REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DE TIMOR-LESTE

REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DE TIMOR-LESTE

RELATÓRIO

4/2003

Acordam os juízes do Tribunal de Recurso



RELATÓRIO



Em 29 de Agosto de 2008, um grupo de dezasseis Deputados ao Parlamento Nacional em efectividade de funções veio deduzir perante este Tribunal, ao abrigo da alínea e) do artigo 150 da Constituição, pedido de fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade dos artigos 1 e 2 da Lei nº. 12/2008, de 5 de Agosto, que aprovou a alteração à Lei 10/2007, de 31 de Dezembro - Orçamento Geral do Estado para o ano de 2008- bem como a ilegalidade do mesmo diploma por violação do processo legislativo.



Em síntese, os requerentes estribam o seu pedido nas seguintes considerações:



1- O IV Governo constitucional fez aprovar, através dos De-putados da chamada Aliança de Maioria Parlamentar, AMP, e publicar na Série I, nº33, do Jornal da República, do dia 5 de Agosto, a Lei N º 12/2008, (que aprova a alteração à Lei Nº 10/2007, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento Geral do Estado), mais conhecida como a Lei do Orçamento Rectificativo;



2- A Constituição da República Democrática de Timor-Leste consagra expressamente como princípios estruturantes do nosso Estado, que define como Estado de direito demo-crático, os princípio da constitucionalidade e da legalidade designadamente no art.1º, nº 1, e nº 2 e art. 2º, nº 2 e nº 3 ;



3- Toda a actividade do Estado deve assim subordinar-se em primeiro lugar à Constituição e, como a própria Constituição determina, o Estado deve subordinar-se às leis.;



4- O Orçamento Geral do Estado é a previsão de despesas e receitas públicas para cada ano financeiro, feito mediante lei do Parlamento Nacional na qual se limitam os poderes financeiros do governo e da administração pública;



5- Cabe ao Parlamento Nacional aprovar, sob forma de lei es-pecífica, o O.G.E. Sendo, ao mesmo tempo, o orgão respon-sável pela fiscalização da sua execução;



6- O processo parlamentar de debate orçamental é, em todos os regimes democráticos, um dos de maior complexidade e importância política, pois dele depende não só a acção do Governo e da administração pública durante o ano respec-tivo, como também o alicerçar dos demais órgãos de sobe-rania, designadamente, o Presidente da República, o Parla-mento Nacional e os Tribunais, já que a falta de dotação or-çamental apropriada compromete o funcionamento regular destas instituições, bem como compromete o equilíbrio e a separação de poderes;



7- Em virtude da importância para a vida política nacional da lei do Orçamento Geral do Estado, o Regimento prevê um processo especial com prazos específicos, considerados como indispensáveis a uma apreciação rigorosa deste diploma legal;



8- Com efeito, o legislador regimental decidiu introduzir prazos distintos para o debate orçamental. Prazos que reflectem, desde logo, um compromisso entre o interesse do Governo em aprovar o mais brevemente possível o O.G.E., a obrigação constitucional do Parlamento Nacional fiscalizar e acompa-nhar a actividade do executivo, o direito à participação po-lítica do cidadão através dos seus representantes democra-ticamente eleitos (art. 46º C.R.D.T-L) e, finalmente, o direito dos cidadãos a viver uma cidadania responsável, garantida pelo direito à informação, no caso concreto acerca do O.G.E. (art. 40º C.R.D.T-L);

9- Os Deputados da oposição não puderam evitar que o Go-verno interferisse no normal funcionamento do Parlamento Nacional, porque não apresentou, dentro dos limites temporais, a proposta de lei do OGE, obrigando a que os Deputados da oposição se vissem na contingência de consensualizar a extensão da primeira sessão legislativa, que se prolongou para além do calendário regimental normal, para evitar que a violação dos prazos pelo Governo fosse um obstáculo ao rigor do escrutínio parlamentar;



10- A função escrutinadora do Parlamento e dos seus Deputa-dos, em particular dos Deputados da oposição, não pode ser prejudicada, em nenhuma circunstância, pelo incum-primento, por parte do Governo, do prazo legal, sob pena de violarmos, não só o direito à participação política (art. 46º, 63º) mas, simultaneamente, o direito à oposição demo-crática que nos assiste nos termos da C.R.D.T-L (art. 70º);



11- A legitimidade na elaboração da norma legal é assegurada pela observância rigorosa das disposições regimentais, sendo nula qualquer decisão que contrarie a norma regimental nos termos do estatuído no art. 175 º do Regimento do Parlamento Nacional;



12- Apesar do acordo estabelecido no tocante à metodologia a ser utilizada para a discussão da lei do orçamento recti-ficativo sub judice, vertida nos guiões aprovados suces-sivamente pelos chefes das bancadas parlamentares e pelo Plenário e apesar das sucessivas chamadas de atenção que os parlamentares da oposição foram fazendo, a verdade é que se desrespeitaram as normas regimentais;



13- O Governo, usando sua maioria parlamentar, impôs a vio-lação dos prazos regimentais ferindo o princípio basilar da separação e interdependência de poderes ao incumprir o calendário anteriormente acordado, no qual se estabelecia como tempo mínimo, nos termos regimentais, o de três dias, para discussão da lei na generalidade;



14- Foram feitas votações, já na fase da especialidade, que não foram antecedidas de debate como exige o Regimento (art.102º) com os protestos dos Deputados da oposição e ante a total ausência de pudor da MESA;



15- Os Deputados foram impedidos de intervir no debate, con-tra o que se estatui no Regimento do Parlamento Nacional (art. 9 º, n º 3, al. a), impedidos pela MESA de usar da palav-ra nos termos regimentais;



16- No debate na generalidade, não foi permitido aos Depu-tados da oposição mais do que uma intervenção na mesma sessão diária e apenas puderam usar da palavra duas vezes nos dois dias e meio que durou o debate na generalidade. Os Deputados que conseguiram usar da palavra, nos dias em que decorreu a discussão na generalidade fizeram-no da primeira vez por cinco minutos e da segunda por três minutos;



17- A MESA chegou a recusar a palavra ao Deputado da Bancada Parlamentar da FRETILIN, Osório Florindo, que nunca tinha usado da palavra, apesar de se encontrar inscrito e apesar dos protestos do mesmo;

18- O Regimento, que tem natureza de lei reforçada, como de-fende a melhor doutrina, independentemente de ser apro-vado por lei ou resolução, estatui como princípio básico a observar no processo legislativo a participação plena e igualitária dos Deputados em todas as actividades legis-lativas ( art.175 º, al. a);



19- A Mesa, em especial o Presidente do Parlamento Nacional, a quem compete presidir as reuniões Plenárias, porque tem o poder de direcção dos trabalhos, não pode exercer esse poder para violar este princípio básico ou violar qualquer outra norma regimental;



20- O poder de direcção da Mesa vai no sentido de garantir o cumprimento do Regimento e de conceder a palavra aos Deputados e não o contrário (art. 18º,nº 2, alíneas a), b), c) e d) do Regimento), que foi precisamente aquilo a que se assistiu quando, sem fundamento legal, a MESA recusou a palavra ao Deputado da oposição, inscrito para falar, numa altura em que ainda não tinha tido ocasião de se pronunciar, como era seu direito, no debate na generalidade da lei do orçamento rectificativo (art.9 º, nº 3 do Regimento);



21- O Regimento do Parlamento Nacional dispõe, claramente, tal como o guião aprovado, que em cada dia de debate na generalidade da lei do orçamento rectificativo, os Deputados que quiserem usar da palavra poderão fazê-lo em duas ocasiões distintas (art.155 º com referência ao art. 53 º,n º1, al.b) e art. 54 º, n º1 do Regimento);



22- Viola as normas regimentais determinar-se, como a MESA o fez, apesar dos protesto da bancada da oposição, que quem interviesse no primeiro dia de debate, num dos dias subsequentes do debate na generalidade, só o podia fazer uma única vez e por três minutos;



23- A Secção III do Regimento do Parlamento Nacional que trata do uso da palavra pelos Deputados diz muito clara-mente, no art. 53 º, que a palavra é concedida aos Deputados para participarem nos debates, e que o seu uso é conforme a ordem das inscrições;



24- Resulta assim, cristalino que os Deputados podem sempre participar no debate, em cada dia em que há debate e, por duas vezes consecutivas, se for o caso, a primeira por 5 mi-nutos, a segunda vez por 3 minutos;



25- A MESA violou regras regimentais múltiplas e impediu os Deputados de exercerem o direito à oposição democrática que, constitucionalmente lhes está reconhecido no art. 70º, nº 2 da C.D.R.T-L;



26- Os Deputados, que usando o tempo regimental mínimo (3 dias), podiam intervir seis vezes, num total de 24 minutos (oito 8 minutos por dia) acabaram por falar apenas oito mi-nutos, sem direito à palavra, em pelo menos um, senão em dois dos três dias destinados ao debate na generalidade e, Deputados houve, a quem não foi dado tempo de inter-venção com violação expressa dos art. 9 º,nº 3, art. 53º, n º1, al.b), art. 155º, nº 1 todos do Regimento do Parlamento Na-cional e do artigo 70 º da C.R.D.T-L;



27- É a negação da palavra, do direito de intervir democrati-camente, é a negação do direito à oposição (art.70 º C.R.D.T-L), é a negação do direito de informar (art. 40º CRDT-L)) através do debate, sobre o que é e o O.G.E. sobre o que sig-nifica ter um orçamento rectificativo e o que está em causa neste rectificativo;



28- Ao proceder como procedeu, a MESA violou um conjunto de normas regimentais destinadas a garantir direitos constitucionalmente consagrados na Constituição da República, designadamente o princípio da legalidade e do Estado de Direito democrático (art. 2º, nº 2 C.R.D.T-L), o direito à oposição democrática (art. 70º, nº 2 C.R.D.T-L), o direito à participação política (art.70º, nº 1 C.R.D.T-L), o direito a informar e a ser informado (art.40º C.R.D.T-L);



29- A violação deste conjunto de normas fere de nulidade in-sanável a lei do O.G.E, não podendo a mesma ser consi-derada lei, por violação grosseira e sistemática do processo legislativo, nulidade insanável, conforme dispõe o artigo 175 º do Regimento;



30- A Lei n º 12/2008, de 5 de Agosto contém, ainda, outro tipo de violações a comandos constitucionais, designadamente ao princípio da legalidade e da discriminação das receitas e das despesas, assim como à proibição da existência de fundos ou dotações secretas nos termos do que se encontra expressamente consignado no n º 2 do art. 145 º, com refe-rência ao art. 2 º, n º 2 e art. 97 º, n º 2, todos da C.R.D.T-L;



31- Aquando da apresentação do Orçamento Rectificativo em audição pública da Comissão C, a titular das Finanças, inquirida sobre a legalidade da previsão do FEE informou o Parlamento que, o diploma legal que o criava tinha acabado de ser aprovado em Conselho de Ministros, e aguardava promulgação do Presidente da República;



32- O Governo pouco adianta no decreto-lei para além de afir-mar: " É criado junto do Ministério das Finanças, o Fundo de Estabilização Económica, doravante designado por Fun-do.", que o Fundo é financiado pelo Orçamento do Estado, e que o Fundo ele próprio, tem despesas e receitas a serem determinados por diploma próprio, onde igualmente seriam aprovados os procedimentos para os financiamentos a conceder pelo Fundo.



33- O FEE passou a constar com o código de rubrica 13019, in-tegrado no anexo II, como despesa do Ministério das Finan-ças, como se de mais um programa daquele Ministério se tratasse, onde não há discriminação nem de receitas nem de despesas, permitindo a existência de um orçamento para-lelo, um saco azul dentro do próprio Orçamento do Estado, em absoluta violação do comando constitucional que de-termina no art. 145º, nº 2: "2. A lei do Orçamento deve prever, com base na eficiência e na eficácia, a discriminação das re-ceitas e a discriminação das despesas, bem como evitar a existência de dotações ou fundos secretos.";



34- Entretanto, e porque ao Parlamento Nacional compete fis-calizar a actividade do executivo, entendem os Deputados requerentes que não só valerá a pena, como é mister, em obediência à C.R.D.T-L art.145º, nº 2, discriminar-se a que se destina a dotação orçamental da módica importância de usd $240,000,000 (duzentos e quarenta milhões) de dólares americanos, sob pena de inconstitucionalidade. A dotação de $240 milhões de dólares sem que se saiba exactamente a que se destina é assim, claramente inconstitucional;



35- Ao FEE, integrado finalmente no Ministério das Finanças com o código de rubrica 130119, foi alocada a importância de $240,000,000 (duzentos e quarenta milhões) de dólares norte-americanos fazendo com que o Ministério das Finan-ças seja responsável pela execução de usd $332,028,000 usd (trezentos e trinta e dois milhões e vinte e oito mil dóla-res norte-americanos) de um total de usd $788,312,000 (sete-centos e oitenta e oito milhões, trezentos e doze mil dólares norte-americanos);



36-O O.G.E. rectificado é financiado, em 88%, pelo Fundo Petrolífero ou Fundo do Petróleo como também é conhecido e, no demais, por outras receitas não petrolíferas, designada-mente, pela venda de arroz;



37- O Governo prevê recolher, com a venda do arroz, usd $39.4 (trinta e quatro milhões e quatrocentos mil) dólares norte-americanos o que representa mais de 50% da estimativa de receitas não petrolíferas, prevista para usd $79,5 (setenta e nove milhões e quinhentos) mil dólares norte-americanos.



38- O Governo pretende financiar directamente a compra do arroz que será depois, em parte, vendido ao público a preços tabelados pelo Governo, em parte continuaria a ser distri-buído gratuitamente pelos funcionários do Estado, pela PNTL e pelas FFDTL;



39- Não foi conseguido o esclarecimento sobre quantas to-neladas serão distribuídas gratuitamente e quantas serão vendidas e a que preço;



40- O Fundo Petrolífero, criado pela Lei nº 9/2005, de 3 de Agosto percebe as receitas resultantes da exploração directa dos recursos petrolíferos e dos resultados obtidos com a aplicação de capital de parte desses recursos, nos precisos termos autorizados pela lei;



41- O Fundo Petrolífero é a conversão em numerário das receitas obtidas a partir da exploração directa dos recursos petro-líferos e da aplicação financeira de parte do capital ante-riormente obtido em investimentos rentáveis que repro-duzam o investimento, inicialmente feito;



42- A lei do Fundo permite, como seria de esperar, que parte das suas receitas possa ser utilizada para financiar o Orça-mento do Estado, respeitadas as regras de uma sã, trans-parente e prudente gestão (art.1º, 7º,8º,9º e 10º da lei do Fundo Petrolífero), na medida em que o Fundo pretende garantir a existência de rendimentos para a satisfação das necessidades da geração actual e das gerações vindouras, assim como para o desenvolvimento sustentável da eco-nomia nacional;



43- Em caso de conflito, as disposições da Lei do Fundo Petrolífero prevalecem sobre a própria lei do orçamento, como expressamente se consagra no artigo 4º da Lei nº9/2005, de 3 de Agosto, e nunca o contrário;

44- A lei do Fundo Petrolífero prevalece sobre a lei do orça-mento e de gestão financeira, porque: "A presente lei esta-belece um Fundo Petrolífero, que visa cumprir o preceituado no art. 139 º da Constituição da República. Nos termos des-ta disposição, os recursos petrolíferos são propriedade do Estado, serão usados de uma forma justa e igualitária, de acordo com o interesse nacional, e os rendimentos dele derivados devem servir para a constituição de reservas financeiras obrigatórias.'' E o preâmbulo da lei é ainda mais esclarecedor quando, a determinada altura dispõe e, cita-mos: "O Fundo Petrolífero deverá ser integrado de forma coerente no Orçamento do Estado, representando correctamente o desenvolvimento das finanças públicas. Será gerido de forma prudente e operará de um modo aberto e transparente, no quadro constitucional."



45- É legal o financiamento do O.G.E. a partir do Fundo Petrolífero respeitados os condicionalismos da própria lei, no quadro constitucional.



46- Sendo, em princípio, legal o financiamento do O.G.E. a par-tir do Fundo Petrolífero, a lei impõe o preenchimento de de-terminados requisitos, designadamente os que se contêm num conjunto de normas que disciplinam a transferência estatuídos nos art. 7 º,8 º,9 º e 10 º;



47- A lei que tem um capítulo inteiro dedicado ao investimento e protecção do Fundo Petrolífero impõe expressamente: "O Fundo Petrolífero será gerido de forma prudente, em conformidade como princípio da boa governação, para bene-fício da geração actual e das gerações vindouras.";



48- Acontece que o Governo pretende transferir do Fundo Petrolífero para financiar o O.G.E. o montante de usd $ 686,800,000 (seiscentos e oitenta e seis milhões e oitocentos mil) dólares norte-americanos ultrapassando o Rendimento Sustentável Estimado em usd $290,700,000 (duzentos e noventa milhões e setecentos mil dólares norte-americano



49- O financiamento do O.G.E. rectificado só é legal e cons-titucional até ao montante máximo de $396,100,000 (trezen-tos milhões e cem mil dólares norte-americanos) nos termos do estatuído no artigo 139 º,n º1 e n º2 da C.R.D.T-L com re-ferência, em especial, ao disposto na al. d) do art. 9 , assim como ao art. 11 º e art 25 º da lei do Fundo Petrolífero;



50- O Estado tem a obrigação de usar os recursos naturais do país com justiça e de forma equitativa, de acordo com o in-teresse nacional;



51- A Constituição da República vai para além do mero enun-ciado de equidade e justiça social a ser observado pelo Es-tado na gestão dos recursos naturais, ao impôr que se criem, obrigatoriamente, por lei, reservas financeiras resul-tantes da exploração desses recursos, precisamente para evitar a depredação da riqueza nacional e garantir justiça intra-geracional;



52- Foi em cumprimento deste comando constitucional que o I Governo preparou, com a mais ampla participação da socie-dade, a proposta de lei que o Parlamento Nacional, na I Le-gislatura, aprovou, criando e dotando subsequentemente o Fundo Petrolífero através da Lei N º 9/2005, de 3 de Agosto;



53- O Estado, através do seu orgão executivo, o Governo, tem, pois, a obrigação de explorar os hidrocarbonetos, à seme-lhança de quaisquer outros recursos naturais, que se en-contrem no solo e no mar territorial, em benefício de todos, investindo o dinheiro que resulta dessa exploração de forma justa. Este Governo e qualquer outro tem a especial obri-gação de respeitar, manter e aumentar as reservas obriga-tórias nos precisos termos da lei;



54- A Constituição determina a criação de reservas financeiras obrigatórias, para assegurar o desenvolvimento sustentável do país e foi isso que determinou a criação o Fundo Petro-lífero;



55- Não pode o Governo, a pretexto da crise alimentar, de forma inconsequente e pouco transparente, pretender fazer trans-ferir do Fundo Petrolífero mais dinheiro do que aquele que é considerado cabível no Rendimento Sustentável Esti-mado, delapidando as reservas financeiras obrigatórias que a Constituição da República manda preservar;



56- O Fundo Petrolífero, criado depois de mais de um ano de debate público e consultas extensivas com toda a sociedade civil, num processo transparente, inclusivo e prolongado, criou os mecanismos necessários à fiscalização e acom-panhamento da utilização do dinheiro, de forma a que a ri-queza resultante da exploração do petróleo beneficie as gerações presentes sem comprometer as gerações vin-douras;



57- A lei do Fundo Petrolífero define o quadro legal no qual o valor do petróleo e do gás é convertido em massa monetária, em capital a ser gerido e investido de forma transparente, e que serve, também, sendo caso disso, para financiar o Orçamento Geral do Estado;



58- O Fundo Petrolífero representa uma fonte de riqueza para Timor-Leste porque as suas receitas são depositadas num Fundo que está intrinsecamente ligado aos recursos petrolíferos, que nos termos da lei não podem ser esbanja-dos;



59- A Constituição manda que sejam constituídas reservas financeiras obrigatórias que não devem ser mexidas, a não ser em circunstâncias, muito excepcionais e é por isso mesmo que, nos termos da lei, o Governo deve, além do mais, demonstrar ao Parlamento Nacional, que a transfe-rência de dinheiro em montante superior ao Rendimento Estimado Sustentável, não só não prejudica as gerações vindouras, como é do interesse a longo prazo de Timor-Leste;



60- O Governo nem se deu ao trabalho de arguir, quanto mais de demonstrar, que o valor em excesso ao Rendimento Estimado Sustentável, no montante de usd $290,700,000 (duzentos e noventa milhões e setecentos mil dólares) norte-americanos, que pretende ver transferidos beneficiam o país a longo prazo, porque mais uma vez contava com o voto dos Deputados da dita AMP;

61- O Governo violou a al.d) do art. 9 º, da Lei n º 9/2005, de 3 de Agosto, Lei do Fundo Petrolífero, com a total cumplicidade da bancada da AMP, e ao violar a lei violou a Constituição da República (art. 139º, em conjugação com o arts 1 º e 2 º);



63- Para além disso, a transparência e a legalidade das despesas públicas não estão asseguradas e garantidas devido à sua não descriminação detalhada como determina a Cons-tituição da República (art.145º, nº2);



64- O Governo aloca a si próprio 97% do total do Orçamento Rectificativo, destinando 1,4% ao Parlamento Nacional, 0.6% ao Presidente da República, 0.3% aos Tribunais, 0,2% à Comissão Nacional de Eleições e 0.07% ao Provedor de Direitos Humanos e Justiça;



65- O Orçamento rectificativo é sem margem para qualquer dúvida, completamente desequilibrado e, nessa medida, atentatório do equilíbrio de poderes que deve existir entre os órgãos de soberania, nos termos do que dispõe a lei fundamental nos arts 67 º, 69 º que são desta feita violados pela lei sub judice;



66- O Orçamento rectificativo aprovado pela Lei Nº 12/2008, de 5 de Agosto e cuja constitucionalidade se contesta, é desequilibrado na forma como aloca as verbas entre os diferentes orgão de soberania, e desequilibrado na forma como aloca as verbas entre as diferentes categorias finan-ceiras;



67- O Orçamento é extremamente despesista, num momento em que seria exigível contenção e rigor na utilização das receitas públicas e na realização de despesas se, efecti-vamente houvesse seriedade e preocupação em amortecer o impacto negativo da inflação e da proclamada crise alimen-tar mundial, ajudando os mais desfavorecidos, o que não encontra infelizmente tradução neste orçamento;



68- Para a Categoria de Salários e Vencimentos foram alocadas verbas que representam 7,6% do total do O.G.E; para de Bens e Serviços foram alocadas verbas que representam 57,8% do total do O.G.E; para Capital Menor foram alocadas verbas que representam 5% do total do O.G.E.; para Capital de Desenvolvimento foram alocadas verbas que represen-tam 15% do total do O.G.E. e finalmente para Transferências e Pagamentos Pessoais foram alocadas verbas que repre-sentam 14,5% do total do O.G.E. 69-Assim, viola o do art.139 º da Constituição da República que determina que "Os recursos do solo, do subsolo, das águas territoriais, da plataforma continental e da zona económica exclusiva, que são vitais para a economia, são propriedade do Estado e devem ser utilizados de forma justa e igualitária, de acordo com o interesse nacional".;



70- O Governo não tem um programa de investimento, nem uma perspectiva consequente para o desenvolvimento económico sustentável do país, quando pretende transferir do Fundo Petrolífero usd $290,700 (duzentos e noventa milhões e setecentos mil) dólares norte-americanos, para além daquilo que é sustentável e legalmente permitido porque quer fazê-lo, para financiar um orçamento despesista, que não responde às grandes prioridades, nem resolve os problemas nacionais; Não tem razão válida, para pedir o reforço das verbas como faz, dada a baixa capa-cidade de execução apresentada. Em realidade e, como melhor pode ser visto no doc. 8 e 9, ao Governo não falta dinheiro, antes falta capacidade para programar e executar o orçamento anteriormente aprovado, não fazendo qualquer sentido prejudicar as reservas financeiras obrigatórias, quando afinal não gastou sequer o orçamento de 2008 anteriormente aprovado pela Lei nº 10/2007, de 31 de Dezembro e que deve assim prevalecer;



Terminam, dizendo que a A Lei n º 12/2008, 5 de Agosto, publicada, no Jornal da República, Série I, nº 33 que aprova a Primeira alteração à Lei Nº 10/2007, de 31 de Dezembro, sobre o Orçamento Geral do Estado para 2008, padece de múltiplos vícios de forma e de substância, de atropelos e violações a normas e comandos constitucionais e regimentais, e concluem pedindo que:



a) seja concedido provimento à presente acção e, em con-sequência, declarar-se a ILEGALIDADE DA LEI N º 12/2008, de 5 de Agosto, por violação sistemática e grosseira das normas que regem o processo legislativo no Parlamento Nacional, (art. 9º, nº 3, al. a), art. 53º, art. 54º e art. 102º e art. 155º, nº 1 e art. 175ºdo Regimento do Parlamento Nacional) e que ferem de nulidade insanável a lei sub judice, não podendo a mesma ser considerada como tal;



b) Ainda que tal se não considere, o que apenas por mera hipótese se postula, deve a presente acção ser julgada procedente, no tocante à violação de princípios e comandos constitucionais consagrados expressamente na Constituição da República no art.1º nº1, art. 2º, art. 40º, art. 46º, art. 63º, art. 69º, art. 70º, art. 92 º, art. 95°, art. 96º, nº 2, art. 97º, n°2, al. q), art.139º, art.145º, nº 2 e, em consequência, declarar-se a INCONSTITUCIONALIDADE da norma estatuída no art. 1º, e º art. 2 º da Lei nº 12/2008, de 5 de Agosto, e por efeito dela, todo o grupo normativo deste diploma, com força obrigatória e geral, determinando-se a repristinação das normas revogadas.



Convidado o órgão autor do acto legislativo, na pessoa do Presidente do Parlamento Nacional, a pronunciar-se, ao abrigo do artigo 126 n. 1 al. a) da C.R.D.T-L, este nada disse.



FUNDAMENTAÇÃO



Nada obstando a que se aprecie o pedido dos requentes, passaremos à identificação, em síntese, das questões por eles colocadas:



1- Validade da Lei n. 12/2008, de 5 de Agosto, por violação das normas constantes dos artigos 40, 46, 63, 70 da C.R.D.T-L e regras constantes dos artigos 9 n. 1, 53, 54, 155 e 175 do Regimento do Parlamento Nacional (violação do processo legislativo);



2- Conformidade do disposto nos art 1 e 2 da Lei 12/2008, de 5 Agosto face ao disposto no artigo 145 n. 2 com referência ao art. 2 n. 2 e art. 97 n. 2, todos da C.R.D.T-L. (não discri-minação das despesas públicas);



3- Ao concentrar mais de 50% do orçamento nas dotações sob a responsabilidade do Primeiro Ministro e do Ministério das Finanças, ficando o Governo com 97% de toda a dotação orçamental, a Lei compromete o princípio da separação dos poderes.



A Lei de Revisão Orçamental não dota os demais órgãos do Estado de orçamento que lhes permita o exercício pleno das suas competências.



4- Conformidade da Lei 12/2008, de 5 de Agosto com o dis-posto no artigo 139 da C.R.D.T-L e 1, 7, 8, 9 e 10 da Lei 9/2005, de 3 de Agosto (financiamento do orçamento através do Fundo de Petrolífero).



São, pois, estas as questões que cumpre apreciar.



Antes de entramos no mérito da acção cumpre referir que, compete aos Tribunais, em particular ao Tribunal de Recurso, no âmbito das suas funções de fiscalização da constitucio-nalidade e legalidade dos actos legislativos, assegurar que a democracia funcione com base no primado da Constituição, da lei e na garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos.



Essa tarefa pode apresentar-se como particularmente delicada e espinhosa, porquanto, para a desempenhar cabalmente, o Tribunal de Recurso, no âmbito da justiça constitucional, tem de se assumir, como alguns autores sugestivamente mencio-nam, como juiz da lei, como juiz da maioria parlamentar e como juiz dos restantes tribunais.



Assim, aos tribunais não cabe imiscuir-se, de forma directa ou indirecta, nas competências específicas dos outros órgãos, designadamente dos órgãos legislativos e executivo. Ou seja, não podem os tribunais, salvo com fundamento em imperativos de ordem constitucional, censurar as opções políticas dos ór-gãos legislativos e executivos, já que esses são domínios reser-vados a outros órgãos de soberania. Por isso mesmo, os tribu-nais não podem, e nem querem, invadi-los. Num estado de di-reito democrático o julgamento dessas opções políticas compete ao povo, através do seu direito de voto.



Por outro lado, a jurisdição, em particular a constitucional, não é o local nem o meio adequado para resolver as controvérsias políticas, pelo que não deve ser remetido para os Tribunais, mais concretamente para o Tribunal de Recurso, o prolonga-mento do debate político, já que os tribunais não querem as-sumir um papel que seguramente lhes não compete.



As normas impugnadas



As normas impugnadas pelo grupo de deputados são do seguinte teor:



Artigo 1 da Lei 12/2008 de 5 de Agosto.



1- É alterado o Orçamento Geral do Estado para 2008, aprovado pela Lei n. 10/2007, de 31 de |Dezembro, rectificada pela Declaração de Rectificação n. 1/2008, de 16 de Janeiro, quer na parte relativas às tabelas constantes dos Anexos I, II e III a essa Lei, quer nos termos dos artigos seguintes.



2- A alteração referida no número anterior consta das tabelas dos Anexos I,II e III da Lei 10/2007, de 31 de Dezembro.



3- Os artigos 4 e 8 da Lei 10/2007, de 31 de Dezembro, passam a ter a seguinte redacção:



''Artigo 4''



Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 7 da Lei 9/2005, de 3 de Agosto, o montante das transferências do fundo petrolífero para 2008 não excede 686.8 milhões de dólares norte-americanos.



''Artigo 8''



o) Fundo de Estabilização Económica.



Artigo 2

Aditamento ao Orçamento Geral do Estado para 2008



São aditados à Lei n. 10/2007, de 31 de Dezembro, os artigos 2-A e 9-A, com seguinte redacção:



Artigo 2-A



Programas de Investimento Plurianuais



1- Os programas de investimento plurianuais envolvem projec-tos de grande dimensão, a executar ao longo de vários exercícios orçamentais.



2- É aprovada a despesa prevista para o exercício de 2008 re-lativa aos programas constantes do Anexo IV ao presente diploma, sem prejuízo dos totais das despesas previstas no Anexo II.



Artigo 9 A

Fundo de Estabilização Económica



O Fundo de Estabilização Económica, criado pelo Decreto-Lei n. 22/2008, de 16 Julho, é Administrado pelo Ministério das Finanças.



DO MÉRITO DA ACÇÃO



Comecemos, então, pela primeira questão suscitada.



1- Legalidade da Lei 12/2008, de 5 de Agosto, por violação do Regimento do Parlamento Nacional.



Antes de mais, cumpre dizer que a Constituição Timorense não prevê, de forma expressa, o processo de fiscalização da le-galidade de leis. Com efeito, os artigos 149 a 152 apenas se re-ferem ao controlo da constitucionalidade dos actos legislativos e das normas.



O instituto da fiscalização da constitucionalidade das normas tem por escopo a garantia da lei Fundamental, como ordem ju-rídica e política de domínio de um Estado soberano, composto por princípios e normas dotadas de uma hierarquia superior a todas as restantes.



Por sua vez, o instituto de controlo de legalidade das leis com-preende um objecto mais estrito e modesto do que o controlo da constitucionalidade, já que consiste em fiscalizar a con-formidade das normas constantes dos actos legislativos ordi-nários, de carácter simples, com as leis de valor reforçado. As-sim, havendo uma antinomia entre uma lei comum e outra lei ordinária relativamente à qual se considere um estatuto quali-ficado, do qual decorre uma imposição de respeito em seu fa-vor, será resolvido através da invalidade das primeiras, com fundamento em ilegalidade.



Quer a inconstitucionalidade quer a legalidade têm em comum as relações de desvalor ou desconformidade entre uma norma e outra de referência, à qual se encontra subordinada ou deve respeitar. A distinção entre as duas figuras reside na hierarquia do parâmetro normativo violado.



Não obstante a constituição não consagrar, de forma expressa, o instituto da fiscalização da legalidade, parece que o legislador constituinte acolheu o processo em causa. Na verdade, o artigo 126 n. 1 nas las. a) e b) da Lei Fundamental dispõe - a propósito da competência constitucional e eleitoral do Supremo Tribunal de Justiça - que: Ao supremo Tribunal de Justiça compete, no domínio das questões jurídico-constitucionais, apreciar e declarar a inconstitucionalidade e ilegalidade dos actos legis-lativos e normativos dos órgãos do Estado; verificar previa-mente a constitucionalidade e legalidade dos diplomas legisla-tivos e dos preferendos.



Para além disso, o artigo 2 n. 2 da Constituição diz que: o Estado subordina-se à constituição e à leis, o que traduz uma afirmação clara do princípio da constitucionalidade e da legali-dade. Deste modo, sob pena de inconstitucionalidade ou de ilegalidade, cada acto há-de ser praticado apenas por quem possui competência para o efeito, deve observar a forma e se-guir o processo constitucionalmente previsto, e o seu conteúdo terá que respeitar os preceitos e os princípios constitucionais.



Para garantir a eficácia destes princípios, torna-se necessário a existência de mecanismos destinados a proteger a Cons-tituição contra as infrações constitucionais, isto é, um sistema de fiscalização da constitucionalidade e da legalidade dos actos legislativos e demais actos normativos.



Daqui resulta, sem margem para dúvidas, que o Supremo Tribunal de Justiça, neste caso o Tribunal de Recurso, por força do artigo 164 da RDTL, tem competência, também, para apreciar a legalidade dos actos legislativos e normativos dos órgãos do Estado.



Na verdade, considerando que a Constituição deve ser inter-pretada de forma a evitar contradições entre as suas normas, e que estas não constituem normas isoladas e dispersas, mas sim, um conjunto de preceitos integrados num sistema interno de normas e princípios e, considerando ainda, que à norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia se lhe dê, conclui-se que o sistema de fiscalização da legalidade das leis encontra acolhimento no ordenamento constitucional.



Deste modo, podemos assentar que o sistema de fiscalização da legitimidade de normas, previsto na Constituição de Timor-Leste, compreende os dois institutos de controlo: controlo de constitucionalidade das normas e controlo de legalidade das leis.

Porém, para que se possa falar em legalidade de leis, necessário se torna que se verifique uma relação de vinculação entre uma lei materialmente interposta e os actos legislativos que se lhe encontram vinculados



Segundo o Dicionário Universal da Língua Portuguesa, a palavra Lei provém do Latim lege, que significa uma norma de carácter imperativo, imposta ao homem, que governa a sua acção e que implica obrigação de obediência e sanção da transgressão (lei positiva); preceito ou conjunto de preceitos obrigatórios que emanam da autoridade soberana de uma sociedade, do poder legislativo; conjunto das regras jurídicas estabelecidas pelo legislador; (entre outras definições).



A constituição não define o que são e quais os actos nor-mativos que compõem o ordenamento jurídico de Timor-Leste, nem definiu o princípio da hierarquia das fontes, nem o princípio da tipicidade das leis, nem estabeleceu uma norma sobre as fontes normativas e os efeitos dos actos normativos cons-titucionalmente tipificados. Não temos, assim, uma norma con-cretizadora da vinculação constitucional do legislador quanto à produção normativa, tendo essa tarefa sido deixada ao le-gislador ordinário.



Apesar disso, no que concerne à identificação das fontes, o texto constitucional faz, em vários momentos, referência a leis e demais actos do Estado e poder local (art. 2 n. 2); direito in-ternacional (art. 9); leis constitucionais - Leis de revisão cons-titucional -( art. 154). Estabelece, também, a relação hierárquica entre vários tipos de actos legislativos: leis que autorizam o governo a legislar sobre matéria da competência de reserva relativa do parlamento, definindo o objecto o sentido e a exten-são da autorização (art. 96); leis de bases- leis que estabelecem as bases gerais dos regimes jurídicos (art. 95 n. 2 al l) e m) - bases gerais do sistema de ensino, da saúde e da segurança social.



Por sua vez, o legislador ordinário, através da Lei 1/2002 de 7 de Agosto, veio dizer, de forma expressa, quais eram os actos legislativos e actos normativos.



De acordo com a Constituição e a lei 1/2002, são actos legis-lativos as leis e os decretos-leis, que têm idêntico valor, com excepção dos decretos-leis publicados no âmbito de uso de autorização legislativa e dos que desenvolvam as base gerais dos regimes jurídicos.



Uma vez aqui chegados, a questão que se coloca agora é a de saber se, de acordo com o ordenamento jurídico vigente, exitem leis com valor reforçado e, em caso afirmativo, que leis é que poderão ser qualificadas como tal.



Leis com valor reforçado, serão, pois, leis ordinárias que impõem ou pressupõem a sua não derrogabilidade pelas leis ordinárias posteriores.



Na verdade, não resulta de qualquer disposição expressa do texto constitucional uma definição do conceito de lei de valor reforçado, pelo que terá de ser a doutrina e a jurisprudência em matéria constitucional a procurar fornecer os critérios ou elementos caracterizadores e distintivos para a determinação desse tipo de leis.

Numa primeira análise, dir-se-ia que o legislador constituinte não acolheu a natureza de leis com ''valor reforçado'', uma vez que não foi aprovada uma definição genérica de leis com valor reforçado que conferira um critério geral tipificador das leis que podem desfrutar desse especial valor normativo. Na verdade, na Constituição não encontramos dito quais a leis que são um pressuposto normativo necessário de outras leis ou que por outras leis devam ser respeitadas. Porém, ao longo do texto constitucional encontramos aflo-ramentos relativos à relação entre dois actos legislativos incoor-denados sob o ponto de vista formal, e em que um é alçado para um plano de superioridade funcional e orgânica. Com efeito, tendo em conta as competências previstas na C.R.D.T-L para o Parlamento Nacional e Governo, podemos dizer, que dúvidas não se levantam quanto ao valor reforçado das leis que são pressuposto de outras leis, como é o caso das Leis de Bases e Leis de Autorização. Para além disso, da leitura do artigo 97 n. 2 da Lei Fundamental, ressalta a ideia que o legis-lador conferiu à Lei do Orçamento um estatuto de valor refor-çado na medida em que diz o seguinte: Não podem ser apresen-tados projectos ou propostas de lei ou de alteração que envol-vam, no ano económico em curso, aumento das despesas ou diminuição das receitas do Estado previstas nor Orçamento ou nos Orçamentos rectificativos. A RDTL consagrou aquilo a que, Gomes Canotilho classifica de princípio da precedência orçamental ou da inalterabilidade governamental do orçamento.



A propósito deste tema, vários ilustres pensadores jurídicos indicam critérios para a determinação das leis de valor reforçado. Para Gomes Canotilho (CRP anotada, 1998), estas leis são hete-rogéneas, têm um valor paramétrico (beneficiam de um pro-cesso de fiscalização judicial tendente a assegurar esse mesmo valor), servem de pressuposto material à disciplina normativa de outros actos legislativos, são hierarquicamente superiores (tem capacidade derrogatória, para além do seu valor de per si) e têm forma e especificidade procedimentais. Para este autor serão leis de valor reforçado as leis reguladoras da produção de outras leis e as leis constitutivas de limites de outras leis.



Para o Professor Marcelo Rebelo de Sousa (CRP comentada, Lex 2000 p 226 e ss), as características são quase as mesmas, embora por palavras e metodologia diferentes, pois apresentam especialidades no regime de aprovação (são aprovadas por maioria de dois terços) e são pressuposto normativo de outras leis. Como critério residual o Professor Manuel Rebelo de Sousa (ob citada), diz, ainda, que têm valor reforçado as leis que devam ser respeitadas por outras, apesar deste critério abranger características dos outros critérios.



Uma doutrina minoritária, perfilhada pelo Professor Carlos Blanco de Morais (Justiça Constitucional 2 Ed pág 151), re-conduz como critério único, aferidor das leis reforçadas, apenas ao procedimento. Vejamos de perto o que diz Gomes Canotilho (in "Direito Constitucional", 5ª Edição, Coimbra, 1991, pg. 874 e 875), onde aponta os seguintes critérios para "a delimitação material das leis com valor reforçado:



"O critério da parametricidade garantido por um processo judicial de fiscalização": - "Critério extensivo a todas as leis reforçadas", que permite "assegurar o valor paramétrico de tais leis" e "possibilitar a desaplicação ou eliminação" das que lhes são desconformes;

"O critério do fundamento material de validade normativa": "Uma lei é reforçada relativamente a outra ou outras quando estabelece um conteúdo de natureza paramétrica que deve servir de pressuposto material à disciplina normativa estabelecida por estes outros actos legislativos";



"O critério da capacidade derrogatória": "Uma lei é reforçada relativamente a outra quando pode derrogar esta sem por ela ser susceptível de ser derrogada";



"O critério da forma e especificidades procedimentais": "O critério da forma e especificidade procedimentais traduz a ideia de que uma lei é reforçada porque, nos termos constitucionais, como tal é considerada, beneficiando de forma e procedimentos especiais também constitucionalmente estabelecidos. É o que se passa com as leis orgânicas".(...)"O seu carácter reforçado serve para salientar a "reserva total" de competência da AR e a forma e o procedimento específicos do exercício desta com-petência, e, por isso, diferentemente das leis reforçadas carac-terizadas por qualquer dos outros critérios, "a relação de des-valor" resultante da "invasão" desta competência configurar-se-á como inconstitucionalidade e não como ilegalidade."



Pelo seu lado, Jorge Miranda (in "Funções, Órgãos e Actos do Estado", Lisboa, 1990, pág.286 e ss.), partindo de um critério assente numa "posição de proeminência - funcional, não hierárquica - relativamente a outros actos legislativos", posição essa que "se traduz numa específica força formal negativa: na impossibilidade de serem afectadas por leis posteriores que não sejam dotadas da mesma função, com afastamento do princípio geral lex posterior...", refere-se a leis ordinárias refor-çadas em contraposição a leis ordinárias comuns.



Daqui parte para a definição das relações de vinculação entre leis formais, separando a subordinação de carácter especial (entre certas leis ordinárias e certas outras leis) da subordinação de carácter geral (quando nenhuma lei ordinária pode colidir com certa e determinada outra lei). Entre as relações de vin-culação de carácter especial, Jorge Miranda inclui as que ocor-rem entre leis de autorização legislativa e os decretos-leis publi-cados no seu uso, entre as leis de bases gerais dos regimes jurídicos e os respectivos decretos-leis de desenvolvimento.



Assim sendo, na ausência de uma definição expressa, o assi-nalado valor reforçado há-de decorrer da conjugação de dois critérios essenciais, o da sua proeminência funcional enquanto fundamento material da validade normativa de outros actos e o da sua força formal negativa, enquanto portadora de uma especial protecção face aos efeitos derrogatórios produzidos por lei posterior. Um e outro critério deverão operar sempre em função dos enunciados linguísticos da própria Cons-tituição.



Deste modo, quer se assente o traço característico das "leis com valor reforçado" na posição de proeminência de natureza funcional traduzida numa específica força formal, ou se parta da ideia de que se está perante leis conformadoras da produção de outras leis ou constitutivas dos seus limites, tais leis, para além de certas exigências procedimentais na sua aprovação, dispõem de uma "superioridade relativa" em face de outros ac-tos legislativos, derivada do seu conteúdo que é condicionante material da normação a estabelecer pelos diplomas a publicar na sua directa dependência.

Sendo assim, a contrariedade ou desconformidade de leis ou outros actos legislativos em relação às leis reforçadas, como é a lei do Orçamento, colocar-nos-ia perante um fenómeno de leis ilegais ou, numa diversa perspectiva, de inconstitucionali-dade indirecta.



Uma vez aqui chegados podemos concluir que, não obstante o texto constitucional não falar em leis de ''valor reforçado'', o legislador constituinte criou condições de admissibilidade da existência de leis com este valor. Com efeito, não faria sentido prever a possibilidade de fiscalização da legalidade de actos legislativos e de normas sem se falar em leis de '' valor reforçado''.



Segundo os autores desta acção a alegada violação da lei de valor reforçado, que pretendem ver reconhecida, consubstan-ciar-se-ia, segundo os mesmos, no seguinte:



O legislador regimental decidiu introduzir prazos distintos para o debate orçamental. Prazos que reflectem, desde logo, um compromisso entre o interesse do Governo em aprovar o mais brevemente possível o O.G.E., a obrigação constitucional do Parlamento Nacional fiscalizar e acompanhar a actividade do executivo, o direito à participação política do cidadão através dos seus representantes democraticamente eleitos (art. 46º C.R.D.T-L) e, finalmente, o direito dos cidadãos a viver uma cidadania responsável, garantida pelo direito à informação, no caso concreto acerca do OGE (art. 40º C.R.D.T-L);



Os Deputados da oposição não puderam evitar que o Governo, interferisse no normal funcionamento do Parlamento Nacional, porque não apresentou, dentro dos limites temporais, a pro-posta de lei do O.G.E. obrigando a que os Deputados da opo-sição se vissem na contingência de consensualizar a extensão da primeira sessão legislativa, que se prolongou para além do calendário regimental normal, para evitar que a violação dos prazos pelo Governo fosse um obstáculo ao rigor do escrutínio parlamentar.



Poderá considerar-se que o Regimento do Parlamento Nacional em vigor reveste as características identificadas que permitam considerá-lo como uma "lei de valor reforçado"?



Antes de mais, cumpre apreciar a natureza jurídica do Regimento do Parlamento Nacional.



Nos termos do artigo 1 número 1 da C.R.D.T-L a ''República Democrática de Timor-Leste é um Estado de direito demo-crático, soberano, independente e unitário, baseado na vontade popular e no respeito pela dignidade da pessoa humana''.



Estado de Direito é o Estado em que, para garantia dos direitos dos cidadãos, se estabelece juridicamente a divisão do poder e em que o respeito pela legalidade se eleva a critério de acção dos governantes.



Por sua vez, o número 2 do artigo 2 da C.R.D.T-L dispõe que: '''o Estado subordina-se à Constituição e às leis'' e o número 3 refere que: As leis e os demais actos do Estado e do poder local só são válidos se forem conformes com a Constituição''.



Daqui decorre, claramente, que a Constituição constitui a lei fundamental do Estado de Direito Democrático onde se fundam as linhas reitoras do ordenamento estadual, assumindo-se como seu fundamento de validade e como limite ao exercício dos poderes por ela constituídos.



Assim, tanto os órgãos de poder, como os actos que estes produzem estão subordinados à legalidade constitucional o que traduz a afirmação do princípio da constitucionalidade dirigido aos actos jurídico-públicos.



A instituição da fiscalização judicial da constitucionalidade da leis e demais actos normativos dos órgãos do Estado constitui, nos modernos estados de Direito Democrático, um dos maiores instrumentos de controlo do cumprimento e observância das normas constitucionais.



A Constituição timorense não contém a individualização dos actos sujeitos a controlo principal da inconstitucionalidade. No artigo 126 n. 1 al. a) diz-se que: ao Supremo Tribunal de Jus-tiça compete, no domínio das questões jurídico-constitucionais, apreciar e declarar a inconstitucionalidade e ilegalidade dos actos lesgislativos e normativos dos órgãos do Estado.



Deste modo, o objecto de fiscalização judicial serão todas as normas, independentemente da sua natureza, da sua forma, da sua fonte e da sua hiererquia.



Para integrar o conceito de "norma" constante dos artigos 126 e 152 da Constituição e, claramente, para efeitos de fiscalização da constitucionalidade, não se poderá partir do conceito clás-sico e aprioristicamente fixado de norma, nomeadamente aquele a que se ligam as características de generalidade e abstracção.



Daí que, e segundo aquele entendimento, se torne necessário buscar um conceito de norma funcionalmente adequado ao sistema de fiscalização da constitucionalidade instituído na Lei Fundamental e que seja consonante com a sua justificação e sentido.



Tal sistema, contudo, não visou todo o conjunto de actividades dos poderes públicos, mas somente aquelas que têm por fim a "emissão de regras de conduta", "critérios de decisão" ou "padrões de valoração de comportamento". É, pois, nesse sen-tido que se tem entendido que o conceito funcional de "norma" se não deverá inteiramente e, desde logo, desligar de um con-ceito formal, e que se pondera que o sistema de fiscalização de constitucionalidade é um sistema que intenta controlar os actos do poder normativo público, o que inculca, antes do mais, e num significado mais corrente ou imediato da expressão "norma", a sua edição mediante a forma adequada ao exercício de um poder normativo.



Seja como for, parece-nos seguro que o "regulamento" que fixa as normas necessárias ao funcionamento e organização do Parlamento Nacional, inserido na sua competência interna de harmonia com o comando constante do artigo 95 n. 4 alínea c), da Constituição, preenche as características de uma verdadeira norma.



Na realidade, há que ponderar que no próprio Regulamento se encontram múltiplas regras reguladoras da organização e fun-cionamento do Parlamento Nacional e atribuidoras de direitos e deveres aos deputados, grupos parlamentares, membros do Governo, comissões e, até, aos cidadãos.

De outro passo, há que não deixar passar em claro que no Re-gimento do Parlamento Nacional se contêm variadíssimas nor-mas que implicam directamente com os poderes e direitos dos deputados, grupos parlamentares e partidos representados no Parlamento, poderes e direitos esses expressamente con-sagrados na Constituição.



Assim sendo, face às características estatutárias do Regimento do Parlamento Nacional e à possibilidade de as respectivas normas poderem directamente respeitar regras constitucionais expressas que visem a organização e funcionamento daquele órgão de soberania, ter-se-á de concluir que a expressão "regi-mento" não servirá, só por si, para eximir as suas normas à na-tureza de acto normativo e, como tal, passível do controlo de constitucionalidade se for caso disso.



Deverá, com efeito, ver-se nele um acto normativo específico ou sui generis (embora não um acto legislativo), expressão de autonomia normativa interna (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2.ª ed., pp. 235 e 236, e Jorge Miranda, Estudos sobre a Cons-tituição, 1.º vol., p. 294).



Uma vez concluído que o Regimento do Parlamento Nacional constitui um verdadeiro acto normativo, o problema que se coloca agora é o de saber se existirá ilegalidade da Lei 12/2008, de 5 de Agosto por violação das disposições regimentais.



Os autores alegam que não foram respeitadas as regras refe-rentes aos prazos específicos relativos ao processo de dis-cussão e aprovação do Orçamento Geral do Estado, o que conduziu a uma violação, por parte da maioria parlamentar, dos direitos de participação política, previsto nos artigos 46 e 63 da C.R.D.T-L., mas, também, o direito à oposição democrática consagrado no artigo 70 da mesma Lei.



Entendem, os deputados autores, que o Governo, usando da sua maioria parlamentar, violou todo o normativo regimental que garantia um processo legislativo de aprovação orçamental sério e transparante.



Dizem, ainda, que foram violados prazos regimentais, em particular, o prazo mínimo de 3 dias para a discussão da Lei na generalidade, bem como foi impedido o debate, uma vez que a Mesa não conferiu aos deputados da oposição o uso da palavra pelo tempo e nos termos regimentais.



Questão relevante neste momento é a de saber se existirá ilegalidade da lei 12/2008, de 5 de Agosto, por violação das disposições regimentais, ou seja, saber se o Regimento constitui uma norma de '' valor reforçado''.



A este propósito, Carlos Blanco Morais, in Justiça Constitucional 2 Ed. Pág. 151, diz que: ''importa elucidar que a inconstitucionalidade formal deriva unicamente, da conformidade da formação de um acto com as regras relativas à sua produção e revelação que encontram ínsitas na constituição.



Se o acto afrontar as regras relativas à sua formação presentes em normas ''interna corporis'', como regimentos governa-mentais ou parlamentares, não resultará desse facto qualquer inconstitucionalidade, dado que essas normas atípicas segre-gadas pela função política ''stricto sensu'' não revestem carácter imperativo, mas sim ordenador, na sua relação com as normas produzidas ao seu abrigo''.



Assim sendo, não obstante o Regimento ser um acto normativo directamente executor da constituição a sua violação não configura um caso de ilegalidade sujeito a controlo jurisdicional.



Em todo o caso, no que concerne à questão relativa ao Governo não ter apresentado dentro dos limites temporais a proposta de Orçamento rectificativo, cumpre dizer que os próprios auto-res alegam que, em face do atraso, foi decidido, por acordo de todos os grupos parlamentares, prolongar a sessão legislativa durante o período de tempo necessário a poder cumprir-se o disposto no regimento para discussão do orçamento.



Por estas razões, não se descortina aqui qualquer infracção às normas regimentais.



Quanto às demais disposições regimentais violadas: não observação do acordo estabelecido no tocante à metodologia a ser utilizada na discussão da Lei; discussão durou apenas dois dias dias e meio, quando se previra que durasse três dias; durante a discussão não foi concedida aos deputados da opo-sição a possibilidade de falarem, tendo a Mesa impedido o uso da palavra pelos mesmos; foram efectuadas votações na espe-cialidade sem precedência de debate; a mesa interpretou inde-vidamente o Regimento do Parlamento Nacional e o guião de debate, impedindo o uso da palavra aos deputados pelo número de vezes efectivamente previsto naqueles, o que os autores invocam è a ilegalidade da actuação do Presidente do Parla-mento Nacional na condução dos trabalhos de discussão e aprovação da Lei de Orçamento.



Ora, perante estas irregularidades, o que os deputados deveriam ter feito era terem recorrido das decisões do Presidente ou da Mesa para o plenário, como prescreve o artigo 62 do Regimento, e não suscitar a questão junto do Tribunal de Recurso. É certo que a situação poderá configurar uma limitação da actividade fiscalizadora da oposição, mas, insindicável por este Tribunal. Ao Tribunal, em sede de constitucionalidade, não compete a fiscalização dos outros órgãos de soberania mas apenas os seus actos legislativos e normativos.



Assim sendo, também por aqui, a pretensão dos autores não poderia obter acolhimento.



Passemos agora à segunda questão suscitada pelos requentes.



2- Conformidade do disposto nos art 1 e 2 da Lei 12/2008, de 5 Agosto face ao disposto no artigo 145 n. 2 com referência ao art. 2 n. 2 e art. 97 n. 2, todos da C.R.D.T-L. ( não discri-minação das despesas públicas).



A este respeito os requentes alegam, em resumo, que:



Foi criado ''junto'' do Ministério das Finanças um Fundo, financiado pelo Orçamento de Estado, o qual goza de autono-mia e relativamente ao qual não há discriminação de receitas ou de despesas;



Tal Fundo foi dotado com usd 240.000.000 na Lei do Orçamento, sem discriminação do fim a que se destina tal dotação orçamental permitindo a existência de um orçamento paralelo dentro do Orçamento de Estado;



Que a quantia acima referida não está devidamente discriminada e faz com que o Ministério da Finanças seja responsável pela execução de usd 332,028,000 num total de usd 788,312,000, ou seja, 42% do total do Orçamento Geral do Estado rectificado.



Cumpre conhecer.



Antes mais, afigura-se imprescindível encontrar um conceito constitucionalmente adequado de "Orçamento". No essencial, e seguindo os critérios fornecidos quer pela doutrina jurídico-constitucional quer jusfinancista, este conceito girará em torno da natureza da lei do orçamento, do âmbito do seu conteúdo normativo e das limitações atinentes à sua elaboração e aprovação.



Sousa Franco ("Finanças Públicas ..." cit., pág. 336), define Orçamento "em Finanças Públicas, como uma previsão, em regra anual, das despesas a realizar pelo Estado e dos processos de as cobrir, incorporando a autorização concedida à Adminis-tração Financeira para cobrar receitas e realizar despesas e limitando os poderes financeiros da Administração em cada ano".



Esta noção, tomada isoladamente, inculca a ideia de que o Orçamento se reconduz apenas a um quadro contabilístico, a uma contabilização previsional de receitas e encargos do Estado, dentre estes, desde logo, os decorrentes de compromis-sos anteriormente assumidos pelo Estado, seja por via legal seja por via contratual.



Por sua vez, António Lobo Xavier ("O Orçamento como lei", I Parte, in "Boletim de Ciências Económicas" da Faculdade de Direito de Coimbra, volume XXXIII, 1990, pág. 258), diz que: "as competências financeiras dos parlamentos já não são foca-das sobretudo pelo ângulo da sua feição garantistica - e já não são modelos de afirmação política - sobressaindo mais a sua vertente organizatória: os actos normativos que versam sobre os elementos essenciais dos impostos ou que exprimem a de-cisão orçamental são da competência das Câmaras, não porque assim se limita o poder Executivo a benefício da liberdade e propriedade dos cidadãos, mas porque os domínios mais relevantes para a vida do Estado democrático carecem do pronunciamento da instituição parlamentar." Pelo que o citado autor distingue dois diferentes momentos históricos quanto ao significado jurídico-político do orçamento: "então encon-traremos um "orçamento-registo-limite", no período das finan-ças clássicas, e um "orçamento-programa- intervenção", como instrumento característico da actividade financeira moderna. Do mesmo modo, havemos de destrinçar a época em que o princípio da legalidade significava auto-tributação daquela em que sobressai antes como mero aspecto da organização funcio-nal das finanças democráticas".



Ainda a este propósito pronunciou-se, também, Cardoso da Costa ("Sobre as Autorizações Legislativas da Lei do Orçamento" in "Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor J. J. Teixeira Ribeiro", III, Coimbra, 1983, pág. 415) quando afirma que "a intervenção parlamentar no processo de elaboração do orçamento não esgota o seu significado - a sua "função constitucional"- no preenchimento de um simples pressuposto "formal" da actividade financeira do Executivo, traduzido uni-camente num juízo externo ou extrínseco, e a ele limitado, que visa possibilitar a tomada das decisões substanciais nessa matéria por outro órgão de soberania. Decerto que o Parlamento se pronuncia sobre uma proposta que não parte dos seus próprios membros, mas lhe é submetida pelo Governo - e nisto vai, também se sabe, uma manifestação típica da matriz orga-nizatória básica dos Estados democráticos que é o princípio da divisão dos poderes e o sistema de checks and balances que o mesmo princípio implica.



Confrontado com essa proposta, todavia, o Parlamento é chamado a formular um juízo intrínseco sobre o respectivo mé-rito, e a co-assumir ou rejeitar as opções políticas nela contidas - de tal modo que estas se firmam com a sua decisão, e passam a exprimir aquele "concerto" entre os poderes do Estado de que já falava Montesquieu como uma necessária exigência justamente da separação destes últimos. Quer isto dizer, pois, que o Parlamento, ao votar as propostas financeiras do exe-cutivo, toma uma decisão política de indiscutível carácter ou conteúdo `material´."



Face a este quadro de análise, o citado autor conclui, pois, que "a Lei do Orçamento não assume o carácter de mera "lei de au-torização", de "aprovação", ou de "controlo", mas incorpora ou traduz-se numa decisão político-normativa verdadeiramente substancial; ao aprová-la, o Parlamento não se limita a permitir que o Governo elabore o documento orçamental, mas compar-ticipa na definição e, em último termo, fixa ele próprio as linhas fundamentais da política que através da aplicação e execução desse documento vai ser prosseguida. Em suma: muito mais do que uma simples autorização, o que a Lei do Orçamento in-corpora é a definição (parlamentar) dum quadro global, e que se pretende coerente, da política financeira, e mesmo eco-nómico-financeira, a adoptar em determinado ano." (op. cit., pág. 422-423).



Sublinhando a mesma vertente da questão, Sousa Franco ("Finanças Públicas..." cit., pág. 339) escreve que "o Orçamento é uma autorização política que visa conseguir duas ordens de efeitos:



Garantia dos direitos fundamentais: assegura-se através da disciplina orçamental que a propriedade privada só é tributada na medida em que tal seja consentido pelos representantes dos proprietários (os deputados); numa óptica menos liberal, garante-se que os rendimentos só são tributados para cobrir os gastos públicos mediante decisão dos representantes dos titulares desses rendimentos-trabalhadores, proprietários, capitalistas (que, como cidadãos, são representados pelos deputados no Parlamento);



Garantia do equilíbrio dos poderes, já que através do mecanismo da autorização política, a cargo das Assembleias Parlamentares, a estas atribui um importante papel financeiro''.



Analisando a mesma temática, Marcelo Rebelo de Sousa ("10 Questões sobre a Constituição, o Orçamento e o Plano" in "Nos Dez Anos da Constituição", Lisboa, 1986, pág. 121-122) escreve que "na regulamentação constitucional do Orçamento e na sua aplicação no plano da legislação ordinária encontramos em plenitude a dimensão de uma Constituição dirigente, pela integração constitucional da função política do Estado e pela projecção do chamado programa constitucional do Go-verno.(...) O Orçamento corresponde a um mini-programa finan-ceiro parlamentar de Governo anual (...), é um dos instru-mentos mais importantes da política económica em geral (...), nele é patente a confluência entre a função legislativa e a dimen-são do político (...) e é esse acentuado coeficiente político que é in-vocado pela doutrina para justificar o regime excepcional do Orçamento, relativamente a realidades de natureza que ultra-passam a mera matéria orçamental, como por exemplo as auto-rizações legislativas nele contidas."



Em face das posições doutrinárias acabadas de referir e feitas a propósito de um texto constitucional muito próximo da Cons-tituição de Timor-Leste, poderemos, pois, dizer que, no sistema constitucional vigente a Lei do Orçamento constitui uma lei material especial, não confinada no seu conteúdo ao mero quadro contabilístico de receitas e despesas, aprovada ao abri-go da competência política e legislativa do Parlamento Nacional, definida, assim, como elemento integrante da reserva de Parla-mento e sujeita a reserva absoluta de lei formal, emitida no quadro da participação do Parlamento no exercício da função de direcção política estadual, que plasma no seu conteúdo um programa económico-financeiro anual, desfrutando o Parla-mento de uma assinalável amplitude de poderes de apreciação (artigo 145 da C.R.D.T-L.).



Deste modo, a lei do Orçamento não tem um mero carácter financeiro-contabilístico (cingido simplesmente à previsão e à programação das receitas e despesas do Estado) mas, constitui, um instrumento fundamental e determinante da definição integrada de toda a política económico-financeira para certo ano económico.



Dispõe o artigo 145 n. 1 da C.R.D.T-L que o Orçamento geral do Estado é elaborado pelo Governo e aprovado pelo Parlamen-to Nacional.



O N. 2 do mesmo preceito diz que: a lei do Orçamento deve prever, com base na eficiência e na eficácia, a discriminação das receitas e discriminação das despesas, bem como evitar a existência de dotações ou fundos secretos.



Sobre esta matéria diz Sousa Franco, in Finanças Públicas e Direito Financeiro, 1995, pág. 353:



A regra da especificação diz-nos que no Orçamento se deve especificar ou individualizar suficientemente cada receita e cada despesa.



A regra da especificação encontra a seu fundamento numa necessidade de clareza e nos próprios objectivos da instituição orçamental, que seriam defraudados sem esta exigência.



Ainda sobre esta regra diz Teixeira Ribeiro, in Lições de Finanças Públicas, 5 ed. P 60 que:'' No entanto, se as receitas e as des-pesas fossem previstas em globo e não discriminadamente, o orçamento não nos indicaria as diversas fontes donde o Estado vai tirar os seus recursos nem os diversos gastos que cada serviço público há-de realizar. Que dizer: não teríamos, verdadei-ramente, uma exposição do plano financeiro''.

Da leitura do artigo 145 conclui-se que, em Timor-Leste, a constituição expressamente impõe a exigência de especificação quanto às despesas por forma a evitar-se a criação de fundos secretos.



Segundos os deputados, esta regra teria sido infringida, uma vez que a possibilidade de o Governo dispor de 240 milhões de usd sem a respectiva justificação, poria em causa a discri-minação das despesas orçamentadas.



Com a aprovação do Orçamento do Estado, o Parlamento na-cional autoriza a realização de despesas nele previstas e, por outro lado, abre créditos em ordem à efectuação de tais des-pesas.



Por via desta aprovação coloca-se à disposição dos diversos departamentos estaduais os ''plafonds'' de créditos distri-buídos. Não ficam eles, porém, e em absoluto, com a faculdade de livre disposição dos créditos abertos, desde logo porque na sua utilização, esses mesmos departamentos ficam obrigados a respeitar certas regras. Ou, como diz Teixeira Ribeiro: as Verbas nele inscritas [orçamento das despesas] correspondem às importâncias que se prevê que os serviços precisam de gastar.



Estatui o artigo 95 n. 2 al. q) da C.R.D.T-L que, compete ao Parlamento Nacional legislar sobre o Regime Orçamental.



Por sua vez, o artigo 115 al. d) diz que, compete ao Governo preparar o Plano e o Orçamento Geral do Estado e executá-los depois de aprovados pelo Parlamento Nacional.



Compete, pois, ao Parlamento aprovar o documento onde são previstas e computadas as receitas e as despesas anuais, com-petentemente autorizadas e ao executivo não só apresentar a respectiva proposta, mas, ainda, fazer executar o Orçamento aprovado.



Assim, a decisão Orçamental compete ao Parlamento Nacional e ao Governo compete dar-lhe execução.



Deste princípio essencial decorrem várias ilações, as mais importantes das quais são as seguintes:



O Orçamento aprovado pelo Parlamento Nacional não pode deixar de preencher os requisitos mínimos em termos de espe-cificação de receitas e despesas;



O Parlamento Nacional não pode autorizar o Governo a alterar o Orçamento.



Este principio constitucional da repartição de competências orçamentais entre o Parlamento e o Governo traduz-se neces-sariamente em conferir ao Parlamento a competência para decidir das opções politicamente significativas em matéria orçamental: volume das receitas e despesas globais, opções em matéria de despesas, distribuindo, de acordo com determinados critérios políticos, as dotações de cada rubrica. O Parlamento não pode delegar no Governo a sua competência nesses pontos como não pode renunciar ao exercício dessa competência, deixando ao Governo poderes mais ou menos discricionários.



Ora, sendo o Orçamento aprovado por lei do Parlamento Nacional, sem a especificação das despesas, faz com que o Governo, que é quem tem competência para o executar, possa alterá-lo como lhe aprouver. A este respeito ensina Teixeira Ribeiro in Lições de Finanças Públicas: Ora, ao aprovar o Orça-mento, a Assembleia fixou o montante não só das despesas to-tal como das despesas de cada capítulo e de cada função e subfunção. Daí que, em princípio, seja vedado ao Governo transferir verbas de capítulo para capítulo e de função ou sub-função para subfunção, bem como cobrir créditos, que se tra-duzam em aumento da despesa total do Orçamento ou da des-pesa de qualquer capítulo e de qualquer função ou subfunção''.



Por sua vez, Sousa Franco, in Estudos Sobre a Constituição Financeira de 1976-1982, n. 510, diz que: O Orçamento pode ser alterado, desde que seja respeitada a forma inicial: iniciativa legislativa do Governo (devido à sua competência exclusiva e indelegável neste domínio) e alteração por lei de revisão.



Deste modo, uma vez aprovado o Orçamento o Governo fica vinculado pelos próprios níveis inferiores de especificação daquele documento, no que concerne às classificações or-gânica, capítulos e funcional.



Uma vez aqui chegados, impõe-se, agora, tendo em conta o quadro constitucional cujos traços essenciais acima delinea-mos, saber se a a criação da rubrica - Fundo de Estabilização Económica - art. 1 n. 3 da Lei 12/2008, viola as normas constitu-cionais relativos aos princípios da discriminação das despesas, previstos no art. 145 n. 2 da C.R.D.T-L e se, o Parlamento Nacio-nal, ao instituir aquela figura e dotando-a com o montante em causa, recuou no exercício pleno da sua competência própria e exclusiva, e se, delegou indevidamente no Governo poderes orçamentais que só a ele cabiam.



Ora, o Parlamento Nacional ao alocar, no mapa das despesas, o montante em causa, ao Ministério das Finanças, sem que o mapa das despesas orçamentais exprima uma verdadeira alocação de receitas por várias despesas, faz com que tenha deixado na mãos do Governo, mais precisamente no Ministério das Finanças, uma competência para decidir numa área extensa do orçamento das despesas.



A relação das despesas previstas nos mapas aprovados pelo Parlamento, pode ser significativamente alterada pelo Governo. E não se argumente que essa possibilidade não existe, em vir-tude do Fundo de Estabilização Económica estar previsto no DL 22/08 de 16 de Julho e os seus objectivos aí definidos, na medida em que o seu texto tem um carácter vago e indeter-minado. Na verdade, não se consegue concretizar a que despe-sas estão alocadas os montantes em causa. Para dar concretiza-ção ao constante no citado diploma e tendo em conta o valor inscrito no mapa das despesas, deveria o Governo, na sua pro-posta, ter densificado os valores relativos a cada um dos itens previstos no artigo 2 do DL supra citado.



A não ser assim, não sabemos a que objectivos do fundo e que montantes pretende o Governo alocar a cada item, ou seja: ao item assegurar o abastecimento de bens e segurança alimentar; ao item estabilizar os preços através da intervenção no mercado ou; ao item abastecimento de materiais de construção civil.



Com esta rubrica, sobretudo tendo em conta o valor inscrito no mapa das despesas e o montante global do Orçamento Geral do Estado, faz com que a competência constitucional-mente reservada ao Parlamento Nacional em matéria orçamental seja invadida a favor do Governo; ou seja, para além da tarefa de executar o Orçamento, o Governo adquire uma competência, ao nível de decidir o Orçamento das despesas, passando a intervir, também na concretização de uma dimensão do próprio plano orçamental.



Contra esta conclusão não poderá argumentar-se com o facto de ser o próprio Parlamento Nacional a aprovar a rubrica em causa e respetiva dotação orçamental. Como não se poderá, ainda, dizer que na execução do Orçamento terá de estar envol-vida necessariamente uma certa área de discricionariedade.



Conforme já dissemos, o Orçamento das despesas tem como primeira função o limite da despesa por cada rubrica, não im-plicando, porém, uma verdadeira obrigação de despesa a menos que isso decorra de lei ou de contrato. Com efeito, o Governo pode, por isso, fazer poupanças não esgotando os créditos orçamentados. O que não pode é alterar as próprias dotações orçamentais.



Assim, ao conferir ao Governo a alocação em causa o Parla-mento Nacional conferiu-lhe um '' cheque em branco'' no valor de duzentos e quarenta milhões de dólares norte-americanos, deixando ao executivo um poder discricionário numa área exten-sa relativa ao Orçamento das despesas.



Trata-se, pois, de um poder que o Governo não pode ter e que o Parlamento Nacional não pode conferir ao Governo.



Ora, a faculdade conferida ao executivo se, por um lado, poderá ser entendida como uma maior racionalidade de gestão, por outro, conduz a grandes dificuldades de concretização prática de controlo político-administrativo, bem como dificuldades para o planeamento global.



Assim, a discriminação das despesas exigida pela Constituição tem, pois, como fundamentos a veracidade, a exactidão, a trans-parência, o rigor, a liberdade e a precisão da autorização política e da correspondente vinculação administrativa.



Conforme salientou a Comissão de Economia Finanças e Anti-Corrupção, pode dizer-se que a alocação de verbas do Orça-mento de Estado para este fundo, '' implica um exercício de desorçamentação ( um '' cheque em branco'''), porque o Parla-mento concede ao Governo a possibilidade de dispender estas verbas da forma que entender como adequada, não mantém qualquer controle sobre eventuais receitas, ou seja demite o Parlamento de exercer as funções que lhe estão constitucional-mente atribuídas''.



Por conseguinte, há que concluir pela violação da regra cons-titucional da especificação das despesas, decorrente do n. 2 do artigo 145 da Constituição.



Verifica-se, ainda, uma infracção das normas constitucionais que definem a competência orçamental do Parlamento e do Go-verno, constantes nos artigos 95 n. 2 al. q) e 115 al. d) da Cons-tituição.



Analisemos, agora, a terceira questão suscitada pelos re-quentes.

3- Ao concentrar mais de 50% do orçamento nas dotações sob a responsabilidade do Primeiro Ministro e do Minis-tério das Finanças, ficando o Governo com 97% de toda a dotação orçamental, a Lei compromete o princípio da se-paração dos poderes?



A Lei de Revisão Orçamental não dota os demais órgãos do Estado de orçamento que lhes permita o exercício pleno das suas competências?



A este propósito alegam, em resumo, os requerentes que como está feita a distribuição dos montantes pelos diferentes órgãos de soberania não assegura o equilibrio e o balanço entre os poderes executivo, legislativo e judicial, ne medida em que não assegura, em particular à Presidência da República e aos tribu-nais as condições financeiras para o seu desenvolvimento institucional.



Que o orçamento em causa, compromete a separação e a interdependência dos poderes, dado que não permite a realiza-ção dos respectivos programas e actividades, nem o desempe-nho das suas funções constitucionais.



Vejamos se assim é.



O princípio da separação de poderes está plasmado no artigo 69 da Constituição que diz o seguinte: Os órgãos de soberania, nas sua relações recíprocas e no exercício das suas funções observam o princípio da separação e interdependência dos poderes estabelecidos na constituição.



A constituição timorense consagrou o princípio da separação dos órgãos de soberania como um princípio estruturante do Estado de Direito o qual traduz uma repartição das funções legislativas, executivas e jurisdicionais atribuindo-as a dife-rentes órgãos, ou seja, o Parlamento Nacional é o órgão ade-quado a legislar, o Governo para executar e administrar e os tri-bunais para exercerem as funções jurisdicionais.



Haverá violação do princípio da separação de poderes sempre que um órgão de soberania se atribua, fora dos casos em que a constituição expressamente o permite ou impõe, competência para o exercício de funções que essencialmente são conferidas a outro e diferente órgão.



Tendo em conta a classificação orgânica e funcional da Lei do Orçamento Rectificativo, poderá haver quem entenda, como será o caso dos autores, que, no plano moral ou político, a de-cisão do legislador de favorecer o Governo em detrimento de outros órgãos de soberania do Estado em função dos mon-tantes alocados é censurável, mas já assim o não será no plano jurídico-constitucional, onde a Constituição reconhece ao le-gislador uma larga margem de manobra na densificação nor-mativa dos princípios aplicáveis.



Deve levar-se em conta que a Constituição não contém ne-nhuma imposição no que toca aos montantes devidos para ca-da órgão ou função do Estado ou ao seu modo de cálculo. O artigo 145 n. 2, da Lei Fundamental estabelece que "A Lei do Orçamento deve prever, com base eficiência e na base eficácia a discriminação das receitas e das despesas ...''. A Constituição não contém, assim, nenhuma imposição constitucional ao legislador ordinário, quanto à repartição dos recursos públicos pelos diversos órgãos do Estado. Embora a Constituição não diga como é calculada essa distribuição, há-de entender-se que ela não pode ser reduzida a um montante tal que impeça a eficiência e eficácia na repartição dos recursos públicos e que comprometa o núcleo essencial da funções de cada órgão de Soberania do Estado. Mas não pode falar-se de um montante certo garantido constitucionalmente, em cada ano económico, para cada órgão ou função.



Cumpre dizer, também, que o tal princípio constitucional da eficiência e da eficácia relativo às receitas e às despesas de-pende, em grande parte, da densificação deixada a cargo do legislador, a quem cabe definir os critérios da repartição das re-ceitas e despesas. Sendo assim, a função do Tribunal de Re-curso, em sede de competência constitucional, será, acima de tudo, uma função de "controlo dos limites" da acção do legislador. Dito de outro modo: não cabe a este Tribunal apurar se a forma como é feita a distribuição das receitas é a mais ade-quada para garantir a repartição dos recursos públicos por entre os vários órgãos do Estado, pois que tais opções resultam exclusivamente do foro das opções políticas e assistem livre-mente ao legislador legitimado pelo sufrágio popular.



Do exposto, resulta que a Constituição deixou à legislação ordinária uma ampla margem de manobra na densificação nor-mativa do conteúdo dos critérios que presidirão à sua deter-minação e do tipo de variação do montante deles decorrente.



Inexistindo qualquer imposição constitucional quanto ao concreto montante do Orçamento Geral do Estado para órgão ou função do Estado em cada ano económico, não se vislumbra que os valores em causa violem os princípios constitucionais aludidos pelos Deputados autores.



A constituição, no dizer de Gomes Canotilho (Direito Cons-titucional pág. 1160), constitui a ''supreme law of the land'', constitui e limita o poder político estatal, que, desta forma, não é um poder incondicionado mas um poder constitucionalmente conformado''. Mais à frente, o mesmo autor, refere que: o contro-lo judicial em relação às decisões de órgãos politicamente res-ponsáveis só é admissível (e possível) quando o texto, o ele-mento genético da interpretação (''vontade dos pais funda-dores'') e a delimitação constitucional de competência permitam deduzir uma '' regra'' clara que sirva de parâmetro seguro ao juízo de constitucionalidade.''



O que violaria o princípio da separação de poderes seria permitir ao Tribunal de Recurso imiscuir-se na livre fixação dos mon-tantes orçamentais a distribuir em função do Orçamento de Estado. As opções políticas são sindicáveis em sede propria, isto é, pela soberania popular.



Deste modo, nega-se, nesta parte, acolhimento à pretensão dos requentes.



Vejamos a última questão colocada pelos requerentes.



4- Conformidade da Lei 12/2008, de 5 de Agosto com o dis-posto no artigo 139 da C.R.D.T-L. e 1, 7, 8, 9 e 10 da Lei 9/2005, de 3 de Agosto (financiamento do orçamento através do Fundo de Petrolífero)

Sobre este ponto dizem, em síntese, os requerentes o seguinte:



O Orçamento geral do Estado é financiado em 88%, pelo Fundo Petrolífero;



Que o Governo pretende transferir usd 686,800,000, ultrapassan-do o Redimento Sustentável Estimado em usd 290,700,000;



Que o financiamento do Orçamento geral do Estado só é legal e constitucional até ao montante máximo de usd 396,100,000;



A Constituição determina a criação de reservas financeiras obrigatórias para assegurar o desenvolvimento sustentável do país que só podem ser mexidas em circunstâncias muito excep-cionais;



Que nos termos da Lei o Governo deve demonstrar ao Parla-mento Nacional que a transferência do montante superior ao Rendimento Sustentável Estimado não só não prejudica as gerações vindouras, como é do interesse a longo prazo para Timor-Leste;



Concluem, dizendo que o Governo não demonstrou que o valor em excesso, no montante de usd 290,700,000, beneficia o país a longo prazo, violando, deste modo, os artigos 1, 2 e 139 da C.R.D.T-L, bem como a al. d) da Lei n. 9/2005, de 3 de Agosto.



Cumpre decidir.



Vejamos o que dizem as disposições legais em causa.



Artigo 139 da C.R.D.T-L.



1- Os recursos do solo, do subsolo, das águas territoriais, da plataforma continental e da zona económica exclusiva, que são vitais para a economia, são propriedade do Estado e devem ser utilizados de uma forma justa e igualitária, de acordo o interesse nacional.



2- As condições de aproveitamento dos recursos naturais referidas no número anterior devem servir para a constitui-ção de reservas financeiras obrigatórias, nos termos da lei.



3- O aproveitamento dos recursos naturais deve manter o equilíbrio ecológico e evitar a destruição de ecossistemas.



Artigo 4 da Lei 4/2005, de 3 de Agosto



Para efeitos da presente lei, em caso de conflito entre o disposto na presente Lei e o disposto na Lei de Timor-Leste sobre o or-çamento e gestão financeira, ou entre o disposto na presente Lei e o clausulado de uma Autorização Petrolífera, as disposi-ções da persente Lei prevalecerão.



Artigo (transferências)



1- Sem prejuízo do disposto no n. 3 do artigo 6, os únicos dé-bitos autorizados ao Fundo Petrolífero são transferências electrónicas efectuadas nos termos do presente artigo, bem como dos artigos 8 a 10, para crédito de uma conta única do Orçamento do Estado.



2- O montante total das transferências do Fundo Petrolífero para cada Ano Fiscal não excederá o montante da dotação aprovada pelo Parlamento para esse Ano Fiscal.



3- Sem prejuízo dos disposto nos artigos 8 a 10, as transferên-cias do Fundo Petrolífero pelo Banco Central, no Ano Fiscal, só poderão ter lugar após publicação da lei do orça-mento, ou quaisquer alterações à mesma, no Jornal da Re-pública, confirmando o montante da dotação aprovada pelo Parlamento para esse Ano Fiscal.



Artigo 9 (transferências excedendo o Rendimento Sustentável Estimado)



Não será efectuada nenhuma transferência do Fundo Petrolí-fero que exceda o Rendimento Sustentável Estimado para cada Ano Fiscal sem que o Governo tenha apresentado ao Parla-mento:



a) os relatórios a que se referem as alíneas a) e b) do artigo anterior;



b) um relatório com a estimativa do montante pelo qual o Ren-dimento Sustentável Estimado de anos fiscais subsequen-tes ao Ano Fiscal para o qual a transferência é feita será re-duzido como resultado da transferência do Fundo Petro-lífero de um montante superior ao Rendimento Sustentável Estimado do Ano Fiscal para o qual a transferência é feita;



c) um relatório do Auditor Independente certificando as estimativas da redução do Rendimento Sustentável Esti-mado a que se refere a alínea b) do presente artigo; e



d) explicação detalhada sobre os motivos que levam a consi-derar como sendo no interesse de Timor-Leste a longo pra-zo que se efectue a transferência em montante superior ao Rendimento Sustentável Estimado.



O artigo 4 da Lei 10/2007 de 31 de Dezembro (lei do Orçamento) tinha a seguinte redacção:



Nos termos e para os efeitos do disposto no art. 7 da Lei 9/2005, de 3 de Agosto, o montante das transferências do Fundo Petrolífero para 2008 não excede 294 milhões de dólares norte-americanos e só se efectua após cumprimento dos disposto nos artigos 8 e 9 da supracitada lei.



Conforme já vimos supra, a propósito da primeira questão suscitada pelos requerentes, o sistema de fiscalização da legitimidade das normas compreende, também, o controlo da legalidade das leis.



Como já dissemos, também, a ilegalidade é uma relação de des-valor destinada a sancionar os actos legislativos que violarem leis em relação às quais a Constituição determina uma inter-posição de respeito.



Deste modo, a questão que se coloca, neste momento, é a de saber qual a relação entre a Lei do Fundo Petrolífero e a Lei do Orçamento Rectificativo, ou seja, se existe uma relação de vin-culação entre a segunda em relação à primeira, ou se, pelo con-trário, sendo a Lei do Orçamento Rectificativo uma lei ordinária de igual valor formal pode contrariar e prevalecer por ser lei posterior.

Segundo Gomes Canotilho a Lei do Orçamento é hoje consi-derada uma lei material e não meramente formal, nada impe-dindo, em princípio, que ela altere ou revogue leis materiais existentes. Apenas incorrerá em ilegalidade se a lei alterada ou revogada for lei ''reforçada'' - Prof Gomes Canotilho ''A lei do Orçamento na teoria da lei, Estudos em Homenagem ao Prof. Teixeira Ribeiro ''Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra II, pág. 558.



Para que se possa falar em ilegalidade da Lei de Orçamento Rectificativo por não observância das regras constantes da Lei do Fundo Petrolífero, teremos de concluir que esta Lei foi erigida a padrão de controlo de legalidade de outras leis que a desrespeitem, tendo, por isso, uma estatuto padronizador.



Tendo em conta o teor da Lei do Fundo Petrolífero verifica-se que a mesma é geradora de obrigações de natureza financeira impostas ao Estado e vinculativas do Orçamento de Estado, e como lei concretizadora do princípio constitucional relativo à utilização dos Recursos naturais, consagrado no artigo 139 n 2 da Constituição, parece decorrer a possibilidade da sua qualificação como lei ordinária de vinculação especifica.



Em reforço desta ideia veja-se o que diz o preâmbulo da Lei:"A presente lei estabelece um Fundo Petrolífero, que visa cumprir o preceituado no art. 139 º da Constituição da República. Nos termos desta disposição, os recursos petrolíferos são pro-priedade do Estado, serão usados de uma forma justa e iguali-tária, de acordo com o interesse nacional, e os rendimentos de-le derivados devem servir para a constituição de reservas financeiras obrigatórias.



....O Fundo Petrolífero deverá ser integrado de forma coerente no Orçamento do Estado, representando correctamente o desenvolvimento das finanças públicas. Será gerido de forma prudente e operará de um modo aberto e transparente, no quadro constitucional."



A ser assim, o disposto no artigo 4 da Lei do Orçamento Rec-tificativo poderá configurar ilegalidade com fundamento em violação de lei com valor reforçado, na medida em que modifica o montante do Rendimento Sustentável Estimado a ser trans-ferido para o Orçamento Geral do Estado no presente ano fiscal alterando e neutralizando, nesta parte, as normas da Lei do Fundo Petrolífero.



Embora a Constituição não reconheça a natureza de leis com ''valor reforçado'', a redacção dos artigos 95 n. 2 al. l) e m), 96 n. 2, 97 n. 2, 126 n. 1 al. a), apontam para que um tal valor refor-çado possa ser reconhecido a outros actos legislativos que violem essas outras leis. Veja-se o caso da Lei do Orçamento cujo valor reforçado vem reconhecido expressamente no artigo 97 n. 2 da Lei Fundamental.



Jorge Miranda (Funções, Órgãos e Actos pág. 278) a propósito da leis ordinárias reforçadas refere que: às mesmas se liga uma posição de proeminência de natureza funcional, que não de natureza hierárquica que se traduz numa específica força formal negativa: essas leis não podem ser afectadas por leis posteriores que não tenham precisamente a mesma função, não procedendo, pois, em tais casos o princípio ''lex posterior lex anterior derrogat''.

Tais relações de subordinação ou de vinculação entre leis for-mais podem assentar numa situação de heterovinculação, quan-do as leis provêm de órgãos diferentes, ou de autovinculação, quando provêm do mesmo órgão''.



Neste quadro, poderá a Lei do Fundo Petrolífero, para o efeito aqui em vista - confronto com a Lei do Orçamento Rectificativo- ser tida como uma ''lei de valor reforçado''.



Na ausência de uma definição expressa, conforme já vimos, o valor reforçado há-de decorrer da conjugação de dois critérios essenciais, o da proeminência funcional enquanto fundamento material de validade normativa de outros actos e o da sua força formal negativa, enquanto portadora de uma especial protecção face aos efeitos derrogatórios produzidos por lei posterior.



Em todo caso, estes critérios terão que ter em conta os enun-ciados linguísticos da própria Constituição. O artigo 139 n.2 não constitui um elemento suficiente para se poder concluir que, no sistema constitucional, a Lei do Fundo Petrolífero, beneficia de um valor reforçado. Com efeito, a previsão de que a constituição de reservas financeiras obrigatórias deverá ser feita nos termos da lei, a constituição contém essa referência em vários outros preceitos.



Deste modo, do enunciado linguístico não decorre que a Lei do Fundo Petrolífero seja fundamento material de validade de qualquer outra lei, ou que beneficie de uma especial capacidade derrogatória ou de protecção face à sua derrogação por lei posterior. Contudo, mesmo sem qualquer indicação especifica na letra de Constituição, fazendo uma interpretação teleológica, entendemos que a Lei do Fundo Petrolífero é uma lei ''cons-titucionalmente necessária'' no sentido em que a ela cabe definir um quadro legal sobre a utilização dos recursos naturais em virtude da especial função que lhe é atribuída pela Constituição e da importância que representa para o país em termos actuais e futuros.



É certo, também, que a constituição não postula nenhum sis-tema de autovinculação do Parlamento ao regime jurídico de utilização dos recursos naturais mas, em todo o caso podemos falar de uma autovincualação do Parlamento resultante da pró-pria lei ordinária, autovinculação essa, que teve em vista criar um modelo de garantia relativamente à justa utilização das riquezas naturais.



Com efeito, do texto da Lei do Fundo Petrolífero - artigo 4- re-sulta clara a ideia de que o Parlamento Nacional consagrou uma autovinculação no que diz respeito às relações entre esta lei e a lei do Orçamento.



Assim sendo, não restam dúvidas que a Lei do Fundo Petrolífero tem a natureza de lei com ''valor reforçado'' .



Dos estudos citados pelos ilustres deputados, bem como da conjugação com o revogado artigo 4 da Lei 10/2007, de 31 de Dezembro e a Lei 12/2007, de 5 de Agosto, resulta claro que o montante das transferências do fundo petrolífero para o ano de 2008 é superior ao montante do Redimento Sustentável Es-timado para este ano. Na verdade, do parecer do Conselho Consultivo do Fundo Petrolífero, do relatório da Delloite Touche Tomatsu e do parecer da Comissão de Economia, Finanças e Anti-corrupção, juntos aos autos, o cálculo do Rendimento Sustentável do Ano de 2008, é de usd 396.1 milhões enquanto que o montante a transferir é de 686.8 milhões de dólares norte-americanos.



Resta agora saber se foram cumpridoss os requisitos obrigató-rios e de verificação cumulativa previstos nos artigos 8 e 9 da Lei do Fundo Petrolífero e, em caso negativo, qual a conse-quência.



Da leitura de referida lei e em conjugação com o artigo 139 da Constituição, verificamos, como consta do Relatório e Parecer da Comissão de Economia, Finanças e Anti-corrupção, junto aos autos, que o seu objectivo principal prende-se com a gestão sensata dos recursos petrolíferos de forma a que as gerações actuais e vindouras beneficiem destes recursos a longo prazo.



Quer o legislador constituinte, quer o legislador ordinário tive-ram um cuidado na utilização dos recursos naturais de Timor-Leste, na medida em que revelam uma preocupação, não só com o presente, mas, também, com a qualidade de vida das gerações futuras. Deste modo, os recursos naturais de Timor-Leste, em particular os petrolíferos, devem ser utilizados por forma a garantir um desenvolvimento sustentável onde seja garantido um crescimento económico amigo do ambiente e das pessoas, onde sejam incrementados factores de coesão social e equidade baseados na solidariedade entre gerações. A utilização dos Recursos Naturais só beneficiará as gerações actuais e vindouras na medida em que forem incrementadas medidas que garantam um equilíbrio entre a economia, a sociedade e a natureza.



Ora, atento o facto da Lei 12/2008, de 5 de Agosto, que deu no-va redacção ao art. 4 da Lei 10/2007, de 31 de Dezembro alteran-do, não só o valor das transferências do Fundo Petrolífero pa-ra montante superior ao Rendimento Sustentável Estimado para o corrente Ano Fiscal, permitindo, também, que essas transferências sejam feitas sem a observância dos requisitos previstos nos artigos 8 e 9 da Lei do Fundo Petrolífero e consi-derando, ainda, o '' valor reforçado'' da referida Lei, faz com que a lei 12/2008 padeça de vício de ilegalidade, na parte em que determina que as transferências do fundo petrolífero sejam su-periores ao Rendimento Sustentável Estimado.



Para além disso, do Relatório e Parecer da Comissão de Econo-mia e Finanças, junto aos autos, consta que o Governo, aquan-do da apresentação da proposta de lei de alteração ao Orçamen-to Geral do Estado, não apresentou os requisitos constantes da alínea d) do art. 9 da Lei9/2005, isto é, a explicação detalhada no interesse de Timor-Leste a longo prazo. Dos autos não consta, também, nem o órgão autor da norma veio juntar a explicação detalhada sobre os motivos que levam a considerar como sendo no interesse de Timor-Leste a longo prazo que se efectue a transferência em montante superior ao Rendimento Sustentável Estimado.



O Parlamento Nacional ao aprovar a norma em causa, nos termos em que o fez não respeitou aquilo a que se autovinculou, na medida em que não foram respeitados os comandos normativos impostos pela Lei do Fundo.



Por conseguinte, será de concluir pela ilegalidade da norma do 3 do artigo 1 da Lei 12/2008, de 5 de Agosto, na parte em que determina o montante das transferências do Fundo Petrolífero para 2008, em valor superior a 396,100,000 (trezentos milhões e cem mil dólares norte-americanos).



5-Efeitos da declaração de inconstitucionalidade e ilegalidade com força obrigatória geral



Uma vez aqui chegados cumpre saber quais os feitos da decla-ração da inconstitucionalidade e ilegalidade acima referidas.



No texto da Constituição não encontramos nenhuma norma a regular os efeitos de declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral nem da ilegalidade dos actos legislativos.



A declaração da inconstitucionalidade com força obrigatória geral significa, antes de mais, a vinculação do próprio legisla-dor à decisão do Tribunal de Recurso, ou seja, não pode reeditar normas julgadas inconstitucionais ou neutralizar ou contrariar a declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade.



Para além disso, as decisões do Tribunal de Recurso que decla-ram, de forma abstracta, a inconstitucionalidade ou a ilegalidade, têm força obrigatória geral na medida em que vinculam todos os órgãos constitucionais, todos os tribunais e todas as autori-dades administrativas.



A declaração, com força obrigatória geral, da inconstituciona-lidade de uma norma implica a invalidação da mesma norma fa-zendo com que desapareça do ordenamento jurídico, ou seja, os seus efeitos remontam à data do início da sua vigência (art. 153 da C.R.D.T-L.)



Assim, em regra, a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional e com ela pretende-se realizar, também, uma ideia de justiça. Porém, conforme refere Oliveira Ascensão, (O Direito - Introdução e Teoria Geral p. 166)'' se se prosseguir cegamente a justiça, sem atender à se-gurança, a instabilidade da vida social anulará as vantagens teoricamente obtidas''.



Assim, haverá que conjugar o valor da justiça com o da seguran-ça jurídica, pelo que, em certos casos, será aconselhável limitar os efeitos da declaração da inconstitucionalidade.



Essa limitação, terá de ser encarada como um meio de atenuar os riscos da incerteza e da insegurança, que uma declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, sobre-tudo num caso como este, acarreta.



Deste modo, tendo em conta os ensinamentos de Guilherme Moreira, Instituições de Direito Civil Vol I p 70 quando diz: '' a Confiança nas leis existentes, a certeza de que produzirão os devidos efeitos os factos realizados em harmonia com as suas prescrições, o respeito pelos interesses criados sob a garantia da lei, constituem a verdadeira base da autoridade e da força obrigatória das leis e, por meio delas, da ordem social'', entende-mos ser de limitar os efeitos da decisão.



Na verdade, não podemos deixar de ter em conta que, as normas cuja inconstitucionalidade e ilegalidade vai ser declarada, com força obrigatória geral, por este Tribunal, têm directa incidência financeira ou orçamental, pelo que, atentas as apontadas razões de certeza e segurança jurídica, é de toda a prudência que se proceda a uma limitação dos efeitos de tal declaração, com vista a evitar que, operações financeiras e orçamentais, en-tretanto levadas a cabo ao abrigo das normas em causa, ve-nham, subitamente, a deixar de ter cobertura legal.



Em face do exposto, decide-se em limitar os efeitos da declara-ção de inconstitucionalidade e de ilegalidade, por forma a salva-guardar os actos de natureza financeira ou orçamental, prati-cados até à data da comunicação do presente acórdão ao Parla-mento Nacional.



DECISÃO



Pelos motivos expostos, decide-se:



a) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória ge-ral, da seguinte norma:



Norma da al. o) do n. 3 do artigo 1 da Lei n. 12/2008, de 5 de Agosto, na parte que aloca ao Fundo de Estabilização Econó-mica a quantia de 240 milhões de dólares norte-americanos.



b) Declarar a ilegalidade, com força obrigatória geral, da se-guinte norma:



Norma do 3 do artigo 1 da Lei 12/2008, de 5 de Agosto, na parte em que determina o montante das transferências do Fundo Petrolífero para 2008, em valor superior a 396,100,000 (trezentos milhões e cem mil dólares norte-americanos);



c) Não declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das demais normas referidas no pedido dos deputados;



d) Não declarar a ilegalidade, com força obrigatória geral, das demais normas referidas no pedido dos deputados;



e) Limitar os efeitos da declaração de inconstitucionalidade e de ilegalidade, por forma a salvaguardar os actos de natu-reza financeira ou orçamental, praticados até à data da pu-blicação deste acórdão.



Publique-se no Jornal Oficial - art. 153 da C.R.D.T-L.e art. 5 n. 2 al. k) da Lei 1/2002, de 7 de Agosto.



Dili, 27 de Outubro de 2008



Os Juízes do Tribunal de Recurso





Ivo Nelson de Caires Batista Rosa



(relator)





Cláudio Ximenes





José Luís da Goia