 2 do artigo 10.º do presente diploma.



2. A suspensão é levantada pela aprovação de legislação que o expressamente o preveja.



Artigo 15.º

Revogações



São revogadas todas as normas de direito indonésio actualmente em vigor em Timor-Leste que regulem a forma de transmissão de direitos reais, quando aplicáveis aos bens imóveis já sujeitos ao procedimento de registo, previsto neste diploma.



Artigo 16.º

Entrada em vigor



A presente lei entra em vigor dia seguinte ao da sua publicação.



Aprovado em Conselho de Ministros em 4 de Maio de 2011.





O Primeiro-Ministro,





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Kay Rala Xanana Gusmão





A Ministra da Justiça,





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Lúcia M. B. F. Lobato





Promulgado em 24 / 6 / 2011



Publique-se.





O Presidente da República,





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José Ramos-Horta