REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DE TIMOR-LESTE

REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DE TIMOR-LESTE

RELATÓRIO

1/Const/2009/TR

Acórdão do Colectivo de Juízes do Tribunal de Recurso constituído pelos juízes, Cláudio Ximenes, Presidente e Relator, José Luís da Goia e Antonino Gonçalves:



I. Os Deputados do Parlamento Nacional Aniceto Guterres, Francisco M. Branco, Josefa A. P. Soares, Estanislau A. da Silva, Arsénio Paixão Bano, David M. Dias Ximenes, Antoninho Bianco, Joaquim Amaral, Osório Florindo da Conceição Costa, Maria Maia dos Reis e Costa, José Manuel da Silva Fernandes, Elizário Ferreira, Domingos Maria Sarmento, José Teixeira e Ilda Maria da Conceição, em efectividade de funções, vieram deduzir perante este Tribunal, ao abrigo da alínea e) do artigo 150º da Constitui-ção, pedido de fiscalização abstracta sucessiva da constitu-cionalidade do Decreto-Lei 20/2008, de 19 de Junho, que instituiu a Autoridade Nacional do Petróleo (ANP), bem como a ilegalidade do mesmo, por violação das normas constitucionais constantes dos artigos 92°, 95°, n° 1, 139° e 31° da C-RDTL.



Alegam que:



1) Pelo Decreto-lei nº 20/2008, de 19 de Junho, ao abrigo da alínea e) do nº 1, e nº 3, do artigo 115º da Constituição da República Democrática de Timor-Leste (C-RDTL), o Governo de Timor-Leste criou a Autoridade Nacional do Petróleo (ANP);



2) A referida entidade é uma pessoa colectiva de direito público, na modalidade de instituto público, dotada de perso-nalidade jurídica, autonomia administrativa e financeira, orçamento e património próprio, submetida ao regime de administração financeira dos órgãos autónomos auto-finan-ciados, tendo por atribuições actuar como instituição regu-ladora do sector/indústria do petróleo, do gás natural e seus derivados;



3) Em geral, e nos termos do nº 1 do artigo 3º do DL nº 20/2008, são atribuições da ANP regular, contratar, controlar e monitorizar as actividades económicas ligadas ao petróleo e as operações petrolíferas relacionadas com o sector do “upstream”, em harmonia com a política sectorial do Governo;



4) Em concreto, compete à ANP proceder ao anúncio, concurso e adjudicação de contratos petrolíferos, e fiscalizar, a partir daí, o desempenho técnico e económico dos opera-dores na área de jurisdição exclusiva de Timor-Leste, bem como receber royalties e a componente dos lucros que pertence ao Estado tal como especificado nos contratos de Exploração Partilhada ou em quaisquer contratos partilhados;



5) Do mesmo modo, a ANP tem competências no sector do “downstream”, no âmbito do qual deve promover o uso eficiente e optimização da capacidade instalada em infraes-truturas do petróleo;



6) Por fim, em matérias exclusivamente relacionadas com a área de desenvolvimento petrolífero conjunto (JPDA) estabelecida no Tratado sobre o Mar de Timor, a ANP assume as funções de Autoridade Designada/Nomeada, nos termos desse Tratado, o que lhe confere, entre outros, os poderes para a gestão corrente e regulação geral das activi-dades petrolíferas, de acordo com o previsto no Tratado do Mar de Timor;



7) No que respeita especificamente, aos contratos/acordos de partilha de produção relativas às actividades de explo-ração, desenvolvimento e produção de petróleo e gás natural, nas áreas de jurisdição exclusiva de Timor-Leste, e nas áreas da JPDA, compete à ANP outorgar esses contratos e acordos;



8) No que respeita especificamente, aos contratos/acordos de partilha de produção relativos às actividades de explo-ração, desenvolvimento e produção de petróleo e gás natural, nas áreas de jurisdição exclusiva de Timor-Leste, e nas áreas da JPDA, compete à ANP outorgar esses contratos e acordos;



9) Para a prossecução das suas atribuições, o diploma em análise, no seu artigo 4º, confere à ANP determinadas prer-rogativas e poderes de autoridade administrativa, entre os quais:



(i) o poder de fiscalização de instalações, equipamentos ou documentos das entidades a operar na indústria do petróleo, gás natural e seus derivados;



(ii) o poder de cobrança de tarifas (preços públicos) e taxas de serviço resultantes da sua actividade regulatória e fiscalizadora;



iii) o poder de aplicação de sanções administrativas aos operadores, ou também, a execução directa de penali-dades contratuais, quando ocorram situações de viola-ção das normas vigentes no sector ou o incumprimento de obrigações de outra natureza, incluindo, mas não restringido a determinação da cessação imediata de todas as actividades de exploração, ou, em relação a equipamento de prospecção ou exploração, selagem por tempo indeterminado;



10) Por fim, determina o DL nº 20/2008 que são receitas próprias da ANP:



a) as importâncias resultantes das taxas de serviço cobra-das pela prestação de serviços no âmbito das suas atribuições;



b) as importâncias resultantes das autorizações, certificados, homologações ou outras licenças conce-didas por decorrência das atribuições da ANP;



c) o produto das coimas aplicadas por infracção às dis-posições previstas em lei ou regulamento, que estabele-ça os requisitos técnicos aplicáveis às entidades inte-grantes do sector regulado, ou o produto da execução de penalidades contratuais;



11) O diploma legal pelo qual o Governo decidiu criar a Autoridade Nacional do Petróleo viola manifesta e inadmis-sivelmente a Lei 9/2005 (Lei do Fundo Petrolífero) e a Cons-tituição da República Democrática de Timor-Leste porque:



- Desrespeita os poderes legislativos constitucionalmen-te atribuídos ao órgão de soberania Parlamento Nacio-nal, violando o disposto nos artigos 92º e 95º, nº 1, da Constituição;



- Contraria a capacidade de desenvolvimento de Timor-Leste a partir dos rendimentos produzidos pelos seus recursos naturais, particularmente recursos petrolíferos, e a obrigação de os mesmos serem utilizados na consti-tuição e manutenção de reservas financeiras obrigató-rias, violando o disposto no artigo 6º da Lei do Fundo Petrolífero e no artigo 139º da Constituição;



- Desrespeita os princípios da legalidade e tipicidade subjacentes ao estabelecimento de sanções, por consa-grar a possibilidade de aplicação de sanções adminis-trativas não previstas na lei, violando o disposto no artigo 31º da Constituição;



12) O Parlamento Nacional é o órgão de soberania, represen-tativa de todos os cidadãos timorenses, com poderes legis-lativos, de fiscalização e de decisão política competindo-lhe legislar sobre todas as matérias, sendo sua a função de feitura das leis;



13) O Governo, por seu turno, é o órgão de soberania com competência para a condução da política geral do país e o órgão superior da Administração Pública;



14) No que respeita à competência legislativa, há determinadas matérias, previstas no artigo 95º da C-RDTL em relação às quais só o Parlamento pode legislar, isto é, a Constituição consagra uma competência exclusiva de legislação;



15) Por outro lado, há matérias em relação às quais o Parlamento pode autorizar o governo a legislar, mediante autorização legislativa, como previsto no artigo 96º da C-RDTL;



16) Por fim, o Governo tem, nos termos do artigo 115º, nº 3, uma competência legislativa exclusiva no que respeita à sua organização interna e ao seu funcionamento;



17) No que respeita à competência legislativa do Parlamento, nos termos do disposto no artigo 95º, nº 1, da C-RDTL, compete ao Parlamento legislar sobre as questões básicas da política interna e externa do país;



18) Entre essas questões básicas estão os recursos naturais, a saber, os recursos do solo, do subsolo, das águas territo-riais, da plataforma continental e da zona económica exclu-siva, vitais para a economia;



19) E, nos termos do artigo 139º da C-RDTL, estes recursos naturais são propriedade do Estado, devendo ser utilizados de forma justa e igualitária;



20) Mais determina este preceito constitucional que as condições de aproveitamento dos recursos naturais devem servir para a constituição de reserves financeiras obriga-tórias;



21) De entre os recursos naturais de Timor-Leste destacam-se os recursos petrolíferos, uma parcela essencial da economia timorense e do desenvolvimento do país;



22) Numa matéria tão essencial quanto a dos recursos petrolí-feros, a competência para legislar e estabelecer as regras básicas que disciplinam esta actividade é do Parlamento Nacional, órgão de soberania representativo de todos os cidadãos timorenses;



23) Ora, entre os aspectos essenciais que compete ao Parla-mento estabelecer, encontra-se também a decisão quanto ao tipo de entidade que pode ser instituída e quais os seus poderes para regular o sector do petróleo;



24) Por outras palavras, a decisão sobre se o sector do petróleo pode ser regulado e fiscalizado por uma entidade autónoma deve, pela essencialidade da matéria em causa, pelo facto de se tratar de uma questão básica da politica interna e externa do país, ser tomada pelo Parlamento Nacional, e não pelo Governo;



25) A Constituição não atribui expressa e claramente ao Governo os poderes para intervir nesta matéria, isto é, para intervir no âmbito dos recursos naturais e, particularmente, no âmbito dos recursos petrolíferos, concretamente para determinar qual a autoridade com poderes legalmente atribuídos para actuar com entidade reguladora e de supervisão no âmbito do sector do petróleo;



26) O Governo, ao abrigo de um preceito constitucional que lhe confere poderes legislativos exclusivos em matéria de organização e funcionamento, incluindo administração directa e administração indirecta, criou uma entidade que actua como instituição reguladora;



27) Não se põe em causa que o Governo tenha competência exclusiva para definir e estabelecer a sua própria organi-zação;



28) Não pode é usar dessa competência para criar uma entidade e atribuir-lhe determinados poderes que só o Parlamento Nacional poderia atribuir;



29) E esta interpretação não é afastada pelo que dispõe a lei das actividades petrolíferas (Lei n° 13/2005);



30) Com efeito, este diploma diz que compete ao Ministério prosseguir as actividades e competências previstas na lei;



31) A lei refere-se (apenas se pode referir) ao ministério timoren-se com competências na área das actividades petrolíferas, isto é, ao departamento do governo responsável por essa prossecução;



32) A lei não se refere a qualquer outra entidade independente, com autonomia face ao Governo, criada propositadamente para assumir as competências previstas na lei das activida-des petrolíferas;

33) Tanto assim é que quando o legislador quis prever e permitir a criação de uma entidade autónoma para prossecução das actividades petrolíferas fê-lo, o que sucede com a “auto-ridade designada/nomeada” prevista expressamente no artigo 6° no Tratado do Mar de Timor assinado entre Timor-Leste e a Austrália, ratificado pelo Parlamento Nacional através da Resolução n° 2/2003;



34) Já lei timorense (aplicável apenas na área de jurisdição exclusiva de Timor-Leste) das actividades petrolíferas não pode o Governo proceder, sem mais, à criação de uma autori-dade que vai assumir as funções de entidade reguladora do sector do petróleo;



35) Por outro prisma, não pode o Governo aproveitar a “autorização” presente no Tratado para criação de uma entidade independente com poderes relativos à área de desenvolvimento petrolífero conjunto para atribuir a essa entidade outros poderes e competências, para a área de jurisdição exclusiva de Timor-Leste, que só o Parlamento poderia atribuir por ser o órgão responsável pela definição das questões essenciais da politica interna e externa do país;



36) E definir que tipo de entidade vai regular um sector tão vital quanto o sector petrolífero e quais os poderes que a mesma vai ter nesse âmbito são seguramente questões essenciais da política do país em matéria de recursos naturais;



37) 0 diploma que cria a ANP é, pelos fundamentos expostos, inconstitucional, por violação dos artigos 95º, nº 1, e 139º, da Constituição da RDTL;



38) Nos termos do diploma legal em questão, no que respeita à área de jurisdição exclusiva de Timor-Leste, à ANP compete adjudicar contratos petrolíferos e fiscalizar o desem-penho dos operadores, bem como receber royalties e a componente dos lucros que pertence ao Estado Timorense, de acordo com o especificado nos contratos de exploração partilhada ou em quaisquer contratos petrolíferos;



39) Do mesmo modo, este diploma prevê que, para a pros-secução daquelas atribuições, a ANP tem determinados poderes de autoridade publica e prerrogativas de autori-dade, destacando-se a cobrança de tarifas (preços públicos) e taxas de serviço resultantes da sua actividade regulatória e fiscalizadora, bem como a aplicação de sanções adminis-trativas, incluindo, mas não restringido, a determinação da cessação imediata de todas as actividades de exploração ou, em relação ao equipamento de prospecção ou explora-ção, selagem por tempo determinado;



40) Por fim, o diploma em análise define quais as receitas pró-prias da ANP, prevendo de que certos valores financeiros são considerados receitas próprias, o que colide, mais uma vez, com os preceitos constitucionais e legais que regulam os recursos naturais e, particularmente, os petrolíferos;



41) Pela Lei nº 9/2005 foi estabelecido um fundo petrolífero, cuja criação fundo visa der execução ao disposto no artigo 139º da Constituição da RDTL, já que o seu fundamento é criar um fundo de rendimentos estável que permita a satis-fação das gerações presentes e das gerações vindouras;



42) Executa-se assim a determinação constitucional de que os rendimentos provenientes dos recursos naturais e petrolíferos devem servir para a constituição de reservas financeiras obrigatórias;



43) Nos termos da lei do fundo petrolífero, são receitas do fundo petrolífero, entre outras:



- a receita bruta de Timor-Leste derivada de operações petrolíferas, incluindo prospecção, pesquisa, desenvol-vimento, exploração, transporte, venda e exportação de petróleo e outras actividades com estas relacio-nadas;



- qualquer montante recebido por Timor-Leste da Autoridade Nomeada de acordo com o Tratado do Mar de Timor, isto é, a percentagem que cabe a Timor-Leste na área de jurisdição conjunta;



- qualquer montante recebido por via de participação di-recta ou indirecta de Timor-Leste em operações petrolí-feras;



- qualquer montante recebido por Timor-Leste relaciona-do directamente com recursos petrolíferos não abran-gidos pelos conceitos anteriores;



44) Por outro lado, o artigo 5º da referida lei determine que só serão efectuadas transferências a partir do fundo nos termos dos amigos 7º a 10º, isto é, transferências para o orçamento de Estado, que não podem exceder o montante da dotação aprovada pelo Parlamento para determinado ano fiscal;



45) Quer isto dizer que, para cumprimento de uma determinação constitucional, todas as receitas que Timor-Leste, isto é, que o Estado de Timor-Leste genérica e abstractamente considerado, independentemente da entidade que em concreto receba a receita, tenha direito, devem integrar o fundo petrolífero;



46) Ora, ao prever que constituem receitas próprias da ANP aquelas já aqui indicadas, quando as atribuições desta entidade estão em tudo relacionadas com os recursos e actividades petrolíferas, o diploma em análise viola a lei do fundo petrolífero e o seu funcionamento, bem como a norma constitucional ao abrigo da qual o mesmo foi criado;



47) O artigo 17º do Decreto-Lei em análise prevê que são receitas próprias as importâncias resultantes das taxas de serviço cobradas pela prestação de serviços no âmbito das suas atribuições (alínea a)), bem como as importâncias resultantes das autorizações, certificações, homologações ou outras licenças concedidas por decorrência das atribuições da ANP;



48) Ora, estas importâncias são, claramente, importâncias inerentes às actividades relacionadas com as operações petrolíferas, dado que a ANP tem atribuições, precisamente, no âmbito das operações petrolíferas;

49) Do mesmo modo, a previsão da alínea c) do artigo 17º co-lide (pelo menos) com a alínea e) do artigo 6º da lei do fundo petrolífero;



50) Com efeito, competindo à ANP a fiscalização do desem-penho dos operadores nas áreas de jurisdição exclusiva de Timor-Leste, vai cobrar as coimas aplicadas por infrac-ção as regras que disciplinam esse desempenho;



51) Ou seja, vai cobrar as coimas aos operadores que desen-volvem actividades petrolíferas, pelo que são (também) valores relacionados com os recursos petrolíferos;



52) Por fim, nos termos da alínea g) do artigo 17º, são receitas próprias da ANP quaisquer outros rendimentos provenien-tes da sua actividade que por lei, regulamento ou contrato, lhe venham a pertencer;



53) No que respeita aos rendimentos, nos termos da alínea b) do nº 3 do artigo 3º do diploma que cria a ANP, compete a esta, no âmbito das suas competências de gestão financeira, receber royalties e a componente dos lucros que pertence ao Estado tal como especificado nos contratos de explora-ção partilhada ou em quaisquer outros contratos petro-líferos;



54) E, a reforçar o facto de estes rendimentos pertencerem à ANP, dispõe o artigo 26º do Decreto-Lei nº 20/2008 que os poderes e funções de carácter regulador, bem como todos os direitos e obrigações assumidas na qualidade de con-tratante público, relativas à indústria do petróleo, do gás natural e seus derivados, que por lei ou contrato, directa-mente ou em representação, estavam atribuídos ao Minis-tério responsável pelo sector do petróleo, passam a titulari-dade da ANP;



55) Sucede que, para cumprimento da determinação constitu-cional do artigo 139º da Constituição da RDTL, a lei do fundo petrolífero determina que qualquer montante recebido por Timor-Leste por via da sua participação directa ou indirecta em operações petrolíferas, integra o fundo petrolífero;



56) Por conseguinte, o artigo 17º do Decreto-lei que cria a ANP colide com a lei do fundo petrolífero, nos termos descritos, dado que retira deste valores que têm obrigatoriamente de o integrar;



57) E, repita-se, colidindo com a lei do fundo petrolífero, colidem igualmente com o preceito constitucional que constitui seu fundamento e ao abrigo do qual foi criado;



58) O diploma legal de criação da ANP, concretamente o artigo 4º, nº 1, alínea d), e o artigo 8º, alínea c), violam os princípios consagrados na Constituição, mais concretamente os princípios da legalidade e da tipicidade, como também, no que se refere à soberania e constitucionalidade dos actos a Constituição deixa plasmado nos º 2 e 3 do artigo 2º, necessidade da subordinação à Constituição e às Leis;



59) O artigo 4º, nº 1, alínea d,) determina que a ANP tem poderes para aplicação de sanções administrativas aos operadores, incluindo mas não restringido a determinação da cessação imediata de todas as actividades de exploração ou, em rela-ção ao equipamento de prospecção ou exploração, selagem por tempo determinado;



60) O artigo 8º, alínea d), determina que é competência do Con-selho Directivo aprovar regulamentos internos da ANP entre os quais outros de eficácia externa, necessários à prossecução das suas actividades de fiscalização ou regu-lação;



61) Do mesmo modo, o nº 2 do artigo 4º prevê que será a ANP a aprovar, no âmbito do exercício da sua competência de regulação, regulamentos que determinem os procedimentos e as obrigações administrativas a serem cumpridas pelas entidades a operar na indústria do petróleo, do gás natural e seus derivados;



62) Nos termos do artigo 31º da Constituição não podem aplicar-se penas e medidas de segurança que não estejam expressa-mente previstas na lei;



63) Não obstante este artigo se referir apenas as penas e me-didas de segurança, portanto no âmbito criminal, deve en-tender-se que os princípios nele consagrados (princípio da legalidade e princípio da tipicidade) devem aplicar-se aos demais domínios sancionatórios, designadamente no domínio das sanções pela prática de contra-ordenações, e no domínio das sanções pela prática de infracções adminis-trativas;



64) O Decreto-lei nº 20/2008 deixa à ANP a responsabilidade de determinar quais os factos e comportamentos dos opera-dores que configuram uma infracção à lei;



65) E prevê sanções administrativas em desrespeito do princí-pio da tipicidade, já que prevê a possibilidade genérica de serem aplicadas outras sanções para além das previstas.



Terminam pedindo ao Tribunal de Recurso que declare a inconstitucionalidade e ilegalidade do Decreto-Lei nº 20/2008, por:



- Violação dos poderes legislativos constitucionalmente atri-buídos ao órgão de soberania Parlamento Nacional, postu-lados nos artigos 92° e 95°, n° 1, da Constituição;



- Violação da obrigação legal e constitucional de os recursos petrolíferos serem utilizados na constituição e manutenção de reservas financeiras obrigatórias, contrariando o disposto no artigo 6° da Lei do Fundo Petrolífero e no artigo 139° da Constituição;



- Caso assim se não entenda, deve ser declarada a inconsti-tucionalidade do artigo 17° do Decreto Lei 20/2008, por violação dos princípios da legalidade e tipicidade subja-centes ao estabelecimento de sanções, por consagrar a possibilidade de aplicação de sanções administrativas não previstas na lei, contrariando o disposto no artigo 31° da Constituição.



O Governo, notificado para, querendo, se pronunciar sobre o requerimento, veio responder, apresentando as seguintes conclusões:



1. Reconhecendo o primado da competência legislativa do Parlamento, que lhe permitiria, prima facie, legislar sobre qualquer matéria;



2. Considera-se que a única interpretação possível é concluir-se, sob pena de desvio à essência constitucional da separa-ção de poderes ínsita na CRDTL, que há um limite orgânico-funcional imposto à competência legislativa do Parlamento, o qual seja a competência legislativa originária do Governo nas matérias relativas “à sua própria organização e funcio-namento, bem como à da administração directa e indirecta do Estado”, que é atribuída ao Governo com carácter exclusivo;



3. A conclusão supra exposta resulta de um elementar princípio de congruência na leitura da CRDTL, à luz dos princípios da hermenêutica constitucional;



4. Porque a criação, organização e regulação de funcionamento da ANP não pode deixar de ser considerada como matéria respeitante à “organização e funcionamento da administra-ção indirecta do Estado”, englobada na competência legis-lativa exclusiva do Governo, há que concluir igualmente que só o Governo pode legislar sobre a mesma, estando o Parlamento impedido de o fazer;



5. Não procede, e por conseguinte deve ser declarado impro-cedente, o pedido efectuado no Requerimento de que seja declarada a inconstitucionalidade do DL 20/2008, como um todo normativo, por violação dos arts. 92º e 95º, nº 1, da CRDTL.



6. Tem que concluir-se que a LFP não é uma lei de valor reforçado, porquanto:



a) O parâmetro decisivo da força específica de uma lei de valor reforçado tem que estar na normatividade constitucional;



b) Inexiste na CRDTL uma consagração expressa do que seja lei de valor reforçado;



c) Tal como inexiste qualquer fórmula operacional, geral e expressa, quanto ao significado de “lei de valor refor-çado”;



d) A essência do mandato constitucional do art. 139º, nº 2, é o de estabelecimento de reservas financeiras obriga-tórias;



e) O quadro constitucional não permite discernir o ele-mento relacional entre a LFP e um qualquer acto que lhe seja subsequente;



f) O papel do legislador ordinário é irrelevante na determina-ção desse valor reforçado.



7. Ainda que fosse entendido que a LFP é uma lei de valor reforçado, tal nunca demonstraria que todas as normas da LFP têm valor reforçado, em particular quanto a não poderem ser revogadas por um qualquer acto legislativo relativamente ao qual se achem nessa relação.



8. Para cada norma, portanto, há que fazer a demonstração de que possui um cariz decisivo e determinativo da conforma-ção e concretização legal da ratio constitucional que subjaz ao valor reforçado.



9. Não tendo sido feita a demonstração de que o art. 6º, nº 1, da LFP é uma disposição com valor reforçado, não pode vir argumentar se o seu valor reforçado com vista a consi-derar ilegal uma disposição de outro acto legislativo que o contradiga.



10. Há uma óbvia contradição entre a fundamentação do Requerimento e o pedido que neste é efectuado, a final, no que concerne à pretensa violação do art. 6º, nº 1, da LFP e do art. 139º, nº 2, da CRDTL.



11. Nos termos em que é fundamentado no pedido do Requeri-mento, o pedido de declaração de inconstitucionalidade e ilegalidade do DL 20/2008 in toto, por violação do art. 6º, nº 1, da LFP e da violação indirecta do art. 139º, nº 2, da CRDTL, deve ser declarado improcedente, por manifesta falta de fundamentação e por inadequação da fundamentação ao pedido que é efectuado, a final, no Requerimento.



12. Porque no pedido do Requerimento nunca se requer a declaração da inconstitucionalidade e de ilegalidade dos arts. 3º, nº 3, 17º, als. a), c) e g) (ou de todo o art. 17º, depen-dendo da leitura que se fizer da fundamentação do Requeri-mento), e 26º do DL 20/2008, por violação do art. 6º, nº 1 da LFP e do art. 139º, nº 2, da CRDTL, não deve o Venerando Tribunal de Recurso tomar posição sobre a questão.



13. Ainda que fosse entendido que o Venerando Tribunal de Recurso deve tomar posição sobre a questão – o que só por mera questão teórica e de raciocínio se considera, sem nunca conceder –, só pode concluir-se, e sem margem para qualquer dúvida que, mesmo que a LFP tenha valor refor-çado (o que não se concede), nenhuma das alíneas a), c) e g) do art. 17º do DL 20/2008 colide com o art. 6º, nº 1, da LFP.



14. E, mesmo que se entenda que as als. a), c) e g) do art. 17º do DL 20/2008 colidem com o art. 6º, nº 1, da LFP – o que só por mera questão teórica e de raciocínio se considera, sem nunca conceder – essa colisão não acarretaria a destruição do mandato constitucional de constituição de reservas financeiras obrigatórias.



15. Porque não põem em causa a constituição de reservas financeiras obrigatórias, as receitas próprias da ANP constantes das als. a), c) e g) do art. 17º do DL 20/2008 não podem ser vistas como ilegais por violação de uma disposição com valor que não é reforçado.



16. Tem ainda que ser concluído que o art. 3º, nº 3, al. b), do DL 20/2008, se correctamente interpretado, em particular à luz do seu elemento sistemático e teleológico, não viola o disposto no art. 6º, nº 1, da LFP ou no art. 139º, nº 2 da CRDTL.



17. E, finalmente, deve concluir-se que o art. 26º do DL 20/2008 não viola o art. 6º, nº 1, da LFP ou o art. 139º, nº 2, da CRDTL.



18. E, finalmente, deve concluir-se que o art. 26º do DL 20/2008 não viola o art. 6º, nº 1, da LFP ou o art. 139º, nº 2, da CRDTL.



19. Nos termos que antecedem, devem ser declarados improcedentes, por manifesta falta de fundamentação, quaisquer eventuais pedidos de declaração de inconstitucionalidade e de ilegalidade dos arts. 3º, nº 3, 17º, als. a), c) e g), e 26º do DL 20/2008, dado que inexiste qualquer contradição destas disposições com o art. 6º, nº 1, da LFP ou o art. 139º, nº 2, da CRDTL.



20. Passam a listar-se assim as conclusões relativamente à pretensa inconstitucionalidade por violação do art. 31º do DL 20/2008.



21. O pedido de declaração de inconstitucionalidade, tal como descrito no Requerimento, deve ser julgado improcedente in limine.



22. O Venerando Tribunal de Recurso, salvo o devido respeito, deve conhecer apenas do pedido efectivamente formulado, e nos termos em que ele é formulado



23. Não há qualquer margem para dúvida de que os arts. 4º, nº 1, al. d), e nº 2, e 8º, al. c), todos do DL 20/2008, não violam o art. 31º da CRDTL.



24. Assim, se o Venerando Tribunal de Recurso entender que deve apreciar os fundamentos do Requerimento em que estas disposições do DL 20/2008 são referidas, deverá pronunciar-se pela não inconstitucionalidade das mesmas.



Terminam sustentando que o Tribunal de Recurso deve



(i) declarar a improcedência total da acção e de todos os pedi-dos formulados no requerimento;



(ii) pronunciar-se pela não inconstitucionalidade in toto do DL 20/2008, por violação dos arts. 92º, 95º, nº1, da CRDTL;



(iii) pronunciar-se pela não ilegalidade in toto do DL 20/2008, por violação do art. 6º da LFP, e pela não inconstituciona-lidade in toto do DL 20/2008, por violação do art. 139º da CRDTL;



(iv) pronunciar-se pela não inconstitucionalidade do art. 17º do DL 20/2008, por violação do art. 31º da CRDTL;



(v) pronunciar-se pela não inconstitucionalidade in toto do DL 20/2008, a qualquer outro título;



(vi) pronunciar-se pela não ilegalidade in toto do DL 20/2008, a qualquer outro título;



(vii) pronunciar-se pela não ilegalidade dos arts. 3º, nº 3, 4º, n 1, al. d), e nº 2, 8 º, al. c), 17º, in toto ou als. a), c) e g), e 26º, todos do DL 20/2008, por violação do art. 6º, nº 1, da LFP, e pela não inconstitucionalidade dos arts. 3º, nº 3, 4º, nº 1, al. d) e nº 2, 8º, al. c), 17º, in toto ou als. a), c) e g), e 26º, todos do DL 20/2008, por violação do art. 139º, nº 2, da CRDTL;



(viii) pronunciar-se pela não inconstitucionalidade dos arts. 3º, nº 3, 4º, n 1, al. d) e n 2, 8º, al. c), 17º, in toto ou als. a), c) e g), e 26º, todos do DL 20/2008, a qualquer título;



(ix) pronunciar-se pela não ilegalidade dos arts. 3º, n 3, 4º, n 1, al. d), e n 2, 8º, al. c), 17º, in toto ou als. a), c) e g), e 26º, todos do DL 20/2008, a qualquer título;



(x) pronunciar-se pela não inconstitucionalidade e pela não ilegalidade de quaisquer disposições do DL 20/2008, não especificadas, que possam ser entendidas como objecto dum pedido eventualmente inferido da análise do requerimento, a qualquer título.





II. Cumpre decidir.



Temos que decidir neste processo (1) se há inconstituciona-lidade orgânica do Decreto-lei 20/2008, por violação dos poderes legislativos constitucionalmente atribuídos ao órgão de soberania Parlamento Nacional, postulados nos artigos 92° e 95°, n° 1, da Constituição; (2) se há inconstitucionalidade e ilegalidade do mesmo diploma por violação da obrigação legal e constitucional de os recursos petrolíferos serem utilizados na constituição e manutenção de reservas financeiras obrigató-rias, contrariando o disposto no artigo 6° da Lei do Fundo Petrolífero e no artigo 139° da Constituição; (3) se há inconsti-tucionalidade do artigo 17° do Decreto Lei 20/2008, por violação dos princípios da legalidade e tipicidade subjacentes ao estabelecimento de sanções, por consagrar a possibilidade de aplicação de sanções administrativas não previstas na lei, contrariando o disposto no artigo 31° da Constituição.



1. Se há inconstitucionalidade orgânica do Decreto-Lei 20/2008



Os requerentes questionam as seguintes normas do Decreto-Lei 20/2008:



Artigo 3°

Atribuições



1. São atribuições da ANP, regular, contratar, controlar e monitorizar as actividades económicas ligadas ao petróleo e as operações petrolíferas, relacionadas com o sector do “upstream”, em harmonia com a politica sectorial do Governo, cabendo-lhe, nomeadamente:



2. Funções de gestão não financeira;



a) Desenvolver estudos e pesquisas em vista à promoção do interesse na prospecção e exploração de quaisquer blocos ou áreas de concessão disponíveis, nas áreas de jurisdição exclusiva de Timor-Leste, ou, em obediên-cia ao disposto no Tratado sobre o Mar de Timor, na área de Exploração Conjunta Petrolífera (JPDA);

b) De acordo com os princípios da transparência, da con-corrência justa, bem como, da qualidade e da econo-micidade (cost-based), proceder ao anúncio, concurso e adjudicação de contratos petrolíferos, e fiscalizar a partir daí, o desempenho técnico e económico dos ope-radores nas áreas de jurisdição exclusiva de Timor-Leste, sem prejuízo da introdução de critérios de ponderação e correcção das limitações concorrenciais dos factores nacionais de produção;



c) Anualmente, aceder, consolidar e disseminar toda a informação relacionada com as reservas petrolíferas nacionais, que com carácter de obrigatoriedade, é também fornecida pelos operadores, e ser responsável a partir daí, pela sua disseminação, incluindo, garantir o acesso público ao acervo não confidencial.



3. Funções de gestão financeira;



a) Assegurar que os processes e metodologias de medição/quantificação da produção petrolífera são rigorosos, para efeito de determinar a base de cálculo de apura-mento das retribuições devidas ao Estado (“royalties”) pela concessão da exploração, e respectiva componente nos lucros a entregar ao Estado, ou também, para efeitos de incidência de imposto;



b) Receber “royalties” e a componente, dos lucros que pertence ao Estado tal como especificado nos Contratos de Exploração Partilhada ou em quaisquer outros contratos petrolíferos;



c) Monitorizar e aprovar o plano de recuperação de custos nos termos do disposto nos Contratos de Explo-ração Partilhada ou nos termos do disposto em quaisquer outros contratos petrolíferos.



4. No sector do “downstream”, a ANP, promoverá o uso efi-ciente e optimização da capacidade instalada em infraes-truturas do petróleo, tais como, pipelines, terminais, infraes-trutura de transporte e comunicações, encorajando o uso partilhado dos equipamentos e permitindo a todos os ope-radores o acesso e a utilização da capacidade ociosa exis-tente, bem como, garantir a segurança energética nacional e monitorizar e regular todas actividades petrolíferas de modo a serem assegurados níveis satisfatórios de qualidade e oferta de produtos junto dos consumidores.



5. A ANP terá também por atribuição:



a) identificar e delimitar as áreas necessárias ao aproveita-mento, desenvolvimento e produção do petróleo, e coordenar, de acordo com a lei, os procedimentos administrativos necessários à expropriação dessas áreas, na zona de jurisdição exclusiva de Timor-Leste;



b) assegurar as melhores práticas de conservação, uso racional e sustentado do petróleo e seus derivados, de acordo com exigências legais de protecção e preser-vação ambiental em vigor;



c) estimular a investigação, introdução e uso/aplicação de novas tecnologias em todas as operações petrolíferas;



d) coligir, organizar e manter, o acervo de informação técnica e dados relativos ao sector/indústria do petróleo.



6. A ANP, implementará e determinará, em todas as modalida-des de actividades petrolíferas, regulação e decisões admi-nistrativas, que exijam, níveis determinados de contribuição nacional para o sector do petróleo, assim como, a maximiza-ção do uso e utilização pela indústria da capacidade nacio-nal instalada em bens e serviços.



7. A ANP, assegurará, os níveis de conformidade às normas de saúde pública e a legislação ambiental e/ou regulação subordinada, em todas as operações petrolíferas, como também, garantirá a boa prática ambiental, através da minimização das descargas e emissões.



8. Em matérias exclusivamente relacionadas com a área de desenvolvimento petrolífero conjunto (JPDA) estabelecida no Tratado sobre o Mar de Timor, a ANP, na sua capacidade de Autoridade Designada, é responsável perante a Comis-são Conjunta, desenvolvendo, ao abrigo das suas atribui-ções próprias de gestora/administradora das operações petrolíferas a sua autoridade reguladora.



9. Para os fins do Tratado, os poderes e funções da ANP na sua capacidade de Autoridade Designada, incluem:



a) a gestão corrente e a regulação geral das actividades petrolíferas, de acordo com o previsto no Tratado sobre o Mar de Timor ou quaisquer outros instrumentos aprovados ou ratificados ao abrigo do Tratado;



b) a preparação do orçamento anual estimado da ANP, de receita e despesa, estritamente relacionado com as actividades e operações desenvolvidas na, ou por cause da área de Desenvolvimento Conjunto Petrolífero (JPDA) para posterior submissão à Comissão Conjunta;



c) a preparação de relatórios anuais para submissão à Comissão Conjunta;



d) o requerer e accionar, de acordo com os mecanismos previstos no Tratado sobre o Mar de Timor, a assistên-cia a prestar pelas autoridades australianas e timorenses na zona de exploração conjunta;



i. para operações de busca e salvamento na JPDA;



ii. em caso de ameaça terrorista a navios ou estruturas envolvidas nas operações petrolíferas na JPDA;



iii. para os serviços de tráfego aéreo na JPDA.



e) requerer a assistência das autoridades australianas e timorenses, organismos ou entidades, em medidas pre-ventivas de combate à poluição, incluindo, a requisição de equipamento e ajuda ou a activação de procedimen-tos de emergência;



f) estabelecer zonas de segurança e zonas de acesso restrito, de forma consistente com o direito internacio-nal, para garantir a segurança da navegação e das operações petrolíferas;



g) controlar os movimentos de entrada, de saída e no interior da JPDA, de navios, aeronaves, estruturas, e outros equipamentos utilizados na prospecção e exploração dos recursos petrolíferos, em consistência com o Direito Internacional;



h) autorizar a entrada de funcionários/empregados de companhias adjudicatárias ou concessionárias e seus subcontratados na JPDA, ou de quaisquer outras pessoas, de acordo com as disposições do Tratado sobre o Mar de Timor relativas a alfândega, quarentena (saúde pública) e migração (estrangeiros e fronteira);



i) emitir regulamentos técnicos, directivas ou instruções dirigidas aos operadores, de acordo com o disposto no Tratado sobre o Mar de Timor, em todas as matérias relacionadas com a fiscalização e controlo das activi-dades petrolíferas, incluindo, saúde pública, do trabalho, segurança de pessoas e bens, protecção e avaliação ambientais, normas de boas práticas, em conformidade com o disposto no Código de Extracção Petrolífera (mineiro) aplicável à JPDA;



j) exercer outros poderes e funções que estejam identificados nos anexos ao Tratado sobre o Mar de Timor.



Artigo 4º

Prorrogativas e Poderes de Autoridade Administrativa (jus imperi)



1. Para a prossecução das suas atribuições, a ANP, em vista a cumprir com as suas funções de autoridade reguladora e supervisora, exerce poderes de autoridade publica e prorro-gativas de Estado, limitados a:



a) fiscalização de instalações, equipamentos ou documen-tos das entidades a operar na indústria/sector regulado, do petróleo, gás natural e seus derivados;



b) cobrança de tarifas (preços públicos) e taxas de serviço resultantes da sua actividade regulatória e fiscalizadora;



c) nos termos e limites da Constituição e da Lei, exclusiva-mente quanto ao sector regulado, a execução coerciva das suas decisões administrativas, se necessário, solici-tando a intervenção de outras autoridades adminis-trativas ou policiais;



d) aplicação de sanções administrativas aos operadores, ou também, a execução directa de penalidades contra-tuais, quando ocorram situações de violação das nor-mas vigentes no sector ou o incumprimento de obriga-ções de outra natureza, incluindo, mas não restringido a, determinação da cessação imediata de todas as actividades de exploração, ou, em relação ao equipa-mento de prospecção ou exploração, selagem por tempo determinado.

2. A ANP aprovará, no âmbito do exercício da sua competência de regulação, regulamentos que determinem os procedi-mentos e as obrigações administrativas a serem cumpridas pelas entidades a operar na indústria do petróleo, do gás natural e seus derivados.



3. A ANP, previamente à imposição coerciva de quaisquer sanções, recorrerá sempre ao princípio do contraditório, garantindo que durante o processo administrativo em causa, ao infractor das normas em vigor ou das disposições con-tratuais validamente subscritas, seja sempre permitido, pre-sencialmente ou por escrito, a apresentação dos argumen-tos que na perspectiva do operador abonam em sua defesa.



Artigo 17°

Receitas



Constituem receitas próprias da ANP:



a) as importâncias resultantes das taxas de serviço cobradas pela prestação de serviços no âmbito das suas atribuições;



b) as importâncias resultantes das autorizações, certificados, homologações ou outras licenças, concedidas por decor-rência das atribuições da ANP;



c) o produto das coimas aplicadas por infracção às disposições previstas em lei ou regulamento, que estabeleça os requi-sitos técnicos aplicáveis às entidades integrantes do sector regulado, ou o produto da execução de penalidades contratuais;



d) as transferências oriundas do Orçamento Geral do Estado;



e) doações, heranças ou legados;



f) rendimentos originados no seu património próprio, res-pectiva alienação, ou constituição de direitos menores sobre os mesmos activos;



g) quaisquer outros rendimentos provenientes da sua actividade ou que por lei, regulamento ou contrato, lhe venham a pertencer.



Pretendem os ilustres requerentes que tais disposições desres-peitam os poderes legislativos constitucionalmente atribuídos ao órgão de soberania Parlamento Nacional, violando o disposto nos artigos 92º e 95º, nº 1, da Constituição, que são do seguinte teor:



Artigo 92º

(Definição)



O Parlamento Nacional é o órgão de soberania da República Democrática de Timor-Leste, representativo de todos os cidadãos timorenses com poderes legislativos, de fiscalização e de decisão política.



Artigo 95º

(Competência do Parlamento Nacional)



1. Compete ao Parlamento Nacional legislar sobre as questões básicas da política interna e externa do país.



Sobre competência legislativa do Governo diz o artigo 115º da Constituição o seguinte:



Artigo 115º

(Competência do Governo)



Compete ao Governo:



a) Definir e executar a política geral do país, obtida a sua aprovação no Parlamento Nacional;



b) Garantir o gozo dos direitos e liberdades fundamentais aos cidadãos;



c) Assegurar a ordem pública e a disciplina social;



d) Preparar o Plano e o Orçamento Geral do Estado e executá-los depois de aprovados pelo Parlamento Nacional;



e) Regulamentar a actividade económica e a dos sectores sociais;



f) Preparar e negociar tratados e acordos e celebrar, aprovar, aderir e denunciar acordos internacionais que não sejam da competência do Parlamento Nacional ou do Presidente da República;



g) Definir e executar a política externa do país;



h) Assegurar a representação da República Democrática de Timor-Leste nas relações internacionais;



i) Dirigir os sectores sociais e económicos do Estado;



j) Dirigir a política laboral e de segurança social;



k) Garantir a defesa e consolidação do domínio público e do património do Estado;



l) Dirigir e coordenar as actividades dos ministérios e restantes instituições subordinadas ao Conselho de Ministros;



m) Promover o desenvolvimento do sector cooperativo e o apoio à produção familiar;



n) Apoiar o exercício da iniciativa económica privada;



o) Praticar os actos e tomar as providências necessárias ao desenvolvimento económico-social e à satisfação das necessidades da comunidade timorense;



p) Exercer quaisquer outras competências que lhe sejam atribuídas pela Constituição ou pela lei.



2. Compete ainda ao Governo relativamente a outros órgãos:



a) Apresentar propostas de lei e de resolução ao Parlamento Nacional;



b) Propor ao Presidente da República a declaração de guerra ou a feitura da paz;

c) Propor ao Presidente da República a declaração do es-tado de sítio ou do estado de emergência;



d) Propor ao Presidente da República a sujeição a referen-do de questões de relevante interesse nacional;



e) Propor ao Presidente da República a nomeação de em-baixadores, representantes permanentes e enviados extraordinários.



É da exclusiva competência legislativa do Governo a matéria respeitante à sua própria organização e funcionamento, bem como à da administração directa e indirecta do Estado.



Por outro lado, o artigo 139º da Lei Fundamental é do seguinte teor:



Artigo 139º

(Recursos naturais)



1. Os recursos do solo, do subsolo, das águas territoriais, da plataforma continental e da zona económica exclusiva, que são vitais para a economia, são propriedade do Estado e devem ser utilizados de uma forma justa e igualitária, de acordo com o interesse nacional.



2. As condições de aproveitamento dos recursos naturais referidas no número anterior devem servir para a constitui-ção de reservas financeiras obrigatórias, nos termos da lei.



3. O aproveitamento dos recursos naturais deve manter o equilíbrio ecológico e evitar a destruição de ecossistemas.



Importa, pois, verificar se do cotejo destes artigos e das aludidas disposições legais do diploma em apreciação resulta a invali-dade formal aludida.



No que respeita à divisão de poderes legislativos o artigo 95º, nº 1, da Constituição confere ao Parlamento Nacional poder para legislar sobre todas as questões básicas da política interna e externa do país.



A questão coloca-se no confronto entre este poder do Parla-mento e o poder do Governo para legislar nomeadamente sobre a actividade económica e a dos sectores sociais (alínea e) do art. 115º da Constituição), que foi invocado pelo Governo como fundamento constitucional do Decreto-lei aqui em análise.



Por competência de um órgão de soberania terá de entender-se o conjunto de poderes e funções que lhe é atribuído para que possa realizar as actividades ou tarefas que lhe são constitucional ou legalmente incumbidas.



Segundo os Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira (in Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed. revista, 1993, p. 495), «a densificação do conceito constitucional de competência tem de fazer-se a partir das próprias normas constitucionais — conceito positivo de competência — e deve ter em conta a sua multidimensiona-lidade. Em primeiro lugar resulta claramente de vários preceitos relativos à competência dos órgãos de soberania que compe-tência é, antes de mais, um padrão jurídico organizatório que conforma e caracteriza a organização do aparelho do Estado. Em segundo lugar, a competência adquire a natureza modal-instrumental, quando se configura, no caso concreto, como o modo e a forma de prossecução das tarefas e funções atribuídas a um órgão do Estado. Em terceiro lugar, a enumeração de competências tem um efeito legitimante, pois identifica o sujeito a quem é confiado um determinado núcleo competencial, bem como os poderes jurídicos à sua disposição para prosseguir as tarefas enquadradas nesse núcleo (competência legitimante). Em quarto lugar, a definição de competências significa também, em termos jurídico-constitucionais, a individualização de direitos e deveres subjectivos públicos dos órgãos constitucionais (competência — fonte de direitos e deveres). Finalmente, da competência e do exercício dos poderes e funções a ela inerentes resulta que a competência exprime o poder de decisão confiado normativo-constitucionalmente aos órgãos de soberania».



No domínio reservado de modo absoluto à competência legis-lativa do Parlamento Nacional só ele pode elaborar as leis, seguindo um processo público de discussão das respectivas propostas e projectos com intervenção dos deputados e aprovação final do órgão legislativo por excelência em sistemas democráticos parlamentares.



Neste âmbito de competência fica expressamente afastada a intervenção do Governo, salvo no que se refere à apresentação de propostas de lei ao parlamento, não sendo também possível verificarem-se concessões de autorizações legislativas àquele órgão sobre matérias que caiam dentro do âmbito material da reserva absoluta de competência legislativa do Parlamento Nacional.



O âmbito material da reserva relativa de competência legislativa do Parlamento Nacional é, essencialmente, um domínio em que este, tendo o predomínio do poder legislativo, todavia pode reparti-lo, se assim o entender, com o próprio Governo, através da concessão a este de autorizações legislativas, pelo que, se o Governo vier a legislar sobre qualquer matéria incluída nesta reserva relativa, sem estar devidamente credenciado com uma autorização parlamentar, tal diploma é organicamente inconstitucional.



No entender dos requerentes a produção legislativa sobre a matéria versada no diploma em análise cai precisamente no âmbito da reserva relativa do Parlamento Nacional.



Certo é, porém, que a matéria em questão não se encontra prevista em nenhuma das várias alíneas do artigo 95º, nº 2 (reserva legislativa absoluta do Parlamento Nacional), nem do artigo 96º, nº 1, da Constituição (reserva legislativa relativa). Sobre esta matéria veja-se ainda o acórdão deste Tribunal de 11 de Dezembro de 2007, proferido no âmbito do processo nº 3/2007.



Em consequência argumenta o Governo, na sua resposta, que o art. 95º, nº 1, é apenas uma disposição que reflecte a forma como o legislador constitucional timorense entendeu consagrar, numa única norma, um conceito material que reflicta o primado do Parlamento (enquanto órgão dotado de legitimidade democrática e representativo do povo) no exercício da função legislativa.

Contudo, de novo seguindo a resposta do Governo, ainda que se reconheça o primado de competência legislativa ao Parlamento, no quadro da repartição constitucionalmente efec-tuada, há que sublinhar que o art. 95º, n  1, da CRDTL apenas incorpora uma norma de carácter generalista, da qual não se pode inferir um alargamento da competência legislativa do Parlamento e a consequente restrição da competência legisla-tiva conferida ao Governo, quando exista dúvida sobre os contornos da repartição de competências.



Para sustentar esta tese cita inclusivamente um acórdão do Tribunal Constitucional de Portugal.



Porém, como o próprio havia já salientado, não poderá deixar de ter-se em atenção, na sua exacta medida, as importantes diferenças entre os dois textos constitucionais, o de Timor-Leste e de Portugal.



Sucede que a Constituição da RDTL não contém norma seme-lhante à que se encontra no art. 198º, nº 1, alínea a), da Constitui-ção Portuguesa, que fixa a competência concorrencial do Go-verno na área da competência legislativa parlamentar.



Analisando o teor do art. 115º da Constituição da RDTL parece antes resultar que, fora dos casos de reserva legislativa do Governo, que, como bem salienta este na sua resposta, existe para a matéria prevista no número 3, deste normativo, é antes ao Parlamento Nacional que é permitido “imiscuir-se” na área de competência do Governo, prevista no número 1, ainda do aludido preceito constitucional.



Assim, parece antes que se pode concluir no sentido da con-sagração na Constituição da RDTL de um verdadeiro primado de competência legislativa ao Parlamento, uma vez que este pode legislar sobre a matéria versada no art. 115º, nº 1, com-petência legislativa do Governo, ao passo que este apenas pode legislar sobre a matéria prevista no art. 95º, nº 1, na medida em que se possa considerar tal matéria incluída nas diversas alíneas do nº 1 do mencionado art. 115º.



Conforme salientam os Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa anotada”, 2ª edição, Coimbra, 1985, anotação ao artigo 168º, 2º vol., págs. 197 e 198, «nem sempre é fácil [precisar rigorosamente o âmbito das matérias aqui enunciadas], particularmente nos casos em que a reserva de competência não abrange todo o regime jurídico, mas apenas as respectivas bases (...)». Segundo estes autores, «em caso de dúvida, porém, deve preferir-se a interpretação mais favorável ao alargamento da competência reservada do parlamento».



Mais, pode-se argumentar ainda em sentido contrário defen-dendo-se que a matéria regulada pelo Decreto-Lei em apreciação está prevista na alínea h) do referido artigo 96º, nº 1, da Constituição, o qual prevê a reserva relativa de competên-cia para a definição das bases de uma política para a defesa do meio ambiente e o desenvolvimento sustentável.



Porém, não se pode daqui extrair a conclusão pretendida pelos ilustres requerentes.



Conforme resulta do preâmbulo do Decreto-Lei em causa, o mesmo tem em vista estabelecer, para em seguida fiscalizar, os níveis de conformação e cumprimento das normas em vigor, estejam estas inclusas em leis ou regulamentos, de incidência sobre a exploração, desenvolvimento, produção, transporte e distribuição dos recursos do petróleo e do gás natural, nomea-damente a Lei das Actividades Petrolíferas, destinada a ser aplicada à área de jurisdição exclusiva de Timor-Leste, e o Código de Extracção Petrolífera (mineira) na área de exploração conjunta (JPDA).



Ou seja, o Decreto-lei em questão não constitui mais que o desenvolvimento das linhas gerais traçadas nos aludidos diplomas legais, que constituem, eles sim, as verdadeiras leis de base da actividade petrolífera.



Qualquer que seja a definição de “bases gerais” que se perfilhe, parece seguro que nelas se há-de incluir aquilo que em cada área constitua as opções político-legislativas fundamentais.



Falamos, obviamente, da Lei das Actividades Petrolíferas (Lei 13/2005, de 2 de Setembro), Lei do Fundo Petrolífero (Lei 9/2005, de 3 de Agosto) e Lei sobre o desenvolvimento do petróleo do Mar de Timor (Lei 4/2003, de 1 de Julho). Esta matéria, sim, é da competência do Parlamento Nacional, conforme resulta do invocado art. 95º, nº 1, da Constituição.



Efectivamente, o facto de não existir um diploma específico de bases não implica necessariamente a ausência de “princípios básicos fundamentais” sobre a matéria, constantes de legislação avulsa. Da concatenação sistemática das normas dessa legislação avulsa, poderá decorrer a existência não só de princípios jurídicos abstractos, mas também de verdadeiras bases em sentido constitucional (explícitas ou meramente implícitas) e que portanto serão susceptíveis de regula-mentação. Claro que tal regulamentação não poderia ser pre-texto para substituir, modificar ou derrogar as bases efecti-vamente existentes.



Ora, o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa (in Constituição da República Portuguesa Comentada, Lex 2000, págs. 320 a 322), defende mesmo que se deve entender que é da competência exclusiva do Governo a legislação que visa desenvolver as linhas gerais traçadas na lei de bases, embora só o possa fazer mediante Decreto-Lei e não mediante outras formas legislativas de menor dignidade, como sejam os regulamentos.



A competência exclusiva do Governo não resulta, porém, evidente da Constituição da RDTL, conforme se extrai “a contrário” do art. 115º, nº 3, da Lei Fundamental. Mas segura-mente que não está vedado ao Governo legislar sobre tal matéria, uma vez que, a entender-se que não existe tal exclusi-vidade, se está perante aquilo que a doutrina designa por competência legislativa concorrente.



«O alcance da reserva de competência legislativa do parlamento não é idêntico em todas as matérias. Importa distinguir três níveis: (a) um nível mais exigente, em que toda a regulamentação legislativa da matéria é reservada ao parlamento – é o que ocorre na maior parte das alíneas; (b) um nível menos exigente, em que a reserva se limita ao regime geral, ou seja, em que compete ao parlamento definir um regime comum ou normal da matéria, sem prejuízo, todavia, de regimes especiais que podem ser definidos pelo Governo; (c) finalmente, um terceiro nível, em que a competência do parlamento é reservada apenas no que concerne às bases gerais do regime jurídico da matéria.



«O segundo e terceiro níveis são bastante distintos, pelo menos quando considerados em abstracto: naquele, o parlamento deve definir todo o regime geral ou comum, sem prejuízo dos regimes especiais (que, todavia, hão-de respeitar os princípios gerais do regime geral), enquanto que [no] terceiro nível apenas tem que definir as bases gerais, podendo deixar para o Governo o desenvolvimento legislativo do regime jurídico (do regime geral e dos regimes especiais a que haja lugar), não é fácil definir senão aproximadamente o que deve entender-se por bases gerais. Seguro é que deve ser o parlamento a tomar as opções político-legislativas fundamentais, não podendo limitar-se a simples normas de remissão ou normas praticamente em branco» - Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira, loc. cit.



Na imediata dependência de um debate e de uma decisão parla-mentares (é esse, bem se sabe, o significado da reserva) en-contra-se apenas, e compreensivelmente, o estabelecimento do quadro dos princípios básicos fundamentais daquela regula-mentação [da função pública], dos seus princípios reitores ou orientadores – princípios esses que caberá depois ao Governo desenvolver, concretizar e mesmo particularizar, em diplomas de espectro mais ou menos amplo (consoante o exigir a especifi-cidade das situações a contemplar), e princípios que constitui-rão justamente o parâmetro e o limite desse desenvolvimento, concretização e particularização.



Concluímos, pois, que o Decreto-Lei em análise não é organica-mente inconstitucional, por violação do artigo 95º, nº 1, da Constituição da RDTL.



2. Se há inconstitucionalidade ilegalidade do Decreto-Lei 20/2008, por violação do disposto nos artigos 6° da Lei do Fundo Petrolífero e 139° da Constituição



a) A criação de um instituto público para fiscalizar e gerir a actividade petrolífera.



O conceito de instituto público pressupõe uma distinção entre administração directa do Estado e administração indirecta do Estado, sendo nesta última que se integram os institutos públicos.



Segundo o Prof. Marcello Caetano, in “Manual de Direito Administrativo”, tomo I, 10ª edição (reimpressão), Almedina, 1980, pág. 187, «a par das atribuições estaduais que o Estado guarda para a administração directa sob a gestão imediata dos seus órgãos e através dos serviços integrados na sua pessoa, há outras cujo desempenho, por virtude de um expediente téc-nico-jurídico, a lei incumbe a pessoas colectivas de direito pú-blico distintas do Estado mas que a este ficam ligadas, de tal modo que se pode falar numa administração indirecta pelo mesmo Estado». Esse processo de transferência de activi-dades antes exercidas pelo Estado designa-se devolução de poderes. E tais pessoas colectivas, «instituídas para não sobrecarregar o Estado e permitir uma gestão mais ágil e eficiente de certos interesses colectivos», seriam os denominados institutos públicos (idem, pág. 188).



Para o Prof. Marcello Caetano, os institutos públicos, que também se poderiam designar genericamente como «serviços personalizados do Estado», revestiriam diferentes modali-dades, sendo de discriminar os serviços personalizados em sentido restrito, as fundações públicas e as empresas públicas (idem, pág. 372).



Os serviços personalizados propriamente ditos seriam «departamentos administrativos a que a lei atribui expressa-mente personalidade jurídica ou confere autonomia em termos tais que [...] equivalem à outorga da qualidade de pessoa jurídica» (idem, ibidem).



Por sua vez, as fundações públicas seriam pessoas colectivas destinadas a «assegurar a gestão de um fundo especial cujo capital provenha de receitas públicas afectadas a certo fim, ou de um património já constituído e que se deseja manter e aumentar» (idem, pág. 376).



Finalmente, as empresas públicas seriam uma variante de instituto público, «onde os capitais públicos são combinados com a técnica e o trabalho para sob a direcção e a fiscalização de entidades públicas produzirem bens ou serviços destinados a ser oferecidos no mercado mediante um preço» (idem, pág. 190).



Essa classificação das pessoas colectivas de direito público foi reformulada pelo Prof. Diogo Freitas do Amaral, in “Curso de Direito Administrativo”, vol. I, 2ª edição, Almedina, 1994, págs. 341 e 342, que, partindo ainda da separação entre administração directa do Estado e administração indirecta do Estado, perfilha um modelo em que se distinguem os conceitos de instituto público e de empresa pública, ao mesmo tempo que transfere a figura da associação pública para o domínio da chamada «administração autónoma».



Para este autor, «o instituto público é uma pessoa colectiva pública, de tipo institucional, criada para assegurar o desem-penho de determinadas funções administrativas de carácter não empresarial, pertencentes ao Estado ou a outra pessoa colectiva pública» (idem, pág. 345).



Entre as diferentes espécies de institutos públicos distingue: os serviços personalizados, as fundações públicas e os estabe-lecimentos públicos (idem, pág. 347).



Ambos os autores mencionados caracterizam os serviços personalizados como «serviços públicos de carácter adminis-trativo a que a lei atribui personalidade jurídica e autonomia administrativa e financeira» e as fundações públicas como «patrimónios que são afectados à prossecução de fins públicos especiais» e que revestem a «natureza de pessoa colectiva pública» (idem, pág. 348).



Por seu turno, o Prof. Diogo Freitas do Amaral refere uma nova modalidade de institutos públicos: os estabelecimentos pú-blicos. Essa designação é conferida aos «institutos públicos de carácter cultural ou social, organizados como serviços aber-tos ao público, e destinados a efectuar prestações individuais à generalidade dos cidadãos que delas careçam» (idem, pág. 352).



Ainda como entidades integradas na administração estadual indirecta, mas fora do conceito de institutos públicos, surgem as empresas públicas, definidas como «organizações econó-micas de fim lucrativo criadas com capitais públicos e sob a direcção e superintendência de órgãos da Administração Pública» (idem, pág. 356).



Outros autores têm tomado posição sobre esta caracterização dogmática.



Assim, o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, in “Lições de Direito Administrativo”, vol. I, Lex, 1999, págs. 283 a 287, reserva para a denominada Administração indirectamente dependente do Estado-Administração as figuras dos institutos públicos (nesta inserindo as fundações públicas e os estabelecimentos pú-blicos) e das entidades públicas empresariais.



Por seu lado, o Prof. Vital Moreira, in “Administração Autóno-ma e Associações Públicas”, Coimbra Editora, Coimbra, 1997, págs. 337 a 346, defendeu «uma distinção dentro dos institutos públicos, entre os de natureza administrativa e os de natureza empresarial», isto é, entre institutos públicos administrativos e institutos públicos económicos ou empresas públicas, as-sumindo aqueles as seguintes subespécies: serviços públicos personalizados, fundações públicas e estabelecimentos públicos.



Em suma, os institutos públicos integram a administração estadual indirecta e podem revestir as modalidades de serviços personalizados, fundos personalizados (ou fundações públicas) e estabelecimentos públicos, caracterizando-se como entidades de direito público dotadas de personalidade jurídica e de autonomia administrativa e financeira.



Por integrarem a administração pública, como já se referiu, a criação dos institutos públicos integra a reserva de competên-cia legislativa do Governo, nos termos do art. 115º, nº 3, da Constituição da RDTL.



Assim, neste particular é evidente a razão do Governo na sua douta resposta. Porém, a questão não se coloca na competência do Governo para a criação do instituto público em causa, competência que resulta clara da Lei Fundamental, mas sim em determinar se o Governo pode atribuir a matéria em causa a um instituto público.



Como se viu, a atribuição à ANP das competências supra descritas no âmbito da actividade pretrolífera em nada afecta o domínio do estado sobre a mesma, dado que o instituto público se encontra sob a directa dependência do Governo.



Diversamente do que sucede com a administração directa, integrada na pessoa colectiva Estado e hierarquicamente dependente do Governo, que sobre ela exerce o correspondente poder de direcção, o Governo, sobre a administração indirecta, apenas exerce poderes de tutela e de superintendência.



A tutela consiste no conjunto de poderes de intervenção de uma pessoa colectiva de direito público na gestão de outra pessoa colectiva, a fim de assegurar a legalidade ou o mérito da sua actuação (Prof. Diogo Freitas do Amaral, ob. cit., pág. 692).

Um destes poderes é o de fiscalização, falando-se então de tutela inspectiva.



A superintendência, por sua vez, é o poder conferido ao Estado, ou a outra pessoa colectiva de fins múltiplos, de definir os objectivos e guiar a actuação das pessoas colectivas públicas de fins singulares colocadas por lei na sua dependência (idem, pág. 709).



Diferente do poder de direcção, típico da hierarquia, que consiste na faculdade de que dispõe o superior hierárquico de dar ordens, a superintendência traduz-se apenas na faculdade de emitir directivas ou recomendações, orientando a acção das entidades a ela submetidas.



Do ponto de vista jurídico, a diferença entre as ordens, por um lado, e as directivas e recomendações, por outro, consiste em que as primeiras consubstanciam comandos concretos, espe-cíficos e determinados, que impõem a necessidade de adoptar imediata e completamente uma certa conduta, sendo as direc-tivas orientações genéricas, que definem imperativamente os objectivos a cumprir pelos seus destinatários, mas que lhes deixam liberdade de decisão quanto aos meios a utilizar e às formas a adoptar para atingir esses objectivos, por fim, as recomendações são conselhos emitidos sem a força de qual-quer sanção para a hipótese do não cumprimento (ibidem, págs. 711 e 712.).



Acresce que, conforme referido pelo Prof. Marcello Caetano, os institutos públicos permitem aliviar o Estado e permitir uma gestão mais ágil e eficiente de certos interesses colectivos.



Em conclusão, a autonomia, embora tutelada, e a especial competência técnica dos institutos públicos permitem uma maior garantia de rigor e isenção na prossecução do interesse público, independentemente da variação de tendências políticas que integrem o Governo.



O facto de os normativos das leis quadro da actividade petrolí-fera se referirem a “Ministro”, não impede, pois, como clara-mente resulta do exposto, a constituição do instituto público aqui em análise, antes se podendo defender ser este mecanismo o mais adequado a cumprir a obrigação de criação de uma entidade prevista no Tratado sobre o Mar de Timor como Autoridade Designada.



b) A invocada violação da obrigação legal e constitucional de os recursos petrolíferos serem utilizados na constitui-ção e manutenção de reservas financeiras obrigatórias



Pretendem os Senhores Deputados requerentes que o diploma em análise viola o estatuído no art. 6º da Lei do Fundo Petrolí-fero e, consequentemente, no art. 139º da Constituição, por consagrar a possibilidade da ANP cobrar as receitas originárias da prospecção de petróleo no Mar de Timor.



No termos do art. 139º, nº 2, da Constituição da RDTL, as condições de aproveitamento dos recursos naturais devem servir para a constituição de reservas financeiras obrigatórias, nos termos da lei.



Estes termos vieram a ser definidos no aludido art. 6º da Lei do Fundo Petrolífero, o qual estatui que:



1. Constituem Receitas do Fundo Petrolífero os seguintes montantes brutos:



a) a receita bruta, incluindo a Receita Tributária, de Timor-Leste derivada de Operações Petrolíferas, incluindo prospecção, pesquisa, desenvolvimento, exportação, transporte, venda e exportação de Petróleo, e outras actividades com estas relacionadas;



b) qualquer montante recebido por Timor-Leste da Autoridade Nomeada nos termos estipulados no Tratado;



c) qualquer montante recebido por Timor-Leste a título de retorno de investimentos de Receitas do Fundo Petrolífero;



d) qualquer montante recebido por via de participação directa o indirecta de Timor-Leste em operações petrolíferas, e



e) qualquer montante recebido por Timor-Leste relacionado directamente com recursos petrolíferos, e não abrangida pelas alíneas a) a d), do presente número.



2. No caso de participação indirecta de Timor-Leste em Ope-rações Petrolíferas, nos termos da alínea d), do número anterior, através de uma companhia nacional de petróleo, as Receitas do Fundo Petrolífero incluirão as seguintes:



a) qualquer montante a pagar pela companhia nacional de petróleo a título de imposto, “royalty” ou qualquer outra taxa, nos termos da lei de Timor-Leste;



b) um montante pago pela companhia nacional de petróleo a título de dividendo.



Lembre-se o que estatui o Decreto Lei 20/2008:



Artigo 3°

Atribuições



1. São atribuições da ANP...



3. Funções de gestão financeira;



a) Assegurar que os processes e metodologias de medição/quantificação da produção petrolífera são rigorosos, para efeito de determinar a base de cálculo de apura-mento das retribuições devidas ao Estado (“royalties”) pela concessão da exploração, e respectiva componente nos lucros a entregar ao Estado, ou também, para efeitos de incidência de imposto;



b) Receber “royalties” e a componente, dos lucros que pertence ao Estado tal como especificado nos Contratos de Exploração Partilhada ou em quaisquer outros contratos petrolíferos;



c) Monitorizar e aprovar o plano de recuperação de custos nos termos do disposto nos Contratos de Explora-ção Partilhada ou nos termos do disposto em quaisquer outros contratos petrolíferos.



Artigo 17°

Receitas



Constituem receitas próprias da ANP:



a) as importâncias resultantes das taxas de serviço cobradas pela prestação de serviços no âmbito das suas atribuições;



b) as importâncias resultantes das autorizações, certificados, homologações ou outras licenças, concedidas por decor-rência das atribuições da ANP;



c) o produto das coimas aplicadas por infracção às disposições previstas em lei ou regulamento, que estabeleça os requi-sitos técnicos aplicáveis às entidades integrantes do sector regulado, ou o produto da execução de penalidades contratuais;



d) as transferências oriundas do Orçamento Geral do Estado;



e) doações, heranças ou legados;



f) rendimentos originados no seu património próprio, respec-tiva alienação, ou constituição de direitos menores sobre os mesmos activos;



g) quaisquer outros rendimentos provenientes da sua actividade ou que por lei, regulamento ou contrato, lhe venham a pertencer.



Quanto às receitas referidas no art. 3º do Decreto-Lei, não se vislumbra de onde retiram os ilustres requerentes que o mesmo viole o art. 6º da Lei do Fundo Petrolífero. O que aquele artigo refere é que a ANP cobra as importâncias em questão (neces-sariamente para as fazer integrar o aludido fundo), não que as mesmas passem a constituir receita própria do instituto, como claramente resulta, “a contrario”, do art. 17º.



Relativamente às receitas próprias da ANP, também parece falecer validade à argumentação expendida pelos ilustres deputados.



O art. 6º da Lei do Fundo Petrolífero estipula que constituem Receitas do Fundo Petrolífero, para além das referidas no art. 3º do Decreto Lei 20/2008 (alíneas a) e b) do art. 6º da Lei do Fundo Petrolífero), qualquer montante recebido por Timor-Leste a título de retorno de investimentos de Receitas do Fundo Petrolífero (que está subtraído à ANP), qualquer montante recebido por via de participação directa ou indirecta de Timor-Leste em operações petrolíferas, e qualquer outro montante recebido por Timor-Leste relacionado directamente com recursos petrolíferos.



Ora, se analisarmos o que dispõe o art. 17º do Decreto-Lei em questão, vemos que o mesmo refere apenas importâncias cobradas pela própria entidade e directamente resultantes da sua actividade.



Não se pode dizer que estejamos no âmbito de montantes resultantes da participação do Estado em operações petrolíferas, nem de importâncias directamente relacionadas com recursos petrolíferos.



Importa salientar que a actividade da ANP, como entidade reguladora e fiscalizadora, ultrapassa, em muito, o âmbito da prospecção e exploração dos recursos petrolíferos do país.



Face ao exposto, também aqui não se verifica a invalidade im-putada ao diploma em análise.



c) Sobre a ilegalidade, por violação da Lei do Fundo Petrolífero



Sobre a questão da possibilidade de sindicância dos diplomas legislativos na sua vertente legal, ou seja por contraposição com outra lei, remete-se aqui para o acórdão deste Tribunal de 27 de Outubro de 2008, proferido no âmbito do processo nº 4/2008, publicado no Jornal da República de 26 de Novembro de 2008, relatado pelo Juiz Ivo Rosa: “O instituto de controlo de legalidade das leis compreende um objecto mais estrito e modesto do que o controlo a constitucionalidade, já que consiste em fiscalizar a conformidade das normas constantes dos actos legislativos ordinários, de carácter simples, com as leis de valor reforçado. Assim, havendo uma antinomia entre uma lei comum e outra lei ordinária relativamente à qual se considere um estatuto qualificado, do qual decorre uma imposição de respeito em seu favor, será resolvido através da invalidade das primeiras, com fundamento em ilegalidade”; “Não obstante a constituição não consagrar, de forma expressa, o instituto da fiscalização da legalidade, parece que o legislador constituinte acolheu o processo em causa. Na verdade, o artigo 126º, nº 1, nas als. a) e b), da Lei Fundamental dispõe – a propósito da competência constitucional e eleitoral do Supremo Tribunal de Justiça – que: Ao supremo Tribunal de Justiça compete, no domínio das questões jurídico-constitucionais, apreciar e declarar a inconstitucionalidade e ilegalidade dos actos legislativos e normativos dos órgãos do Estado; verificar previamente a constitucionalidade e legalidade dos diplomas legislativos e dos referendos”; “Para além disso, o artigo 2º, nº 2, da Constituição diz que: O Estado subordina-se à constituição e às leis, o que traduz uma afirmação clara do princípio da constitucionalidade e da legalidade. Deste modo, sob pena de inconstitucionalidade ou de ilegalidade, cada acto há-de ser praticado apenas por quem possui competência para o efeito, deve observar a forma e seguir o processo cons-titucionalmente previsto, e o seu conteúdo terá que respeitar os preceitos e os princípios constitucionais”.



Assim, conclui-se no aludido acórdão que, “podemos assentar que o sistema de fiscalização da legitimidade de normas, previsto na Constituição de Timor-Leste, compreende os dois institutos de controlo: controlo de constitucionalidade das normas e controlo de legalidade das leis”.



Mais se conclui no mesmo acórdão que a Lei do Fundo Petrolífero, tem a natureza de “lei de valor reforçado”, cabendo-lhe “definir um quadro legal sobre a utilização dos recursos naturais em virtude da especial função que lhe é atribuída pela Constituição e da importância que representa para o país em termos actuais e futuros”, pelo que a mesma se deverá sobrepor à restante legislação ordinária.



Não se pode deixar de reconhecer alguma validade na argumen-tação do Governo na sua resposta sobre a possibilidade de derrogação da Lei do Fundo Petrolífero por outra lei do Parla-mento Nacional. Já não se afigura que, no caso concreto, pelos motivos supra expostos, ou seja a configuração do Decreto-Lei em causa como desenvolvimento de leis de base da activi-dade petrolífera, se possa defender que este possa derrogar aquela lei, antes se devendo subordinar a ela.



Isto é, no caso vertente, a Lei do Fundo Petrolífero tem efectiva-mente a natureza de valor acrescentado relativamente ao diploma em causa.



Porém, nos termos já elucidados supra, não se pode concluir pela ilegalidade do diploma aqui em questão.



4. Se há inconstitucionalidade do artigo 17° do Decreto-lei 20/2008



Pretendem os Senhores Deputados requerentes que tal incons-titucionalidade resulta da violação dos princípios da legalidade e tipicidade subjacentes ao estabelecimento de sanções, por consagrar a possibilidade de aplicação de sanções administra-tivas não previstas na lei, contrariando o disposto no artigo 31° da Constituição.



Estabelece o art. 17º, alínea c), do Decreto Lei 20/2008, que constituem receitas próprias da ANP o produto das coimas aplicadas por infracção às disposições previstas em lei ou regulamento, que estabeleça os requisitos técnicos aplicáveis às entidades integrantes do sector regulado, ou o produto da execução de penalidades contratuais.



Nos termos do art. 31º da Constituição da RDTL ninguém pode ser julgado e condenado por um acto que não esteja qualificado na lei como crime no momento da sua prática, nem sofrer medida de segurança cujos pressupostos não estejam expressamente fixados em lei anterior, (nº 2), nem podem aplicar-se penas ou medidas de segurança que no momento da prática do crime não estejam expressamente previstas na lei (nº 3).



Hoje é pacífica a ideia de que entre os dois ramos de direito [direito de mera ordenação social e o direito penal] medeia uma autêntica diferença: não se trata apenas de uma diferença de quantidade ou puramente formal, mas de uma diferença de natureza. A contra-ordenação «é um aliud que se diferencia qualitativamente do crime na medida em que o respectivo ilícito e as reacções que lhe cabem não são directamente fundamentá-veis num plano ético-jurídico, não estando, portanto, sujeitas aos princípios e corolários do direito criminal» (Prof. Eduardo Correia, “Direito penal e direito de mera ordenação social”, in Boletim da Faculdade de Direito, Coimbra, 1973, p. 268).



Contudo, não se ignora os pontos de convergência entre os referidos ramos e a necessidade de salvaguarda dos direitos fundamentais também em relação ao regime jurídico do ilícito de mera ordenação social.



Conforme salientam os Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 1.º vol., 2.ª ed., p. 219, mesmo excluindo a sua aplicação directa ou global, há-de porém, admitir-se que algumas das garantias de defesa fazem parte do cerne do princípio do Estado de direito demo-crático, pelo que não podem deixar de ter-se por inerentes a todos os processos sancionatórios, qualquer que seja a sua natureza. No mesmo sentido o Prof. Eduardo Correia, na locu-ção supra referida.



Garantido com efectividade e permanência o direito de impug-nação judicial das decisões das autoridades administrativas aplicadoras de uma coima, há-de concluir-se no sentido de as normas que atribuem competência àquelas entidades para o processamento das contra-ordenações e aplicação das coimas não atentarem por qualquer forma contra o principio da reserva da função jurisdicional constitucionalmente consagrado.



Sucede, porém, que o art. 17º, alínea c), do Decreto Lei 20/2008, apenas estipula que constituem receitas próprias da ANP o produto das coimas aplicadas por infracção às disposições previstas em lei ou regulamento, que estabeleça os requisitos técnicos aplicáveis às entidades integrantes do sector regulado, ou o produto da execução de penalidades contratuais.



Em lado nenhum se fixam penalidades ou coimas a aplicar pela entidade em causa, nem se atribuem às mesma poderes para o fazer arbitrariamente. Não se vislumbra pois, a inconstitucio-nalidade invocada.



Nem se pode afirmar que o mesmo se encontre contido no Decreto-lei em análise. Em lado algum do diploma se fixam coimas ou penalidades a aplicar pela ANP.



Certo é que esta, como entidade administrativa pública, poderá aplicar coimas ou outras sanções desde que as mesmas sejam fixadas e determinadas por lei, ou decreto-lei, na medida em que tal seja permitido.



Entende-se, até pela falta de referência expressa do art. 96º da Constituição, que, nesta matéria, a reserva legislativa parla-mentar é circunscrita ao regime geral, ou seja, como observam J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2.º vol., 2.ª ed., p. 197, ao Parlamento Nacional compete definir o regime comum ou normal da matéria da contra-ordenações, sem prejuízo de regimes especiais, que podem ser definidos pelo Governo. Veja-se ainda Hans-Heinrich Jescheck, Tratado de Derecho Penal, vol. 1, Barcelona, 1981, pp. 78 e segs..



Considerando apenas a decisão de confiar às autoridades administrativas a aplicação de sanções às contra-ordenações, entendidas tais sanções e o correspondente ilícito como matéria especialmente administrativa, afigura-se-nos possível entender que não ocorre qualquer inconstitucionalidade neste caso.



Assiste-se, assim, conforme já referido supra a uma compe-tência concorrente dos dois órgãos de soberania que permite ao Governo definir contra-ordenações, alterando-as, elimi-nando-as e modificando a sua punição, dentro dos limites do regime geral.



Também neste pormenor, não se vislumbra qualquer inconstitucionalidade do Decreto-lei em análise.

III. CONCLUSÃO



Pelo exposto, deliberam os Juízes deste Colectivo do Tribunal do Tribunal de Recurso não declarar inconstitucional o Decreto-lei 20/2008, de 19 de Junho, nem o seu artigo 17º, ou qualquer norma dele constante.



Díli, 19 de Junho de 2009





O Colectivo de Juízes do Tribunal de Recurso





Cláudio Ximenes - Presidente e Relator







José Luís da Goia





Antonino Gonçalves