REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DE TIMOR-LESTE

                                                                                                                                  

                              REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DE TIMOR-LESTE

                                                                                                Lei do Parlamento

                                                                                                         10/2011





O Código Civil tem uma importância fundamental no ordenamento jurídico de qualquer país de matriz civilista; não é apenas uma compilação de diplomas legais, antes um conjunto ordenado que obedece a uma selecção sistematizada de matérias que regulam as relações jurídicas entre entes jurídicos privados, sejam eles pessoas individuais ou colectivas.



O Código Civil ora aprovado é um diploma legal moderno, cujas soluções se consideram adequadas à realidade timorense, conformes com os princípios gerais de direito e as normas internacionais consagradas na Constituição e que constituem princípios fundadores de um Estado de Direito Democrático.



Este Código constitui agora uma das principais ferramentas do ordenamento jurídico em Timor-Leste, que proporcionará, como referido, a regulação das relações jurídicas entre sujeitos jurídicos privados.



A aprovação do Código Civil assume, pois, para toda a sociedade, um marco de extraordinária importância no futuro das relações jurídico privadas e na construção do ordenamento jurídico do país.



Assim, o Parlamento Nacional decreta, ao abrigo do previsto no n.º 1 do Artigo 95.º da Constituição da República, para valer como Lei, o seguinte:



CAPÍTULO I

DISPOSIÇÕES GERAIS



Artigo 1.º

Aprovação do Código Civil



É aprovado o Código Civil publicado em anexo e que faz parte integrante do presente diploma.

CAPÍTULO II

DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS



SECÇÃO I

DISPOSIÇÕES COMUNS



Artigo 2.º

Aplicação no tempo



1 – A aplicação das disposições do novo Código Civil a situações ou factos constituídos em momento anterior à sua entrada em vigor fica subordinada às regras dos seus artigos 11.º e 12.º, com as modificações previstas do presente capítulo.



2 – O novo Código Civil não é aplicável às acções que estejam pendentes nos tribunais à data da sua entrada em vigor, salvo o disposto na presente Lei.



Artigo 3.º

Bens imóveis



Aos direitos sobre bens imóveis aplicam-se as disposições do novo Código Civil após o reconhecimento ou atribuição dos primeiros títulos de direito da República Democrática de Timor-Leste sobre estes.



Artigo 4.º

Propriedade Comunitária



É propriedade comunitária a que se integra na utilização comum de uma comunidade, de acordo com os usos e costumes.



SECÇÃO II

PARTE GERAL



Artigo 5.º

Pessoas colectivas



1- A sujeição das pessoas colectivas ao regime previsto nos artigos 149º a 185º do novo Código Civil, não excluí as pessoas colectivas constituídas antes da entrada em vigor desse diploma, no que ao seu funcionamento diga respeito.



2- As condições de validade do acto constitutivo e do respectivo registo das pessoas colectivas referidas no artigo anterior mantém-se, conforme fixadas na lei vigente à data da constituição da sociedade.



Artigo 6.º

Suspensão da prescrição



Os prazos de prescrição cujo curso esteja suspenso à data da entrada em vigor do novo Código Civil, e que por força de disposição sua fiquem sujeitos a uma mera suspensão do termo, retomam o seu curso, sendo-lhes aplicáveis as regras de suspensão nele estabelecidas.



SECÇÃO III

DIREITO DAS OBRIGAÇÕES



Artigo 7.º

Cláusula penal



O disposto nos artigos 744.º a 746º do novo Código Civil é extensivo às cláusulas penais estipuladas antes da sua entrada em vigor, mas o direito à indemnização pelo dano excedente previsto no n.º 2 do artigo 745º só existe se for estipulado pelas partes na vigência da nova lei.



Artigo 8.º

Locação



1 – Aos contratos de locação celebrados antes da entrada em vigor do novo Código Civil é aplicável o regime da locação nele agora estabelecido, com as adaptações previstas no número seguinte.



2 – O disposto no número anterior não prejudica a validade dos contratos, nem das suas cláusulas, desde que constem de título considerado suficiente à data da sua celebração ou tenham sido convalidados por disposição legal posterior.



Artigo 9.º

Juros



Aos juros que tenham sido estipulados por acordo ou contrato anterior à entrada em vigor do novo Código Civil é aplicável a lei que vigorava no momento da estipulação.



SECÇÃO IV

DIREITO DA FAMÍLIA



Artigo 10.º

Casamento católico



1 – A lei reconhece validade e eficácia aos casamentos católicos celebrados antes da entrada em vigor do Código Civil.



2 – Os casamentos referidos no número anterior passam, a partir da entrada em vigor do Código Civil, a seguir o regime do casamento nele previsto.



Artigo 11.º

Efeitos do casamento



1 – Os efeitos jurídicos dos casamentos contraídos antes da entrada em vigor do novo Código Civil, quer quanto às pessoas, quer quanto aos bens dos cônjuges, são os nele previstos, e não os estabelecidos em lei anterior, salvo na medida em que tal envolva a produção de efeitos retroactivos.



2 – Os casamentos anteriores submetidos por lei anterior a determinado tipo legal de regime de bens, seja a título imperativo, seja a título supletivo, continuam sujeitos a esse tipo de regime de bens, mas com o conteúdo de que ele é provido pelo novo Código, nos termos do número anterior.



Artigo 12.º

Estabelecimento da filiação



1 – As disposições do Código Civil relativas ao estabelecimento da filiação são extensivas, na medida do possível, aos filhos nascidos ou concebidos antes da entrada em vigor do Código, mas não prejudicam os casos julgados anteriores.



2 – O disposto no número anterior é aplicável aos próprios processos em curso, na medida em que tal não prejudique o regular andamento dos mesmos ou as garantias das partes.



Artigo 13.º

Exercício do poder paternal e tutela



As alterações efectuadas por força do novo Código Civil às regras do exercício do poder paternal e ao regime da tutela são aplicáveis mesmo às acções em curso à data da entrada em vigor desse diploma na medida em que tal não prejudique o regular andamento dos mesmos ou as garantias das partes.



Artigo 14.º

Adopção restrita



Aos vínculos de adopção restrita existentes à data da entrada em vigor do novo Código Civil continua a aplicar-se o regime especialmente previsto para esse tipo de adopção no Código Civil Indonésio, complementado e modificado pelas disposições do novo Código que não se mostrem incompatíveis com a sua natureza.



Artigo 15.º

Adopção plena



As adopções plenas constituídas antes da entrada em vigor do novo Código Civil passam a ser reguladas pelas normas desse diploma respeitantes à adopção.



SECÇÃO V

DIREITO DAS SUCESSÕES



Artigo 16.º

Sucessão legal



As disposições do novo Código Civil relativas à sucessão legítima e legitimária, assim como ao direito de representação sucessória, só são aplicáveis às sucessões abertas após a sua entrada em vigor.

CAPÍTULO III

DISPOSIÇÕES FINAIS



Artigo 17.º

Norma revogatória



1 – É revogado o Código Civil Indonésio, recebido e em vigor no ordenamento jurídico timorense nos termos do disposto no art.º 1 da Lei n.º 10/2003, de 7 de Agosto.



2 – É revogada a Lei n.º 12/2005, de 12 de Setembro sobre o Regime Jurídico de Bens Imóveis e Arrendamento entre particulares.



3 – São revogadas todas as disposições legais constantes de diplomas legais anteriores à entrada em vigor do presente diploma que consagrem soluções contrárias às adoptadas no Código Civil.



Artigo 18.º

Remissões para normas revogadas



Todas as remissões feitas, em diplomas legais anteriores à entrada em vigor do novo Código Civil, para a legislação revogada identificada no artigo anterior, consideram-se feitas para as disposições correspondentes do novo Código.



Artigo 19.º

Entrada em vigor



O presente diploma e o Código Civil entram em vigor no centésimo octogésimo dia posterior à sua publicação.



Aprovado em 23 de Agosto de 2011.





O Presidente do Parlamento Nacional, em substituição,







Vicente da Silva Guterres





Promulgada em 13 /09/2011.



Publique-se.





O Presidente da República,







José Ramos - Horta

 

CÓDIGO CIVIL DE TIMOR-LESTE

 

CÓDIGO CIVIL

LIVRO I

PARTE GERAL

TÍTULO I

DAS LEIS, SUA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO

CAPÍTULO I

Fontes do direito

Artigo 1º

(Fontes imediatas)

1. As leis são fontes imediatas do direito.

2. Consideram-se leis todas as disposições genéricas provin-das dos órgãos estaduais competentes.

Artigo 2º

(Valor jurídico dos usos)

As normas e os usos costumeiros que não contrariem a Constituição e as leis são juridicamente atendíveis.

Artigo 3º

(Valor da equidade)

Os tribunais só podem resolver segundo a equidade:

a) Quando haja disposição legal que o permita;

b) Quando haja acordo das partes e a relação jurídica não seja indisponível;

c) Quando as partes tenham, por escrito, previamente convencionado o recurso à equidade e a relação jurídica não seja indisponível.

CAPÍTULO II

Vigência, interpretação e aplicação das leis

Artigo 4º

(Começo da vigência da lei)

1. A lei só se torna obrigatória depois de publicada no jornal oficial.

2. Entre a publicação e a vigência da lei decorre o tempo que a própria lei fixar ou, na falta de fixação, o que for determi-nado em legislação especial.

Artigo 5º

(Ignorância ou má interpretação da lei)

A ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas.

Artigo 6º

(Cessação da vigência da lei)

1. Quando se não destine a ter vigência temporária, a lei só deixa de vigorar se for revogada por outra lei.

2. A revogação pode resultar de declaração expressa, da incompatibilidade entre as novas disposições e as regras precedentes ou da circunstância de a nova lei regular toda a matéria da lei anterior.

3. A lei geral não revoga a lei especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador.

4. A revogação da lei revogatória não importa o renascimento da lei que esta revogara.

Artigo 7º

(Obrigação de julgar e dever de obediência à lei)

1. O tribunal não pode abster-se de julgar, invocando a falta ou obscuridade da lei ou alegando dúvida insanável acerca dos factos em litígio.

2. O dever de obediência à lei não pode ser afastado sob pretexto de ser injusto ou imoral o conteúdo do preceito legislativo.

3. Nas decisões que proferir, o julgador tem em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.

Artigo 8º

(Interpretação da lei)

1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presume que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

Artigo 9º

(Integração das lacunas da lei)

1. Os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos.

2. Há analogia sempre que no caso omisso procedam as ra-zões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei.

3. Na falta de caso análogo, a situação é resolvida segundo a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema.

Artigo 10º

(Normas excepcionais)

As normas excepcionais não comportam aplicação analógica, mas admitem interpretação extensiva.

Artigo 11º

(Aplicação das leis no tempo. Princípio geral)

1. A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.

2. Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.

Artigos 12º

(Aplicação das leis no tempo. Leis interpretativas)

1. A lei interpretativa integra-se na lei interpretada, ficando salvos, porém, os efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transacção, ainda que não homologada, ou por actos de análoga natureza.

2. A desistência e a confissão não homologadas pelo tribunal podem ser revogadas pelo desistente ou confitente a quem a lei interpretativa for favorável.

CAPÍTULO III

Direitos dos estrangeiros e conflitos de leis

SECÇÃO I

Disposições gerais

Artigo 13º

(Condição jurídica dos estrangeiros)

1. Os estrangeiros são equiparados aos nacionais quanto ao gozo de direitos civis, salvo disposição legal em contrário.

2. Não são, porém, reconhecidos aos estrangeiros os direitos que, sendo atribuídos pelo respectivo Estado aos seus nacionais, o não sejam aos timorenses em igualdade de circunstâncias.

Artigo 14º

(Qualificações)

A competência atribuída a uma lei abrange somente as normas que, pelo seu conteúdo e pela função que têm nessa lei, integram o regime do instituto visado na regra de conflitos.



Artigo 15º

(Referência à lei estrangeira. Princípio geral)

A referência das normas de conflitos a qualquer lei estrangeira determina apenas, na falta de preceito em contrário, a aplicação do direito interno dessa lei.

Artigo 16º

(Reenvio para a lei de um terceiro Estado)

1. Se, porém, o direito internacional privado da lei referida pela norma de conflitos timorense remeter para outra legislação e esta se considerar competente para regular o caso, é o direito interno desta legislação que deve ser aplicado.

2. Cessa o disposto no número anterior, se a lei referida pela norma de conflitos timorense for a lei pessoal e o interessado residir habitualmente em território timorense ou em país cujas normas de conflitos considerem compe-tente o direito interno do Estado da sua nacionalidade.

3. Ficam, todavia, unicamente sujeitos à regra do n.º 1 os casos da tutela e curatela, relações patrimoniais entre os cônjuges, poder paternal, relações entre adoptante e adoptado e sucessão por morte, se a lei nacional indicada pela norma de conflitos devolver para a lei da situação dos bens imóveis e esta se considerar competente.

Artigo 17º

(Reenvio para a lei timorense)

1. Se o direito internacional privado da lei designada pela norma de conflitos devolver para o direito interno timorense, é este o direito aplicável.

2. Quando, porém, se trate de matéria compreendida no estatuto pessoal, a lei timorense só é aplicável se o interessado tiver em território timorense a sua residência habitual ou se a lei do país desta residência considerar igualmente competente o direito interno timorense.

Artigo 18º

(Casos em que não é admitido o reenvio)

1. Cessa o disposto nos dois Artigos anteriores, quando da aplicação deles resulte a invalidade ou ineficácia de um negócio jurídico que seria válido ou eficaz segundo a regra fixada no Artigo 15º, ou a ilegitimidade de um estado que de outro modo seria legítimo.

2. Cessa igualmente o disposto nos mesmos Artigos, se a lei estrangeira tiver sido designada pelos interessados, nos casos em que a designação é permitida.

Artigo 19º

(Ordenamentos jurídicos plurilegislativos)

1. Quando, em razão da nacionalidade de certa pessoa, for competente a lei de um Estado em que coexistam diferentes sistemas legislativos locais, é o direito interno desse Estado que fixa em cada caso o sistema aplicável.

2. Na falta de normas de direito interlocal, recorre-se ao direito internacional privado do mesmo Estado; e, se este não bastar, considera-se como lei pessoal do interessado a lei da sua residência habitual.

3. Se a legislação competente constituir uma ordem jurídica territorialmente unitária, mas nela vigorarem diversos sistemas de normas para diferentes categorias de pessoas, observa-se sempre o estabelecido nessa legislação quanto ao conflito de sistemas.

Artigo 20º

(Fraude à lei)

Na aplicação das normas de conflitos são irrelevantes as situações de facto ou de direito criadas com o intuito fraudulento de evitar a aplicabilidade da lei que, noutras circunstâncias, seria competente.

Artigo 21º

(Ordem pública)

1. Não são aplicáveis os preceitos da lei estrangeira indicados pela norma de conflitos, quando essa aplicação envolva ofensa dos princípios fundamentais da ordem pública internacional do Estado timorense.

2. São aplicáveis, neste caso, as normas mais apropriadas da legislação estrangeira competente ou, subsidiariamente, as regras do direito interno timorense.

Artigo 22º

(Interpretação e averiguação do direito estrangeiro)

1. A lei estrangeira é interpretada dentro do sistema a que pertence e de acordo com as regras interpretativas nele fixadas.

2. Na impossibilidade de averiguar o conteúdo da lei estran-geira aplicável, recorre-se à lei que for subsidiariamente competente, devendo adoptar-se igual procedimento sempre que não for possível determinar os elementos de facto ou de direito de que dependa a designação da lei aplicável.

Artigo 23º

(Actos realizados a bordo)

1. Aos actos realizados a bordo de navios ou aeronaves, fora dos portos ou aeródromos, é aplicável a lei do lugar da respectiva matrícula, sempre que for competente a lei territorial.

2. Os navios e aeronaves militares consideram-se como parte do território do Estado a que pertencem.

SECÇÃO II

Normas de conflitos

SUBSECÇÃO I

Âmbito e de terminação da lei pessoal

Artigo 24º

(Âmbito da lei pessoal)

O estado dos indivíduos, a capacidade das pessoas, as relações de família e as sucessões por morte são regulados pela lei pessoal dos respectivos sujeitos, salvas as restrições estabelecidas na presente secção.

Artigo 25º

(Início e termo da personalidade jurídica)

1. O início e termo da personalidade jurídica são fixados igualmente pela lei pessoal de cada indivíduo.

2. Quando certo efeito jurídico depender da sobrevivência de uma a outra pessoa e estas tiverem leis pessoais diferentes, se as presunções de sobrevivência dessas leis forem inconciliáveis, é aplicável o disposto no n.º 2 do Artigo 65º.

Artigo 26º

(Direitos de personalidade)

1. Aos direitos de personalidade, no que respeita à sua existência e tutela e às restrições impostas ao seu exercício, é também aplicável a lei pessoal.

2. O estrangeiro ou apátrida não goza, porém, de qualquer forma de tutela jurídica que não seja reconhecida na lei timorense.

Artigo 27º

(Desvios quanto às consequências da incapacidade)

1. O negócio jurídico celebrado em Timor Leste por pessoa que seja incapaz segundo a lei pessoal competente não pode ser anulado com fundamento na incapacidade no caso de a lei interna timorense, se fosse aplicável, considerar essa pessoa como capaz.

2. Esta excepção cessa, quando a outra parte tinha conheci-mento da incapacidade, ou quando o negócio jurídico for unilateral, pertencer ao domínio do direito da família ou das sucessões ou respeitar à disposição de imóveis situados no estrangeiro.

3. Se o negócio jurídico for celebrado pelo incapaz em país estrangeiro, é observada a lei desse país, que consagrar regras idênticas às fixadas nos números anteriores.

Artigo 28º

(Maioridade)

A mudança da lei pessoal não prejudica a maioridade adquirida segundo a lei pessoal anterior.

Artigo 29º

(Tutela e institutos análogos)

À tutela e institutos análogos de protecção aos incapazes é aplicável a lei pessoal do incapaz.

Artigo 30º

(Determinação da lei pessoal)

1. A lei pessoal é a da nacionalidade do indivíduo.

2. São, porém, reconhecidos em Timor Leste os negócios jurídicos celebrados no país da residência habitual do declarante, em conformidade com a lei desse país, desde que esta se considere competente.

Artigo 31º

(Apátridas)

1. A lei pessoal do apátrida é a do lugar onde ele tiver a sua residência habitual ou, sendo menor ou interdito, o seu domicílio legal.

2. Na falta de residência habitual, é aplicável o disposto no n.º 2 do Artigo 79º.

Artigo 32º

(Pessoas colectivas)

1. A pessoa colectiva tem como lei pessoal a lei do Estado onde se encontra situada a sede principal e efectiva da sua administração.

2. À lei pessoal compete especialmente regular: a capacidade da pessoa colectiva; a constituição, funcionamento e competência dos seus órgãos; os modos de aquisição e perda da qualidade de associado e os correspondentes direitos e deveres; a responsabilidade da pessoa colectiva, bem como a dos respectivos órgãos e membros, perante terceiros; a transformação, dissolução e extinção da pessoa colectiva.

3. A transferência, de um Estado para outro, da sede da pessoa colectiva não extingue a personalidade jurídica desta, se nisso convierem as leis de uma e outra sede.

4. A fusão de entidades com lei pessoal diferente é apreciada em face de ambas as leis pessoais.

Artigo 33º

(Pessoas colectivas internacionais)

A lei pessoal das pessoas colectivas internacionais é a designada na convenção que as criou ou nos respectivos estatutos e, na falta de designação, a do país onde estiver a sede principal.

SUBSECÇÃO II

Lei reguladora dos negócios jurídicos

Artigo 34º

(Declaração negocial)

1. A perfeição, interpretação e integração da declaração negocial são reguladas pela lei aplicável à substância do negócio, a qual é igualmente aplicável à falta e vícios da vontade.

2. O valor de um comportamento como declaração negocial é determinado pela lei da residência habitual comum do declarante e do destinatário e, na falta desta, pela lei do lugar onde o comportamento se verificou.

3. O valor do silêncio como meio declaratório é igualmente determinado pela lei da residência habitual comum e, na falta desta, pela lei do lugar onde a proposta foi recebida.

Artigo 35º

(Forma da declaração)

1. A forma da declaração negocial é regulada pela lei aplicável à substância do negócio; é, porém, suficiente a observância da lei em vigor no lugar em que é feita a declaração, salvo se a lei reguladora da substância do negócio exigir, sob pena de nulidade ou ineficácia, a observância de determinada forma, ainda que o negócio seja celebrado no estrangeiro.

2. A declaração negocial é ainda formalmente válida se, em vez da forma prescrita na lei local, tiver sido observada a forma prescrita pelo Estado para que remete a norma de conflitos daquela lei, sem prejuízo do disposto na última parte do número anterior.

Artigo 36º

(Representação legal)

A representação legal está sujeita à lei reguladora da relação jurídica de que nasce o poder representativo.

Artigo 37º

(Representação orgânica)

A representação da pessoa colectiva por intermédio dos seus órgãos é regulada pela respectiva lei pessoal.

Artigo 38º

(Representação voluntária)

1. A representação voluntária é regulada, quanto à existência, extensão, modificação, efeitos e extinção dos poderes representativos, pela lei do Estado em que os poderes são exercidos.

2. Porém, se o representante exercer os poderes representa-tivos em país diferente daquele que o representado indicou e o facto for conhecido do terceiro com quem contrate, é aplicável a lei do país da residência habitual do representado.

3. Se o representante exercer profissionalmente a represen-tação e o facto for conhecido do terceiro contratante, é aplicável a lei do domicílio profissional.

4. Quando a representação se refira à disposição ou administração de bens imóveis, é aplicável a lei do país da situação desses bens.

Artigo 39º

(Prescrição e caducidade)

A prescrição e a caducidade são reguladas pela lei aplicável ao direito a que uma ou outra se refere.

 

SUBSECÇÃO III

Lei reguladora das obrigações

Artigo 40º

(Obrigações provenientes de negócios jurídicos)

1. As obrigações provenientes de negócio jurídico, assim como a própria substância dele, são reguladas pela lei que os respectivos sujeitos tiverem designado ou houverem tido em vista.

2. A designação ou referência das partes só pode, todavia, recair sobre lei cuja aplicabilidade corresponda a um interesse sério dos declarantes ou esteja em conexão com algum dos elementos do negócio jurídico atendíveis no domínio do direito internacional privado.

Artigo 41º

(Critério supletivo)

1. Na falta de determinação da lei competente, atende-se, nos negócios jurídicos unilaterais, à lei da residência habitual do declarante e, nos contratos, à lei da residência habitual comum das partes.

2. Na falta de residência comum, é aplicável, nos contratos gratuitos, a lei da residência habitual daquele que atribui o benefício e, nos restantes contratos, a lei do lugar da celebração.

Artigo 42º

(Gestão de negócios)

À gestão de negócios é aplicável a lei do lugar em que decorre a principal actividade do gestor.

Artigo 43º

(Enriquecimento sem causa)

O enriquecimento sem causa é regulado pela lei com base na qual se verificou a transferência do valor patrimonial a favor do enriquecido.

Artigo 44º

(Responsabilidade extracontratual)

1. A responsabilidade extracontratual fundada, quer em acto ilícito, quer no risco ou em qualquer conduta lícita, é regulada pela lei do Estado onde decorreu a principal activi-dade causadora do prejuízo; em caso de responsabilidade por omissão, é aplicável a lei do lugar onde o responsável deveria ter agido.

2. Se a lei do Estado onde se produziu o efeito lesivo con-siderar responsável o agente, mas não o considerar como tal a lei do país onde decorreu a sua actividade, é aplicável a primeira lei, desde que o agente devesse prever a produção de um dano, naquele país, como consequência do seu acto ou omissão.

3. Se, porém, o agente e o lesado tiverem a mesma nacionali-dade ou, na falta dela, a mesma residência habitual, e se encontrarem ocasionalmente em país estrangeiro, a lei aplicável é a da nacionalidade ou a da residência comum, sem prejuízo das disposições do Estado local que devam ser aplicadas indistintamente a todas as pessoas.

SUBSECÇÃO IV

Lei reguladora das coisas

Artigo 45º

(Direitos reais)

1. O regime da posse, propriedade e demais direitos reais, é definido pela lei do Estado em cujo território as coisas se encontrem situadas.

2. Em tudo quanto respeita à constituição ou transferência de direitos reais sobre coisas em trânsito, são estas havidas como situadas no país do destino.

3. A constituição e transferência de direitos sobre os meios de transportes submetidos a um regime de matrícula são reguladas pela lei do país onde a matrícula tiver sido efectuada.

Artigo 46º

(Capacidade para constituir direitos reais sobre coisas imóveis ou dispor deles)

É igualmente definida pela lei da situação da coisa a capacidade para constituir direitos reais sobre coisas imóveis ou para dispor deles, desde que essa lei assim o determine; de contrário, é aplicável a lei pessoal.

Artigo 47º

(Propriedade intelectual)

1. Os direitos de autor são regulados pela lei do lugar da primeira publicação da obra e, não estando esta publicada, pela lei pessoal do autor, sem prejuízo do disposto em legislação especial.

2. A propriedade industrial é regulada pela lei do país da sua criação.

SUBSECÇÃO V

Lei reguladora das relações de família

Artigo 48º

(Capacidade para contrair casamento ou celebrar convenções antenupciais)

A capacidade para contrair casamento ou celebrar a convenção antenupcial é regulada, em relação a cada nubente, pela respectiva lei pessoal, à qual compete ainda definir o regime da falta e dos vícios da vontade dos contraentes.

Artigo 49º

(Forma do casamento)

A forma do casamento é regulada pela lei do Estado em que o acto é celebrado, salvo o disposto no Artigo seguinte.

Artigo 50º

(Desvios)

1. O casamento de dois estrangeiros em Timor-Leste pode ser celebrado segundo a forma prescrita na lei nacional de qualquer dos contraentes, perante os respectivos agentes diplomáticos ou consulares, desde que igual competência seja reconhecida por essa lei aos agentes diplomáticos e consulares timorenses.

2. O casamento no estrangeiro de dois timorenses ou de timorense e estrangeiro pode ser celebrado perante o agente diplomático ou consular do Estado Timorense ou perante os ministros do culto católico; em qualquer caso, o casamento deve ser precedido do processo de publicações, organizado pela entidade competente, a menos que ele seja dispensado nos termos do Artigo 1488º.

3. O casamento no estrangeiro de dois timorenses ou de timorense e estrangeiro, em harmonia com as leis canónicas, é havido como casamento católico, seja qual for a forma legal da celebração do acto segundo a lei local, e à sua transcrição servirá de base o assento do registo paroquial.

Artigo 51º

(Relações entre os cônjuges)

1. Salvo o disposto no Artigo seguinte, as relações entre os cônjuges são reguladas pela lei nacional comum.

2. Não tendo os cônjuges a mesma nacionalidade, é aplicável a lei da sua residência habitual comum e, na falta desta, a lei do país com o qual a vida familiar se ache mais estreitamente conexa.

Artigo 52º

(Convenções antenupciais e regime de bens)

1. A substância e efeitos das convenções antenupciais e do regime de bens, legal ou convencional, são definidos pela lei nacional dos nubentes ao tempo da celebração do casamento.

2. Não tendo os nubentes a mesma nacionalidade é aplicável a lei da sua residência habitual comum à data do casamento e, se esta faltar também, a lei da primeira residência conjugal.

3. Se for estrangeira a lei aplicável e um dos nubentes tiver a sua residência habitual em território timorense, pode ser convencionado um dos regimes admitidos neste código.

Artigo 53º

(Modificações do regime de bens)

1. Aos cônjuges é permitido modificar o regime de bens, legal ou convencional, se a tal forem autorizados pela lei competente nos termos do Artigo 51º.

2. A nova convenção em caso nenhum tem efeito retroactivo em prejuízo de terceiro.

Artigo 54º

(Separação judicial de pessoas e bens e divórcio)

1. À separação judicial de pessoas e bens e ao divórcio é aplicável o disposto no Artigo 51º.

2. Se, porém, na constância do matrimónio houver mudança da lei competente, só pode fundamentar a separação ou o divórcio algum facto relevante ao tempo da sua verificação.

Artigo 55º

(Constituição da filiação)

1. À constituição da filiação é aplicável a lei pessoal do progenitor à data do estabelecimento da relação.

2. Tratando-se de filho de mulher casada, a constituição da filiação relativamente ao pai é regulada pela lei nacional comum da mãe e do marido; na falta desta, é aplicável a lei da residência habitual comum dos cônjuges e, se esta também faltar, a lei pessoal do filho.

3. Para os efeitos do número anterior, atende-se ao momento do nascimento do filho ou ao momento da dissolução do casamento, se for anterior ao nascimento.

Artigo 56º

(Relações entre pais e filhos)

1. As relações entre pais e filhos são reguladas pela lei nacio-nal comum dos pais e, na falta desta, pela lei da sua resi-dência habitual comum; se os pais residirem habitualmente em Estados diferentes, é aplicável a lei pessoal do filho.

2. Se a filiação apenas se achar estabelecida relativamente a um dos progenitores, aplica-se a lei pessoal deste; se um dos progenitores tiver falecido, é competente a lei pessoal do sobrevivo.

Artigo 57º

(Filiação adoptiva)

1. À constituição da filiação adoptiva é aplicável a lei pessoal do adoptante, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

2. Se a adopção for realizada por marido e mulher ou o adoptando for filho do cônjuge do adoptante, é competente a lei nacional comum dos cônjuges e, na falta desta, a lei da sua residência habitual comum; se também esta faltar, é aplicável a lei do país com o qual a vida familiar dos adoptantes se ache mais estreitamente conexa.

3. As relações entre adoptante e adoptado, e entre este e a família de origem, estão sujeitas à lei pessoal do adoptante; no caso previsto no número anterior é aplicável o disposto no Artigo 56º.

4. Se a lei competente para regular as relações entre o adoptando e os seus progenitores não conhecer o instituto da adopção, ou não o admitir em relação a quem se encontre na situação familiar do adoptando, a adopção não é permitida.

Artigo 58º

(Requisitos especiais da perfilhação ou adopção)

1. Se, como requisito da perfilhação ou adopção, a lei pessoal do perfilhando ou adoptando exigir o consentimento deste, é a exigência respeitada.

2. É igualmente respeitada a exigência do consentimento de terceiro a quem o interessado esteja ligado por qualquer relação jurídica de natureza familiar ou tutelar, se provier da lei reguladora desta relação.

SUBSECÇÃO VI

Lei reguladora das sucessões

Artigo 59º

(Lei competente)

A sucessão por morte é regulada pela lei pessoal do autor da sucessão ao tempo do falecimento deste, competindo-lhe também definir os poderes do administrador da herança e do executor testamentário.

Artigo 60º

(Capacidade de disposição)

1. A capacidade para fazer, modificar ou revogar uma disposição por morte, bem como as exigências da forma especial das disposições por virtude da idade do disponente, são reguladas pela lei pessoal do autor ao tempo da declaração.

2. Aquele que, depois de ter feito a disposição, adquirir nova lei pessoal conserva a capacidade necessária para revogar a disposição nos termos da lei anterior.

Artigo 61º

(Interpretação das disposições; falta e vícios da vontade)

É a lei pessoal do autor da herança ao tempo da declaração que regula:

a) A interpretação das respectivas cláusulas e disposições, salvo se houver referência expressa ou implícita a outra lei;

b) A falta e vícios da vontade;

c) A admissibilidade de testamentos de mão comum ou de pactos sucessórios, sem prejuízo, quanto a estes, do disposto no Artigo 52º.

Artigo 62º

(Forma)

1. As disposições por morte, bem como a sua revogação ou modificação, são válidas, quanto à forma, se correspon-derem às prescrições da lei do lugar onde o acto for celebrado, ou às da lei pessoal do autor da herança, quer no momento da declaração, quer no momento da morte, ou ainda às prescrições da lei para que remeta a norma de conflitos da lei local.

2. Se, porém, a lei pessoal do autor da herança no momento da declaração exigir, sob pena de nulidade ou ineficácia, a observância de determinada forma, ainda que o acto seja praticado no estrangeiro, é a exigência respeitada.

TÍTULO II

DAS RELAÇÕES JURÍDICAS

SUBTÍTULO I

DAS PESSOAS

CAPÍTULO I

Pessoas singulares

SECÇÃO I

Personalidade e capacidade jurídica

Artigo 63º

(Começo da personalidade)

1. A personalidade adquire-se no momento do nascimento completo e com vida.

2. Os direitos que a lei reconhece aos nascituros dependem do seu nascimento.

Artigo 64º

(Capacidade jurídica)

As pessoas podem ser sujeitos de quaisquer relações jurídicas, salvo disposição legal em contrário; nisto consiste a sua capacidade jurídica.

Artigo 65º

(Termo da personalidade)

1. A personalidade cessa com a morte.

2. Quando certo efeito jurídico depender da sobrevivência de uma outra pessoa, presume-se, em caso de dúvida, que uma e outra faleceram ao mesmo tempo.

3. Tem-se por falecida a pessoa cujo cadáver não foi encontrado ou reconhecido, quando o desaparecimento se tiver dado em circunstâncias que não permitam duvidar da morte dela.

Artigo 66º

(Renúncia à capacidade jurídica)

Ninguém pode renunciar, no todo ou em parte, à sua capacidade jurídica.

SECÇÃO II

Direitos de personalidade

Artigo 67º

(Tutela geral da personalidade)

1. A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral.

2. Independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar, a pessoa ameaçada ou ofendida pode requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida.

Artigo 68º

(Ofensa a pessoas já falecidas)

1. Os direitos de personalidade gozam igualmente de protecção depois da morte do respectivo titular.

2. Tem legitimidade, neste caso, para requerer as providências previstas no n.º 2 do Artigo anterior o cônjuge sobrevivo ou qualquer descendente, ascendente, irmão, sobrinho ou herdeiro do falecido.

3. Se a ilicitude da ofensa resultar da falta de consentimento, só as pessoas que o deveriam prestar têm legitimidade, conjunta ou separadamente, para requerer as providências a que o número anterior se refere.

Artigo 69º

(Direito ao nome)

1. Toda a pessoa tem direito a usar o seu nome, completo ou abreviado, e a opor-se a que outrem o use ilicitamente para sua identificação ou outros fins.

2. O titular do nome não pode, todavia, especialmente no exercício de uma actividade profissional, usá-lo de modo a prejudicar os interesses de quem tiver nome total ou parcialmente idêntico; nestes casos, o tribunal decreta as providências que, segundo juízos de equidade, melhor conciliem os interesses em conflito.

Artigo 70º

(Legitimidade)

As acções relativas à defesa do nome podem ser exercidas não só pelo respectivo titular, como, depois da morte dele pelas pessoas referidas no número 2 do Artigo 68º.

Artigo 71º

(Pseudónimo)

O pseudónimo, quando tenha notoriedade, goza da protecção conferida ao próprio nome.

Artigo 72º

(Cartas-missivas confidenciais)

1. O destinatário de carta-missiva de natureza confidencial deve guardar reserva sobre o seu conteúdo, não lhe sendo lícito aproveitar os elementos de informação que ela tenha levado ao seu conhecimento.

2. Morto o destinatário, pode a restituição da carta confidencial ser ordenada pelo tribunal, a requerimento do autor dela ou, se este já tiver falecido, das pessoas indicadas no n.º 2 do Artigo 68º; pode também ser ordenada a destruição da carta, o seu depósito em mão de pessoa idónea ou qualquer outra medida apropriada.

Artigo 73º

(Publicação de cartas confidenciais)

1. As cartas-missivas confidenciais só podem ser publicadas com o consentimento do seu autor ou com o suprimento judicial desse consentimento; mas não há lugar ao suprimento quando se trate de utilizar as cartas como documento literário, histórico ou biográfico.

2. Depois da morte do autor, a autorização compete às pessoas designadas no n.º 2 do Artigo 68º, segundo a ordem nele indicada.

Artigo 74º

(Memórias familiares e outros escritos confidenciais)

O disposto no Artigo anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, às memórias familiares e pessoais e a outros escritos que tenham carácter confidencial ou se refiram à intimidade da vida privada.

Artigo 75º

(Cartas-missivas não confidenciais)

O destinatário de carta não confidencial só pode usar dela em termos que não contrariem a expectativa do autor.

Artigo 76º

(Direito à imagem)

1. O retrato de uma pessoa não pode ser exposto, reproduzido ou lançado no comércio sem o consentimento dela; depois da morte da pessoa retratada, a autorização compete às pessoas designadas no n.º 2 do Artigo 68º, segundo a ordem nele indicada.

2. Não é necessário o consentimento da pessoa retratada quando assim o justifiquem a sua notoriedade, o cargo que desempenhe, exigências de polícia ou de justiça, finalidades científicas, didácticas ou culturais, ou quando a reprodução da imagem vier enquadrada na de lugares públicos, ou na de factos de interesse público ou que hajam decorrido publicamente.

3. O retrato não pode, porém, ser reproduzido, exposto ou lançado no comércio, se do facto resultar prejuízo para a honra, reputação ou simples decoro da pessoa retratada.

Artigo 77º

(Direito à reserva sobre a intimidade da vida privada)

1. Todos devem guardar reserva quanto à intimidade da vida privada de outrem.

2. A extensão da reserva é definida conforme a natureza do caso e a condição das pessoas.

Artigo 78º

(Limitação voluntária dos direitos de personalidade)

1. Toda a limitação voluntária ao exercício dos direitos de personalidade é nula, se for contrária aos princípios da ordem pública.

2. A limitação voluntária, quando legal, é sempre revogável, ainda que com obrigação de indemnizar os prejuízos causados às legítimas expectativas da outra parte.

SECÇÃO III

Domicílio

Artigo 79º

(Domicílio voluntário geral)

1. A pessoa tem domicílio no lugar da sua residência habitual; se residir alternadamente em diversos lugares, tem-se por domiciliada em qualquer deles.

2. Na falta de residência habitual, considera-se domiciliada no lugar da sua residência ocasional ou, se esta não puder ser determinada, no lugar onde se encontrar.

Artigo 80º

(Domicílio profissional)

1. A pessoa que exerce uma profissão tem, quanto às relações a que esta se refere, domicílio profissional no lugar onde a profissão é exercida.

2. Se exercer a profissão em lugares diversos, cada um deles constitui domicílio para as relações que lhe correspondem.

Artigo 81º

(Domicílio electivo)

É permitido estipular domicílio particular para determinados negócios, contanto que a estipulação seja reduzida a escrito.

Artigo 82º

(Domicílio legal dos menores e interditos)

1. O menor tem domicílio no lugar da residência da família; se ela não existir, tem por domicílio o do progenitor a cuja guarda estiver.

2. O domicílio do menor que em virtude de decisão judicial foi confiado a terceira pessoa ou a estabelecimento de educa-ção ou assistência é o do progenitor que exerce o poder paternal.

3. O domicílio do menor sujeito a tutela e do interdito é o do respectivo tutor.

4. Quando tenha sido instituído o regime de administração de bens, o domicílio do menor ou do interdito é o do administrador, nas relações a que essa administração se refere.

5. Não são aplicáveis as regras dos números anteriores se delas resultar que o menor ou interdito não tem domicílio em território nacional.

Artigo 83º

(Domicílio legal dos empregados públicos)

1. Os empregados públicos, civis ou militares, quando haja lugar certo para o exercício dos seus empregos, têm nele domicílio necessário, sem prejuízo do seu domicílio voluntário no lugar da residência habitual.

2. O domicílio necessário é determinado pela posse do cargo ou pelo exercício das respectivas funções.

Artigo 84º

(Domicílio legal dos agentes diplomáticos timorenses)

Os agentes diplomáticos timorenses, quando invoquem extraterritorialidade, consideram-se domiciliados em Díli.

SECÇÃO IV

Ausência

SUBSECÇÃO I

Curadoria provisória

Artigo 85º

(Nomeação de curador provisório)

1. Quando haja necessidade de prover acerca da administra-ção dos bens de quem desapareceu sem que dele se saiba parte e sem ter deixado representante legal ou procurador, deve o tribunal nomear-lhe curador provisório.

2. Deve igualmente ser nomeado curador ao ausente, se o procurador não quiser ou não puder exercer as suas funções.

3. Pode ser designado para certos negócios, sempre que as circunstâncias o exijam, um curador especial.

Artigo 86º

(Providências cautelares)

A possibilidade de nomeação do curador provisório não obs-ta às providências cautelares que se mostrem indispensáveis em relação a quaisquer bens do ausente.

Artigo 87º

(Legitimidade)

A curadoria provisória e as providências cautelares a que se refere o Artigo anterior podem ser requeridas pelo Ministério Público ou por qualquer interessado.

Artigo 88º

(A quem deve ser deferida a curadoria provisória)

1. O curador provisório é escolhido de entre as pessoas seguintes: o cônjuge do ausente, algum ou alguns dos herdeiros presumidos, ou algum ou alguns dos interessados na conservação dos bens.

2. Havendo conflito de interesses entre o ausente e o curador ou entre o ausente e o cônjuge, ascendentes ou descen-dentes do curador, deve ser designado um curador especial, nos termos do número 3 do Artigo 85º.

Artigo 89º

(Relação dos bens e caução)

1. Os bens do ausente são relacionados e só depois entregues ao curador provisório, ao qual é fixada caução pelo tribunal.

2. Em caso de urgência, pode ser autorizada a entrega dos bens antes de estes serem relacionados ou de o curador prestar a caução exigida.

3. Se o curador não prestar a caução, é nomeado outro em lugar dele.

Artigo 90º

(Direitos e obrigações do curador provisório)

1. O curador fica sujeito ao regime do mandato geral em tudo o que não contrariar as disposições desta subsecção.

2. Compete ao curador provisório requerer os procedimentos cautelares necessários e intentar as acções que não possam ser retardadas sem prejuízo dos interesses do ausente; cabe-lhe ainda representar o ausente em todas as acções contra este propostas.

3. Só com autorização judicial pode o curador alienar ou onerar bens imóveis, objectos preciosos, títulos de crédito, estabelecimentos comerciais e quaisquer outros bens cuja alienação ou oneração não constitua acto de administração.

4. A autorização judicial só é concedida quando o acto se justifique para evitar a deterioração ou ruína dos bens, solver dívidas do ausente, custear benfeitorias necessárias ou úteis ou ocorrer a outra necessidade urgente.

Artigo 91º

(Prestação de contas)

1. O curador provisório deve prestar contas do seu mandato perante o tribunal, anualmente ou quando este o exigir.

2. Deferida a curadoria definitiva nos termos da subsecção seguinte, as contas do curador provisório são prestadas aos curadores definitivos.

Artigo 92º

(Remuneração do curador)

O curador haverá dez por cento da receita líquida que realizar.

Artigo 93º

(Substituição do curador provisório)

O curador pode ser substituído, a requerimento do Ministério Público ou de qualquer interessado, logo que se mostre inconveniente a sua permanência no cargo.

Artigo 94º

(Termo da curadoria)

A curadoria provisória termina:

a) Pelo regresso do ausente;

b) Se o ausente providenciar acerca da administração dos bens;

c) Pela comparência de pessoa que legalmente represente o ausente ou de procurador bastante;

d) Pela entrega dos bens aos curadores definitivos ou ao cabeça-de-casal, nos termos do Artigo 99º;

e) Pela certeza da morte do ausente.

SUBSECÇÃO II

Curadoria definitiva

Artigo 95º

(Justificação da ausência)

Decorridos dois anos sem se saber do ausente, se este não tiver deixado representante legal nem procurador bastante, ou cinco anos, no caso contrário, pode o Ministério Público ou algum dos interessados requerer a justificação da ausência.

Artigo 96º

(Legitimidade)

São interessados na justificação da ausência o cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens, os herdeiros do ausente e todos os que tiverem sobre os bens do ausente direito dependente da condição da sua morte.

Artigo 97º

(Abertura de testamentos)

Justificada a ausência, o tribunal requisita certidões dos testamentos públicos e manda proceder à abertura dos testamentos cerrados que existirem, a fim de serem tomados em conta na partilha e no deferimento da curadoria definitiva.

Artigo 98º

(Entrega de bens aos legatários e outros interessados)

Os legatários, como todos aqueles que por morte do ausente teriam direito a bens determinados, podem requerer, logo que a ausência esteja justificada, independentemente da partilha, que esses bens lhes sejam entregues.

Artigo 99º

(Entrega dos bens aos herdeiros)

1. A entrega dos bens aos herdeiros do ausente à data das últimas notícias, ou aos herdeiros dos que depois tiverem falecido, só tem lugar depois da partilha.

2. Enquanto não forem entregues os bens, a administração deles pertence ao cabeça-de-casal, designado nos termos dos Artigos 1944º e seguintes.

Artigo 100º

(Curadores definitivos)

Os herdeiros e demais interessados a quem tenham sido entregues os bens do ausente são havidos como curadores definitivos.

Artigo 101º

(Aparecimento de novos interessados)

Se, depois de nomeados os curadores definitivos, aparecer herdeiro ou interessado que, em relação à data das últimas notícias do ausente, deva excluir algum deles ou haja de concorrer à sucessão, são-lhe entregues os bens nos termos dos Artigos anteriores.

Artigo 102º

(Exigibilidade de obrigações)

A exigibilidade das obrigações que se extinguiriam pela morte do ausente fica suspensa.

Artigo 103º

(Caução)

1. O tribunal pode exigir caução aos curadores definitivos ou a algum ou alguns deles, tendo em conta a espécie e valor dos bens e rendimentos que eventualmente hajam de restituir.

2. Enquanto não prestar a caução fixada, o curador está impedido de receber os bens; estes são entregues, até ao termo da curadoria ou até à prestação da caução, a outro herdeiro ou interessado, que ocupa, em relação a eles, a posição de curador definitivo.

Artigo 104º

(Ausente casado)

Se o ausente for casado, pode o cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens requerer inventário e partilha, no seguimento do processo de justificação da ausência, e exigir os alimentos a que tiver direito.

Artigo 105º

(Aceitação e repúdio da sucessão; disposição dos direitos sucessórios)

1. Justificada a ausência, é admitido o repúdio da sucessão do ausente ou a disposição dos respectivos direitos sucessórios.

2. A eficácia do repúdio ou da disposição, assim como a aceitação da herança ou de legados, ficam, todavia, sujeitas à condição resolutiva da sobrevivência do ausente.

Artigo 106º

(Direitos e obrigações dos curadores definitivos e demais interessados)

Aos curadores definitivos a quem os bens hajam sido entregues é aplicável o disposto no Artigo 90º, ficando extintos os poderes que anteriormente hajam sido conferidos pelo ausente em relação aos mesmos bens.

Artigo 107º

(Fruição dos bens)

1. Os ascendentes, os descendentes e o cônjuge que sejam nomeados curadores definitivos têm direito, a contar da entrega dos bens, à totalidade dos frutos percebidos.

2. Os curadores definitivos não abrangidos pelo número anterior devem reservar para o ausente um terço dos rendimentos líquidos dos bens que administrem.

Artigo 108º

(Termo da curadoria definitiva)

A curadoria definitiva termina:

a) Pelo regresso do ausente;

b) Pela notícia da sua existência e do lugar onde reside;

c) Pela certeza da sua morte;

d) Pela declaração de morte presumida.

Artigo 109º

(Restituição dos bens ao ausente)

1. Nos casos previstos nas alíneas a) e b) do Artigo anterior, os bens do ausente são-lhe entregues logo que ele o requeira.

2. Enquanto não for requerida a entrega, mantém-se o regime da curadoria nos termos desta subsecção.

SUBSECÇÃO III

Morte presumida

Artigo 110º

(Requisitos)

1. Decorridos dez anos sobre a data das últimas notícias, ou passados cinco anos, se entretanto o ausente houver completado oitenta anos de idade, podem os interessados a que se refere o Artigo 96º requerer a declaração de morte presumida.

2. A declaração de morte presumida não é proferida antes de haverem decorrido cinco anos sobre a data em que o ausente, se fosse vivo, atingiria a maioridade.

3. A declaração de morte presumida do ausente não depende de prévia instalação da curadoria provisória ou definitiva e refere-se ao fim do dia das últimas notícias que dele houve.

Artigo 111º

(Efeitos)

A declaração de morte presumida produz os mesmos efeitos que a morte, mas não dissolve o casamento, sem prejuízo do disposto no Artigo seguinte.

Artigo 112º

(Novo casamento do cônjuge do ausente)

O cônjuge do ausente casado civilmente pode contrair novo casamento; neste caso, se o ausente regressar, ou houver notícia de que era vivo quando foram celebradas as novas núpcias, considera-se o primeiro matrimónio dissolvido por divórcio à data da declaração de morte presumida.

Artigo 113º

(Entrega dos bens)

A entrega dos bens aos sucessores do ausente é feita nos termos dos Artigos 97º e seguintes, com as necessárias adaptações, mas não há lugar a caução; se esta tiver sido prestada, pode ser levantada.

Artigo 114º

(Óbito em data diversa)

1. Quando se prove que o ausente morreu em data diversa da fixada na sentença de declaração de morte presumida, o direito à herança compete aos que naquela data lhe deveriam suceder, sem prejuízo das regras da usucapião.

2. Os sucessores de novo designados gozam apenas, em relação aos antigos, dos direitos que no Artigo seguinte são atribuídos ao ausente.

Artigo 115º

(Regresso do ausente)

1. Se o ausente regressar ou dele houver notícias, é lhe devolvido o património no estado em que se encontrar, com o preço dos bens alienados ou com os bens directa-mente sub-rogados, e bem assim com os bens adquiridos mediante o preço dos alienados, quando no título de aquisição se declare expressamente a proveniência do dinheiro.

2. Havendo má-fé dos sucessores, o ausente tem direito a ser indemnizado do prejuízo sofrido.

3. A má-fé, neste caso, consiste no conhecimento de que o ausente sobreviveu à data da morte presumida.

SUBSECÇÃO IV

Direitos eventuais do ausente

Artigo 116º

(Direitos que sobrevierem ao ausente)

Os direitos que eventualmente sobrevierem ao ausente desde que desapareceu sem dele haver notícias e que sejam dependentes da condição da sua existência passam às pessoas que seriam chamadas à titularidade deles se o ausente fosse falecido.

Artigo 117º

(Curadoria provisória e definitiva)

1. O disposto no Artigo anterior não altera o regime da curadoria provisória, à qual ficam sujeitos os direitos nele referidos.

2. Instaurada a curadoria definitiva, são havidos como curadores definitivos, para todos os efeitos legais, aqueles que seriam chamados à titularidade dos direitos nos termos do mesmo Artigo.

SECÇÃO V

Incapacidades

SUBSECÇÃO I

Condição jurídica dos menores

Artigo 118º

(Menores)

É menor quem não tiver ainda completado dezassete anos de idade.

Artigo 119º

(Incapacidade dos menores)

Salvo disposição em contrário, os menores carecem de capacidade para o exercício de direitos.

Artigo 120º

(Suprimento da incapacidade dos menores)

A incapacidade dos menores é suprida pelo poder paternal e, subsidiariamente, pela tutela, conforme se dispõe nos lugares respectivos.

Artigo 121º

(Anulabilidade dos actos dos menores)

1. Sem prejuízo do disposto no n.º 2 do Artigo 278º, os negó-cios jurídicos celebrados pelo menor podem ser anulados:

a) A requerimento, conforme os casos, do progenitor que exerça o poder paternal, do tutor ou do administrador de bens, desde que a acção seja proposta no prazo de um ano a contar do conhecimento que o requerente haja tido do negócio impugnado, mas nunca depois de o menor atingir a maioridade ou ser emancipado, salvo o disposto no Artigo 127º;

b) A requerimento do próprio menor, no prazo de um ano a contar da sua maioridade ou emancipação;

c) A requerimento de qualquer herdeiro do menor, no prazo de um ano a contar da morte deste, ocorrida antes de expirar o prazo referido na alínea anterior.

2. A anulabilidade é sanável mediante confirmação do menor depois de atingir a maioridade ou ser emancipado, ou por confirmação do progenitor que exerça o poder paternal, tutor ou administrador de bens, tratando-se de acto que algum deles pudesse celebrar como representante do menor.

Artigo 122º

(Dolo do menor)

Não tem o direito de invocar a anulabilidade o menor que para praticar o acto tenha usado de dolo com o fim de se fazer passar por maior ou emancipado.

Artigo 123º

(Excepções à incapacidade dos menores)

1. São excepcionalmente válidos, além de outros previstos na lei:

a) Os actos de administração ou disposição de bens que o maior de dezasseis anos haja adquirido por seu trabalho;

b) Os negócios jurídicos próprios da vida corrente do menor que, estando ao alcance da sua capacidade natural, só impliquem despesas, ou disposições de bens, de pequena importância;

c) Os negócios jurídicos relativos à profissão, arte ou ofício que o menor tenha sido autorizado a exercer, ou os praticados no exercício dessa profissão, arte ou ofício.

2. Pelos actos relativos à profissão, arte ou ofício do menor e pelos actos praticados no exercício dessa profissão, arte ou ofício só respondem os bens de que o menor tiver a livre disposição.

Artigo 124º

(Dever de obediência)

Em tudo o quanto não seja ilícito ou imoral, devem os menores não emancipados obedecer a seus pais ou tutor e cumprir os seus preceitos.

Artigo 125º

(Termo da incapacidade dos menores)

A incapacidade dos menores termina quando eles atingem a maioridade ou são emancipados, salvas as restrições da lei.

SUBSECÇÃO II

Maioridade e emancipação

Artigo 126º

(Efeitos da maioridade)

Aquele que perfizer dezassete anos de idade adquire plena capacidade de exercício de direitos, ficando habilitado a reger a sua pessoa e a dispor dos seus bens.

Artigo 127º

(Pendência da acção de interdição ou inabilitação)

Estando, porém, pendente contra o menor, ao atingir a maioridade, acção de interdição ou inabilitação, mantém-se o poder paternal ou a tutela até ao trânsito em julgado da respectiva sentença.

Artigo 128º

(Emancipação)

O menor é, de pleno direito, emancipado pelo casamento.

Artigo 129º

(Efeitos da emancipação)

A emancipação atribui ao menor plena capacidade de exercício de direitos, habilitando-o a reger a sua pessoa e a dispor livremente dos seus bens como se fosse maior, salvo o disposto no Artigo 1536º.

SUBSECÇÃO III

Interdições

Artigo 130º

(Pessoas sujeitas a interdição)

1. Podem ser interditos do exercício dos seus direitos todos aqueles que por anomalia psíquica, surdez-mudez ou cegueira se mostrem incapazes de governar suas pessoas e bens.

2. As interdições são aplicáveis a maiores; mas podem ser requeridas e decretadas dentro do ano anterior à maioridade, para produzirem os seus efeitos a partir do dia em que o menor se torne maior.

Artigo 131º

(Capacidade do interdito e regime da interdição)

Sem prejuízo do disposto nos Artigos seguintes, o interdito é equiparado ao menor, sendo-lhe aplicáveis, com as necessárias adaptações, as disposições que regulam a incapacidade por menoridade e fixam os meios de suprir o poder paternal.

Artigo 132º

(Competência dos tribunais comuns)

Pertence ao tribunal por onde corre o processo de interdição a competência atribuída ao tribunal competente para a regulação do suprimento do poder paternal.

Artigo 133º

(Legitimidade)

1. A interdição pode ser requerida pelo cônjuge do interditando, pelo tutor ou curador deste, por qualquer parente sucessível ou pelo Ministério Público.

2. Se o interditando estiver sob o poder paternal, só têm legitimidade para requerer a interdição os progenitores que exercerem aquele poder e o Ministério Público.

Artigo 134º

(Providências provisórias)

1. Em qualquer altura do processo pode ser nomeado um tutor provisório que celebre em nome do interditando, com autorização do tribunal, os actos cujo adiamento possa causar-lhe prejuízo.

2. Pode também ser decretada a interdição provisória, se houver necessidade urgente de providenciar quanto à pessoa e bens do interditando.

Artigo 135º

(A quem incumbe a tutela)

1. A tutela é deferida pela ordem seguinte:

a) Ao cônjuge do interdito, salvo se estiver separado judicialmente de pessoas e bens ou separado de facto por culpa sua, ou se for por outra causa legalmente incapaz;

b) À pessoa designada pelos pais ou pelo progenitor que exercer o poder paternal, em testamento ou documento autêntico ou autenticado;

c) A qualquer dos progenitores do interdito que, de acordo com o interesse deste, o tribunal designar;

d) Aos filhos maiores, preferindo o mais velho, salvo se o tribunal, ouvido o conselho de família, entender que algum dos outros dá maiores garantias de bom desempenho do cargo.

2. Quando não seja possível ou razões ponderosas desaconselham o deferimento da tutela nos termos do número anterior, cabe ao tribunal designar tutor, ouvido o conselho de família.

Artigo 136º

(Exercício do poder paternal)

Recaindo a tutela no pai ou na mãe, exercem estes o poder paternal como se dispõe nos Artigos 1758º e seguintes.

Artigo 137º

(Dever especial de tutor)

O tutor deve cuidar especialmente da saúde do interdito, podendo para esse efeito alienar os bens deste, obtida a necessária autorização judicial.

Artigo 138º

(Escusa da tutela e exoneração do tutor)

1. O cônjuge do interdito, bem como os descendentes ou ascendentes deste, não podem escusar-se da tutela, nem ser dela exonerados, salvo se tiver havido violação do disposto no Artigo 135º.

2. Os descendentes do interdito podem, contudo, ser exonerados a seu pedido ao fim de cinco anos, se existirem outros descendentes igualmente idóneos para o exercício do cargo.

Artigo 139º

(Publicidade da interdição)

À sentença de interdição definitiva é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos Artigos 1804º e 1805º.

Artigo 140º

(Actos do interdito posteriores ao registo da sentença)

São anuláveis os negócios jurídicos celebrados pelo interdito depois do registo da sentença de interdição definitiva.

Artigo 141º

(Actos praticados no decurso da acção)

1. São igualmente anuláveis os negócios jurídicos celebrados pelo incapaz depois de anunciada a proposição da acção nos termos da lei de processo, contanto que a interdição venha a ser definitivamente decretada e se mostre que o negócio causou prejuízo ao interdito.

2. O prazo dentro do qual a acção de anulação deve ser proposta só começa a contar-se a partir do registo da sentença.

Artigo 142º

(Actos anteriores à publicidade da acção)

Aos negócios celebrados pelo incapaz antes de anunciada a proposição da acção é aplicável o disposto acerca da incapacidade acidental.

Artigo 143º

(Levantamento da interdição)

Cessando a causa que determinou a interdição, pode esta ser levantada a requerimento do próprio interdito ou das pessoas mencionadas no n.º 1 do Artigo 133º.

SUBSECÇÃO IV

Inabilitações

Artigo 144º

(Pessoas sujeitas a inabilitação)

Podem ser inabilitados os indivíduos cuja anomalia psíquica, surdez-mudez ou cegueira, embora de carácter permanente, não seja de tal modo grave que justifique a sua interdição, assim como aqueles que, pela sua habitual prodigalidade ou pelo uso de bebidas alcoólicas ou de estupefacientes, se mostrem incapazes de reger convenientemente o seu património.

Artigo 145º

(Suprimento da inabilidade)

1. Os inabilitados são assistidos por um curador, a cuja autorização estão sujeitos os actos de disposição de bens entre vivos e todos os que, em atenção às circunstâncias de cada caso, forem especificados na sentença.

2. A autorização do curador pode ser judicialmente suprida.

Artigo 146º

(Administração dos bens do inabilitado)

1. A administração do património do inabilitado pode ser entregue pelo tribunal, no todo ou em parte, ao curador.

2. Neste caso, há lugar à constituição do conselho de família e designação do vogal que, como subcurador exerça as funções que na tutela cabem ao protutor.

3. O curador deve prestar contas da sua administração.

Artigo 147º

(Levantamento da inabilitação)

Quando a inabilitação tiver por causa a prodigalidade ou o abuso de bebidas alcoólicas ou de estupefacientes, o seu levantamento não é deferido antes que decorram cinco anos sobre o trânsito em julgado da sentença que a decretou ou da decisão que haja desatendido um pedido anterior.

Artigo 148º

(Regime supletivo)

Em tudo quanto se não ache especialmente regulado nesta subsecção é aplicável à inabilitação, com as necessárias adaptações, o regime das interdições.

CAPÍTULO II

Pessoas colectivas

SECÇÃO I

Disposições gerais

Artigo 149º

(Campo de aplicação)

As disposições do presente capítulo são aplicáveis às associações que não tenham por fim o lucro económico dos associados, às fundações de interesse social, e ainda às sociedades, quando a analogia das situações o justifique.

Artigo 150º

(Aquisição da personalidade)

1. As associações constituídas por escritura pública ou por outro meio legalmente admitido, que contenham as especificações referidas no n.º 1 do Artigo 159º, gozam de personalidade jurídica.

2. As fundações adquirem personalidade jurídica pelo reconhecimento, o qual é individual e da competência da autoridade administrativa.

Artigo 151º

(Nulidade do acto de constituição ou instituição)

É aplicável à constituição de pessoas colectivas o disposto no Artigo 271º, devendo o Ministério Público promover a declaração judicial da nulidade.

Artigo 152º

(Sede)

A sede da pessoa colectiva é a que os respectivos estatutos fixarem ou, na falta de designação estatutária, o lugar em que funciona normalmente a administração principal.

Artigo 153º

(Capacidade)

1. A capacidade das pessoas colectivas abrange todos os direitos e obrigações necessários ou convenientes à prossecução dos seus fins.

2. Exceptuam-se os direitos e obrigações vedados por lei ou que sejam inseparáveis da personalidade singular.

Artigo 154º

(Órgãos)

Os estatutos da pessoa colectiva designam os respectivos órgãos, entre os quais há um órgão colegial de administração e um conselho fiscal, ambos eles constituídos por um número ímpar de titulares, dos quais um é o presidente.

Artigo 155º

(Representação)

1. A representação da pessoa colectiva, em juízo e fora dele, cabe a quem os estatutos determinarem ou, na falta de disposição estatutária, à administração ou a quem por ela for designado.

2. A designação de representantes por parte da administração só é oponível a terceiros quando se prove que estes a conheciam.

Artigo 156º

(Obrigações e responsabilidade dos titulares dos órgãos da pessoa colectiva)

1. As obrigações e a responsabilidade dos titulares dos órgãos das pessoas colectivas para com estas são definidas nos respectivos estatutos, aplicando-se, na falta de disposições estatutárias, as regras do mandato com as necessárias adaptações.

2. Os membros dos corpos gerentes não podem abster-se de votar nas deliberações tomadas em reuniões a que estejam presentes, e são responsáveis pelos prejuízos delas decorrentes, salvo se houverem manifestado a sua discordância.

Artigo 157º

(Responsabilidade civil das pessoas colectivas)

As pessoas colectivas respondem civilmente pelos actos ou omissões dos seus representantes, agentes ou mandatários nos mesmos termos em que os comitentes respondem pelos actos ou omissões dos seus comissários.

Artigo 158º

(Destino dos bens no caso de extinção)

1. Extinta a pessoa colectiva, se existirem bens que lhe tenham sido doados ou deixados com qualquer encargo ou que estejam afectados a um certo fim, o tribunal, a requerimento do Ministério Público, dos liquidatários, de qualquer associado ou interessado, ou ainda de herdeiros do doador ou do autor da deixa testamentária, atribui-os, com o mesmo encargo ou afectação, a outra pessoa colectiva.

2. Os bens não abrangidos pelo número anterior têm o destino que lhes for fixado pelos estatutos ou por deliberação dos associados, sem prejuízo do disposto em leis especiais; na falta de fixação ou de lei especial, o tribunal, a requerimento do Ministério Público, dos liquidatários, ou de qualquer associado ou interessado, determina que sejam atribuídos a outra pessoa colectiva ou ao Estado, assegurando, tanto quanto possível, a realização dos fins da pessoa extinta.



SECÇÃO II

Associações

Artigo 159º

(Acto de constituição e estatutos)

1. O acto de constituição da associação especifica os bens ou serviços com que os associados concorrem para o património social, a denominação, fim e sede da pessoa colectiva, a forma do seu funcionamento, assim como a sua duração, quando a associação se não constitua por tempo indeterminado.

2. Os estatutos podem especificar ainda os direitos e obrigações dos associados, as condições da sua admissão, saída e exclusão, bem como os termos da extinção da pessoa colectiva e consequente devolução do seu património.

Artigo 160º

(Forma e publicidade)

1. O acto de constituição da associação, os estatutos e as suas alterações devem constar de escritura pública, sem prejuízo do disposto em lei especial.

2. O notário deve, oficiosamente, a expensas da associação, comunicar a constituição e estatutos, bem como as alterações destes, à autoridade administrativa e ao Ministério Público e remeter ao jornal oficial um extracto para publicação.

3. O acto de constituição, os estatutos e as suas alterações não produzem efeitos em relação a terceiros, enquanto não forem publicados nos termos do número anterior.

Artigo 161º

(Titulares dos órgãos da associação e revogação dos seus poderes)

1. É a assembleia geral que elege os titulares dos órgãos da associação, sempre que os estatutos não estabeleçam outro processo de escolha.

2. As funções dos titulares eleitos ou designados são revogáveis, mas a revogação não prejudica os direitos fundados no acto de constituição.

3. O direito de revogação pode ser condicionado pelos estatutos à existência de justa causa.

Artigo 162º

(Convocação e funcionamento do órgão da administração e do conselho fiscal)

1. O órgão da administração e o conselho fiscal são convocados pelos respectivos presidentes e só podem deliberar com a presença da maioria dos seus titulares.

2. Salvo disposição legal ou estatutária em contrário, as deliberações são tomadas por maioria de votos dos titulares presentes, tendo o presidente, além do seu voto, direito a voto de desempate.

Artigo 163º

(Competência da assembleia geral)

1. Competem à assembleia geral todas as deliberações não compreendidas nas atribuições legais ou estatutárias de outros órgãos da pessoa colectiva.

2. São, necessariamente, da competência da assembleia geral a destituição dos titulares dos órgãos da associação, a aprovação do balanço, a alteração dos estatutos, a extinção da associação e a autorização para esta demandar os administradores por factos praticados no exercício do cargo.

Artigo 164º

(Convocação da assembleia)

1. A assembleia geral deve ser convocada pela administração nas circunstâncias fixadas pelos estatutos e, em qualquer caso, uma vez em cada ano para aprovação do balanço.

2. A assembleia é ainda convocada sempre que a convocação seja requerida, com um fim legítimo, por um conjunto de associados não inferior à quinta parte da sua totalidade, se outro número não for estabelecido nos estatutos.

3. Se a administração não convocar a assembleia nos casos em que deve fazê-lo, a qualquer associado é lícito efectuar a convocação.

Artigo 165º

(Forma de convocação)

1. A assembleia geral é convocada por meio de aviso postal, expedido para cada um dos associados com a antecedência mínima de oito dias; no aviso indica-se o dia, hora e local da reunião e a respectiva ordem do dia.

2. São anuláveis as deliberações tomadas sobre matéria estranha à ordem do dia, salvo se todos os associados comparecerem à reunião e todos concordarem com o aditamento.

3. A comparência de todos os associados sanciona quaisquer irregularidades da convocação, desde que nenhum deles se oponha à realização da assembleia.

Artigo 166º

(Funcionamento)

1. A assembleia não pode deliberar, em primeira convocação, sem a presença de metade, pelo menos, dos seus associados.

2. Salvo o disposto nos números seguintes, as deliberações são tomadas por maioria absoluta dos associados presentes.

3. As deliberações sobre alterações dos estatutos exigem o voto favorável de três quartos do número dos associados presentes.

4. As deliberações sobre a dissolução ou prorrogação da pessoa colectiva requerem o voto favorável de três quartos do número de todos os associados.

5. Os estatutos podem exigir um número de votos superior ao fixado nas regras anteriores.

Artigo 167º

(Privação do direito de voto)

1. O associado não pode votar, por si ou como representante de outrem, nas matérias em que haja conflito de interesses entre a associação e ele, seu cônjuge, ascendentes ou descendentes.

2. As deliberações tomadas com infracção do disposto no número anterior são anuláveis se o voto do associado impedido for essencial à existência da maioria necessária.

Artigo 168º

(Deliberações contrárias à lei ou aos estatutos)

As deliberações da assembleia geral contrárias à lei ou aos estatutos, seja pelo seu objecto, seja por virtude de irregularidades havidas na convocação dos associados ou no funcionamento da assembleia, são anuláveis.

Artigo 169º

(Regime da anulabilidade)

1. A anulabilidade prevista nos Artigos anteriores pode ser arguida, dentro do prazo de seis meses, pelo órgão da administração ou por qualquer associado que não tenha votado a deliberação.

2. Tratando-se de associado que não foi convocado regularmente para a reunião da assembleia, o prazo só começa a correr a partir da data em que ele teve conheci-mento da deliberação.

Artigo 170º

(Protecção dos direitos de terceiro)

A anulação das deliberações da assembleia não prejudica os direitos que terceiro de boa fé haja adquirido em execução das deliberações anuladas.

Artigo 171º

(Natureza pessoal da qualidade de associado)

Salvo disposição estatutária em contrário, a qualidade de associado não é transmissível, quer por acto entre vivos, quer por sucessão; o associado não pode incumbir outrem de exercer os seus direitos pessoais.

Artigo 172º

(Efeitos da saída ou exclusão)

O associado que por qualquer forma deixar de pertencer à associação não tem o direito de repetir as quotizações que haja pago e perde o direito ao património social, sem prejuízo da sua responsabilidade por todas as prestações relativas ao tempo em que foi membro da associação.

Artigo 173º

(Causas de extinção)

1. As associações extinguem-se:

a) Por deliberação da assembleia geral;

b) Pelo decurso do prazo, se tiverem sido constituídas temporariamente;

c) Pela verificação de qualquer outra causa extintiva prevista no acto de constituição ou nos estatutos;

d) Pelo falecimento ou desaparecimento de todos os associados;

e) Por decisão judicial que declare a sua insolvência.

2. As associações extinguem-se ainda por decisão judicial:

a) Quando o seu fim se tenha esgotado ou se haja tornado impossível;

b) Quando o seu fim real não coincida com o fim expresso no acto de constituição ou nos estatutos;

c) Quando o seu fim seja sistematicamente prosseguido por meios ilícitos ou imorais;

d) Quando a sua existência se torne contrária à ordem pública.

Artigo 174º

(Declaração da extinção)

1. Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1 do Artigo anterior, a extinção só se produz se, nos trinta dias subsequentes à data em que devia operar-se, a assembleia geral não decidir a prorrogação da associação ou a modificação dos estatutos.

2. Nos casos previstos no n.º 2 do Artigo precedente, a declara-ção da extinção pode ser pedida em juízo pelo Ministério Público ou por qualquer interessado.

3. A extinção por virtude da declaração de insolvência dá-se em consequência da própria declaração.

Artigo 175º

(Efeitos da extinção)

1. Extinta a associação, os poderes dos seus órgãos ficam limitados à prática dos actos meramente conservatórios e dos necessários, quer à liquidação do património social, quer à ultimação dos negócios pendentes; pelos actos restantes e pelos danos que deles advenham à associação respondem solidariamente os administradores que os praticarem.

2. Pelas obrigações que os administradores contraírem, a associação só responde perante terceiros se estes estavam de boa fé e à extinção não tiver sido dada a devida publicidade.

SECÇÃO III

Fundações

Artigo 176º

(Instituição e sua revogação)

1. As fundações podem ser instituídas por acto entre vivos ou por testamento, valendo como aceitação dos bens a elas destinados, num caso ou noutro, o reconhecimento respectivo.

2. O reconhecimento pode ser requerido pelo instituidor, seus herdeiros ou executores testamentários, ou ser oficiosamente promovido pela autoridade competente.

3. A instituição por actos entre vivos deve constar de escritura pública e torna-se irrevogável logo que seja requerido o reconhecimento ou principie o respectivo processo oficioso.

4. Aos herdeiros do instituidor não é permitido revogar a instituição, sem prejuízo do disposto acerca da sucessão legitimária.

5. Ao acto de instituição da fundação, quando conste de escritura pública, bem como, em qualquer caso, aos estatutos e suas alterações, é aplicável o disposto na parte final do Artigo 160º.

Artigo 177º

(Acto de instituição e estatutos)

1. No acto de instituição deve o instituidor indicar o fim da fundação e especificar os bens que lhe são destinados.

2. No acto de instituição ou nos estatutos pode o instituidor providenciar ainda sobre a sede, organização e funcionamento da fundação, regular os termos da sua transformação ou extinção e fixar o destino dos respectivos bens.

Artigo 178º

(Estatutos lavrados por pessoa diversa do instituidor)

1. Na falta de estatutos lavrados pelo instituidor ou na insuficiência deles, constando a instituição de testamento, é aos executadores deste que compete elaborá-los ou completá-los.

2. A elaboração total ou parcial dos estatutos incumbe à pró-pria autoridade competente para o reconhecimento da fundação, quando o instituidor os não tenha feito e a instituição não conste de testamento, ou quando os executores testamentários os não lavrem dentro do ano posterior à abertura da sucessão.

3. Na elaboração dos estatutos tem se em conta, na medida do possível, a vontade real ou presumível do fundador.

Artigo 179º

(Reconhecimento)

1. Não é reconhecida a fundação cujo fim não for considerado de interesse social pela entidade competente.

2. É igualmente negado o reconhecimento, quando os bens afectados à fundação se mostrem insuficientes para a prossecução do fim visado e não haja fundadas expectati-vas de suprimento da insuficiência.

3. Negado o reconhecimento por insuficiência do património, fica a instituição sem efeito, se o instituidor for vivo; mas, se já houver falecido, são os bens entregues a uma associação ou fundação de fins análogos, que a entidade competente designar, salvo disposição do instituidor em contrário.

Artigo 180º

(Modificação dos estatutos)

Os estatutos da fundação podem a todo o tempo ser modificados pela autoridade competente para o reconheci-mento, sob proposta da respectiva administração, contanto que não haja alteração essencial do fim da instituição e se não contrarie a vontade do fundador.

Artigo 181º

(Transformação)

1. Ouvida a administração, e também o fundador, se for vivo, a entidade competente para o reconhecimento pode atribuir à fundação um fim diferente:

a) Quando tiver sido inteiramente preenchido o fim para que foi instituída ou este se tiver tornado impossível;

b) Quando o fim da instituição deixar de revestir interesse social;

c) Quando o património se tornar insuficiente para a realização do fim previsto.

2. O novo fim deve aproximar-se, no que for possível, do fim fixado pelo fundador.

3. Não há lugar à mudança de fim, se o acto de instituição prescrever a extinção da fundação.

Artigo 182º

(Encargo prejudicial aos fins da fundação)

1. Estando o património da fundação onerado com encargos cujo cumprimento impossibilite ou dificulte gravemente o preenchimento do fim institucional, pode a entidade competente para o reconhecimento sob proposta da administração, suprimir, reduzir ou comutar esses encargos, ouvido o fundador, se for vivo.

2. Se, porém, o encargo tiver sido motivo essencial da instituição, pode a mesma entidade considerar o seu cumprimento como fim da fundação, ou incorporar a fundação noutra pessoa colectiva capaz de satisfazer o encargo à custa do património incorporado, sem prejuízo dos seus próprios fins.

Artigo 183º

(Causas de extinção)

1. As fundações extinguem-se:

a) Pelo decurso do prazo, se tiverem sido constituídas temporariamente;

b) Pela verificação de qualquer outra causa extintiva prevista no acto de instituição;

c) Por decisão judicial que declare a sua insolvência.

2. As fundações podem ainda ser extintas pela entidade competente para o reconhecimento:

a) Quando o seu fim se tenha esgotado ou se haja tornado impossível;

b) Quando o seu fim real não coincida com o fim expresso no acto de instituição;

c) Quando o seu fim seja sistematicamente prosseguido por meios ilícitos ou imorais;

d) Quando a sua existência se torne contrária à ordem pública.

Artigo 184º

(Declaração da extinção)

Quando ocorra alguma das causas extintivas previstas no n.º 1 do Artigo anterior, a administração da fundação comunica o facto à autoridade competente para o reconhecimento, a fim de esta declarar a extinção e tomar as providências que julgue convenientes para a liquidação do património.

Artigo 185º

(Efeitos da extinção)

Extinta a fundação, na falta de providências especiais em contrário tomadas pela autoridade competente, é aplicável o disposto no Artigo 175º.

CAPÍTULO III

Associações sem personalidade jurídica e comissões especiais

Artigo 186º

(Organização e administração)

1. À organização interna e administração das associações sem personalidade jurídica são aplicáveis as regras estabelecidas pelos associados e, na sua falta, as disposições legais relativas às associações, exceptuadas as que pressupõem a personalidade destas.

2. As limitações impostas aos poderes normais dos administradores só são oponíveis a terceiro quando este as conhecia ou devia conhecer.

3. À saída dos associados é aplicável o disposto no Artigo 172º.

Artigo 187º

(Fundo comum das associações)

1. As contribuições dos associados e os bens com elas adquiridos constituem o fundo comum da associação.

2. Enquanto a associação subsistir, nenhum associado pode exigir a divisão do fundo comum e nenhum credor dos associados tem o direito de o fazer excutir.

Artigo 188º

(Liberalidades)

1. As liberalidades em favor de associações sem personalidade jurídica consideram-se feitas aos respectivos associados, nessa qualidade, salvo se o autor tiver condicionado a deixa ou doação à aquisição da personalidade jurídica; neste caso, se tal aquisição se não verificar dentro do prazo de um ano, fica a disposição sem efeito.

2. Os bens deixados ou doados à associação sem personali-dade jurídica acrescem ao fundo comum, independen-temente de outro acto de transmissão.

Artigo 189º

(Responsabilidade por dívidas)

1. Pelas obrigações validamente assumidas em nome da associação responde o fundo comum e, na falta ou insuficiência deste, o património daquele que as tiver contraído; sendo o acto praticado por mais de uma pessoa, respondem todas solidariamente.

2. Na falta ou insuficiência do fundo comum e do património dos associados directamente responsáveis, têm os credores acção contra os restantes associados, que respondem proporcionalmente à sua entrada para o fundo comum.

3. A representação em juízo do fundo comum cabe àqueles que tiverem assumido a obrigação.

Artigo 190º

(Comissões especiais)

As comissões constituídas para realizar qualquer plano de socorro ou beneficência, ou promover a execução de obras públicas, monumentos, festivais, exposições, festejos e actos semelhantes, se não pedirem o reconhecimento da personali-dade da associação ou não a obtiverem, ficam sujeitas, na falta de lei em contrário, às disposições subsequentes.

Artigo 191º

(Responsabilidade dos organizadores e administradores)

1. Os membros da comissão e os encarregados de administrar os seus fundos são pessoal e solidariamente responsáveis pela conservação dos fundos recolhidos e pela sua afectação ao fim anunciado.

2. Os membros da comissão respondem ainda, pessoal e solidariamente, pelas obrigações contraídas em nome dela.

3. Os subscritores só podem exigir o valor que tiverem subscrito quando se não cumpra, por qualquer motivo, o fim para que a comissão foi constituída.

Artigo 192º

(Aplicação dos bens a outro fim)

1. Se os fundos angariados forem insuficientes para o fim anunciado, ou este se mostrar impossível, ou restar algum saldo depois de satisfeito o fim da comissão, os bens têm a aplicação prevista no acto constitutivo da comissão ou no programa anunciado.

2. Se nenhuma aplicação tiver sido prevista e a comissão não quiser aplicar os bens a um fim análogo, cabe à autoridade administrativa prover sobre o seu destino, respeitando na medida do possível a intenção dos subscritores.

SUBTÍTULO II

Das coisas

Artigo 193º

(Noção)

1. Diz-se coisa tudo aquilo que pode ser objecto de relações jurídicas.

2. Consideram-se, porém, fora do comércio todas as coisas que não podem ser objecto de direitos privados, tais como as que se encontram no domínio público e as que são, por sua natureza, insusceptíveis de apropriação individual.

Artigo 194º

(Classificação das coisas)

As coisas são imóveis ou móveis, simples ou compostas, fungíveis ou não fungíveis, consumíveis ou não consumíveis, divisíveis ou indivisíveis, principais ou acessórias, presentes ou futuras.

Artigo 195º

(Coisas imóveis)

1. São coisas imóveis:

a) Os prédios rústicos e urbanos;

b) As águas;

c) As árvores, os arbustos e os frutos naturais, enquanto estiverem ligados ao solo;

d) Os direitos inerentes aos imóveis mencionados nas alíneas anteriores;

e) As partes integrantes dos prédios rústicos e urbanos.

2. Entende-se por prédio rústico uma parte delimitada do solo e as construções nele existentes que não tenham autonomia económica, e por prédio urbano qualquer edifício incorporado no solo, com os terrenos que lhe sirvam de logradouro.

3. É parte integrante toda a coisa móvel ligada materialmente ao prédio com carácter de permanência.

Artigo 196º

(Coisas móveis)

1. São móveis todas as coisas não compreendidas no Artigo anterior.

2. Às coisas móveis sujeitas a registo público é aplicável o regime das coisas móveis em tudo o que não seja especialmente regulado.

Artigo 197º

(Coisas compostas)

1. É havida como coisa composta, ou universalidade de fac-to, a pluralidade de coisas móveis que, pertencendo à mesma pessoa, têm um destino unitário.

2. As coisas singulares que constituem a universalidade podem ser objecto de relações jurídicas próprias.

Artigo 198º

(Coisas fungíveis)

São fungíveis as coisas que se determinam pelo seu género, qualidade e quantidade, quando constituam objecto de relações jurídicas.

Artigo 199º

(Coisas consumíveis)

São consumíveis as coisas cujo uso regular importa a sua destruição ou a sua alienação.

Artigo 200º

(Coisas divisíveis)

São divisíveis as coisas que podem ser fraccionadas sem alteração da sua substância, diminuição de valor ou prejuízo para o uso a que se destinam.

Artigo 201º

(Coisas acessórias)

1. São coisas acessórias, ou pertenças, as coisas móveis que, não constituindo partes integrantes, estão afectadas por forma duradoura ao serviço ou ornamentação de uma outra.

2. Os negócios jurídicos que têm por objecto a coisa principal não abrangem, salvo declaração em contrário, as coisas acessórias.

Artigo 202º

(Coisas futuras)

São coisas futuras as que não estão em poder do disponente, ou a que este não tem direito, ao tempo da declaração negocial.

Artigo 203º

(Frutos)

1. Diz-se fruto de uma coisa tudo o que ela produz periodicamente, sem prejuízo da sua substância.

2. Os frutos são naturais ou civis; dizem-se naturais os que provêm directamente da coisa, e civis as rendas ou interesses que a coisa produz em consequência de uma relação jurídica.

3. Consideram-se frutos das universalidades de animais as crias não destinadas à substituição das cabeças que por qualquer causa vierem a faltar, os despojos, e todos os proventos auferidos, ainda que a título eventual.

Artigo 204º

(Partilha dos frutos)

1. Os que têm direito aos frutos naturais até um momento determinado, ou a partir de certo momento, fazem seus todos os frutos percebidos durante a vigência do seu direito.

2. Quanto a frutos civis, a partilha faz-se proporcionalmente à duração do direito.

Artigo 205º

(Frutos colhidos prematuramente)

Quem colher prematuramente frutos naturais é obrigado a restituí-los, se vier a extinguir-se o seu direito antes da época normal das colheitas.

Artigo 206º

(Restituição de frutos)

1. Quem for obrigado por lei à restituição de frutos percebidos tem direito a ser indemnizado das despesas de cultura, sementes e matérias-primas e dos restantes encargos de produção e colheita, desde que não sejam superiores ao valor desses frutos.

2. Quando se trate de frutos pendentes, o que é obrigado à entrega da coisa não tem direito a qualquer indemnização, salvo nos casos especialmente previstos na lei.

Artigo 207º

(Benfeitorias)

1. Consideram-se benfeitorias todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa.

2. As benfeitorias são necessárias, úteis ou voluptuárias.

3. São benfeitorias necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa; úteis as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor; voluptuárias as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante.



SUBTÍTULO III

DOS FACTOS JURÍDICOS

CAPÍTULO I

Negócio jurídico

SECÇÃO I

Declaração negocial

SUBSECÇÃO I

Modalidades da declaração

Artigo 208º

(Declaração expressa e declaração tácita)

1. A declaração negocial pode ser expressa ou tácita: é expres-sa, quando feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio directo de manifestação da vontade, e tácita, quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam.

2. O carácter formal da declaração não impede que ela seja emitida tacitamente, desde que a forma tenha sido observada quanto aos factos de que a declaração se deduz.

Artigo 209º

(O silêncio como meio declarativo)

O silêncio vale como declaração negocial, quando esse valor lhe seja atribuído por lei, uso ou convenção.

SUBSECÇÃO II

Forma

Artigo 210º

(Liberdade de forma)

A validade da declaração negocial não depende da observância de forma especial, salvo quando a lei a exigir.

Artigo 211º

(Inobservância da forma legal)

A declaração negocial que careça da forma legalmente prescrita é nula, quando outra não seja a sanção especialmente prevista na lei.

Artigo 212º

(Âmbito da forma legal)

1. As estipulações verbais acessórias anteriores ao documen-to legalmente exigido para a declaração negocial, ou contemporâneas dele, são nulas, salvo quando a razão determinante da forma lhes não seja aplicável e se prove que correspondem à vontade do autor da declaração.

2. As estipulações posteriores ao documento só estão sujeitas à forma legal prescrita para a declaração se as razões da exigência especial da lei lhe forem aplicáveis.

Artigo 213º

(Âmbito da forma voluntária)

1. Se a forma escrita não for exigida por lei, mas tiver sido adoptada pelo autor da declaração, as estipulações verbais acessórias anteriores ao escrito, ou contemporâneas dele, são válidas, quando se mostre que correspondem à vontade do declarante e a lei as não sujeite à forma escrita.

2. As estipulações verbais posteriores ao documento são válidas, excepto se, para o efeito, a lei exigir a forma escrita.

Artigo 214º

(Forma convencional)

1. Podem as partes estipular uma forma especial para a declaração; presume-se, neste caso, que as partes se não querem vincular senão pela forma convencionada.

2. Se, porém, a forma só for convencionada depois de o negócio estar concluído ou no momento da sua conclusão, e houver fundamento para admitir que as partes se quiseram vincular desde logo, presume-se que a convenção teve em vista a consolidação do negócio, ou qualquer outro efeito, mas não a sua substituição.

SUBSECÇÃO III

Perfeição da declaração negocial

Artigo 215º

(Eficácia da declaração negocial)

1. A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida; as outras, logo que a vontade do declarante se manifesta na forma adequada.

2. É também considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida.

3. A declaração recebida pelo destinatário em condições de, sem culpa sua, não poder ser conhecida é ineficaz.

Artigo 216º

(Anúncio público da declaração)

A declaração pode ser feita mediante anúncio publicado num dos jornais da residência do declarante, quando se dirija a pessoa desconhecida ou cujo paradeiro seja por aquele ignorado.

Artigo 217º

(Morte, incapacidade ou indisponibilidade superveniente)

1. A morte ou incapacidade do declarante, posterior à emissão da declaração, não prejudica a eficácia desta, salvo se o contrário resultar da própria declaração.

2. A declaração é ineficaz, se o declarante, enquanto o destinatário não a receber ou dela não tiver conhecimento, perder o poder de disposição do direito a que ela se refere.

Artigo 218º

(Culpa na formação dos contratos)

1. Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte.

2. A responsabilidade prescreve nos termos do Artigo 432º.

Artigo 219º

(Duração da proposta contratual)

1. A proposta do contrato obriga o proponente nos termos seguintes:

a) Se for fixado pelo proponente ou convencionado pelas partes um prazo para a aceitação, a proposta mantém-se até o prazo findar;

b) Se não for fixado prazo, mas o proponente pedir resposta imediata, a proposta mantém-se até que, em condições normais, esta e a aceitação cheguem ao seu destino;

c) Se não for fixado prazo e a proposta for feita a pessoa ausente ou, por escrito, a pessoa presente, mantém-se até cinco dias depois do prazo que resulta do preceituado na alínea precedente.

2. O disposto no número anterior não prejudica o direito de revogação da proposta nos termos em que a revogação é admitida no Artigo 221º.

Artigo 220º

(Recepção tardia)

1. Se o proponente receber a aceitação tardiamente, mas não tiver razões para admitir que ela foi expedida fora do tempo, deve avisar imediatamente o aceitante de que o contrato se não concluiu, sob pena de responder pelo prejuízo havido.

2. O proponente pode, todavia, considerar eficaz a resposta tardia, desde que ela tenha sido expedida em tempo oportuno; em qualquer outro caso, a formação do contrato depende de nova proposta e nova aceitação.

Artigo 221º

(Irrevogabilidade da proposta)

1. Salvo declaração em contrário, a proposta de contrato é irrevogável depois de ser recebida pelo destinatário ou de ser dele conhecida.

2. Se, porém, ao mesmo tempo que a proposta, ou antes dela, o destinatário receber a retractação do proponente ou tiver por outro meio conhecimento dela, fica a proposta sem efeito.

3. A revogação da proposta, quando dirigida ao público, é eficaz, desde que seja feita na forma da oferta ou em forma equivalente.

Artigo 222º

(Morte ou incapacidade do proponente ou do destinatário)

1. Não obsta à conclusão do contrato a morte ou incapacidade do proponente, excepto se houver fundamento para presumir que outra teria sido a sua vontade.

2. A morte ou incapacidade do destinatário determina a ineficácia da proposta.

Artigo 223º

(Âmbito do acordo de vontades)

O contrato não fica concluído enquanto as partes não houverem acordado em todas as cláusulas sobre as quais qualquer delas tenha julgado necessário o acordo.

Artigo 224º

(Aceitação com modificações)

A aceitação com aditamentos, limitações ou outras modifica-ções importa a rejeição da proposta; mas, se a modificação for suficientemente precisa, equivale a nova proposta, contanto que outro sentido não resulte da declaração.

Artigo 225º

(Dispensa da declaração de aceitação)

Quando a proposta, a própria natureza ou circunstâncias do negócio, ou os usos tornem dispensável a declaração de aceitação, tem-se o contrato por concluído logo que a conduta da outra parte mostre a intenção de aceitar a proposta.

Artigo 226º

(Revogação da aceitação ou da rejeição)

1. Se o destinatário rejeitar a proposta, mas depois a aceitar, prevalece a aceitação, desde que esta chegue ao poder do proponente, ou seja dele conhecida, ao mesmo tempo que a rejeição, ou antes dela.

2. A aceitação pode ser revogada mediante declaração que ao mesmo tempo, ou antes dela, chegue ao poder do proponente ou seja dele conhecida.

SUBSECÇÃO IV

Interpretação e integração

Artigo 227º

(Sentido normal da declaração)

1. A declaração negocial vale com o sentido que um declara-tário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.

2. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida.

Artigo 228º

(Casos duvidosos)

Em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, prevalece, nos negócios gratuitos, o menos gravoso para o disponente e, nos onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações.

Artigo 229º

(Negócios formais)

1. Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.

2. Esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade.

Artigo 230º

(Integração)

Na falta de disposição especial, a declaração negocial deve ser integrada de harmonia com a vontade que as partes teriam tido se houvessem previsto o ponto omisso, ou de acordo com os ditames da boa fé, quando outra seja a solução por eles imposta.

SUBSECÇÃO V

Falta e vícios da vontade

Artigo 231º

(Simulação)

1. Se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado.

2. O negócio simulado é nulo.

Artigo 232º

(Simulação relativa)

1. Quando sob o negócio simulado exista um outro que as partes quiseram realizar, é aplicável a este o regime que lhe corresponderia se fosse concluído sem dissimulação, não sendo a sua validade prejudicada pela nulidade do negócio simulado.

2. Se, porém, o negócio dissimulado for de natureza formal, só é válido se tiver sido observada a forma exigida por lei.

Artigo 233º

(Legitimidade para arguir a simulação)

1. Sem prejuízo do disposto no Artigo 277º, a nulidade do negócio simulado pode ser arguida pelos próprios simuladores entre si, ainda que a simulação seja fraudulenta.

2. A nulidade pode também ser invocada pelos herdeiros legitimários que pretendam agir em vida do autor da sucessão contra os negócios por ele simuladamente feitos com o intuito de os prejudicar.

Artigo 234º

(Inoponibilidade da simulação a terceiros de boa fé)

1. A nulidade proveniente da simulação não pode ser arguida pelo simulador contra terceiro de boa fé.

2. A boa fé consiste na ignorância da simulação ao tempo em que foram constituídos os respectivos direitos.

3. Considera-se sempre de má fé o terceiro que adquiriu o direito posteriormente ao registo da acção de simulação, quando a este haja lugar.

Artigo 235º

(Reserva mental)

1. Há reserva mental, sempre que é emitida uma declaração contrária à vontade real com o intuito de enganar o declaratário.

2. A reserva não prejudica a validade da declaração, excepto se for conhecida do declaratário; neste caso, a reserva tem os efeitos da simulação.

Artigo 236º

(Declarações não sérias)

1. A declaração não séria, feita na expectativa de que a falta de seriedade não seja desconhecida, carece de qualquer efeito.

2. Se, porém, a declaração for feita em circunstâncias que induzam o declaratário a aceitar justificadamente a sua seriedade, tem ele o direito de ser indemnizado pelo prejuízo que sofrer.

Artigo 237º

(Falta de consciência da declaração e coacção física)

A declaração não produz qualquer efeito, se o declarante não tiver a consciência de fazer uma declaração negocial ou for coagido pela força física a emiti-la; mas, se a falta de consciência da declaração foi devida a culpa, fica o declarante obrigado a indemnizar o declaratário.

Artigo 238º

(Erro na declaração)

Quando, em virtude de erro, a vontade declarada não corresponda à vontade real do autor, a declaração negocial é anulável, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro.

Artigo 239º

(Validação do negócio)

A anulabilidade fundada em erro na declaração não procede, se o declaratário aceitar o negócio como o declarante o queria.

Artigo 240º

(Erro de cálculo ou de escrita)

O simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá o direito à rectificação desta.

Artigo 241º

(Erro na transmissão da declaração)

1. A declaração negocial inexactamente transmitida por quem seja incumbido da transmissão pode ser anulada nos termos do Artigo 238º.

2. Quando, porém, a inexactidão for devida a dolo do intermediário, a declaração é sempre anulável.

Artigo 242º

(Erro sobre a pessoa ou sobre o objecto do negócio)

O erro que atinja os motivos determinantes da vontade, quando se refira à pessoa do declaratário ou ao objecto do negócio, torna este anulável nos termos do Artigo 238º.

Artigo 243º

(Erro sobre os motivos)

1. O erro que recaia nos motivos determinantes da vontade, mas se não refira à pessoa do declaratário nem ao objecto do negócio, só é causa de anulação se as partes houverem reconhecido, por acordo, a essencialidade do motivo.

2. Se, porém, recair sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio, é aplicável ao erro do declarante o dis-posto sobre a resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias vigentes no momento em que o negócio foi concluído.

Artigo 244º

(Dolo)

1. Entende-se por dolo qualquer sugestão ou artifício que alguém empregue com a intenção ou consciência de induzir ou manter em erro o autor da declaração, bem como a dissimulação, pelo declaratário ou terceiro, do erro do declarante.

2. Não constituem dolo ilícito as sugestões ou artifícios usuais, considerados legítimos segundo as concepções dominan-tes no comércio jurídico, nem a dissimulação do erro, quando nenhum dever de elucidar o declarante resulte da lei, de estipulação negocial ou daquelas concepções.

Artigo 245º

(Efeitos do dolo)

1. O declarante cuja vontade tenha sido determinada por dolo pode anular a declaração; a anulabilidade não é excluída pelo facto de o dolo ser bilateral.

2. Quando o dolo provier de terceiro, a declaração só é anulável se o destinatário tinha ou devia ter conhecimento dele; mas, se alguém tiver adquirido directamente algum direito por virtude da declaração, esta é anulável em relação ao beneficiário, se tiver sido ele o autor do dolo ou se o conhecia ou devia ter conhecido.

Artigo 246º

(Coacção moral)

1. Diz-se feita sob coacção moral a declaração negocial determinada pelo receio de um mal de que o declarante foi ilicitamente ameaçado com o fim de obter dele a declaração.

2. A ameaça tanto pode respeitar à pessoa como à honra ou fazenda do declarante ou de terceiro.

3. Não constitui coacção a ameaça do exercício normal de um direito nem o simples temor reverencial.

Artigo 247º

(Efeitos da coacção)

A declaração negocial extorquida por coacção é anulável, ainda que esta provenha de terceiro; neste caso, porém, é necessário que seja grave o mal e justificado o receio da sua consumação.

Artigo 248º

(Incapacidade acidental)

1. A declaração negocial feita por quem, devido a qualquer causa, se encontrava acidentalmente incapacitado de entender o sentido dela ou não tinha o livre exercício da sua vontade é anulável, desde que o facto seja notório ou conhecido do declaratário.

2. O facto é notório, quando uma pessoa de normal diligência o teria podido notar.

SUBSECÇÃO VI

Representação

DIVISÃO I

Princípios gerais

Artigo 249º

(Efeitos da representação)

O negócio jurídico realizado pelo representante em nome do representado, nos limites dos poderes que lhe competem, produz os seus efeitos na esfera jurídica deste último.

Artigo 250º

(Falta ou vícios da vontade e estados subjectivos relevantes)

1. À excepção dos elementos em que tenha sido decisiva a vontade do representado, é na pessoa do representante que deve verificar-se, para efeitos de nulidade ou anulabilidade da declaração, a falta ou vício da vontade, bem como o conhecimento ou ignorância dos factos que podem influir nos efeitos do negócio.

2. Ao representado de má fé não aproveita a boa fé do representante.

Artigo 251º

(Justificação dos poderes do representante)

1. Se uma pessoa dirigir em nome de outrem uma declaração a terceiro, pode este exigir que o representante, dentro de prazo razoável, faça prova dos seus poderes, sob pena de a declaração não produzir efeitos.

2. Se os poderes de representação constarem de documento, pode o terceiro exigir uma cópia dele assinada pelo representante.

Artigo 252º

(Negócio consigo mesmo)

1. É anulável o negócio celebrado pelo representante consigo mesmo, seja em nome próprio, seja em representação de terceiro, a não ser que o representado tenha especifica-damente consentido na celebração, ou que o negócio excluía por sua natureza a possibilidade de um conflito de interesses.

2. Considera-se celebrado pelo representante, para o efeito do número precedente, o negócio realizado por aquele em quem tiverem sido substabelecidos os poderes de representação.

DIVISÃO II

Representação voluntária

Artigo 253º

(Procuração)

1. Diz-se procuração o acto pelo qual alguém atribui a outrem, voluntariamente, poderes representativos.

2. Salvo disposição legal em contrário, a procuração reveste a forma exigida para o negócio que o procurador deva realizar.

Artigo 254º

(Capacidade do procurador)

O procurador não necessita de ter mais do que a capacidade de entender e querer exigida pela natureza do negócio que haja de efectuar.

Artigo 255º

(Substituição do procurador)

1. O procurador só pode fazer-se substituir por outrem se o representado o permitir ou se a faculdade de substituição resultar do conteúdo da procuração ou da relação jurídica que a determina.

2. A substituição não envolve exclusão do procurador primitivo, salvo declaração em contrário.

3. Sendo autorizada a substituição, o procurador só é responsável para com o representado se tiver agido com culpa na escolha do substituto ou nas instruções que lhe deu.

4. O procurador pode servir-se de auxiliares na execução da procuração, se outra coisa não resultar do negócio ou da natureza do acto que haja de praticar.

Artigo 256º

(Extinção da procuração)

1. A procuração extingue-se quando o procurador a ela renuncia, ou quando cessa a relação jurídica que lhe serve de base, excepto se outra for, neste caso, a vontade do representado.

2. A procuração é livremente revogável pelo representado, não obstante convenção em contrário ou renúncia ao direito de revogação.

3. Mas, se a procuração tiver sido conferida também no interesse do procurador ou de terceiro, não pode ser revogada sem acordo do interessado, salvo ocorrendo justa causa.

Artigo 257º

(Protecção de terceiros)

1. As modificações e a revogação da procuração devem ser levadas ao conhecimento de terceiros por meios idóneos, sob pena de lhes não serem oponíveis senão quando se mostre que delas tinham conhecimento no momento da conclusão do negócio.

2. As restantes causas extintivas da procuração não podem ser opostas a terceiro que sem culpa, as tenha ignorado.

Artigo 258º

(Restituição do documento da representação)

1. O representante deve restituir o documento de onde constem os seus poderes, logo que a procuração tiver caducado.

2. O representante não goza do direito de retenção do documento.

Artigo 259º

(Representação sem poderes)

1. O negócio que uma pessoa, sem poderes de representação, celebre em nome de outrem é ineficaz em relação a este, se não for por ele ratificado.

2. A ratificação está sujeita à forma exigida para a procuração e tem eficácia retroactiva, sem prejuízo dos direitos de terceiro.

3. Considera-se negada a ratificação, se não for feita dentro do prazo que a outra parte fixar para o efeito.

4. Enquanto o negócio não for ratificado, tem a outra parte a faculdade de o revogar ou rejeitar, salvo se, no momento da conclusão, conhecia a falta de poderes do representante.

Artigo 260º

(Abuso da representação)

O disposto no Artigo anterior é aplicável ao caso de o representante ter abusado dos seus poderes, se a outra parte conhecia ou devia conhecer o abuso.

SUBSECÇÃO VII

Condição e termo

Artigo 261º

(Noção de condição)

As partes podem subordinar a um acontecimento futuro e incerto a produção dos efeitos do negócio jurídico ou a sua resolução: no primeiro caso, diz-se suspensiva a condição; no segundo, resolutiva.

Artigo 262º

(Condições ilícitas ou impossíveis)

1. É nulo o negócio jurídico subordinado a uma condição contrária à lei ou à ordem pública, ou ofensiva dos bons costumes.

2. É igualmente nulo o negócio sujeito a uma condição suspensiva que seja física ou legalmente impossível; se for resolutiva, tem-se a condição por não escrita.

Artigo 263º

(Pendência da condição)

Aquele que contrair uma obrigação ou alienar um direito sob condição suspensiva, ou adquirir um direito sob condição resolutiva, deve agir, na pendência da condição, segundo os ditames da boa fé, por forma que não comprometa a integridade do direito da outra parte.

Artigo 264º

(Pendência da condição: actos conservatórios)

Na pendência da condição suspensiva, o adquirente do direito pode praticar actos conservatórios, e igualmente os pode realizar, na pendência da condição resolutiva, o devedor ou o alienante condicional.

Artigo 265º

(Pendência da condição: actos dispositivos)

1. Os actos de disposição dos bens ou direitos que constituem objecto do negócio condicional, realizados na pendência da condição, ficam sujeitos à eficácia ou ineficácia do próprio negócio, salvo estipulação em contrário.

2. Se houver lugar à restituição do que tiver sido alienado, é aplicável, directamente ou por analogia, o disposto nos Artigos 1189º e seguintes em relação ao possuidor de boa fé.

Artigo 266º

(Verificação e não verificação da condição)

1. A certeza de que a condição se não pode verificar equivale à sua não verificação.

2. Se a verificação da condição for impedida, contra as regras da boa fé, por aquele a quem prejudica, tem-se por verificada; se for provocada, nos mesmos termos, por aquele a quem aproveita, considera-se como não verificada.

Artigo 267º

(Retroactividade da condição)

Os efeitos do preenchimento da condição retrotraem-se à data da conclusão do negócio, a não ser que, pela vontade das partes ou pela natureza do acto, hajam de ser reportados a outro momento.

Artigo 268º

(Não retroactividade)

1. Sendo a condição resolutiva aposta a um contrato de execução continuada ou periódica, é aplicável o disposto no n.º 2 do art. 369º.

2. O preenchimento da condição não prejudica a validade dos actos de administração ordinária realizados, enquanto a condição estiver pendente, pela parte a quem incumbir o exercício do direito.

3. À aquisição de frutos pela parte a que se refere o número anterior são aplicáveis as disposições relativas à aquisição de frutos pelo possuidor de boa fé.

Artigo 269º

(Termo)

Se for estipulado que os efeitos do negócio jurídico comecem ou cessem a partir de certo momento, é aplicável à estipulação, com as necessárias adaptações, o disposto nos Artigos 263º e 264º.

Artigo 270º

(Cômputo do termo)

À fixação do termo são aplicáveis, em caso de dúvida, as seguintes regras:

a) Se o termo se referir ao princípio, meio ou fim do mês, entende-se como tal, respectivamente, o primeiro dia, o dia quinze e o último dia do mês; se for fixado no princípio, meio ou fim do ano, entende-se, respectivamente, o primeiro dia do ano, o dia trinta de Junho e o dia trinta e um de Dezembro;

b) Na contagem de qualquer prazo não se inclui o dia, nem a hora, se o prazo for de horas, em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr;

c) O prazo fixado em semanas, meses ou anos, a contar de certa data, termina às vinte e quatro horas do dia que corresponda, dentro da última semana, mês ou ano, a essa data; mas, se no último mês não existir dia correspondente, o prazo finda no último dia desse mês;

d) É havido, respectivamente, como prazo de uma ou duas semanas o designado por oito ou quinze dias, sendo havido como prazo de um ou dois dias o designado por vinte e quatro ou quarenta e oito horas;

e) O prazo que termine em domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia útil; aos domingos e dias feriados são equiparadas as férias judiciais, se o acto sujeito a prazo tiver de ser praticado em juízo.

SECÇÃO II

Objecto negocial. Negócios usurários

Artigo 271º

(Requisitos do objecto negocial)

1. É nulo o negócio jurídico cujo objecto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável.

2. É nulo o negócio contrário à ordem pública, ou ofensivo dos bons costumes.

Artigo 272º

(Fim contrário à lei ou à ordem pública ou ofensivo dos bons costumes)

Se apenas o fim do negócio jurídico for contrário à lei ou à ordem pública, ou ofensivo dos bons costumes, o negócio só é nulo quando o fim for comum a ambas as partes.

Artigo 273º

(Negócios usurários)

1. É anulável, por usura, o negócio jurídico, quando alguém, explorando a situação de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de carácter de outrem, obtiver deste, para si ou para terceiro, a promessa ou a concessão de benefícios excessivos ou injustificados.

2. Fica ressalvado o regime especial estabelecido nos Artigos 494º e 1066º.

Artigo 274º

(Modificação dos negócios usurários)

1. Em lugar da anulação, o lesado pode requerer a modificação do negócio segundo juízos de equidade.

2. Requerida a anulação, a parte contrária tem a faculdade de opor-se ao pedido, declarando aceitar a modificação do negócio nos termos do número anterior.

Artigo 275º

(Usura criminosa)

Quando o negócio usurário constituir crime, o prazo para o exercício do direito de anulação ou modificação não termina enquanto o crime não prescrever; e, se a responsabilidade criminal se extinguir por causa diferente da prescrição ou no juízo penal for proferida sentença que transite em julgado, aquele prazo conta-se da data da extinção da responsabilidade criminal ou daquela em que a sentença transitar em julgado, salvo se houver de contar-se a partir de momento posterior, por força do disposto no n.º 1 do Artigo 278º.

SECÇÃO III

Nulidade e anulabilidade do negócio jurídico

Artigo 276º

(Disposição geral)

Na falta de regime especial, são aplicáveis à nulidade e à anulabilidade do negócio jurídico as disposições dos Artigos subsequentes.

 

Artigo 277º

(Nulidade)

A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal.

Artigo 278º

(Anulabilidade)

1. Só têm legitimidade para arguir a anulabilidade as pessoas em cujo interesse a lei a estabelece, e só dentro do ano subsequente à cessação do vício que lhe serve de fundamento.

2. Enquanto, porém, o negócio não estiver cumprido, pode a anulabilidade ser arguida, sem dependência de prazo, tanto por via de acção como por via de excepção.

Artigo 279º

(Confirmação)

1. A anulabilidade é sanável mediante confirmação.

2. A confirmação compete à pessoa a quem pertencer o direito de anulação, e só é eficaz quando for posterior à cessação do vício que serve de fundamento à anulabilidade e o seu autor tiver conhecimento do vício e do direito à anulação.

3. A confirmação pode ser expressa ou tácita e não depende de forma especial.

4. A confirmação tem eficácia retroactiva, mesmo em relação a terceiro.

Artigo 280º

(Efeitos da declaração de nulidade e da anulação)

1. Tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.

2. Tendo alguma das partes alienado gratuitamente coisa que devesse restituir, e não podendo tornar-se efectiva contra o alienante a restituição do valor dela, fica o adquirente obrigado em lugar daquele, mas só na medida do seu enriquecimento.

3. É aplicável em qualquer dos casos previstos nos números anteriores, directamente ou por analogia, o disposto nos Artigos 1189º e seguintes.

Artigo 281º

(Momento da restituição)

As obrigações recíprocas de restituição que incumbem às partes por força da nulidade ou anulação do negócio devem ser cumpridas simultaneamente, sendo extensivas ao caso, na parte aplicável, as normas relativas à excepção de não cumprimento do contrato.

Artigo 282º

(Inoponibilidade da nulidade e da anulação)

1. A declaração de nulidade ou a anulação do negócio jurídico que respeite a bens imóveis, ou a bens móveis sujeitos a registo, não prejudica os direitos adquiridos sobre os mesmos bens, a título oneroso, por terceiro de boa fé, se o registo da aquisição for anterior ao registo da acção de nulidade ou anulação ou ao registo do acordo entre as partes acerca da invalidade do negócio.

2. Os direitos de terceiro não são, todavia, reconhecidos, se a acção for proposta e registada dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio.

3. É considerado de boa fé o terceiro adquirente que no momento da aquisição desconhecia, sem culpa, o vício do negócio nulo ou anulável.

Artigo 283º

(Redução)

A nulidade ou anulação parcial não determina a invalidade de todo o negócio, salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada.

Artigo 284º

(Conversão)

O negócio nulo ou anulado pode converter-se num negócio de tipo ou conteúdo diferente, do qual contenha os requisitos essenciais de substância e de forma, quando o fim prosseguido pelas partes permita supor que elas o teriam querido, se tivessem previsto a invalidade.

Artigo 285º

(Negócios celebrados contra a lei)

Os negócios celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei.

CAPÍTULO II

Actos jurídicos

Artigo 286º

(Disposições reguladoras)

Aos actos jurídicos que não sejam negócios jurídicos são aplicáveis, na medida em que a analogia das situações o justifique, as disposições do capítulo precedente.

CAPÍTULO III

O tempo e a sua repercussão nas relações jurídicas

SECÇÃO I

Disposições gerais

Artigo 287º

(Contagem dos prazos)

As regras constantes do Artigo 270º são aplicáveis, na falta de disposição especial em contrário, aos prazos e termos fixados por lei, pelos tribunais ou por qualquer outra autoridade.

Artigo 288º

(Alteração de prazos)

1. A lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar.

2. A lei que fixar um prazo mais longo é igualmente aplicável aos prazos que já estejam em curso, mas computa-se neles todo o tempo decorrido desde o seu momento inicial.

3. A doutrina dos números anteriores é extensiva, na parte aplicável, aos prazos fixados pelos tribunais ou por qualquer autoridade.

Artigo 289º

(Prescrição, caducidade e não uso do direito)

1. Estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição.

2. Quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição.

3. Os direitos de propriedade, usufruto, uso e habitação, enfiteuse, superfície e servidão não prescrevem, mas podem extinguir-se pelo não uso nos casos especialmente previstos na lei, sendo aplicáveis nesses casos, na falta de disposição em contrário, as regras da caducidade.

Artigo 290º

(Alteração da qualificação)

1. Se a lei considerar de caducidade um prazo que a lei ante-rior tratava como prescricional, ou se, ao contrário, considerar como prazo de prescrição o que a lei antiga tratava como caso de caducidade, a nova qualificação é também aplicável aos prazos em curso.

2. No primeiro caso, porém, se a prescrição estiver suspensa ou tiver sido interrompida no domínio da lei antiga, nem a suspensão nem a interrupção são atingidas pela aplicação da nova lei; no segundo, o prazo passa a ser susceptível de suspensão e interrupção nos termos gerais da prescrição.

SECÇÃO II

Prescrição

SUBSECÇÃO I

Disposições gerais

Artigo 291º

(Inderrogabilidade do regime da prescrição)

São nulos os negócios jurídicos destinados a modificar os prazos legais da prescrição ou a facilitar ou dificultar por outro modo as condições em que a prescrição opera os seus efeitos.

Artigo 292º

(A quem aproveita a prescrição)

A prescrição aproveita a todos os que dela possam tirar benefício, sem excepção dos incapazes.

Artigo 293º

(Renúncia da prescrição)

1. A renúncia da prescrição só é admitida depois de haver decorrido o prazo prescricional.

2. A renúncia pode ser tácita e não necessita de ser aceita pelo beneficiário.

3. Só tem legitimidade para renunciar à prescrição quem puder dispor do benefício que a prescrição tenha criado.

Artigo 294º

(Invocação da prescrição)

O tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição; esta necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, pelo seu representante ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público.

Artigo 295º

(Efeitos da prescrição)

1. Completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito.

2. Não pode, contudo, ser repetida a prestação realizada espontaneamente em cumprimento de uma obrigação prescrita, ainda quando feita com ignorância da prescrição; este regime é aplicável a quaisquer formas de satisfação do direito prescrito, bem como ao seu reconhecimento ou à prestação de garantias.

3. No caso de venda com reserva de propriedade até ao pagamento do preço, se prescrever o crédito do preço, pode o vendedor, não obstante a prescrição, exigir a restituição da coisa quando o preço não seja pago.

Artigo 296º

(Oponibilidade da prescrição por terceiros)

1. A prescrição é invocável pelos credores e por terceiros com legítimo interesse na sua declaração, ainda que o devedor a ela tenha renunciado.

2. Se, porém, o devedor tiver renunciado, a prescrição só pode ser invocada pelos credores desde que se verifiquem os requisitos exigidos para a impugnação pauliana.

3. Se, demandado o devedor, este não alegar a prescrição e for condenado, o caso julgado não afecta o direito reconhecido aos seus credores.

Artigo 297º

(Início do curso da prescrição)

1. O prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido; se, porém, o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo sobre a interpelação, só findo esse tempo se inicia o prazo da prescrição.

2. A prescrição de direitos sujeitos a condição suspensiva ou termo inicial só começa depois de a condição se verificar ou o termo se vencer.

3. Se for estipulado que o devedor cumprirá quando puder, ou o prazo for deixado ao arbítrio do devedor, a prescrição só começa a correr depois da morte dele.

4. Se a dívida for ilíquida, a prescrição começa a correr desde que ao credor seja lícito promover a liquidação; promovida a liquidação, a prescrição do resultado líquido começa a correr desde que seja feito o seu apuramento por acordo ou sentença passada em julgado.

Artigo 298º

(Prestações periódicas)

Tratando-se de renda perpétua ou vitalícia ou de outras prestações periódicas análogas, a prescrição do direito unitário do credor corre desde a exigibilidade da primeira prestação que não for paga.

Artigo 299º

(Transmissão)

1. Depois de iniciada, a prescrição continua a correr, ainda que o direito passe para novo titular.

2. Se a dívida for assumida por terceiro, a prescrição continua a correr em benefício dele, a não ser que a assunção importe reconhecimento interruptivo da prescrição.

SUBSECÇÃO II

Prazos da prescrição

Artigo 300º

(Prazo ordinário)

O prazo ordinário da prescrição é de vinte anos.

Artigo 301º

(Prescrição de cinco anos)

Prescrevem no prazo de cinco anos:

a) As anuidades de rendas perpétuas ou vitalícias;

b) As rendas e alugueres devidos pelo locatário, ainda que pagos por uma só vez;

c) Os foros;

d) Os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos, e os dividendos das sociedades;

e) As quotas de amortização do capital pagáveis com os juros;

f) As pensões alimentícias vencidas;

g) Quaisquer outras prestações periodicamente renováveis.

Artigo 302º

(Direitos reconhecidos em sentença ou título executivo)

1. O direito para cuja prescrição, bem que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça, ou outro título executivo.

2. Quando, porém, a sentença ou outro título se referir a prestações ainda não devidas, a prescrição continua a ser, em relação a elas, a de curto prazo.

SUBSECÇÃO III

Prescrições presuntivas

Artigo 303º

(Fundamento das prescrições presuntivas)

As prescrições de que trata a presente subsecção fundam-se na presunção de cumprimento.

Artigo 304º

(Confissão do devedor)

1. A presunção de cumprimento pelo decurso do prazo só pode ser ilidida por confissão do devedor originário ou daquele a quem a dívida tiver sido transmitida por sucessão.

2. A confissão extrajudicial só releva quando for realizada por escrito.

Artigo 305º

(Confissão tácita)

Considera-se confessada a dívida se o devedor se recusar a depor ou a prestar juramento no tribunal, ou praticar em juízo actos incompatíveis com a presunção de cumprimento.

Artigo 306º

(Aplicação das regras gerais)

As obrigações sujeitas a prescrição presuntiva estão subordinadas, nos termos gerais, às regras da prescrição ordinária.

Artigo 307º

(Prescrição de seis meses)

Prescrevem no prazo de seis meses os créditos de estabeleci-mentos de alojamento, comidas ou bebidas, pelo alojamento, comidas ou bebidas que forneçam, sem prejuízo do disposto na alínea a) do Artigo seguinte.

Artigo 308º

(Prescrição de dois anos)

Prescrevem no prazo de dois anos:

a) Os créditos dos estabelecimentos que forneçam alojamento, ou alojamento e alimentação, a estudantes, bem como os créditos dos estabelecimentos de ensino, educação, assistência ou tratamento, relativamente aos serviços prestados;

b) Os créditos dos comerciantes pelos objectos vendidos a quem não seja comerciante ou os não destine ao seu comércio, e bem assim os créditos daqueles que exerçam profissionalmente uma indústria, pelo fornecimento de mercadorias ou produtos, execução de trabalhos ou gestão de negócios alheios, incluindo as despesas que hajam efectuado, a menos que a prestação se destine ao exercício industrial do devedor;

c) Os créditos pelos serviços prestados no exercício de profissões liberais e pelo reembolso das despesas correspondentes.

SUBSECÇÃO IV

Suspensão da prescrição

Artigo 309º

(Causas bilaterais da suspensão)

A prescrição não começa nem corre:

a) Entre os cônjuges, ainda que separados judicialmente de pessoas e bens;

b) Entre quem exerça o poder paternal e as pessoas a ele sujeitas, entre o tutor e o tutelado ou entre o curador e o curatelado;

c) Entre as pessoas cujos bens estejam sujeitos, por lei ou por determinação judicial ou de terceiro, à administração de outrem e aquelas que exercem a administração, até serem aprovadas as contas finais;

d) Entre as pessoas colectivas e os respectivos adminis-tradores, relativamente à responsabilidade destes pelo exercício dos seus cargos, enquanto neles se mantiverem;

e) Entre quem presta o trabalho doméstico e o respectivo patrão, enquanto o contrato durar;

f) Enquanto o devedor for usufrutuário do crédito ou tiver direito de penhor sobre ele.

Artigo 310º

(Suspensão a favor de militares e pessoas adstritas às forças militares)

A prescrição não começa nem corre contra militares em serviço, durante o tempo de guerra ou mobilização, dentro ou fora do País, ou contra as pessoas que estejam, por motivo de serviço, adstritas às forças militares.

Artigo 311º

(Suspensão a favor de menores, interditos ou inabilitados)

1. A prescrição não começa nem corre contra menores enquanto não tiverem quem os represente ou administre seus bens, salvo se respeitar a actos para os quais o menor tenha capacidade; e, ainda que o menor tenha representante legal ou quem administre os seus bens, a prescrição contra ele não se completa sem ter decorrido um ano a partir do termo da incapacidade.

2. Tratando-se de prescrições presuntivas, a prescrição não se suspende, mas não se completa sem ter decorrido um ano sobre a data em que o menor passou a ter representante legal ou administrador dos seus bens ou adquiriu plena capacidade.

3. O disposto nos números anteriores é aplicável aos interditos e inabilitados que não tenham capacidade para exercer o seu direito, com a diferença de que a incapacidade se considera finda, caso não tenha cessado antes, passados três anos sobre o termo do prazo que seria aplicável se a suspensão se não houvesse verificado.

Artigo 312º

(Suspensão por motivo de força maior ou dolo do obrigado)

1. A prescrição suspende-se durante o tempo em que o titular estiver impedido de fazer valer o seu direito, por motivo de força maior, no decurso dos últimos três meses do prazo.

2. Se o titular não tiver exercido o seu direito em consequência de dolo do obrigado, é aplicável o disposto no número anterior.

Artigo 313º

(Prescrição dos direitos da herança ou contra ela)

A prescrição de direitos da herança ou contra ela não se completa antes de decorridos seis meses depois de haver pessoa por quem ou contra quem os direitos possam ser invocados.

SUBSECÇÃO V

Interrupção da prescrição

Artigo 314º

(Interrupção promovida pelo titular)

1. A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.

2. Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.

3. A anulação da citação ou notificação não impede o efeito interruptivo previsto nos números anteriores.

4. É equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste Artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido.

Artigo 315º

(Compromisso arbitral)

1. O compromisso arbitral interrompe a prescrição relativa-mente ao direito que se pretende tornar efectivo.

2. Havendo cláusula compromissória ou sendo o julgamento arbitral determinado por lei, a prescrição considera-se interrompida quando se verifique algum dos casos previstos no Artigo anterior.

Artigo 316º

(Reconhecimento)

1. A prescrição é ainda interrompida pelo reconhecimento do direito, efectuado perante o respectivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido.

2. O reconhecimento tácito só é relevante quando resulte de factos que inequivocamente o exprimam.

Artigo 317º

(Efeitos da interrupção)

1. A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 1 e 3 do Artigo seguinte.

2. A nova prescrição está sujeita ao prazo da prescrição primitiva, salvo o disposto no Artigo 302º.

Artigo 318º

(Duração da interrupção)

1. Se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.

2. Quando, porém, se verifique a desistência ou a absolvição da instância, ou esta seja considerada deserta, ou fique sem efeito o compromisso arbitral, o novo prazo prescricional começa a correr logo após o acto interruptivo.

3. Se, por motivo processual não imputável ao titular do direito, o réu for absolvido da instância ou ficar sem efeito o compromisso arbitral, e o prazo da prescrição tiver entretanto terminado ou terminar nos dois meses imediatos ao trânsito em julgado da decisão ou da verificação do facto que torna ineficaz o compromisso, não se considera completada a prescrição antes de findarem estes dois meses.

SECÇÃO III

Caducidade

Artigo 319º

(Suspensão e interrupção)

O prazo de caducidade não se suspende nem se interrompe senão nos casos em que a lei o determine.

Artigo 320º

(Começo do prazo)

O prazo de caducidade, se a lei não fixar outra data, começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido.

Artigo 321º

(Estipulações válidas sobre a caducidade)

1. São válidos os negócios pelos quais se criem casos espe-ciais de caducidade, se modifique o regime legal desta ou se renuncie a ela, contanto que não se trate de matéria subtraída à disponibilidade das partes ou de fraude às regras legais da prescrição.

2. São aplicáveis aos casos convencionais de caducidade, na dúvida acerca da vontade dos contraentes, as disposições relativas à suspensão da prescrição.

Artigo 322º

(Causas impeditivas da caducidade)

1. Só impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do acto a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo.

2. Quando, porém, se trate de prazo fixado por contrato ou disposição legal relativa a direito disponível, impede também a caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido.

Artigo 323º

(Absolvição e interrupção da instância e ineficácia do compromisso arbitral)

1. Quando a caducidade se referir ao direito de propor certa acção em juízo e esta tiver sido tempestivamente proposta, é aplicável o disposto no n.º 3 do Artigo 318º; mas, se o prazo fixado para a caducidade for inferior a dois meses, é substituído por ele o designado nesse preceito.

2. Nos casos previstos na primeira parte do Artigo anterior, se a instância se tiver interrompido, não se conta para efeitos de caducidade o prazo decorrido entre a proposição da acção e a interrupção da instância.

Artigo 324º

(Apreciação oficiosa da caducidade)

1. A caducidade é apreciada oficiosamente pelo tribunal e pode ser alegada em qualquer fase do processo, se for estabelecida em matéria excluída da disponibilidade das partes.

2. Se for estabelecida em matéria não excluída da disponibilidade das partes, é aplicável à caducidade o disposto no Artigo 294º.

SUBTÍTULO IV

DO EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS

Artigo 325º

(Abuso do direito)

É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

Artigo 326º

(Colisão de direitos)

1. Havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes.

2. Se os direitos forem desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que deva considerar-se superior.

Artigo 327º

(Acção directa)

1. É lícito o recurso à força com o fim de realizar ou assegurar o próprio direito, quando a acção directa for indispensável, pela impossibilidade de recorrer em tempo útil aos meios coercivos normais, para evitar a inutilização prática desse direito, contanto que o agente não exceda o que for necessário para evitar o prejuízo.

2. A acção directa pode consistir na apropriação, destruição ou deterioração de uma coisa, na eliminação da resistência irregularmente oposta ao exercício do direito, ou noutro acto análogo.

3. A acção directa não é lícita, quando sacrifique interesses superiores aos que o agente visa realizar ou assegurar.

Artigo 328º

(Legítima defesa)

1. Considera-se justificado o acto destinado a afastar qualquer agressão actual e contrária à lei contra a pessoa ou património do agente ou de terceiro, desde que não seja possível fazê-lo pelos meios normais e o prejuízo causado pelo acto não seja manifestamente superior ao que pode resultar da agressão.

2. O acto considera-se igualmente justificado, ainda que haja excesso de legítima defesa, se o excesso for devido a perturbação ou medo não culposo do agente.

Artigo 329º

(Erro acerca dos pressupostos da acção directa ou da legítima defesa)

Se o titular do direito agir na suposição errónea de se verificarem os pressupostos que justificam a acção directa ou a legítima defesa, é obrigado a indemnizar o prejuízo causado, salvo se o erro for desculpável.

Artigo 330º

(Estado de necessidade)

1. É lícita a acção daquele que destruir ou danificar coisa alheia com o fim de remover o perigo actual de um dano manifestamente superior, quer do agente, quer de terceiro.

2. O autor da destruição ou do dano é, todavia, obrigado a indemnizar o lesado pelo prejuízo sofrido, se o perigo for provocado por sua culpa exclusiva; em qualquer outro caso, o tribunal pode fixar uma indemnização equitativa e condenar nela não só o agente, como aqueles que tiraram proveito do acto ou contribuíram para o estado de necessidade.

Artigo 331º

(Consentimento do lesado)

1. O acto lesivo dos direitos de outrem é lícito, desde que este tenha consentido na lesão.

2. O consentimento do lesado não exclui, porém, a ilicitude do acto, quando este for contrário a uma proibição legal ou aos bons costumes.

3. Tem-se por consentida a lesão, quando esta se deu no interesse do lesado e de acordo com a sua vontade presumível.

LIVRO II

DIREITO DAS OBRIGAÇÕES

TÍTULO I

DAS OBRIGAÇÕES EM GERAL

CAPÍTULO I

Disposições gerais

SECÇÃO I

Conteúdo da obrigação

Artigo 332º

(Noção)

Obrigação é o vínculo jurídico por virtude do qual uma pessoa fica adstrita para com outra à realização de uma prestação.

Artigo 333º

(Conteúdo da prestação)

1. As partes podem fixar livremente, dentro dos limites da lei, o conteúdo positivo ou negativo da prestação.

2. A prestação não necessita de ter valor pecuniário; mas deve corresponder a um interesse do credor, digno de protecção legal.

Artigo 334º

(Prestação de coisa futura)

É admitida a prestação de coisa futura sempre que a lei não a proíba.

Artigo 335º

(Determinação da prestação)

1. A determinação da prestação pode ser confiada a uma ou outra das partes ou a terceiro; em qualquer dos casos deve ser feita segundo juízos de equidade, se outros critérios não tiverem sido estipulados.

2. Se a determinação não puder ser feita ou não tiver sido feita no tempo devido, sê-lo-á pelo tribunal, sem prejuízo do disposto acerca das obrigações genéricas e alternativas.

Artigo 336º

(Impossibilidade originária da prestação)

1. A impossibilidade originária da prestação produz a nulidade do negócio jurídico.

2. O negócio é, porém, válido, se a obrigação for assumida para o caso de a prestação se tornar possível, ou se, estando o negócio dependente de condição suspensiva ou de termo inicial, a prestação se tornar possível até à verificação da condição ou até ao vencimento do termo.

3. Só se considera impossível a prestação que o seja relativamente ao objecto, e não apenas em relação à pessoa do devedor.

SECÇÃO II

Obrigações naturais

Artigo 337º

(Noção)

A obrigação diz-se natural, quando se funda num mero dever de ordem moral ou social, cujo cumprimento não é judicialmente exigível, mas corresponde a um dever de justiça.

Artigo 338º

(Não repetição do indevido)

1. Não pode ser repetido o que for prestado espontaneamente em cumprimento de obrigação natural, excepto se o devedor não tiver capacidade para efectuar a prestação.

2. A prestação considera-se espontânea, quando é livre de toda a coacção.

Artigo 339º

(Regime)

As obrigações naturais estão sujeitas ao regime das obrigações civis em tudo o que não se relacione com a realização coactiva da prestação, salvas as disposições especiais da lei.

CAPÍTULO II

Fontes das obrigações

SECÇÃO I

Contratos

SUBSECÇÃO I

Disposições gerais

Artigo 340º

(Liberdade contratual)

1. Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver.

2. As partes podem ainda reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei.

Artigo 341º

(Eficácia dos contratos)

1. O contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei.

2. Em relação a terceiros, o contrato só produz efeitos nos casos e termos especialmente previstos na lei.

Artigo 342º

(Incompatibilidade entre direitos pessoais de gozo)

Quando, por contratos sucessivos, se constituírem, a favor de pessoas diferentes, mas sobre a mesma coisa, direitos pessoais de gozo incompatíveis entre si, prevalece o direito mais antigo em data, sem prejuízo das regras próprias do registo.

Artigo 343º

(Contratos com eficácia real)

1. A constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-se por mero efeito do contrato, salvas as excepções previstas na lei.

2. Se a transferência respeitar a coisa futura ou indeterminada, o direito transfere-se quando a coisa for adquirida pelo alienante ou determinada com conhecimento de ambas as partes, sem prejuízo do disposto em matéria de obrigações genéricas e do contrato de empreitada; se, porém, respeitar a frutos naturais ou a partes componentes ou integrantes, a transferência só se verifica no momento da colheita ou separação.

Artigo 344º

(Reserva da propriedade)

1. Nos contratos de alienação é lícito ao alienante reservar para si a propriedade da coisa até ao cumprimento total ou parcial das obrigações da outra parte ou até à verificação de qualquer outro evento.

2. Tratando-se de coisa imóvel, ou de coisa móvel sujeita a registo, só a cláusula constante do registo é oponível a terceiros.

SUBSECÇÃO II

Contrato-promessa

Artigo 345º

(Regime aplicável)

1. À convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido, exceptuadas as relativas à forma e as que, por sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa.

2. Porém, a promessa respeitante à celebração de contrato para o qual a lei exija documento, quer autêntico, quer particular, só vale se constar de documento assinado pela parte que se vincula ou por ambas, consoante o contrato-promessa seja unilateral ou bilateral.

3. No caso de promessa relativa à celebração de contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real sobre edifício, ou fracção autónoma dele, já construído, em construção ou a construir, o documento referido no número anterior deve conter o reconhecimento presencial da assinatura do promitente ou promitentes e a certificação, pelo notário, da existência da licença respectiva de utilização ou de construção; contudo, o contraente que promete transmitir ou constituir o direito só pode invocar a omissão destes requisitos quando a mesma tenha sido culposamente causada pela outra parte.

Artigo 346º

(Promessa unilateral)

Se o contrato-promessa vincular apenas uma das partes e não se fixar o prazo dentro do qual o vínculo é eficaz, pode o tribunal, a requerimento do promitente, fixar à outra parte um prazo para o exercício do direito, findo o qual este caduca.

Artigo 347º

(Transmissão dos direitos e obrigações das partes)

1. Os direitos e obrigações resultantes do contrato-promessa que não sejam exclusivamente pessoais transmitem-se aos sucessores das partes.

2. A transmissão por acto entre vivos está sujeita às regras gerais.

Artigo 348º

(Eficácia real da promessa)

1. À promessa de transmissão ou constituição de direitos reais sobre bens imóveis, ou móveis sujeitos a registo, podem as partes atribuir eficácia real, mediante declaração expressa e inscrição no registo.

2. Deve constar de escritura pública a promessa a que as partes atribuam eficácia real; porém, quando a lei não exija essa forma para o contrato prometido, é bastante documento particular com reconhecimento da assinatura da parte que se vincula ou de ambas, consoante se trate de contrato-promessa unilateral ou bilateral.

SUBSECÇÃO III

Pactos de preferência

Artigo 349º

(Noção)

O pacto de preferência consiste na convenção pela qual alguém assume a obrigação de dar preferência a outrem na venda de determinada coisa.

Artigo 350º

(Forma)

É aplicável ao pacto de preferência o disposto no n.º 2 do Artigo 345º.

Artigo 351º

(Conhecimento do preferente)

1. Querendo vender a coisa que é objecto do pacto, o obrigado deve comunicar ao titular do direito o projecto de venda e as cláusulas do respectivo contrato.

2. Recebida a comunicação, deve o titular exercer o seu direito dentro do prazo de oito dias, sob pena de caducidade, salvo se estiver vinculado a prazo mais curto ou o obrigado lhe assinar prazo mais longo.

Artigo 352º

(Venda da coisa juntamente com outras)

1. Se o obrigado quiser vender a coisa juntamente com outra ou outras, por um preço global, pode o direito ser exercido em relação àquela pelo preço que proporcionalmente lhe for atribuído, sendo lícito, porém, ao obrigado exigir que a preferência abranja todas as restantes, se estas não forem separáveis sem prejuízo apreciável.

2. O disposto no número anterior é aplicável ao caso de o direito de preferência ter eficácia real e a coisa ter sido vendida a terceiro juntamente com outra ou outras.

Artigo 353º

(Prestação acessória)

1. Se o obrigado receber de terceiro a promessa de uma prestação acessória que o titular do direito de preferência não possa satisfazer, é essa prestação compensada em dinheiro; não sendo avaliável em dinheiro, é excluída a preferência, salvo se for lícito presumir que, mesmo sem a prestação estipulada, a venda não deixaria de ser efectuada, ou que a prestação foi convencionada para afastar a preferência.

2. Se a prestação acessória tiver sido convencionada para afastar a preferência, o preferente não é obrigado a satisfazê-la, mesmo que ela seja avaliável em dinheiro.

Artigo 354º

(Pluralidade de titulares)

1. Pertencendo simultaneamente a vários titulares, o direito de preferência só pode ser exercido por todos em conjunto; mas, se o direito se extinguir em relação a algum deles, ou algum declarar que não o quer exercer, acresce o seu direito aos restantes.

2. Se o direito pertencer a mais de um titular, mas houver de ser exercido apenas por um deles, na falta de designação abre-se licitação entre todos, revertendo o excesso para o alienante.

Artigo 355º

(Transmissão do direito e da obrigação de preferência)

O direito e a obrigação de preferência não são transmissíveis em vida nem por morte, salvo estipulação em contrário.

Artigo 356º

(Eficácia real)

1. O direito de preferência pode, por convenção das partes, gozar de eficácia real se, respeitando a bens imóveis, ou a móveis sujeitos a registo, forem observados os requisitos de forma e de publicidade exigidos no Artigo 348º.

2. É aplicável neste caso, com as necessárias adaptações, o disposto no Artigo 1330º.

Artigo 357º

(Valor relativo do direito de preferência)

O direito convencional de preferência não prevalece contra os direitos legais de preferência; e, se não gozar de eficácia real, também não procede relativamente à alienação efectuada em execução, falência, insolvência ou casos análogos.

Artigo 358º

(Extensão das disposições anteriores a outros contratos)

As disposições dos Artigos anteriores relativas à compra e venda são extensivas, na parte aplicável, à obrigação de preferência que tiver por objecto outros contratos com ela compatíveis.

SUBSECÇÃO IV

Cessão da posição contratual

Artigo 359º

(Noção e Requisitos)

1. No contrato com prestações recíprocas, qualquer das partes tem a faculdade de transmitir a terceiro a sua posição contratual, desde que o outro contraente, antes ou depois da celebração do contrato, consinta na transmissão.

2. Se o consentimento do outro contraente for anterior à cessão, esta só produz efeitos a partir da sua notificação ou reconhecimento.

Artigo 360º

(Regime)

A forma da transmissão, a capacidade de dispor e de receber, a falta e vícios da vontade e as relações entre as partes definem-se em função do tipo de negócio que serve de base à cessão.

Artigo 361º

(Garantia da existência da posição contratual)

1. O cedente garante ao cessionário, no momento da cessão, a existência da posição contratual transmitida, nos termos aplicáveis ao negócio, gratuito ou oneroso, em que a cessão se integra.

2. A garantia do cumprimento das obrigações só existe se for convencionada nos termos gerais.

Artigo 362º

(Relações entre o outro contraente e o cessionário)

A outra parte no contrato tem o direito de opor ao cessionário os meios de defesa provenientes desse contrato, mas não os que provenham de outras relações com o cedente, a não ser que os tenha reservado ao consentir na cessão.

SUBSECÇÃO V

Excepção de não cumprimento do contrato

Artigo 363º

(Noção)

1. Se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo.

2. A excepção não pode ser afastada mediante a prestação de garantias.

Artigo 364º

(Insolvência ou diminuição de garantias)

Ainda que esteja obrigado a cumprir em primeiro lugar, tem o contraente a faculdade de recusar a respectiva prestação enquanto o outro não cumprir ou não der garantias de cumprimento, se, posteriormente ao contrato, se verificar alguma das circunstâncias que importam a perda do benefício do prazo.

Artigo 365º

(Prescrição)

Prescrito um dos direitos, o respectivo titular continua a gozar da excepção de não cumprimento, excepto quando se trate de prescrição presuntiva.

Artigo 366º

(Eficácia em relação a terceiros)

A excepção de não cumprimento é oponível aos que no contrato vierem a substituir qualquer dos contraentes nos seus direitos e obrigações.

SUBSECÇÃO VI

Resolução do contrato

Artigo 367º

(Casos em que é admitida)

1. É admitida a resolução do contrato fundada na lei ou em convenção.

2. A parte, porém, que, por circunstâncias não imputáveis ao outro contraente, não estiver em condições de restituir o que houver recebido não tem o direito de resolver o contrato.

Artigo 368º

(Efeitos entre as partes)

Na falta de disposição especial, a resolução é equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico, com ressalva do disposto nos Artigos seguintes.

Artigo 369º

(Retroactividade)

1. A resolução tem efeito retroactivo, salvo se a retroactividade contrariar a vontade das partes ou a finalidade da resolução.

2. Nos contratos de execução continuada ou periódica, a resolução não abrange as prestações já efectuadas, excepto se entre estas e a causa de resolução existir um vínculo que legitime a resolução de todas elas.

Artigo 370º

(Efeitos em relação a terceiros)

1. A resolução, ainda que expressamente convencionada, não prejudica os direitos adquiridos por terceiro.

2. Porém, o registo da acção de resolução que respeite a bens imóveis, ou a móveis sujeitos a registo, torna o direito de resolução oponível a terceiro que não tenha registado o seu direito antes do registo da acção.

Artigo 371º

(Como e quando se efectiva a resolução)

1. A resolução do contrato pode fazer-se mediante declaração à outra parte.

2. Não havendo prazo convencionado para a resolução do contrato, pode a outra parte fixar ao titular do direito de resolução um prazo razoável para que o exerça, sob pena de caducidade.

SUBSECÇÃO VII

Resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias

Artigo 372º

(Condições de admissibilidade)

1. Se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato.

2. Requerida a resolução, a parte contrária pode opor-se ao pedido, declarando aceitar a modificação do contrato nos termos do número anterior.

Artigo 373º

(Mora da parte lesada)

A parte lesada não goza do direito de resolução ou modificação do contrato, se estava em mora no momento em que a alteração das circunstâncias se verificou.



Artigo 374º

(Regime)

Resolvido o contrato, são aplicáveis à resolução as disposições da subsecção anterior.

SUBSECÇÃO VIII

Antecipação do cumprimento e Sinal

Artigo 375º

(Antecipação do cumprimento)

Se, ao celebrar-se o contrato ou em momento posterior, um dos contraentes entregar ao outro coisa que coincida, no todo ou em parte, com a prestação a que fica adstrito, é a entrega havida como antecipação total ou parcial do cumprimento, salvo se as partes quiserem atribuir à coisa entregue o carácter de sinal.

Artigo 376º

(Contrato-promessa de compra e venda)

No contrato-promessa de compra e venda presume-se que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço.

Artigo 377º

(Sinal)

1. Quando haja sinal, a coisa entregue deve ser imputada na prestação devida, ou restituída quando a imputação não for possível.

2. Se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente a faculdade de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele a faculdade de exigir o dobro do que prestou, ou, se houve tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, o seu valor, ou o do direito a transmitir ou a constituir sobre ela, determinado objectivamente, à data do não cumprimento da promessa, com dedução do preço convencionado, devendo ainda ser-lhe restituído o sinal e a parte do preço que tenha pago.

3. Em qualquer dos casos previstos no número anterior, o contraente não faltoso pode, em alternativa, requerer a execução específica do contrato, nos termos do Artigo 765º; se o contraente não faltoso optar pelo aumento do valor da coisa ou do direito, como se estabelece no número anterior, pode a outra parte opor-se ao exercício dessa faculdade, oferecendo-se para cumprir a promessa, salvo o disposto no Artigo 742º.

4. Na ausência de estipulação em contrário, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemni-zação, nos casos de perda do sinal ou de pagamento do dobro deste, ou do aumento do valor da coisa ou do direito à data do não cumprimento.



SUBSECÇÃO IX

Contrato a favor de terceiro

Artigo 378º

(Noção)

1. Por meio de contrato, pode uma das partes assumir perante outra, que tenha na promessa um interesse digno de protecção legal, a obrigação de efectuar uma prestação a favor de terceiro, estranho ao negócio; diz-se promitente a parte que assume a obrigação e promissário o contraente a quem a promessa é feita.

2. Por contrato a favor de terceiro, têm as partes ainda a possibilidade de remitir dívidas ou ceder créditos, e bem assim de constituir, modificar, transmitir ou extinguir direitos reais.

Artigo 379º

(Direitos do terceiro e do promissário)

1. O terceiro a favor de quem for convencionada a promessa adquire direito à prestação, independentemente de aceitação.

2. O promissário tem igualmente o direito de exigir do promi-tente o cumprimento da promessa, a não ser que outra tenha sido a vontade dos contraentes.

3. Quando se trate da promessa de exonerar o promissário de uma dívida para com terceiro, só àquele é lícito exigir o cumprimento da promessa.

Artigo 380º

(Prestações em benefício de pessoa indeterminada)

Se a prestação for estipulada em benefício de um conjunto indeterminado de pessoas ou no interesse público, o direito de a reclamar pertence não só ao promissário ou seus herdeiros, como às entidades competentes para defender os interesses em causa.

Artigo 381º

(Direitos dos herdeiros do promissário)

1. Nem os herdeiros do promissário, nem as entidades a que o Artigo anterior se refere, podem dispor do direito à prestação ou autorizar qualquer modificação do seu objecto.

2. Quando a prestação se torne impossível por causa imputável ao promitente, têm os herdeiros do promissário, bem como as entidades competentes para reclamar o cumprimento da prestação, o direito de exigir a correspondente indemniza-ção, para os fins convencionados.

Artigo 382º

(Rejeição ou adesão do terceiro beneficiário)

1. O terceiro pode rejeitar a promessa ou aderir a ela.

2. A rejeição faz-se mediante declaração ao promitente, o qual deve comunicá-la ao promissário; se culposamente deixar de o fazer, é responsável em face deste.

3. A adesão faz-se mediante declaração, tanto ao promitente como ao promissário.

Artigo 383º

(Revogação pelos contraentes)

1. Salvo estipulação em contrário, a promessa é revogável enquanto o terceiro não manifestar a sua adesão, ou enquanto o promissário for vivo, quando se trate de promessa que haja de ser cumprida depois da morte deste.

2. O direito de revogação pertence ao promissário; se, porém, a promessa foi feita no interesse de ambos os outorgantes, a revogação depende do consentimento do promitente.

Artigo 384º

(Meios de defesa oponíveis pelo promitente)

São oponíveis ao terceiro, por parte do promitente, todos os meios de defesa derivados do contrato, mas não aqueles que advenham de outra relação entre promitente e promissário.

Artigo 385º

(Relações entre o promissário e pessoas estranhas ao benefício)

1. Só no que respeita à contribuição do promissário para a prestação a terceiro são aplicáveis as disposições relativas à colação, imputação e redução das doações e à impugnação pauliana.

2. Se a designação de terceiro for feita a título de liberalidade, são aplicáveis, com as necessárias adaptações, as normas relativas à revogação das doações por ingratidão do donatário.

Artigo 386º

(Promessa a cumprir depois da morte do promissário)

1. Se a prestação a terceiro houver de ser efectuada após a morte do promissário, presume-se que só depois do falecimento deste o terceiro adquire direito a ela.

2. Se, porém, o terceiro morrer antes do promissário, os seus herdeiros são chamados em lugar dele à titularidade da promessa.

SUBSECÇÃO X

Contrato para pessoa a nomear

Artigo 387º

(Noção)

1. Ao celebrar o contrato, pode uma das partes reservar o direito de nomear um terceiro que adquira os direitos e assuma as obrigações provenientes desse contrato.

2. A reserva de nomeação não é possível nos casos em que não é admitida a representação ou é indispensável a determinação dos contraentes.

Artigo 388º

(Nomeação)

1. A nomeação deve ser feita mediante declaração por escrito ao outro contraente, dentro do prazo convencionado ou, na falta de convenção, dentro dos cinco dias posteriores à celebração do contrato.

2. A declaração de nomeação deve ser acompanhada, sob pena de ineficácia, do instrumento de ratificação do contrato ou de procuração anterior à celebração deste.

Artigo 389º

(Forma da ratificação)

1. A ratificação deve constar de documento escrito.

2. Se, porém, o contrato tiver sido celebrado por meio de documento de maior força probatória, necessita a ratificação de revestir igual forma.

Artigo 390º

(Efeitos)

1. Sendo a declaração de nomeação feita nos termos do art. 388º, a pessoa nomeada adquire os direitos e assume as obrigações provenientes do contrato a partir da celebração dele.

2. Não sendo feita a declaração de nomeação nos termos legais, o contrato produz os seus efeitos relativamente ao contraente originário, desde que não haja estipulação em contrário.

Artigo 391º

(Publicidade)

1. Se o contrato estiver sujeito a registo, pode este ser feito em nome do contraente originário, com indicação da cláusula para pessoa a nomear, fazendo-se posteriormente os necessários averbamentos.

2. O disposto no número anterior é extensivo a qualquer outra forma de publicidade a que o contrato esteja sujeito.

SECÇÃO II

Negócios unilaterais

Artigo 392º

(Princípio geral)

A promessa unilateral de uma prestação só obriga nos casos previstos na lei.

Artigo 393º

(Promessa de cumprimento e reconhecimento de dívida)

1. Se alguém, por simples declaração unilateral, prometer uma prestação ou reconhecer uma dívida, sem indicação da respectiva causa, fica o credor dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário.

2. A promessa ou reconhecimento deve, porém, constar de documento escrito, se outras formalidades não forem exigidas para a prova da relação fundamental.

Artigo 394º

(Promessa pública)

1. Aquele que, mediante anúncio público, prometer uma prestação a quem se encontre em determinada situação ou pratique certo facto, positivo ou negativo, fica vinculado desde logo à promessa.

2. Na falta de declaração em contrário, o promitente fica obrigado mesmo em relação àqueles que se encontrem na situação prevista ou tenham praticado o facto sem atender à promessa ou na ignorância dela.

Artigo 395º

(Prazo de validade)

A promessa pública sem prazo de validade fixado pelo promitente ou imposto pela natureza ou fim da promessa mantém-se enquanto não for revogada.

Artigo 396º

(Revogação)

1. Não tendo prazo de validade, a promessa pública é revo-gável a todo o tempo pelo promitente; se houver prazo, só é revogável ocorrendo justa causa.

2. Em qualquer dos casos, a revogação não é eficaz, se não for feita na forma da promessa ou em forma equivalente, ou se a situação prevista já se tiver verificado ou o facto já tiver sido praticado.

Artigo 397º

(Cooperação de várias pessoas)

Se na produção do resultado previsto tiverem cooperado várias pessoas, conjunta ou separadamente, e todas tiverem direito à prestação, esta é dividida equitativamente, atendendo-se à parte que cada uma delas teve nesse resultado.

Artigo 398º

(Concursos públicos)

1. A oferta da prestação como prémio de um concurso só é válida quando se fixar no anúncio público o prazo para a apresentação dos concorrentes.

2. A decisão sobre a admissão dos concorrentes ou a conces-são do prémio a qualquer deles pertence exclusivamente às pessoas designadas no anúncio ou, se não houver designação, ao promitente.

SECÇÃO III

Gestão de negócios

Artigo 399º

(Noção)

Dá-se a gestão de negócios, quando uma pessoa assume a direcção de negócio alheio no interesse e por conta do respectivo dono, sem para tal estar autorizada.

Artigo 400º

(Deveres do gestor)

O gestor deve:

a) Conformar-se com o interesse e a vontade, real ou presumí-vel, do dono do negócio, sempre que esta não seja contrária à lei ou à ordem pública, ou ofensiva dos bons costumes;

b) Avisar o dono do negócio, logo que seja possível, de que assumiu a gestão;

c) Prestar contas, findo o negócio ou interrompida a gestão, ou quando o dono as exigir;

d) Prestar a este todas as informações relativas à gestão;

e) Entregar-lhe tudo o que tenha recebido de terceiros no exercício da gestão ou o saldo das respectivas contas, com os juros legais, relativamente às quantias em dinheiro, a partir do momento em que a entrega haja de ser efectuada.

Artigo 401º

(Responsabilidade do gestor)

1. O gestor responde perante o dono do negócio, tanto pelos danos a que der causa, por culpa sua, no exercício da gestão, como por aqueles que causar com a injustificada interrupção dela.

2. Considera-se culposa a actuação do gestor, quando ele agir em desconformidade com o interesse ou a vontade, real ou presumível, do dono do negócio.

Artigo 402º

(Solidariedade dos gestores)

Havendo dois ou mais gestores que tenham agido conjunta-mente, são solidárias as obrigações deles para com o dono do negócio.

Artigo 403º

(Obrigações do dono do negócio)

1. Se a gestão tiver sido exercida em conformidade com o in-teresse e a vontade, real ou presumível, do dono do negócio, é este obrigado a reembolsar o gestor das despesas que ele fundadamente tenha considerado indispensáveis, com juros legais a contar do momento em que foram feitas, e a indemnizá-lo do prejuízo que haja sofrido.

2. Se a gestão não foi exercida nos termos do número anterior, o dono do negócio responde apenas segundo as regras do enriquecimento sem causa, com ressalva do disposto no Artigo seguinte.

Artigo 404º

(Aprovação da gestão)

A aprovação da gestão implica a renúncia ao direito de indemnização pelos danos devidos a culpa do gestor e vale como reconhecimento dos direitos que a este são conferidos no n.º 1 do Artigo anterior.

Artigo 405º

(Remuneração do gestor)

1. A gestão não dá direito a qualquer remuneração, salvo se corresponder ao exercício da actividade profissional do gestor.

2. À fixação da remuneração é aplicável, neste caso, o disposto no n.º 2 do Artigo 1078º.

Artigo 406º

(Representação sem poderes e mandato sem representação)

Sem prejuízo do que preceituam os Artigos anteriores quando às relações entre o gestor e o dono do negócio, é aplicável aos negócios jurídicos celebrados por aquele em nome deste o disposto no Artigo 259º; se o gestor os realizar em seu próprio nome, são extensivas a esses negócios, na parte aplicável, as disposições relativas ao mandato sem representação.

Artigo 407º

(Gestão de negócio alheio julgado próprio)

1. Se alguém gerir negócio alheio, convencido de que ele lhe pertence, só é aplicável o disposto nesta secção se houver aprovação da gestão; em quaisquer outras circunstâncias, são aplicáveis à gestão as regras do enriquecimento sem causa, sem prejuízo de outras que ao caso couberem.

2. Se houver culpa do gestor na violação do direito alheio, são aplicáveis ao caso as regras da responsabilidade civil.

SECÇÃO IV

Enriquecimento sem causa

Artigo 408º

(Princípio geral)

1. Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou.

2. A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou.

Artigo 409º

(Natureza subsidiária da obrigação e falta do resultado previsto)

1. Não há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento.

2. Também não há lugar à restituição se, ao efectuar a presta-ção, o autor sabia que o efeito com ela previsto era impos-sível, ou se, agindo contra a boa fé, impediu a sua verificação.

Artigo 410º

(Repetição do indevido)

1. Sem prejuízo do disposto acerca das obrigações naturais, o que for prestado com intenção de cumprir uma obrigação pode ser repetido, se esta não existia no momento da prestação.

2. A prestação feita a terceiro pode ser repetida pelo devedor enquanto não se tornar liberatória nos termos do Artigo 704º.

3. A prestação feita por erro desculpável antes do vencimento da obrigação só dá lugar à repetição daquilo com que o credor se enriqueceu por efeito do cumprimento antecipado.

Artigo 411º

(Cumprimento de obrigação alheia na convicção de que é própria)

1. Aquele que, por erro desculpável, cumprir uma obrigação alheia, julgando-a própria, goza de direito de repetição, excepto se o credor, desconhecendo o erro do autor da prestação, se tiver privado do título ou das garantias do crédito, tiver deixado prescrever ou caducar o seu direito, ou não o tiver exercido contra o devedor ou contra o fiador enquanto solventes.

2. Quando não existe o direito de repetição, fica o autor da prestação sub-rogado nos direitos do credor.

Artigo 412º

(Cumprimento de obrigação alheia na convicção de estar obrigado a cumpri-la)

Aquele que cumprir obrigação alheia, na convicção errónea de estar obrigado para com o devedor a cumpri-la, não tem o direito de repetição contra o credor, mas apenas o direito de exigir do devedor exonerado aquilo com que este injustamente se locupletou, excepto se o credor conhecia o erro ao receber a prestação.

Artigo 413º

(Objecto da obrigação de restituir)

1. A obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa compreende tudo quando se tenha obtido à custa do empobrecido ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.

2. A obrigação de restituir não pode exceder a medida do locupletamento à data da verificação de algum dos factos referidos nas duas alíneas do Artigo seguinte.

Artigo 414º

(Agravamento da obrigação)

O enriquecido passa a responder também pelo perecimento ou deterioração culposa da coisa, pelos frutos que por sua culpa deixem de ser percebidos e pelos juros legais das quantias a que o empobrecido tiver direito, depois de se verificar algumas das seguintes circunstâncias:

a) Ter sido o enriquecido citado judicialmente para a restitui-ção;

b) Ter ele conhecimento da falta de causa do seu enriqueci-mento ou da falta do efeito que se pretendia obter com a prestação.

Artigo 415º

(Obrigação de restituir no caso de alienação gratuita)

1. Tendo o enriquecido alienado gratuitamente coisa que devesse restituir, fica o adquirente obrigado em lugar dele, mas só na medida do seu próprio enriquecimento.

2. Se, porém, a transmissão teve lugar depois da verificação de algum dos factos referidos no Artigo anterior, o alienante é responsável nos termos desse Artigo, e o adquirente, se estiver de má fé, é responsável nos mesmos termos.

Artigo 416º

(Prescrição)

O direito à restituição por enriquecimento prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o credor teve conheci-mento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do enriquecimento.

SECÇÃO V

Responsabilidade civil

SUBSECÇÃO I

Responsabilidade por factos ilícitos

Artigo 417º

(Princípio geral)

1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.

2. Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei.

Artigo 418º

(Ofensa do crédito ou do bom nome)

Quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados.

Artigo 419º

(Conselhos, recomendações ou informações)

1. Os simples conselhos, recomendações ou informações não responsabilizam quem os dá, ainda que haja negligência da sua parte.

2. A obrigação de indemnizar existe, porém, quando se tenha assumido a responsabilidade pelos danos, quando havia o dever jurídico de dar conselho, recomendação ou informação e se tenha procedido com negligência ou inten-ção de prejudicar, ou quando o procedimento do agente constitua facto punível.

Artigo 420º

(Omissões)

As simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando, independentemente dos outros requisitos legais, havia, por força da lei ou do negócio jurídico, o dever de praticar o acto omitido.

Artigo 421º

(Culpa)

1. É ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa.

2. A culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso.

Artigo 422º

(Imputabilidade)

1. Não responde pelas consequências do facto danoso quem, no momento em que o facto ocorreu, estava, por qualquer causa, incapacitado de entender ou querer, salvo se o agente se colocou culposamente nesse estado, sendo este transitório.

2. Presume-se falta de imputabilidade nos menores de sete anos e nos interditos por anomalia psíquica.

Artigo 423º

(Indemnização por pessoa não imputável)

1. Se o acto causador dos danos tiver sido praticado por pes-soa não imputável, pode esta, por motivo de equidade, ser condenada a repará-los, total ou parcialmente, desde que não seja possível obter a devida reparação das pessoas a quem incumbe a sua vigilância.

2. A indemnização é, todavia, calculada por forma a não privar a pessoa não imputável dos alimentos necessários, con-forme o seu estado e condição, nem dos meios indispen-sáveis para cumprir os seus deveres legais de alimentos.

Artigo 424º

(Responsabilidade dos autores, instigadores e auxiliares)

Se forem vários os autores, instigadores ou auxiliares do acto ilícito, todos eles respondem pelos danos que hajam causado.

Artigo 425º

(Responsabilidade das pessoas obrigadas à vigilância de outrem)

As pessoas que, por lei ou negócio jurídico, forem obrigadas a vigiar outras, por virtude da incapacidade natural destas, são responsáveis pelos danos que elas causem a terceiro, salvo se mostrarem que cumpriram o seu dever de vigilância ou que os danos se teriam produzido ainda que o tivessem cumprido.

Artigo 426º

(Danos causados por edifícios ou outras obras)

1. O proprietário ou possuidor de edifício ou de outra obra que ruir, no todo ou em parte, por vício de construção ou defeito de conservação, responde pelos danos causados, salvo se provar que não houve culpa da sua parte ou que, mesmo com a diligência devida, se não teriam evitado os danos.

2. A pessoa obrigada, por lei ou negócio jurídico, a conservar o edifício ou obra responde, em lugar do proprietário ou possuidor, quando os danos forem devidos exclusivamente a defeito de conservação.

Artigo 427º

(Danos causados por coisas, animais ou actividades)

1. Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.

2. Quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir.

Artigo 428º

(Limitação da indemnização no caso de mera culpa)

Quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, pode a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem.

Artigo 429º

(Indemnização a terceiros em caso de morte ou lesão corporal)

1. No caso de lesão de que proveio a morte, é o responsável obrigado a indemnizar as despesas feitas para salvar o lesado e todas as demais, sem exceptuar as do funeral.

2. Neste caso, como em todos os outros de lesão corporal, têm direito a indemnização aqueles que socorreram o lesado, bem como os estabelecimentos hospitalares, médicos ou outras pessoas ou entidades que tenham contribuído para o tratamento ou assistência da vítima.

3. Têm igualmente direito a indemnização os que podiam exi-gir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural.

Artigo 430º

(Danos não patrimoniais)

1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

2. Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascen-dentes; e, por último aos irmãos ou sobrinhos que os representem.

3. O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no Artigo 428º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos número anterior.

Artigo 431º

(Responsabilidade solidária)

1. Se forem várias as pessoas responsáveis pelos danos, é solidária a sua responsabilidade.

2. O direito de regresso entre os responsáveis existe na medi-da das respectivas culpas e das consequências que delas advieram, presumindo-se iguais as culpas das pessoas responsáveis.

Artigo 432º

(Prescrição)

1. O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso.

2. Prescreve igualmente no prazo de três anos, a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis.

3. Se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável.

4. A prescrição do direito de indemnização não importa prescrição da acção de reivindicação nem da acção de restituição por enriquecimento sem causa, se houver lugar a uma ou a outra.

SUBSECÇÃO II

Responsabilidade pelo risco

Artigo 433º

(Disposições aplicáveis)

São extensivas aos casos de responsabilidade pelo risco, na parte aplicável e na falta de preceitos legais em contrário, as disposições que regulam a responsabilidade por factos ilícitos.

Artigo 434º

(Responsabilidade do comitente)

1. Aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia também a obrigação de indemnizar.

2. A responsabilidade do comitente só existe se o facto dano-so for praticado pelo comissário, ainda que intencional-mente ou contra as instruções daquele, no exercício da função que lhe foi confiada.

3. O comitente que satisfizer a indemnização tem o direito de exigir do comissário o reembolso de tudo quanto haja pago, excepto se houver também culpa da sua parte; neste caso é aplicável o disposto no n.º 2 do Artigo 431º.

Artigo 435º

(Responsabilidade do Estado e de outras pessoas colectivas públicas)

O Estado e demais pessoas colectivas públicas, quando haja danos causados a terceiro pelos seus órgãos, agentes ou representantes no exercício de actividades de gestão privada, respondem civilmente por esses danos nos termos em que os comitentes respondem pelos danos causados pelos seus comissários.

Artigo 436º

(Danos causados por animais)

Quem no seu próprio interesse utilizar quaisquer animais res-ponde pelos danos que eles causarem, desde que os danos resultem do perigo especial que envolve a sua utilização.

Artigo 437º

(Acidentes causados por veículos)

1. Aquele que tiver a direcção efectiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o utilizar no seu próprio interesse, ainda que por intermédio de comissário, responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não se encontre em circulação.

2. As pessoas não imputáveis respondem nos termos do art. 423º.

3. Aquele que conduzir o veículo por conta de outrem res-ponde pelos danos que causar, salvo se provar que não houve culpa da sua parte; se, porém, o conduzir fora do exercício das suas funções de comissário, responde nos termos do n.º 1.

Artigo 438º

(Beneficiários da responsabilidade)

1. A responsabilidade pelos danos causados por veículos aproveita a terceiros, bem como às pessoas transportadas.

2. No caso de transporte por virtude de contrato, a responsa-bilidade abrange só os danos que atinjam a própria pessoa e as coisas por ela transportadas.

3. No caso de transporte gratuito, a responsabilidade abrange apenas os danos pessoais da pessoa transportada.

4. São nulas as cláusulas que excluam ou limitem a responsa-bilidade do transportador pelos acidentes que atinjam a pessoa transportada.

Artigo 439º

(Exclusão da responsabilidade)

Sem prejuízo do disposto no Artigo 505º, a responsabilidade fixada pelo n.º 1 do Artigo 437º só é excluída quando o acidente for imputável ao próprio lesado ou a terceiro, ou quando resulte de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo.

Artigo 440º

(Colisão de veículos)

1. Se da colisão entre dois veículos resultarem danos em rela-ção aos dois ou em relação a um deles, e nenhum dos con-dutores tiver culpa no acidente, a responsabilidade é repartida na proporção em que o risco de cada um dos veículos houver contribuído para os danos; se os danos forem causados somente por um dos veículos, sem culpa de nenhum dos condutores, só a pessoa por eles responsável é obrigada a indemnizar.

2. Em caso de dúvida, considera-se igual a medida da contribuição de cada um dos veículos para os danos, bem como a contribuição da culpa de cada um dos condutores.

Artigo 441º

(Responsabilidade solidária)

1. Se a responsabilidade pelo risco recair sobre várias pessoas, todas respondem solidariamente pelos danos, mesmo que haja culpa de alguma ou algumas.

2. Nas relações entre os diferentes responsáveis, a obrigação de indemnizar reparte-se de harmonia com o interesse de cada um na utilização do veículo; mas, se houver culpa de algum ou de alguns, apenas os culpados respondem, sendo aplicável quanto ao direito de regresso, entre eles, ou em relação a eles, o disposto no n.º 2 do Artigo 431º.

Artigo 442º

(Limites máximos)

1. A indemnização fundada em acidente de viação, quando não haja culpa do responsável, tem como limites máximos: no caso de morte ou lesão de uma pessoa, o montante correspondente ao dobro da alçada da relação; no caso de morte ou lesão de várias pessoas em consequência do mesmo acidente, o montante correspondente ao dobro da alçada da relação para cada uma delas, com o máximo total do sêxtuplo da alçada do tribunal de recurso; no caso de danos causados em coisas, ainda que pertencentes a diferentes proprietários, o montante correspondente à alçada do tribunal de recurso.

2. Se a indemnização for fixada sob a forma de renda anual e não houver culpa do responsável, o limite máximo é de um quarto da alçada tribunal de recurso para cada lesado, não podendo ultrapassar três quartos da alçada do tribunal de recurso quando sejam vários os lesados em virtude do mesmo acidente.

3. Se o acidente for causado por veículo utilizado em trans-porte colectivo, são elevados ao triplo os máximos totais fixados nos números anteriores.

Artigo 443º

(Danos causados por instalações de energia eléctrica ou gás)

1. Aquele que tiver a direcção efectiva de instalação destinada à condução ou entrega da energia eléctrica ou do gás, e utilizar essa instalação no seu interesse, responde tanto pelo prejuízo que derive da condução ou entrega da electricidade ou do gás, como pelos danos resultantes da própria instalação, excepto se ao tempo do acidente esta estiver de acordo com as regras técnicas em vigor e em perfeito estado de conservação.

2. Não obrigam a reparação os danos devidos a causa de força maior; considera-se de força maior toda a causa exterior independente do funcionamento e utilização da coisa.

3. Os danos causados por utensílios de uso de energia não são reparáveis nos termos desta disposição.

Artigo 444º

(Limites da responsabilidade)

1. A responsabilidade a que se refere o Artigo precedente, quando não haja culpa do responsável, tem para cada acidente, como limite máximo, no caso de morte ou lesão corpórea, um capital ou uma renda anual iguais aos estabelecidos, para a morte ou lesão de uma pessoa, no n.º 1 do Artigo 442º.

2. Quando se trate de danos em coisas, ainda que sejam várias e pertencentes a diversos proprietários, o limite máximo é um capital igual ao da indemnização por morte ou lesão de uma pessoa, nos termos no n.º 1 do Artigo 442º.

3. Quando se trate de danos em prédios, o limite máximo da responsabilidade pelo risco é elevado ao décuplo do previsto nos números anteriores, para cada prédio.

CAPÍTULO III

Modalidades das obrigações

SECÇÃO I

Obrigações de sujeito activo indeterminado

Artigo 445º

(Determinação da pessoa do credor)

A pessoa do credor pode não ficar determinada no momento em que a obrigação é constituída; mas deve ser determinável, sob pena de ser nulo o negócio jurídico do qual a obrigação resultaria.

SECÇÃO II

Obrigações solidárias

SUBSECÇÃO I

Disposições gerais

Artigo 446º

(Noção)

1. A obrigação é solidária, quando cada um dos devedores responde pela prestação integral e esta a todos libera, ou quando cada um dos credores tem a faculdade de exigir, por si só, a prestação integral e esta libera o devedor para com todos eles.

2. A obrigação não deixa de ser solidária pelo facto de os devedores estarem obrigados em termos diversos ou com diversas garantias, ou de ser diferente o conteúdo das prestações de cada um deles; igual diversidade se pode verificar quanto à obrigação do devedor relativamente a cada um dos credores solidários.

Artigo 447º

(Fontes da solidariedade)

A solidariedade de devedores ou credores só existe quando resulte da lei ou da vontade das partes.

Artigo 448º

(Meios de defesa)

1. O devedor solidário demandado pode defender-se por to-dos os meios que pessoalmente lhe competem ou que são comuns a todos os condevedores.

2. Ao credor solidário são oponíveis igualmente não só os meios de defesa comum, como os que pessoalmente lhe respeitem.

Artigo 449º

(Herdeiros dos devedores ou credores solidários)

1. Os herdeiros do devedor solidário respondem colectivamente pela totalidade da dívida; efectuada a partilha, cada co-herdeiro responde nos termos do Artigo 1962º.

2. Os herdeiros do credor solidário só conjuntamente podem exonerar o devedor; efectuada a partilha, se o crédito tiver sido adjudicado a dois ou mais herdeiros, também só em conjunto estes podem exonerar o devedor.

Artigo 450º

(Participação nas dívidas e nos créditos)

Nas relações entre si, presume-se que os devedores ou credores solidários comparticipam em partes iguais na dívida ou no crédito, sempre que da relação jurídica entre eles existente não resulte que são diferentes as suas partes, ou que um só deles deve suportar o encargo da dívida ou obter o benefício do crédito.

Artigo 451º

(Litisconsórcio)

1. A solidariedade não impede que os devedores solidários demandem conjuntamente o credor ou sejam por ele conjuntamente demandados.

2. De igual direito gozam os credores solidários relativamente ao devedor e este em relação àqueles.

SUBSECÇÃO II

Solidariedade entre devedores

Artigo 452º

(Exclusão do benefício da divisão)

Ao devedor solidário demandado não é lícito opor o benefício da divisão; e, ainda que chame os outros devedores à demanda, nem por isso se libera da obrigação de efectuar a prestação por inteiro.

Artigo 453º

(Direitos do credor)

1. O credor tem o direito de exigir de qualquer dos devedores toda a prestação, ou parte dela, proporcional ou não à quota do interpelado; mas, se exigir judicialmente a um deles a totalidade ou parte da prestação, fica inibido de proceder judicialmente contra os outros pelo que ao primeiro tenha exigido, salvo se houver razão atendível, como a insolvência ou risco de insolvência do demandado, ou dificuldade, por outra causa, em obter dele a prestação.

2. Se um dos devedores tiver qualquer meio de defesa pessoal contra o credor, não fica este inibido de reclamar dos outros a prestação integral, ainda que esse meio já lhe tenha sido oposto.

Artigo 454º

(Impossibilidade da prestação)

Se a prestação se tornar impossível por facto imputável a um dos devedores, todos eles são solidariamente responsáveis pelo seu valor; mas só o devedor a quem o facto é imputável responde pela reparação dos danos que excedam esse valor, e, sendo vários, é solidária a sua responsabilidade.

Artigo 455º

(Prescrição)

1. Se, por efeito da suspensão ou interrupção da prescrição, ou de outra causa, a obrigação de um dos devedores se mantiver, apesar de prescritas as obrigações dos outros, e aquele for obrigado a cumprir, cabe-lhe o direito de regresso contra os seus condevedores.

2. O devedor que não haja invocado a prescrição não goza do direito de regresso contra os condevedores cujas obrigações tenham prescrito, desde que estes aleguem a prescrição.

Artigo 456º

(Caso julgado)

O caso julgado entre o credor e um dos devedores não é oponível aos restantes devedores, mas pode ser oposto por estes, desde que não se baseie em fundamento que respeite pessoalmente àquele devedor.

Artigo 457º

(Satisfação do direito do credor)

A satisfação do direito do credor, por cumprimento, dação em cumprimento, novação, consignação em depósito ou compen-sação, produz a extinção, relativamente a ele, das obrigações de todos os devedores.

Artigo 458º

(Direito de regresso)

O devedor que satisfizer o direito do credor além da parte que lhe competir tem direito de regresso contra cada um dos condevedores, na parte que a estes compete.

Artigo 459º

(Meios de defesa oponíveis pelos condevedores)

1. Os condevedores podem opor ao que satisfaz o direito do credor a falta de decurso do prazo que lhes tenha sido concedido para o cumprimento da obrigação, bem como qualquer outro meio de defesa, quer este seja comum, quer respeite pessoalmente ao demandado.

2. A faculdade concedida no número anterior tem lugar, ainda que o condevedor tenha deixado, sem culpa sua, de opor ao credor o meio comum de defesa, salvo se a falta de oposição for imputável ao devedor que pretende valer-se do mesmo meio.

Artigo 460º

(Insolvência dos devedores ou impossibilidade de cumprimento)

1. Se um dos devedores estiver insolvente ou não puder por outro motivo cumprir a prestação a que está adstrito, é a sua quota-parte repartida proporcionalmente entre todos os demais, incluindo o credor de regresso e os devedores que pelo credor hajam sido exonerados da obrigação ou apenas do vínculo da solidariedade.

2. Ao credor de regresso não aproveita o benefício da reparti-ção na medida em que só por negligência sua lhe não tenha sido possível cobrar a parte do seu condevedor na obrigação solidária.

Artigo 461º

(Renúncia à solidariedade)

A renúncia à solidariedade a favor de um ou alguns dos devedores não prejudica o direito do credor relativamente aos restantes, contra os quais conserva o direito à prestação por inteiro.

SUBSECÇÃO III

Solidariedade entre credores

Artigo 462º

(Escolha do credor)

1. É permitido ao devedor escolher o credor solidário a quem satisfaça a prestação, enquanto não tiver sido judicialmente citado para a respectiva acção por outro credor cujo crédito se ache vencido.

2. Se o devedor cumprir perante credor diferente daquele que judicialmente exigiu a prestação, não fica dispensado de realizar a favor deste a prestação integral; mas, quando a solidariedade entre os credores tiver sido estabelecida em favor do devedor, este pode, renunciando total ou parcialmente ao benefício, prestar a cada um dos credores a parte que lhe cabe no crédito comum ou satisfazer a algum dos outros a prestação com dedução da parte do demandante.

Artigo 463º

(Impossibilidade da prestação)

1. Se a prestação se tornar impossível por facto imputável ao devedor, subsiste a solidariedade relativamente ao crédito da indemnização.

2. Se a prestação se tornar impossível por facto imputável a um dos credores, fica este obrigado a indemnizar os outros.

Artigo 464º

(Prescrição)

1. Se o direito de um dos credores se mantiver devido a suspensão ou interrupção da prescrição ou a outra causa, apesar de haverem prescrito os direitos dos restantes credores, pode o devedor opor àquele credor a prescrição do crédito na parte relativa a estes últimos.

2. A renúncia à prescrição, feita pelo devedor em benefício de um dos credores, não produz efeito relativamente aos restantes.

Artigo 465º

(Caso julgado)

O caso julgado entre um dos credores e o devedor não é oponível aos outros credores; mas pode ser oposto por estes ao devedor, sem prejuízo das excepções pessoais que o devedor tenha o direito de invocar em relação a cada um deles.

Artigo 466º

(Satisfação do direito de um dos credores)

A satisfação do direito de um dos credores, por cumprimento, dação em cumprimento, novação, consignação em depósito ou compensação, produz a extinção, relativamente a todos os credores, da obrigação do devedor.

Artigo 467º

(Obrigação do credor que foi pago)

O credor cujo direito foi satisfeito além da parte que lhe competia na relação interna entre os credores tem de satisfazer aos outros a parte que lhes cabe no crédito comum.

SECÇÃO III

Obrigações divisíveis e indivisíveis

Artigo 468º

(Obrigações divisíveis)

São iguais as partes que têm na obrigação divisível os vários credores ou devedores, se outra proporção não resultar da lei ou do negócio jurídico; mas entre os herdeiros do devedor, depois da partilha, são essas partes fixadas proporcionalmente às suas quotas hereditárias, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 2 e 3 do Artigo 1962º.

Artigo 469º

(Obrigações indivisíveis com pluralidade de devedores)

1. Se a prestação for indivisível e vários os devedores, só de todos os obrigados pode o credor exigir o cumprimento da prestação, salvo se tiver sido estipulada a solidariedade ou esta resultar da lei.

2. Quando ao primitivo devedor da prestação indivisível sucedam vários herdeiros, também só de todos eles tem o credor a possibilidade de exigir o cumprimento da prestação.

Artigo 470º

(Extinção relativamente a um dos devedores)

Se a obrigação indivisível se extinguir apenas em relação a algum ou alguns dos devedores, não fica o credor inibido de exigir a prestação dos restantes obrigados, contanto que lhes entregue o valor da parte que cabia ao devedor ou devedores exonerados.

Artigo 471º

(Impossibilidade da prestação)

Se a prestação indivisível se tornar impossível por facto imputável a algum ou alguns dos devedores, ficam os outros exonerados.

Artigo 472º

(Pluralidade de credores)

1. Sendo vários os credores da prestação indivisível, qualquer deles tem o direito de exigi-la por inteiro; mas o devedor, enquanto não for judicialmente citado, só relativamente a todos, em conjunto, se pode exonerar.

2. O caso julgado favorável a um dos credores aproveita aos outros, se o devedor não tiver, contra estes, meios especiais de defesa.

SECÇÃO IV

Obrigações genéricas

Artigo 473º

(Determinação do objecto)

Se o objecto da prestação for determinado apenas quanto ao género, compete a sua escolha ao devedor, na falta de estipulação em contrário.

Artigo 474º

(Não perecimento do género)

Enquanto a prestação for possível com coisas do género estipulado, não fica o devedor exonerado pelo facto de perecerem aquelas com que se dispunha a cumprir.

Artigo 475º

(Concentração da obrigação)

A obrigação concentra-se, antes do cumprimento, quando isso resultar de acordo das partes, quando o género se extinguir a ponto de restar apenas uma das coisas nele compreendidas, quando o credor incorrer em mora, ou ainda nos termos do Artigo 731º.

Artigo 476º

(Concentração por facto do credor ou de terceiro)

1. Se couber ao credor ou a terceiro, a escolha só é eficaz se for declarada, respectivamente, ao devedor ou a ambas as partes, e é irrevogável.

2. Se couber a escolha ao credor e este a não fizer dentro do prazo estabelecido ou daquele que para o efeito lhe for fixado pelo devedor, é a este que a escolha passa a competir.

SECÇÃO V

Obrigações alternativas

Artigo 477º

(Noção)

1. É alternativa a obrigação que compreende duas ou mais prestações, mas em que o devedor se exonera efectuando aquela que, por escolha, vier a ser designada.

2. Na falta de determinação em contrário, a escolha pertence ao devedor.

Artigo 478º

(Indivisibilidade das prestações)

O devedor não pode escolher parte de uma prestação e parte de outra ou outras, nem ao credor ou a terceiro é lícito fazê-lo quando a escolha lhes pertencer.

Artigo 479º

(Impossibilidade não imputável às partes)

Se uma ou algumas das prestações se tornarem impossíveis por causa não imputável às partes, a obrigação considera-se limitada às prestações que forem possíveis.

Artigo 480º

(Impossibilidade imputável ao devedor)

Se a impossibilidade de alguma das prestações for imputável ao devedor e a escolha lhe pertencer, deve efectuar uma das prestações possíveis; se a escolha pertencer ao credor, este pode exigir uma das prestações possíveis, ou pedir a indemnização pelos danos provenientes de não ter sido efectuada a prestação que se tornou impossível, ou resolver o contrato nos termos gerais.

Artigo 481º

(Impossibilidade imputável ao credor)

Se a impossibilidade de alguma das prestações for imputável ao credor e a escolha lhe pertencer, considera-se cumprida a obrigação; se a escolha pertencer ao devedor, também a obrigação se tem por cumprida, a menos que este prefira efectuar outra prestação e ser indemnizado dos danos que houver sofrido.

Artigo 482º

(Falta de escolha pelo devedor)

O credor, na execução, pode exigir que o devedor, dentro do prazo que lhe for fixado pelo tribunal, declare por qual das prestações quer optar, sob pena de se devolver ao credor o direito de escolha.

Artigo 483º

(Escolha pelo credor ou por terceiro)

À escolha que o credor ou terceiro deva efectuar é aplicável o disposto no Artigo 476º.

SECÇÃO VI

Obrigações pecuniárias

SUBSECÇÃO I

Obrigações de quantidade

Artigo 484º

(Princípio nominalista)

O cumprimento das obrigações pecuniárias faz-se em moeda que tenha curso legal no País à data em que for efectuado e pelo valor nominal que a moeda nesse momento tiver, salvo estipulação em contrário.

Artigo 485º

(Actualização das obrigações pecuniárias)

Quando a lei permitir a actualização das prestações pecuniárias, por virtude das flutuações do valor da moeda, atender-se-á, na falta de outro critério legal, aos índices dos preços, de modo a restabelecer, entre a prestação e a quantidade de mercadorias a que ela equivale, a relação existente na data em que a obriga-ção se constituiu.

SUBSECÇÃO II

Obrigações de moeda específica

Artigo 486º

(Validade das obrigações de moeda específica)

O curso legal ou forçado da nota de banco não prejudica a validade do acto pelo qual alguém se comprometa a pagar em moeda metálica ou em valor dessa moeda.

Artigo 487º

(Obrigações de moeda específica sem quantitativo expresso em moeda corrente)

Quando for estipulado o pagamento em certa espécie monetária, o pagamento deve ser feito na espécie estipulada, existindo ela legalmente, embora tenha variado de valor após a data em que a obrigação foi constituída.

Artigo 488º

(Obrigações de moeda específica ou de certo metal

com quantitativo expresso em moeda corrente)

Quando o quantitativo da obrigação é expresso em dinheiro corrente, mas se estipula que o cumprimento será efectuado em certa espécie monetária ou em moedas de certo metal, presume-se que as partes querem vincular-se ao valor corrente que a moeda ou as moedas do metal escolhido tinham à data da estipulação.

Artigo 489º

(Falta da moeda estipulada)

1. Quando se tiver estipulado o cumprimento em determinada espécie monetária, em certo metal ou em moedas de certo metal, e se não encontrem as espécies ou as moedas estipuladas em quantidade bastante, pode o pagamento ser feito, quanto à parte da dívida que não for possível cumprir nos termos acordados, em moeda corrente que perfaça o valor dela, segundo a cotação que a moeda escolhida ou as moedas do metal indicado tiverem na bolsa no dia do cumprimento.

2. Se as moedas estipuladas ou as moedas do metal indicado não tiverem cotação na bolsa, atende-se ao valor corrente, ou, na falta deste, ao valor corrente do metal; a esse mesmo valor se atende, quando a moeda, devido à sua raridade, tenha atingido uma cotação ou preço corrente anormal, com que as partes não hajam contado no momento em que a obrigação se constituiu.

Artigo 490º

(Moeda específica sem curso legal)

1. Sempre que a espécie monetária estipulada ou as moedas do metal estipulado não tenham já curso legal na data do cumprimento, deve a prestação ser feita em moeda que tenha curso legal nessa data, de harmonia com a norma de redução que a lei tiver estabelecido ou, na falta de determinação legal, segundo a relação de valores correntes na data em que a nova moeda for introduzida.

2. Quando o quantitativo da obrigação tiver sido expresso em moeda corrente, estipulando-se o pagamento em espécies monetárias, em certo metal ou em moedas de certo metal, e essas moedas carecerem de curso legal na data do cumprimento, observa-se a doutrina do número anterior, uma vez determinada a quantidade dessas moedas que constituía o montante da prestação em dívida.

Artigo 491º

(Cumprimento em moedas de dois ou mais metais ou de um entre vários metais)

1. No caso de se ter convencionado o cumprimento em moe-das de um entre dois ou mais metais, a determinação da pessoa a quem a escolha pertence é feita de acordo com as regras das obrigações alternativas.

2. Quando se estipular o cumprimento da obrigação em moedas de dois ou mais metais, sem se fixar a proporção de umas e outras, cumpre o devedor entregando em partes iguais moedas dos metais especificados.

SUBSECÇÃO III

Obrigações em moeda estrangeira

Artigo 492º

(Termos do cumprimento)

1. A estipulação do cumprimento em moeda estrangeira não impede o devedor de pagar em moeda nacional, segundo o câmbio do dia do cumprimento e do lugar para este estabelecido, salvo se essa faculdade houver sido afastada pelos interessados.

2. Se, porém, o credor estiver em mora, pode o devedor cum-prir de acordo com o câmbio da data em que a mora se deu.

SECÇÃO VII

Obrigações de juros

Artigo 493º

(Taxa de juro)

1. Os juros legais e os estipulados sem determinação de taxa ou quantitativo são os fixados nos termos da lei em vigor.

2. A estipulação de juros a taxa superior à fixada nos termos do número anterior deve ser feita por escrito, sob pena de serem apenas devidos na medida dos juros legais.

Artigo 494º

(Juros usurários)

É aplicável o disposto no Artigo 1066º a toda a estipulação de juros ou quaisquer outras vantagens em negócios ou actos de concessão, outorga, renovação, desconto ou prorrogação do prazo de pagamento de um crédito e em outros análogos.

Artigo 495º

(Anatocismo)

1. Para que os juros vencidos produzam juros é necessária convenção posterior ao vencimento; pode haver também juros de juros, a partir da notificação judicial feita ao devedor para capitalizar os juros vencidos ou proceder ao seu pagamento sob pena de capitalização.

2. Só podem ser capitalizados os juros correspondentes ao período mínimo de um ano.

3. Não são aplicáveis as restrições dos números anteriores, se forem contrárias a regras ou usos particulares do comércio.

Artigo 496º

(Autonomia do crédito de juros)

Desde que se constitui, o crédito de juros não fica necessaria-mente dependente do crédito principal, podendo qualquer deles ser cedido ou extinguir-se sem o outro.

SECÇÃO VIII

Obrigação de indemnização

Artigo 497º

(Princípio geral)

Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.

Artigo 498º

(Nexo de causalidade)

A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.

Artigo 499º

(Cálculo da indemnização)

1. O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.

2. Na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente é remetida para decisão ulterior.

Artigo 500º

(Indemnização provisória)

Devendo a indemnização ser fixada em execução de sentença, pode o tribunal condenar desde logo o devedor no pagamento de uma indemnização, dentro do quantitativo que considere já provado.

Artigo 501º

(Indemnização em dinheiro)

1. A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor.

2. Sem prejuízo do preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos.

3. Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julga equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.

Artigo 502º

(Indemnização em renda)

1. Atendendo à natureza continuada dos danos, pode o tri-bunal, a requerimento do lesado, dar à indemnização, no todo ou em parte, a forma de renda vitalícia ou temporária, determinando as providências necessárias para garantir o seu pagamento.

2. Quando sofram alteração sensível as circunstâncias em que assentou, quer o estabelecimento da renda, quer o seu montante ou duração, quer a dispensa ou imposição de garantias, a qualquer das partes é permitido exigir a correspondente modificação da sentença ou acordo.

Artigo 503º

(Cessão dos direitos do lesado)

Quando a indemnização resulte da perda de qualquer coisa ou direito, o responsável pode exigir, no acto do pagamento ou em momento posterior, que o lesado lhe ceda os seus direitos contra terceiros.

Artigo 504º

(Indicação do montante dos danos)

Quem exigir a indemnização não necessita de indicar a importância exacta em que avalia os danos, nem o facto de ter pedido determinado quantitativo o impede, no decurso da acção, de reclamar quantia mais elevada, se o processo vier a revelar danos superiores aos que foram inicialmente previstos.

Artigo 505º

(Culpa do lesado)

1. Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.

2. Se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar.

Artigo 506º

(Culpa dos representantes legais e auxiliares)

Ao facto culposo do lesado é equiparado o facto culposo dos seus representantes legais e das pessoas de quem ele se tenha utilizado.

Artigo 507º

(Prova da culpa do lesado)

Àquele que alega a culpa do lesado incumbe a prova da sua verificação; mas o tribunal conhecerá dela, ainda que não seja alegada.

SECÇÃO IX

Obrigação de informação e de apresentação de coisas ou documentos

Artigo 508º

(Obrigação de informação)

A obrigação de informação existe, sempre que o titular de um direito tenha dúvida fundada acerca da sua existência ou do seu conteúdo e outrem esteja em condições de prestar as informações necessárias.

Artigo 509º

(Apresentação de coisas)

1. Ao que invoca um direito, pessoal ou real, ainda que condicional ou a prazo, relativo a certa coisa, móvel ou imóvel, é lícito exigir do possuidor ou detentor a apresentação da coisa, desde que o exame seja necessário para apurar a existência ou o conteúdo do direito e o demandado não tenha motivos para fundadamente se opor à diligência.

2. Quando aquele de quem se exige a apresentação da coisa a detiver em nome de outrem, deve avisar a pessoa em cujo nome a detém, logo que seja exigida a apresentação, a fim de ela, se quiser, usar os meios de defesa que no caso couberem.

Artigo 510º

(Apresentação de documentos)

As disposições do Artigo anterior são, com as necessárias adaptações, extensivas aos documentos, desde que o requerente tenha um interesse jurídico atendível no exame deles.

Artigo 511º

(Reprodução das coisas e dos documentos)

Feita a apresentação, o requerente tem a faculdade de tirar cópias ou fotografias, ou usar de outros meios destinados a obter a reprodução da coisa ou documento, desde que a reprodução se mostre necessária e se lhe não oponha motivo grave alegado pelo requerido.

CAPÍTULO IV

Transmissão de créditos e de dívidas

SECÇÃO I

Cessão de créditos

Artigo 512º

(Admissibilidade da cessão)

1. O credor pode ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito, independentemente do consentimento do devedor, contanto que a cessão não seja interdita por determinação da lei ou convenção das partes e o crédito não esteja, pela própria natureza da prestação, ligado à pessoa do credor.

2. A convenção pela qual se proíba ou restrinja a possibilidade da cessão não é oponível ao cessionário, salvo se este a conhecia no momento da cessão.

Artigo 513º

(Regime aplicável)

1. Os requisitos e efeitos da cessão entre as partes definem-se em função do tipo de negócio que lhe serve de base.

2. A cessão de créditos hipotecários, quando não seja feita em testamento e a hipoteca recaia sobre bens imóveis, deve necessariamente constar de escritura pública.

Artigo 514º

(Proibição da cessão de direitos litigiosos)

1. A cessão de créditos ou outros direitos litigiosos feita, directamente ou por interposta pessoa, a juízes ou magistrados do Ministério Público, funcionários de justiça ou mandatários judiciais é nula, se o processo decorrer na área em que exercem habitualmente a sua actividade ou profissão; é igualmente nula a cessão desses créditos ou direitos feita a peritos ou outros auxiliares da justiça que tenham intervenção no respectivo processo.

2. Entende-se que a cessão é efectuada por interposta pessoa, quando é feita ao cônjuge do inibido ou a pessoa de quem este seja herdeiro presumido, ou quando é feita a terceiro, de acordo com o inibido, para o cessionário transmitir a este a coisa ou direito cedido.

3. Diz-se litigioso o direito que tiver sido contestado em juízo contencioso, ainda que arbitral, por qualquer interessado.

Artigo 515º

(Sanções)

1. A cessão feita com quebra do disposto no Artigo anterior, além de nula, sujeita o cessionário à obrigação de reparar os danos causados, nos termos gerais.

2. A nulidade da cessão não pode ser invocada pelo cessionário.

Artigo 516º

(Excepções)

A proibição da cessão dos créditos ou direitos litigiosos não tem lugar nos casos seguintes:

a) Quando a cessão for feita ao titular de um direito de preferência ou de remição relativo ao direito cedido;

b) Quando a cessão se realizar para defesa de bens possuídos pelo cessionário;

c) Quando a cessão se fizer ao credor em cumprimento do que lhe é devido.

Artigo 517º

(Transmissão de garantias e outros acessórios)

1. Na falta de convenção em contrário, a cessão do crédito importa a transmissão, para o cessionário, das garantias e outros acessórios do direito transmitido, que não sejam inseparáveis da pessoa do cedente.

2. A coisa empenhada que estiver na posse do cedente é entregue ao cessionário, mas não a que estiver na posse de terceiro.

Artigo 518º

(Efeitos em relação ao devedor)

1. A cessão produz efeitos em relação ao devedor desde que lhe seja notificada, ainda que extrajudicialmente, ou desde que ele a aceite.

2. Se, porém, antes da notificação ou aceitação, o devedor pagar ao cedente ou celebrar com ele algum negócio jurídico relativo ao crédito, nem o pagamento nem o negócio é oponível ao cessionário, se este provar que o devedor tinha conhecimento da cessão.

Artigo 519º

(Cessão a várias pessoas)

Se o mesmo crédito for cedido a várias pessoas, prevalece a cessão que primeiro for notificada ao devedor ou que por este tiver sido aceita.

Artigo 520º

(Meios de defesa oponíveis pelo devedor)

O devedor pode opor ao cessionário, ainda que este os ignorasse, todos os meios de defesa que lhe seria lícito invocar contra o cedente, com ressalva dos que provenham de facto posterior ao conhecimento da cessão.

Artigo 521º

(Documentos e outros meios probatórios)

O cedente é obrigado a entregar ao cessionário os documentos e outros meios probatórios do crédito, que estejam na sua posse e em cuja conservação não tenha interesse legítimo.

Artigo 522º

(Garantia da existência do crédito e da solvência do devedor)

1. O cedente garante ao cessionário a existência e a exigibili-dade do crédito ao tempo da cessão, nos termos aplicáveis ao negócio, gratuito ou oneroso, em que a cessão se integra.

2. O cedente só garante a solvência do devedor se a tanto expressamente se tiver obrigado.

Artigo 523º

(Aplicação das regras da cessão a outra figuras)

As regras da cessão de créditos são extensivas, na parte aplicável, à cessão de quaisquer outros direitos não exceptuados por lei, bem como à transferência legal ou judicial de créditos.

SECÇÃO II

Sub-rogação

Artigo 524º

(Sub-rogação pelo credor)

O credor que recebe a prestação de terceiro pode subrogá-lo nos seus direitos, desde que o faça expressamente até ao momento do cumprimento da obrigação.

Artigo 525º

(Sub-rogação pelo devedor)

1. O terceiro que cumpre a obrigação pode ser igualmente sub-rogado pelo devedor até ao momento do cumprimento, sem necessidade do consentimento do credor.

2. A vontade de sub-rogar deve ser expressamente manifes-tada.

Artigo 526º

(Sub-rogação em consequência de empréstimo feito ao devedor)

1. O devedor que cumpre a obrigação com dinheiro ou outra coisa fungível emprestada por terceiro pode sub-rogar este nos direitos do credor.

2. A sub-rogação não necessita do consentimento do credor, mas só se verifica quando haja declaração expressa, no documento do empréstimo, de que a coisa se destina ao cumprimento da obrigação e de que o mutuante fica sub-rogado nos direitos do credor.

Artigo 527º

(Sub-rogação legal)

1. Fora dos casos previstos nos Artigos anteriores ou noutras disposições da lei, o terceiro que cumpre a obrigação só fica sub-rogado nos direitos do credor quando tiver garantido o cumprimento, ou quando, por outra causa, estiver directamente interessado na satisfação do crédito.

2. Ao cumprimento é equiparada a dação em cumprimento, a consignação em depósito, a compensação ou outra causa de satisfação do crédito compatível com a sub-rogação.

Artigo 528º

(Efeitos da sub-rogação)

1. O sub-rogado adquire, na medida da satisfação dada ao direito do credor, os poderes que a este competiam.

2. No caso de satisfação parcial, a sub-rogação não prejudica os direitos do credor ou do seu cessionário, quando outra coisa não for estipulada.

3. Havendo vários sub-rogados, ainda que em momentos sucessivos, por satisfações parciais do crédito, nenhum deles tem preferência sobre os demais.

Artigo 529º

(Disposições aplicáveis)

É aplicável à sub-rogação, com as necessárias adaptações, o disposto nos Artigos 517º a 519º.

SECÇÃO III

Transmissão singular de dívidas

Artigo 530º

(Assunção de dívida)

1. A transmissão a título singular de uma dívida pode verificar-se:

a) Por contrato entre o antigo e o novo devedor, ratificado pelo credor;

b) Por contrato entre o novo devedor e o credor, com ou sem consentimento do antigo devedor.

2. Em qualquer dos casos a transmissão só exonera o antigo devedor havendo declaração expressa do credor; de contrário, o antigo devedor responde solidariamente com o novo obrigado.

Artigo 531º

(Ratificação do credor)

1. Enquanto não for ratificado pelo credor, podem as partes distratar o contrato a que se refere a alínea a) do n.º 1 do Artigo anterior.

2. Qualquer das partes tem o direito de fixar ao credor um pra-zo para a ratificação, findo o qual esta se considera recusada.

Artigo 532º

(Invalidade da transmissão. Meios de defesa)

1. Se o contrato de transmissão da dívida for declarado nulo ou anulado e o credor tiver exonerado o anterior obrigado, renasce a obrigação deste, mas consideram-se extintas as garantias prestadas por terceiro, excepto se este conhecia o vício na altura em que teve notícia da transmissão.

2. Na falta de convenção em contrário, o novo devedor não tem o direito de opor ao credor os meios de defesa baseados nas relações entre ele e o antigo devedor, mas pode opor-lhe os meios de defesa derivados das relações entre o antigo devedor e o credor, desde que o seu fundamento seja anterior à assunção da dívida e se não trate de meios de defesa pessoais do antigo devedor.

Artigo 533º

(Transmissão de garantias e acessórios)

1. Com a dívida transmitem-se para o novo devedor, salvo convenção em contrário, as obrigações acessórias do antigo devedor que não sejam inseparáveis da pessoa deste.

2. Mantêm-se nos mesmos termos as garantias do crédito, com excepção das que tiverem sido constituídas por terceiro ou pelo antigo devedor, que não haja consentido na transmissão da dívida.

Artigo 534º

(Insolvência do novo devedor)

O credor que tiver exonerado o antigo devedor fica impedido de exercer contra ele o seu direito de crédito ou qualquer direito de garantia, se o novo devedor se mostrar insolvente, a não ser que expressamente haja ressalvado a responsabilidade do primitivo obrigado.

CAPÍTULO V

Garantia geral das obrigações

SECÇÃO I

Disposições gerais

Artigo 535º

(Princípio geral)

Pelo cumprimento da obrigação respondem todos os bens do devedor susceptíveis de penhora, sem prejuízo dos regimes especialmente estabelecidos em consequência da separação de patrimónios.

Artigo 536º

(Limitação da responsabilidade por convenção das partes)

Salvo quando se trate de matéria subtraída à disponibilidade das partes, é possível, por convenção entre elas, limitar a responsabilidade do devedor a alguns dos seus bens, no caso de a obrigação não ser voluntariamente cumprida.

Artigo 537º

(Limitação por determinação de terceiro)

1. Os bens deixados ou doados com a cláusula de exclusão da responsabilidade por dívidas do beneficiário respondem pelas obrigações posteriores à liberalidade, e também pelas anteriores se for registada a penhora antes do registo daquela cláusula.

2. Se a liberalidade tiver por objecto bens não sujeitos a re-gisto, a cláusula só é oponível aos credores cujo direito seja anterior à liberalidade.

Artigo 538º

(Concurso de credores)

1. Não existindo causas legítimas de preferência, os credores têm o direito de ser pagos proporcionalmente pelo preço dos bens do devedor, quando ele não chegue para integral satisfação dos débitos.

2. São causas legítimas de preferência, além de outras admiti-das na lei, a consignação de rendimentos, o penhor, a hipoteca, o privilégio e o direito de retenção.

 

SECÇÃO II

Conservação da garantia patrimonial

SUBSECÇÃO I

Declaração de nulidade

Artigo 539º

(Legitimidade dos credores)

1. Os credores têm legitimidade para invocar a nulidade dos actos praticados pelo devedor, quer estes sejam anteriores, quer posteriores à constituição do crédito, desde que tenham interesse na declaração da nulidade, não sendo necessário que o acto produza ou agrave a insolvência do devedor.

2. A nulidade aproveita não só ao credor que a tenha invoca-do, como a todos os demais.

SUBSECÇÃO II

Sub-rogação do credor ao devedor

Artigo 540º

(Direitos sujeitos à sub-rogação)

1. Sempre que o devedor o não faça, tem o credor a faculdade de exercer, contra terceiro, os direitos de conteúdo patrimonial que competem àquele, excepto se, por sua própria natureza ou disposição da lei, só puderem ser exercidos pelo respectivo titular.

2. A sub-rogação, porém, só é permitida quando seja essencial à satisfação ou garantia do direito do credor.

Artigo 541º

(Credores sob condição suspensiva ou a prazo)

O credor sob condição suspensiva e o credor a prazo apenas são admitidos a exercer a sub-rogação quando mostrem ter interesse em não aguardar a verificação da condição ou o vencimento do crédito.

Artigo 542º

(Citação do devedor)

Sendo exercida judicialmente a sub-rogação, é necessária a citação do devedor.

Artigo 543º

(Efeitos da sub-rogação)

A sub-rogação exercida por um dos credores aproveita a todos os demais.

SUBSECÇÃO III

Impugnação pauliana

Artigo 544º

(Requisitos gerais)

Os actos que envolvam diminuição da garantia patrimonial do crédito e não sejam de natureza pessoal podem ser impugnados pelo credor, se concorrerem as circunstâncias seguintes:

a) Ser o crédito anterior ao acto ou, sendo posterior, ter sido o acto realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor;

b) Resultar do acto a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou agravamento dessa impossibilidade.

Artigo 545º

(Prova)

Incumbe ao credor a prova do montante das dívidas, e ao devedor ou a terceiro interessado na manutenção do acto a prova de que o obrigado possui bens penhoráveis de igual ou maior valor.

Artigo 546º

(Requisito da má fé)

1. O acto oneroso só está sujeito à impugnação pauliana se o devedor e o terceiro tiverem agido de má fé; se o acto for gratuito, a impugnação procede, ainda que um e outro agissem de boa fé.

2. Entende-se por má fé a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor.

Artigo 547º

(Transmissões posteriores ou constituição posterior de direitos)

1. Para que a impugnação proceda contra as transmissões posteriores é necessário:

a) Que, relativamente à primeira transmissão, se verifiquem os requisitos da impugnabilidade referidos nos Artigos anteriores;

b) Que haja má fé tanto do alienante como do posterior adquirente, no caso de a nova transmissão ser a título oneroso.

2. O disposto no número anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, à constituição de direitos sobre os bens transmitidos em benefício de terceiro.

Artigo 548º

(Créditos não vencidos ou sob condição suspensiva)

1. Não obsta ao exercício da impugnação o facto de o direito do credor não ser ainda exigível.

2. O credor sob condição suspensiva pode, durante a pendên-cia da condição, verificados os requisitos da impugnabili-dade, exigir a prestação de caução.

Artigo 549º

(Actos impugnáveis)

1. Não obsta à impugnação a nulidade do acto realizado pelo devedor.

2. O cumprimento de obrigação vencida não está sujeito a impugnação; mas é impugnável o cumprimento tanto da obrigação ainda não exigível como da obrigação natural.

Artigo 550º

(Efeitos em relação ao credor)

1. Julgada procedente a impugnação, o credor tem direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, podendo executá-los no património do obrigado à restituição e praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei.

2. O adquirente de má fé é responsável pelo valor dos bens que tenha alienado, bem como dos que tenham perecido ou se hajam deteriorado por caso fortuito, salvo se provar que a perda ou deterioração se teriam igualmente verificado no caso de os bens se encontrarem no poder do devedor.

3. O adquirente de boa fé responde só na medida do seu enriquecimento.

4. Os efeitos da impugnação aproveitam apenas ao credor que a tenha requerido.

Artigo 551º

(Relações entre devedor e terceiro)

1. Julgada procedente a impugnação, se o acto impugnado for de natureza gratuita, o devedor só é responsável perante o adquirente nos termos do disposto em matéria de doações; sendo o acto oneroso, o adquirente tem somente o direito de exigir do devedor aquilo com que este se enriqueceu.

2. Os direitos que terceiro adquira contra o devedor não prejudicam a satisfação dos direitos do credor sobre os bens que são objecto da restituição.

Artigo 552º

(Caducidade)

O direito de impugnação caduca ao fim de cinco anos, contados da data do acto impugnável.

SUBSECÇÃO IV

Arresto

Artigo 553º

(Requisitos)

1. O credor que tenha justo receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor, nos termos da lei de processo.

2. O credor tem o direito de requerer o arresto contra o adquirente dos bens do devedor, se tiver sido judicialmente impugnada a transmissão.

Artigo 554º

(Caução)

O requerente do arresto é obrigado a prestar caução, se esta lhe for exigida pelo tribunal.

Artigo 555º

(Responsabilidade do credor)

Se o arresto for julgado injustificado ou caducar, o requerente é responsável pelos danos causados ao arrestado, quando não tenha agido com a prudência normal.

Artigo 556º

(Efeitos)

1. Os actos de disposição dos bens arrestados são ineficazes em relação ao requerente do arresto, de acordo com as regras próprias da penhora.

2. Ao arresto são extensivos, na parte aplicável, os demais efeitos da penhora.

CAPÍTULO VI

Garantias especiais das obrigações

SECÇÃO I

Prestação de caução

Artigo 557º

(Caução imposta ou autorizada por lei)

1. Se alguém for obrigado ou autorizado por lei a prestar cau-ção, sem se designar a espécie que ela deve revestir, pode a garantia ser prestada por meio de depósito de dinheiro, títulos de crédito, pedras ou metais preciosos, ou por penhor, hipoteca ou fiança bancária.

2. Se a caução não puder ser prestada por nenhum dos meios referidos, é lícita a prestação de outra espécie de fiança, desde que o fiador renuncie ao benefício da excussão.

3. Cabe ao tribunal apreciar a idoneidade da caução, sempre que não haja acordo dos interessados.

Artigo 558º

(Caução resultante de negócio jurídico ou determinação do tribunal)

1. Se alguém for obrigado ou autorizado por negócio jurídico a prestar caução, ou esta for imposta pelo tribunal, é permitido prestá-la por meio de qualquer garantia, real ou pessoal.

2. É aplicável, nestes casos, o disposto no n.º 3 do Artigo anterior.

Artigo 559º

(Falta de prestação de caução)

1. Se a pessoa obrigada à caução a não prestar, o credor tem o direito de requerer o registo de hipoteca sobre os bens do devedor, ou outra cautela idónea, salvo se for diferente a solução especialmente fixada na lei.

2. A garantia limita-se aos bens suficientes para assegurar o direito do credor.

Artigo 560º

(Insuficiência ou impropriedade da caução)

Quando a caução prestada se torne insuficiente ou imprópria, por causa não imputável ao credor, tem este o direito de exigir que ela seja reforçada ou que seja prestada outra forma de caução.

SECÇÃO II

Fiança

SUBSECÇÃO I

Disposições gerais

Artigo 561º

(Noção. Acessoriedade)

1. O fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor.

2. A obrigação do fiador é acessória da que recai sobre o principal devedor.

Artigo 562º

(Requisitos)

1. A vontade de prestar fiança deve ser expressamente declarada pela forma exigida para a obrigação principal.

2. A fiança pode ser prestada sem conhecimento do devedor ou contra a vontade dele, e à sua prestação não obsta o facto de a obrigação ser futura ou condicional.

Artigo 563º

(Mandato de crédito)

1. Aquele que encarrega outrem de dar crédito a terceiro, em nome e por conta do encarregado, responde como fiador, se o encargo for aceito.

2. O autor do encargo tem a faculdade de revogar o mandato enquanto o crédito não for concedido, assim como a todo o momento o pode denunciar, sem prejuízo da responsabili-dade pelos danos que haja causado.

3. É lícito ao encarregado recusar o cumprimento do encargo, sempre que a situação patrimonial dos outros contraentes ponha em risco o seu futuro direito.

Artigo 564º

(Subfiança)

Subfiador é aquele que afiança o fiador perante o credor.

Artigo 565º

(Âmbito da fiança)

1. A fiança não pode exceder a dívida principal nem ser con-traída em condições mais onerosas, mas pode ser contraída por quantidade menor ou em menos onerosas condições.

2. Se exceder a dívida principal ou for contraída em condições mais onerosas, a fiança não é nula, mas apenas redutível aos precisos termos da dívida afiançada.

Artigo 566º

(Invalidade da obrigação principal)

1. A fiança não é válida se o não for a obrigação principal.

2. Sendo, porém, anulada a obrigação principal, por incapacidade ou por falta ou vício da vontade do devedor, nem por isso a fiança deixa de ser válida, se o fiador conhecia a causa da anulabilidade ao tempo em que a fiança foi prestada.

Artigo 567º

(Idoneidade do fiador. Reforço da fiança)

1. Se algum devedor estiver obrigado a dar fiador, não é o credor forçado a aceitar quem não tiver capacidade para se obrigar ou não tiver bens suficientes para garantir a obrigação.

2. Se o fiador nomeado mudar de fortuna, de modo que haja risco de insolvência, tem o credor a faculdade de exigir o reforço da fiança.

3. Se o devedor não reforçar a fiança ou não oferecer outra garantia idónea dentro do prazo que lhe for fixado pelo tribunal, tem o credor o direito de exigir o imediato cumprimento da obrigação.

SUBSECÇÃO II

Relações entre o credor e o fiador

Artigo 568º

(Obrigação do fiador)

A fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor.

Artigo 569º

(Caso julgado)

1. O caso julgado entre credor e devedor não é oponível ao fiador, mas a este é lícito invocá-lo em seu benefício, salvo se respeitar a circunstâncias pessoais do devedor que não excluam a responsabilidade do fiador.

2. O caso julgado entre credor e fiador aproveita ao devedor, desde que respeite à obrigação principal, mas não o prejudica o caso julgado desfavorável.

Artigo 570º

(Prescrição: interrupção, suspensão e renúncia)

1. A interrupção da prescrição relativamente ao devedor não produz efeito contra o fiador, nem a interrupção relativa a este tem eficácia contra aquele; mas, se o credor interromper a prescrição contra o devedor e der conhecimento do facto ao fiador, considera-se a prescrição interrompida contra este na data da comunicação.

2. A suspensão da prescrição relativamente ao devedor não produz efeito em relação ao fiador, nem a suspensão relativa a este se repercute naquele.

3. A renúncia à prescrição por parte de um dos obrigados também não produz efeito relativamente ao outro.

Artigo 571º

(Meios de defesa do fiador)

1. Além dos meios de defesa que lhe são próprios, o fiador tem o direito de opor ao credor aqueles que competem ao devedor, salvo se forem incompatíveis com a obrigação do fiador.

2. A renúncia do devedor a qualquer meio de defesa não pro-duz efeito em relação ao fiador.

Artigo 572º

(Benefício da excussão)

1. Ao fiador é lícito recusar o cumprimento enquanto o credor não tiver excutido todos os bens do devedor sem obter a satisfação do seu crédito.

2. É lícita ainda a recusa, não obstante a excussão de todos os bens do devedor, se o fiador provar que o crédito não foi satisfeito por culpa do credor.

Artigo 573º

(Benefício da excussão, havendo garantias reais)

1. Se, para segurança da mesma dívida, houver garantia real constituída por terceiro, contemporânea da fiança ou anterior a ela, tem o fiador o direito de exigir a execução prévia das coisas sobre que recai a garantia real.

2. Quando as coisas oneradas garantam outros créditos do mesmo credor, o disposto no número anterior só é aplicável se o valor delas for suficiente para satisfazer a todos.

3. O autor da garantia real, depois de executado, não fica sub-rogado nos direitos do credor contra o fiador.

Artigo 574º

(Exclusão dos benefícios anteriores)

O fiador não pode invocar os benefícios constantes dos Artigos anteriores:

a) Se houver renunciado ao benefício da excussão e, em espe-cial, se tiver assumido a obrigação de principal pagador;

b) Se o devedor ou o dono dos bens onerados com a garantia não puder, em virtude de facto posterior à constituição da fiança, ser demandado ou executado no território nacional.

Artigo 575º

(Chamamento do devedor à demanda)

1. O credor, ainda que o fiador goze do benefício da excussão, pode demandá-lo só ou juntamente com o devedor; se for demandado só, ainda que não goze do benefício da excussão, o fiador tem a faculdade de chamar o devedor à demanda, para com ele se defender ou ser conjuntamente condenado.

2. Salvo declaração expressa em contrário no processo, a falta de chamamento do devedor à demanda importa renúncia ao benefício da excussão.

Artigo 576º

(Outros meios de defesa do fiador)

1. Ao fiador é lícito recusar o cumprimento enquanto o direito do credor puder ser satisfeito por compensação com um crédito do devedor ou este tiver a possibilidade de se valer da compensação com uma dívida do credor.

2. Enquanto o devedor tiver o direito de impugnar o negócio donde provém a sua obrigação, pode igualmente o fiador recusar o cumprimento.

Artigo 577º

(Subfiador)

O subfiador goza do benefício da excussão, tanto em relação ao fiador como em relação ao devedor.

SUBSECÇÃO III

Relações entre o devedor e o fiador

Artigo 578º

(Sub-rogação)

O fiador que cumprir a obrigação fica sub-rogado nos direitos do credor, na medida em que estes foram por ele satisfeitos.

Artigo 579º

(Aviso do cumprimento ao devedor)

1. O fiador que cumprir a obrigação deve avisar do cumprimento o devedor, sob pena de perder o seu direito contra este no caso de o devedor, por erro, efectuar de novo a prestação.

2. O fiador que, nos termos do número anterior, perder o seu direito contra o devedor pode repetir do credor a prestação feita, como se fosse indevida.

Artigo 580º

(Aviso do cumprimento ao fiador)

O devedor que cumprir a obrigação deve avisar o fiador, sob pena de responder pelo prejuízo que causar se culposamente o não fizer.

Artigo 581º

(Meios de defesa)

O devedor que consentir no cumprimento pelo fiador ou que, avisado por este, lhe não der conhecimento, injustificadamente, dos meios de defesa que poderia opor ao credor fica impedido de opor esses meios contra o fiador.

Artigo 582º

(Direito à liberação ou à prestação de caução)

É permitido ao fiador exigir a sua liberação, ou a prestação de caução para garantia do seu direito eventual contra o devedor, nos casos seguintes:

a) Se o credor obtiver contra o fiador sentença exequível;

b) Se os riscos da fiança se agravarem sensivelmente;

c) Se, após a assunção da fiança, o devedor se houver colocado na situação prevista na alínea b) do Artigo 574º;

d) Se o devedor se houver comprometido a desonerar o fiador dentro de certo prazo ou verificado certo evento e já tiver decorrido o prazo ou se tiver verificado o evento previsto;

e) Se houverem decorrido cinco anos, não tendo a obrigação principal um termo, ou se, tendo-o, houver prorrogação legal imposta a qualquer das partes.

SUBSECÇÃO IV

Pluralidade de fiadores

Artigo 583º

(Responsabilidade para com o credor)

1. Se várias pessoas tiverem, isoladamente, afiançado o devedor pela mesma dívida, responde cada uma delas pela satisfação integral do crédito, excepto se foi convencionado o benefício da divisão; são aplicáveis, naquele caso, com as ressalvas necessárias, as regras das obrigações solidárias.

2. Se os fiadores se houverem obrigado conjuntamente, ainda que em momentos diferentes, é lícito a qualquer deles invocar o benefício da divisão, respondendo, porém, cada um deles, proporcionalmente, pela quota do confiador que se encontre insolvente.

3. É equiparado ao fiador insolvente aquele que não puder ser demandado, nos termos da alínea b) do Artigo 574º.

Artigo 584º

(Relações entre fiadores e subfiadores)

1. Havendo vários fiadores, e respondendo cada um deles pela totalidade da prestação, o que tiver cumprido fica sub-rogado nos direitos do credor contra o devedor e, de harmonia com as regras das obrigações solidárias, contra os outros fiadores.

2. Se o fiador, judicialmente demandado, cumprir integralmente a obrigação ou uma parte superior à sua quota, apesar de lhe ser lícito invocar o benefício da divisão, tem o direito de reclamar dos outros as quotas deles, no que haja pago a mais, ainda que o devedor não esteja insolvente.

3. Se o fiador, podendo embora invocar o benefício da divisão, cumprir voluntariamente a obrigação nas condições previstas no número anterior, o seu regresso contra os outros fiadores só é admitido depois de excutidos todos os bens do devedor.

4. Se algum dos fiadores tiver um subfiador, este não res-ponde, perante os outros fiadores, pela quota do seu afiançado que se mostre insolvente, salvo se o contrário resultar do acto da subfiança.

SUBSECÇÃO V

Extinção da fiança

Artigo 585º

(Extinção da obrigação principal)

A extinção da obrigação principal determina a extinção da fiança.

Artigo 586º

(Vencimento da obrigação principal)

1. Se a obrigação principal for a prazo, o fiador que gozar do benefício da excussão pode exigir, vencida a obrigação, que o credor proceda contra o devedor dentro de dois meses, a contar do vencimento, sob pena de a fiança caducar; este prazo não termina sem decorrer um mês sobre a notificação feita ao credor.

2. Sob igual cominação pode o fiador que goze do benefício da excussão exigir a interpelação do devedor, quando dela depender o vencimento da obrigação e houver decorrido mais de um ano sobre a assunção da fiança.

Artigo 587º

(Liberação por impossibilidade de sub-rogação)

Os fiadores, ainda que solidários, ficam desonerados da obrigação que contraíram, na medida em que, por facto positivo ou negativo do credor, não puderem ficar sub-rogados nos direitos que a este competem.

Artigo 588º

(Obrigação futura)

Sendo a fiança prestada para garantia de obrigação futura, tem o fiador, enquanto a obrigação se não constituir, a possibilidade de liberar-se da garantia, se a situação patrimonial do devedor se agravar em termos de pôr em risco os seus direitos eventuais contra este, ou se tiverem decorrido cinco anos sobre a presta-ção da fiança, quando outro prazo não resulte da convenção.

Artigo 589º

(Fiança do locatário)

1. A fiança pelas obrigações do locatário abrange apenas, salvo estipulação em contrário, o período inicial de duração do contrato.

2. Obrigando-se o fiador relativamente aos períodos de renovação, sem se limitar o número destes, a fiança extingue-se, na falta de nova convenção, logo que haja alteração da renda ou decorra o prazo de cinco anos sobre o início da primeira prorrogação.

SECÇÃO III

Consignação de rendimentos

Artigo 590º

(Noção)

1. O cumprimento da obrigação, ainda que condicional ou futura, pode ser garantido mediante a consignação dos rendimentos de certos bens imóveis, ou de certos bens móveis sujeitos a registo.

2. A consignação de rendimentos pode garantir o cumprimento da obrigação e o pagamento dos juros, ou apenas o cumpri-mento da obrigação ou só o pagamento dos juros.

Artigo 591º

(Legitimidade. Consignação constituída por terceiro)

1. Só tem legitimidade para constituir a consignação quem puder dispor dos rendimentos consignados.

2. É aplicável à consignação constituída por terceiro o disposto no Artigo 651º.

Artigo 592º

(Espécies)

1. A consignação é voluntária ou judicial.

2. É voluntária a consignação constituída pelo devedor ou por terceiro, quer mediante negócio entre vivos, quer por meio de testamento, e judicial a que resulta de decisão do tribunal.

Artigo 593º

(Prazo)

1. A consignação de rendimentos pode fazer-se por determinado número de anos ou até ao pagamento da dívida garantida.

2. Quando incida sobre os rendimentos de bens imóveis, a consignação nunca excederá o prazo de quinze anos.

Artigo 594º

(Forma. Registo)

1. O acto constitutivo da consignação voluntária deve constar de escritura pública ou testamento, se respeitar a coisas imóveis, e de escrito particular, quando recaia sobre móveis.

2. A consignação está sujeita a registo, salvo se tiver por objecto os rendimentos de títulos de crédito nominativos, devendo neste caso ser mencionada nos títulos e averbada, nos termos da respectiva legislação.

Artigo 595º

(Modalidades)

1. Na consignação é possível estipular:

a) Que continuem em poder do concedente os bens cujos rendimentos são consignados;

b) Que os bens passem para o poder do credor, o qual fica, na parte aplicável, equiparado ao locatário, sem prejuízo da faculdade de por seu turno os locar;

c) Que os bens passem para o poder de terceiro, por título de locação ou por outro, ficando o credor com o direito de receber os respectivos frutos.

2. Os frutos da coisa são imputados primeiro nos juros, e só depois no capital, se a consignação garantir tanto o capital como os juros.

Artigo 596º

(Prestação de contas)

1. Continuando os bens no poder do concedente, tem o cre-dor o direito de exigir dele a prestação anual de contas, se não houver de receber em cada período uma importância fixa.

2. De igual direito goza o concedente, em relação ao credor, nos demais casos previstos no n.º 1 do Artigo anterior.

Artigo 597º

(Obrigações do credor. Renúncia à garantia)

1. Se os bens cujos rendimentos são consignados passarem para o poder do credor, deve este administrá-los como um proprietário diligente e pagar as contribuições e demais encargos das coisas.

2. O credor só pode liberar-se das obrigações referidas no número anterior renunciando à garantia.

3. À renúncia é aplicável o disposto no Artigo 665º.

Artigo 598º

(Extinção)

A consignação extingue-se pelo decurso do prazo estipulado, e ainda pelas mesmas causas por que cessa o direito de hipoteca, com excepção da indicada na alínea b) do Artigo 664º.

Artigo 599º

(Remissão)

São aplicáveis à consignação, com as necessárias adaptações, os Artigos 626º, 628º a 630º, 635º e 636º.

SECÇÃO IV

Penhor

SUBSECÇÃO I

Disposições gerais

Artigo 600º

(Noção)

1. O penhor confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito, bem como dos juros, se os houver, com preferência sobre os demais credores, pelo valor de certa coisa móvel, ou pelo valor de créditos ou outros direitos não susceptíveis de hipoteca, pertencentes ao devedor ou a terceiro.

2. É havido como penhor o depósito a que se refere o n.º 1 do Artigo 557º.

3. A obrigação garantida pelo penhor pode ser futura ou condicional.

Artigo 601º

(Legitimidade para empenhar. Penhor constituído por terceiro)

1. Só tem legitimidade para dar bens em penhor quem os puder alienar.

2. É aplicável ao penhor constituído por terceiro o disposto no Artigo 651º.

Artigo 602º

(Regimes especiais)

As disposições desta secção não prejudicam os regimes especiais estabelecidos por lei para certas modalidades de penhor.

SUBSECÇÃO II

Penhor de coisas

Artigo 603º

(Constituição do penhor)

1. O penhor só produz os seus efeitos pela entrega da coisa empenhada, ou de documento que confira a exclusiva disponibilidade dela, ao credor ou a terceiro.

2. A entrega pode consistir na simples atribuição da composse ao credor, se essa atribuição privar o autor do penhor da possibilidade de dispor materialmente da coisa.

Artigo 604º

(Direitos do credor pignoratício)

Mediante o penhor, o credor pignoratício adquire o direito:

a) De usar, em relação à coisa empenhada, das acções destina-das à defesa da posse, ainda que seja contra o próprio dono;

b) De ser indemnizado das benfeitorias necessárias e úteis e de levantar estas últimas, nos termos do Artigo 1193º;

c) De exigir a substituição ou o reforço do penhor ou o cumprimento imediato da obrigação, se a coisa empenhada perecer ou se tornar insuficiente para segurança da dívida, nos termos fixados para a garantia hipotecária.

Artigo 605º

(Deveres do credor pignoratício)

O credor pignoratício é obrigado:

a) A guardar e administrar como um proprietário diligente a coisa empenhada, respondendo pela sua existência e conservação;

b) A não usar dela sem consentimento do autor do penhor, excepto se o uso for indispensável à conservação da coisa;

c) A restituir a coisa, extinta a obrigação a que serve de ga-rantia.

Artigo 606º

(Frutos da coisa empenhada)

1. Os frutos da coisa empenhada são encontrados nas despesas feitas com ela e nos juros vencidos, devendo o excesso, na falta de convenção em contrário, ser abatido no capital que for devido.

2. Havendo lugar à restituição de frutos, não se consideram estes, salvo convenção em contrário, abrangidos pelo penhor.

Artigo 607º

(Uso da coisa empenhada)

Se o credor usar da coisa empenhada contra o disposto na alínea b) do Artigo 605º, ou proceder de forma a que a coisa corra o risco de perder-se ou deteriorar-se, tem o autor do penhor o direito de exigir que ele preste caução idónea ou que a coisa seja depositada em poder de terceiro.

Artigo 608º

(Venda antecipada)

1. Sempre que haja receio fundado de que a coisa empenhada se perca ou deteriore, tem o credor, bem como o autor do penhor, a faculdade de proceder à venda antecipada da coisa, mediante prévia autorização judicial.

2. Sobre o produto da venda fica o credor com os direitos que lhe cabiam em relação à coisa vendida, podendo o tribunal, no entanto, ordenar que o preço seja depositado.

3. O autor do penhor tem a faculdade de impedir a venda antecipada da coisa, oferecendo outra garantia real idónea.

Artigo 609º

(Execução do penhor)

1. Vencida a obrigação, adquire o credor o direito de se pagar pelo produto da venda judicial da coisa empenhada, podendo a venda ser feita extrajudicialmente, se as partes assim o tiverem convencionado.

2. É lícito aos interessados convencionar que a coisa empenhada seja adjudicada ao credor pelo valor que o tribunal fixar.

Artigo 610º

(Cessão da garantia)

1. O direito de penhor pode ser transmitido independentemente da cessão do crédito, sendo aplicável neste caso, com as necessárias adaptações, o disposto sobre a transmissão da hipoteca.

2. À entrega da coisa empenhada ao cessionário é aplicável o disposto no n.º 2 do Artigo 517º.

Artigo 611º

(Extinção do penhor)

O penhor extingue-se pela restituição da coisa empenhada, ou do documento a que se refere o n.º 1 do Artigo 603º, e ainda pelas mesmas causas por que cessa o direito da hipoteca, com excepção da indicada na alínea b) do Artigo 664º.

Artigo 612º

(Remissão)

São aplicáveis ao penhor, com as necessárias adaptações, os Artigos 626º, 628º a 633º, 635º e 636º.

SUBSECÇÃO III

Penhor de direitos

Artigo 613º

(Disposições aplicáveis)

São extensivas ao penhor de direitos, com as necessárias adaptações, as disposições da subsecção anterior, em tudo o que não seja contrariado pela natureza especial desse penhor ou pelo preceituado nos Artigos subsequentes.

Artigo 614º

(Objecto)

Só é admitido o penhor de direitos quando estes tenham por objecto coisas móveis e sejam susceptíveis de transmissão.

Artigo 615º

(Forma e publicidade)

1. A constituição do penhor de direitos está sujeita à forma e publicidade exigidas para a transmissão dos direitos empenhados.

2. Se, porém, tiver por objecto um crédito, o penhor só produz os seus efeitos desde que seja notificado ao respectivo devedor, ou desde que este o aceite, salvo tratando-se de penhor sujeito a registo, pois neste caso produz os seus efeitos a partir do registo.

3. A ineficácia do penhor por falta de notificação ou registo não impede a aplicação, com as necessárias correcções, do disposto no n.º 2 do Artigo 518º.

Artigo 616º

(Entrega de documentos)

O titular do direito empenhado deve entregar ao credor pignoratício os documentos comprovativos desse direito que estiverem na sua posse e em cuja conservação não tenha interesse legítimo.

Artigo 617º

(Conservação do direito empenhado)

O credor pignoratício é obrigado a praticar os actos indispensá-veis à conservação do direito empenhado e a cobrar os juros e mais prestações acessórias compreendidas na garantia.

Artigo 618º

(Relações entre o obrigado e o credor pignoratício)

Dando em penhor um direito por virtude do qual se possa exigir uma prestação, as relações entre o obrigado e o credor pignoratício estão sujeitas às disposições aplicáveis, na cessão de créditos, às relações entre o devedor e o cessionário.

Artigo 619º

(Cobrança de créditos empenhados)

1. O credor pignoratício deve cobrar o crédito empenhado logo que este se torne exigível, passando o penhor a incidir sobre a coisa prestada em satisfação desse crédito.

2. Se, porém, o crédito tiver por objecto a prestação de dinheiro ou de outra coisa fungível, o devedor não pode fazê-la senão aos dois credores conjuntamente; na falta de acordo entre os interessados, tem o obrigado a faculdade de usar da consignação em depósito.

3. Se o mesmo crédito for objecto de vários penhores, só o credor cujo direito prefira aos demais tem legitimidade para cobrar o crédito empenhado; mas os outros têm a faculdade de compelir o devedor a satisfazer a prestação ao credor preferente.

4. O titular do crédito empenhado só pode receber a respectiva prestação com o consentimento do credor pignoratício, extinguindo-se neste caso o penhor.

SECÇÃO V

Hipoteca

SUBSECÇÃO I

Disposições gerais

Artigo 620º

(Noção)

1. A hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, perten-centes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo.

2. A obrigação garantida pela hipoteca pode ser futura ou condicional.

Artigo 621º

(Registo)

A hipoteca deve ser registada, sob pena de não produzir efeitos, mesmo em relação às partes.

Artigo 622º

(Objecto)

1. Só podem ser hipotecados:

a) Os prédios rústicos e urbanos;

b) O domínio directo e o domínio útil dos bens enfitêuticos;

c) O direito de superfície;

d) O direito resultante de concessões em bens do domínio público, observadas as disposições legais relativas à transmissão dos direitos concedidos;

e) O usufruto das coisas e direitos constantes das alíneas anteriores;

f) As coisas móveis que, para este efeito, sejam por lei equiparadas às imóveis.

2. As partes de um prédio susceptíveis de propriedade autónoma sem perda da sua natureza imobiliária podem ser hipotecadas separadamente.

Artigo 623º

(Bens comuns)

1. É também susceptível de hipoteca a quota de coisa ou direito comum.

2. A divisão da coisa ou direito comum, feita com o consentimento do credor, limita a hipoteca à parte que for atribuída ao devedor.

Artigo 624º

(Bens excluídos)

Não pode ser hipotecada a meação dos bens comuns do casal, nem tão-pouco a quota de herança indivisa.

Artigo 625º

(Extensão)

1. A hipoteca abrange:

a) As coisas imóveis referidas nas alíneas c) a e) do n.º 1 do Artigo 195º;

b) As acessões naturais;

c) As benfeitorias, salvo o direito de terceiros.

2. Na hipoteca de fábricas, consideram-se abrangidos pela garantia os maquinismos e demais móveis inventariados no título constitutivo, mesmo que não sejam parte integrante dos respectivos imóveis.

3. Os donos e possuidores de maquinismos, móveis e utensílios destinados à exploração de fábricas, abrangidos no registo de hipoteca dos respectivos imóveis, não os podem alienar ou retirar sem consentimento escrito do credor e incorrem na responsabilidade própria dos fiéis depositários.

Artigo 626º

(Indemnizações devidas)

1. Se a coisa ou direito hipotecado se perder, deteriorar ou diminuir de valor, e o dono tiver direito a ser indemnizado, os titulares da garantia conservam, sobre o crédito respectivo ou as quantias pagas a título de indemnização, as preferências que lhes competiam em relação à coisa onerada.

2. Depois de notificado da existência da hipoteca, o devedor da indemnização não se libera pelo cumprimento da sua obrigação com prejuízo dos direitos conferidos no número anterior.

3. O disposto nos números precedentes é aplicável às indemnizações devidas por expropriação ou requisição, bem como por extinção do direito de superfície, ao preço da remição do foro e aos casos análogos.

Artigo 627º

(Acessórios do crédito)

1. A hipoteca assegura os acessórios do crédito que constem do registo.

2. Tratando-se de juros, a hipoteca nunca abrange, não obs- tante convenção em contrário, mais do que os relativos a três anos.

3. O disposto no número anterior não impede o registo de nova hipoteca em relação a juros em dívida.

Artigo 628º

(Pacto comissório)

É nula, mesmo que seja anterior ou posterior à constituição da hipoteca, a convenção pela qual o credor faz sua a coisa onerada no caso de o devedor não cumprir.

Artigo 629º

(Cláusula de inalienabilidade dos bens hipotecados)

É igualmente nula a convenção que proíba o respectivo dono de alienar ou onerar os bens hipotecados, embora seja lícito convencionar que o crédito hipotecário se vencerá logo que esses bens sejam alienados ou onerados.

Artigo 630º

(Indivisibilidade)

Salvo convenção em contrário, a hipoteca é indivisível, subsistindo por inteiro sobre cada uma das coisas oneradas e sobre cada uma das partes que as constituam, ainda que a coisa ou o crédito seja dividido ou este se encontre parcial-mente satisfeito.

Artigo 631º

(Penhora dos bens)

O devedor que for dono da coisa hipotecada tem o direito de se opor não só a que outros bens sejam penhorados na execução enquanto se não reconhecer a insuficiência da garantia, mas ainda a que, relativamente aos bens onerados, a execução se estenda além do necessário à satisfação do direito do credor.

Artigo 632º

(Defesa do dono da coisa ou do titular do direito)

1. Sempre que o dono da coisa ou o titular do direito hipote-cado seja pessoa diferente do devedor, é-lhe lícito opor ao credor, ainda que o devedor a eles tenha renunciado, os meios de defesa que o devedor tiver contra o crédito, com exclusão das excepções que são recusadas ao fiador.

2. O dono ou o titular a que o número anterior se refere tem a faculdade de se opor à execução enquanto o devedor puder impugnar o negócio donde provém a sua obrigação, ou o credor puder ser satisfeito por compensação com um crédito do devedor, ou este tiver a possibilidade de se valer da compensação com uma dívida do credor.

Artigo 633º

(Hipoteca e usufruto)

1. Extinguindo-se o usufruto constituído sobre a coisa hipotecada, o direito do credor hipotecário passa a exercer-se sobre a coisa, como se o usufruto nunca tivesse sido constituído.

2. Se a hipoteca tiver por objecto o direito de usufruto, considera-se extinta com a extinção deste direito.

3. Porém, se a extinção do usufruto resultar de renúncia, ou da transferência dos direitos do usufrutuário para o proprietário, ou da aquisição da propriedade por parte daquele, a hipoteca subsiste, como se a extinção do direito se não tivesse verificado.

Artigo 634º

(Administração da coisa hipotecada)

O corte de árvores ou arbustos, a colheita de frutos naturais e a alienação de partes integrantes ou coisas acessórias abrangidas pela hipoteca só são eficazes em relação ao credor hipotecário se forem anteriores ao registo da penhora e couberem nos poderes de administração ordinária.

Artigo 635º

(Substituição ou reforço da hipoteca)

1. Quando, por causa não imputável ao credor, a coisa hipotecada perecer ou a hipoteca se tornar insuficiente para segurança da obrigação, tem o credor o direito de exigir que o devedor a substitua ou reforce; e, não o fazendo este nos termos declarados na lei de processo, pode aquele exigir o imediato cumprimento da obrigação ou, tratando-se de obrigação futura, registar hipoteca sobre outros bens do devedor.

2. Não obsta ao direito do credor o facto de a hipoteca ter sido constituída por terceiro, salvo se o devedor for estranho à sua constituição; porém, mesmo neste caso, se a diminuição da garantia for devida a culpa do terceiro, o credor tem o direito de exigir deste a substituição ou o reforço, ficando o mesmo sujeito à cominação do número anterior em lugar do devedor.

Artigo 636º

(Seguro)

1. Quando o devedor se comprometa a segurar a coisa hipotecada e não a segure no prazo devido ou deixe rescindir o contrato por falta de pagamento dos respectivos prémios, tem o credor a faculdade de segurá-la à custa do devedor; mas, se o fizer por um valor excessivo, pode o devedor exigir a redução do contrato aos limites convenientes.

2. Nos casos previstos no número anterior, pode o credor reclamar, em lugar do seguro, o imediato cumprimento da obrigação.

Artigo 637º

(Espécies de hipoteca)

As hipotecas são legais, judiciais ou voluntárias.

SUBSECÇÃO II

Hipotecas legais

Artigo 638º

(Noção)

As hipotecas legais resultam imediatamente da lei, sem dependência da vontade das partes, e podem constituir-se desde que exista a obrigação a que servem de segurança.

Artigo 639º

(Credores com hipoteca legal)

Os credores que têm hipoteca legal são:

a) O Estado e as autarquias locais, sobre os bens cujos rendi-mentos estão sujeitos à contribuição predial, para garantia do pagamento desta contribuição;

b) O Estado e as demais pessoas colectivas públicas, sobre os bens dos encarregados da gestão de fundos públicos, para garantia do cumprimento das obrigações por que se tornem responsáveis;

c) O menor, o interdito e o inabilitado, sobre os bens do tutor, curador e administrador legal, para assegurar a responsa-bilidade que nestas qualidades vierem a assumir;

d) O credor por alimentos;

e) O co-herdeiro, sobre os bens adjudicados ao devedor de tornas, para garantir o pagamento destas;

f) O legatário de dinheiro ou outra coisa fungível, sobre os bens sujeitos ao encargo do legado ou, na sua falta, sobre os bens que os herdeiros responsáveis houverem do testador.

Artigo 640º

(Registo da hipoteca a favor de incapazes)

1. A determinação do valor da hipoteca estabelecida a favor do menor, interdito ou inabilitado, para efeito do registo, e a designação dos bens sobre que há-de ser registada cabem ao conselho de família.

2. Têm legitimidade para requerer o registo o tutor, curador ou administrador legal, os vogais do conselho de família e qualquer dos parentes do incapaz.

Artigo 641º

(Substituição por outra caução)

1. O tribunal pode autorizar, a requerimento do devedor, a substituição da hipoteca legal por outra caução.

2. Não tendo o devedor bens susceptíveis de hipoteca, suficientes para garantir o crédito, pode o credor exigir outra caução, nos termos do Artigo 559º, salvo nos casos das hipotecas destinadas a garantir o pagamento das tornas ou do legado de dinheiro ou outra coisa fungível.

Artigo 642º

(Bens sujeitos à hipoteca legal)

Sem prejuízo do direito de redução, as hipotecas legais podem ser registadas em relação a quaisquer bens do devedor, quando não forem especificados por lei ou no título respectivo os bens sujeitos à garantia.

Artigo 643º

(Reforço)

O credor só goza do direito de reforçar as hipotecas previstas nas alíneas e) e f) do Artigo 639º se a garantia puder continuar a incidir sobre os bens aí especificados.

SUBSECÇÃO III

Hipotecas judiciais

Artigo 644º

(Constituição)

1. A sentença que condenar o devedor à realização de uma prestação em dinheiro ou outra coisa fungível é título bastante para o registo de hipoteca sobre quaisquer bens do obrigado, mesmo que não haja transitado em julgado.

2. Se a prestação for ilíquida, pode a hipoteca ser registada pelo quantitativo provável do crédito.

3. Se o devedor for condenado a entregar uma coisa ou a prestar um facto, só pode ser registada a hipoteca havendo conversão da prestação numa indemnização pecuniária.

Artigo 645º

(Sentenças estrangeiras)

As sentenças dos tribunais estrangeiros, revistas e confir-madas em Timor Leste, podem titular o registo da hipoteca judicial, na medida em que a lei do país onde foram proferidas lhes reconheça igual valor.

SUBSECÇÃO IV

Hipotecas voluntárias

Artigo 646º

(Noção)

Hipoteca voluntária é a que nasce de contrato ou declaração unilateral.

Artigo 647º

(Segunda hipoteca)

A hipoteca não impede o dono dos bens de os hipotecar de novo; neste caso, extinta uma das hipotecas, ficam os bens a garantir, na sua totalidade, as restantes dívidas hipotecárias.

Artigo 648º

(Forma)

O acto de constituição ou modificação da hipoteca voluntária, quando recaia sobre bens imóveis, deve constar de escritura pública ou de testamento.

Artigo 649º

(Legitimidade para hipotecar)

Só tem legitimidade para hipotecar quem puder alienar os respectivos bens.

Artigo 650º

(Hipotecas gerais)

1. São nulas as hipotecas voluntárias que incidam sobre todos os bens do devedor ou de terceiro sem os especificar.

2. A especificação deve constar do título constitutivo da hipoteca.

Artigo 651º

(Hipoteca constituída por terceiro)

1. A hipoteca constituída por terceiro extingue-se na medida em que, por facto positivo ou negativo do credor, não possa dar-se a sub-rogação daquele nos direitos deste.

2. O caso julgado proferido em relação ao devedor produz efeitos relativamente a terceiro que haja constituído a hipoteca, nos termos em que os produz em relação ao fiador.

SUBSECÇÃO V

Redução da hipoteca

Artigo 652º

(Modalidades)

A hipoteca pode ser reduzida voluntária ou judicialmente.

Artigo 653º

(Redução voluntária)

A redução voluntária só pode ser consentida por quem puder dispor da hipoteca, sendo aplicável à redução o regime estabelecido para a renúncia à garantia.

Artigo 654º

(Redução judicial)

1. A redução judicial tem lugar, nas hipotecas legais e judiciais, a requerimento de qualquer interessado, quer no que concerne aos bens, quer no que respeita à quantia designa-da como montante do crédito, excepto se, por convenção ou sentença, a coisa onerada ou a quantia assegurada tiver sido especialmente indicada.

2. No caso previsto na parte final do número anterior, ou no de hipoteca voluntária, a redução judicial só é admitida:

a) Se, em consequência do cumprimento parcial ou outra causa de extinção, a dívida se encontrar reduzida a menos de dois terços do seu montante inicial;

b) Se, por virtude de acessões naturais ou benfeitorias, a coisa ou o direito hipotecado se tiver valorizado em mais de um terço do seu valor à data da constituição da hipoteca.

3. A redução é realizável, quanto aos bens, ainda que a hipo-teca tenha por objecto uma só coisa ou direito, desde que a coisa ou direito seja susceptível de cómoda divisão.

SUBSECÇÃO VI

Transmissão dos bens hipotecados

Artigo 655º

(Expurgação da hipoteca)

Aquele que adquiriu bens hipotecados, registou o título de aquisição e não é pessoalmente responsável pelo cumprimento das obrigações garantidas tem o direito de expurgar a hipoteca por qualquer dos modos seguintes:

a) Pagando integralmente aos credores hipotecários as dívidas a que os bens estão hipotecados;

b) Declarando que está pronto a entregar aos credores, para pagamento dos seus créditos, até à quantia pela qual obteve os bens, ou aquela em que os estima, quando a aquisição tenha sido feita por título gratuito ou não tenha havido fixação de preço.

Artigo 656º

(Expurgação no caso de revogação de doação)

O direito de expurgação é extensivo ao doador ou aos seus herdeiros, relativamente aos bens hipotecados pelo donatário que venham ao poder daqueles em consequência da revogação da liberalidade por ingratidão do donatário, ou da sua redução por inoficiosidade.

Artigo 657º

(Direitos dos credores quanto à expurgação)

1. A sentença que declarar os bens livres de hipotecas em consequência de expurgação não será proferida sem se mostrar que foram citados todos os credores hipotecários.

2. O credor que, tendo a hipoteca registada, não for citado nem comparecer espontaneamente em juízo não perde os seus direitos de credor hipotecário, seja qual for a sentença proferida em relação aos outros credores.

3. Se o requerente da expurgação não depositar a importância devida, nos termos da lei de processo, fica o requerimento sem efeito e não pode ser renovado, sem prejuízo da responsabilidade do requerente pelos danos causados aos credores.

Artigo 658º

(Direitos reais que renascem pela venda judicial)

1. Se o adquirente da coisa hipotecada tinha, anteriormente à aquisição, algum direito real sobre ela, esse direito renasce no caso de venda em processo de execução ou de expur-gação da hipoteca e é atendido em harmonia com as regras legais relativas a essa venda.

2. Renascem do mesmo modo e são incluídas na venda as servidões que, à data do registo da hipoteca, oneravam algum prédio do terceiro adquirente em benefício do prédio hipotecado.

Artigo 659º

(Exercício antecipado do direito hipotecário contra o adquirente)

O credor hipotecário pode, antes do vencimento do prazo, exercer o seu direito contra o adquirente da coisa ou direito hipotecado se, por culpa deste, diminuir a segurança do crédito.

Artigo 660º

(Benfeitorias e frutos)

Para os efeitos dos Artigos 1189º, 1190º e 1195º, o terceiro adquirente é havido como possuidor de boa fé, na execução, até ao registo da penhora, e, na expurgação da hipoteca, até à venda judicial da coisa ou direito.

SUBSECÇÃO VII

Transmissão da hipoteca

Artigo 661º

(Cessão da hipoteca)

1. A hipoteca que não for inseparável da pessoa do devedor pode ser cedida sem o crédito assegurado, para garantia de crédito pertencente a outro credor do mesmo devedor, com observância das regras próprias da cessão de créditos; se, porém, a coisa ou direito hipotecado pertencer a terceiro, é necessário o consentimento deste.

2. O credor com hipoteca sobre mais de uma coisa ou direito só pode cedê-la à mesma pessoa e na sua totalidade.

Artigo 662º

(Valor da hipoteca cedida)

1. A hipoteca cedida garante o novo crédito nos limites do crédito originariamente garantido.

2. Registada a cessão, a extinção do crédito originário não afecta a subsistência da hipoteca.

Artigo 663º

(Cessão do grau hipotecário)

É também permitida a cessão do grau hipotecário a favor de qualquer outro credor hipotecário posteriormente inscrito sobre os mesmos bens, observadas igualmente as regras respeitantes à cessão do respectivo crédito.

SUBSECÇÃO VIII

Extinção da hipoteca

Artigo 664º

(Causas de extinção)

A hipoteca extingue-se:

a) Pela extinção da obrigação a que serve de garantia;

b) Por prescrição, a favor de terceiro adquirente do prédio hipotecado, decorridos vinte anos sobre o registo da aquisição e cinco sobre o vencimento da obrigação;

c) Pelo perecimento da coisa hipotecada, sem prejuízo do disposto nos Artigos 626º e 635º;

d) Pela renúncia do credor.

Artigo 665º

(Renúncia à hipoteca)

1. A renúncia à hipoteca deve ser expressa e exarada em documento autenticado, não carecendo de aceitação do devedor ou do autor da hipoteca para produzir os seus efeitos.

2. Os administradores de patrimónios alheios não podem renunciar às hipotecas constituídas em benefício das pessoas cujos patrimónios administram.

Artigo 666º

(Renascimento da hipoteca)

Se a causa extintiva da obrigação ou a renúncia do credor à garantia for declarada nula ou anulada, ou ficar por outro motivo sem efeito, a hipoteca, se a inscrição tiver sido cancelada, renasce apenas desde a data da nova inscrição.

SECÇÃO VI

Privilégios creditórios

SUBSECÇÃO I

Disposições gerais

Artigo 667º

(Noção)

Privilégio creditório é a faculdade que a lei, em atenção à causa do crédito, concede a certos credores, independentemente do registo, de serem pagos com preferência a outros.

Artigo 668º

(Acessórios do crédito)

O privilégio creditório abrange os juros relativos aos últimos dois anos, se forem devidos.

Artigo 669º

(Espécies)

1. São de duas espécies os privilégios creditórios: mobiliários e imobiliários.

2. Os privilégios mobiliários são gerais, se abrangem o valor de todos os bens móveis existentes no património do devedor à data da penhora ou de acto equivalente; são especiais, quando compreendem só o valor de determina-dos bens móveis.

3. Os privilégios imobiliários são sempre especiais.

SUBSECÇÃO II

Privilégios mobiliários gerais

Artigo 670º

(Créditos do Estado e das autarquias locais)

1. O Estado e as autarquias locais têm privilégio mobiliário geral para garantia dos créditos por impostos indirectos, e também pelos impostos directos inscritos para cobrança no ano corrente na data da penhora, ou acto equivalente, e nos dois anos anteriores.

2. Este privilégio não compreende a sisa ou o imposto sobre as sucessões e doações, nem quaisquer outros impostos que gozem de privilégio especial.

Artigo 671º

(Outros créditos que gozam de privilégio mobiliário geral)

1. Gozam de privilégio geral sobre os móveis:

a) O crédito por despesas do funeral do devedor, conforme a sua condição e costume da terra;

b) O crédito por despesas com doenças do devedor ou de pessoas a quem este deva prestar alimentos, relativo aos últimos seis meses;

c) O crédito por despesas indispensáveis para o sustento do devedor e das pessoas a quem este tenha a obrigação de prestar alimentos, relativo aos últimos seis meses;

d) Os créditos emergentes do contrato de trabalho, ou da violação ou cessação deste contrato, pertencentes ao trabalhador e relativos aos últimos seis meses.

2. O prazo de seis meses referido nas alíneas b), c) e d) do número anterior conta-se a partir da morte do devedor ou do pedido de pagamento.

 

SUBSECÇÃO III

Privilégios mobiliários especiais

Artigo 672º

(Despesas de justiça e imposto sobre sucessões e doações)

1. Os créditos por despesas de justiça feitas directamente no interesse comum dos credores, para a conservação, execução ou liquidação de bens móveis, têm privilégio sobre estes bens.

2. Têm igualmente privilégio sobre os bens móveis transmitidos os créditos do Estado resultantes do imposto sobre as sucessões e doações.

Artigo 673º

(Privilégio sobre os frutos de prédios rústicos)

Gozam de privilégio sobre os frutos dos prédios rústicos respectivos:

a) Os créditos pelos fornecimentos de sementes, plantas e adubos, e de água ou energia para irrigação ou outros fins agrícolas;

b) Os créditos por dívidas de foros relativos ao ano corrente na data da penhora, ou acto equivalente, e ao ano anterior.

Artigo 674º

(Privilégio sobre as rendas dos prédios urbanos)

Os créditos por dívidas de foros relativos ao ano corrente na data da penhora, ou acto equivalente, e ao ano anterior, gozam de privilégio sobre as rendas dos prédios urbanos respectivos.

Artigo 675º

(Crédito de indemnização)

O crédito da vítima de um facto que implique responsabilidade civil tem privilégio sobre a indemnização devida pelo segurador da responsabilidade em que o lesante haja incorrido.

Artigo 676º

(Crédito do autor de obra intelectual)

O crédito do autor de obra intelectual, fundado em contrato de edição, tem privilégio sobre os exemplares da obra existentes em poder do editor.

SUBSECÇÃO IV

Privilégios imobiliários

Artigo 677º

(Despesas de justiça)

Os créditos por despesas de justiça feitas directamente no interesse comum dos credores, para a conservação, execução ou liquidação dos bens imóveis, têm privilégio sobre estes bens.

Artigo 678º

(Contribuição predial e impostos de transmissão)

1. Os créditos por contribuição predial devida ao Estado ou às autarquias locais, inscritos para cobrança no ano corrente na data da penhora, ou acto equivalente, e nos dois anos anteriores, têm privilégio sobre os bens cujos rendimentos estão sujeitos àquela contribuição.

2. Os créditos do Estado pela sisa e pelo imposto sobre as sucessões e doações têm privilégio sobre os bens trans-mitidos.

SUBSECÇÃO V

Efeitos e extinção dos privilégios

Artigo 679º

(Concurso de créditos privilegiados)

1. Os créditos privilegiados são pagos pela ordem segundo a qual vão indicados nas disposições seguintes.

2. Havendo créditos igualmente privilegiados, dar-se-á rateio entre eles, na proporção dos respectivos montantes.

Artigo 680º

(Privilégios por despesas de justiça)

Os privilégios por despesas de justiça, quer sejam mobiliários, quer imobiliários, têm preferência não só sobre os demais privilégios, como sobre as outras garantias, mesmo anteriores, que onerem os mesmos bens, e valem contra os terceiros adquirentes.

Artigo 681º

(Ordem dos outros privilégios mobiliários)

1. Os créditos com privilégio mobiliário graduam-se pela ordem seguinte:

a) Os créditos por impostos, pagando-se em primeiro lu-gar o Estado e só depois as autarquias locais;

b) Os créditos por fornecimentos destinados à produção agrícola;

c) Os créditos por dívidas de foros;

d) Os créditos da vítima de um facto que dê lugar a responsabilidade civil;

e) Os créditos do autor de obra intelectual;

f) Os créditos com privilégio mobiliário geral, pela ordem segundo a qual são enumerados no Artigo 671º.

2. O disposto no presente Artigo é aplicável, ainda que os privilégios existam contra proprietários sucessivos da coisa.

Artigo 682º

(Ordem dos outros privilégios imobiliários)

1. Os créditos com privilégio imobiliário graduam-se pela ordem seguinte:

a) Os créditos do Estado, pela contribuição predial, pela sisa e pelo imposto sobre as sucessões e doações;

b) Os créditos das autarquias locais, pela contribuição predial.

Artigo 683º

(Privilégio geral e direitos de terceiro)

O privilégio geral não vale contra terceiros, titulares de direitos que, recaindo sobre as coisas abrangidas pelo privilégio, sejam oponíveis ao exequente.

Artigo 684º

(Privilégio mobiliário especial e direitos de terceiro)

Salvo disposição em contrário, no caso de conflito entre o privilégio mobiliário especial e um direito de terceiro, prevalece o que mais cedo se houver adquirido.

Artigo 685º

(Privilégio imobiliário e direitos de terceiro)

Os privilégios imobiliários são oponíveis a terceiros que adquiram o prédio ou um direito real sobre ele, e preferem à consignação de rendimentos, à hipoteca ou ao direito de retenção, ainda que estas garantias sejam anteriores.

Artigo 686º

(Extinção)

Os privilégios extinguem-se pelas mesmas causas por que se extingue o direito de hipoteca.

Artigo 687º

(Remissão)

São aplicáveis aos privilégios, com as necessárias adaptações, os Artigos 626º e 628º a 633º.

SECÇÃO VII

Direito de retenção

Artigo 688º

(Quando existe)

O devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados.

Artigo 689º

(Casos especiais)

1. Gozam ainda do direito de retenção:

a) O transportador, sobre as coisas transportadas, pelo crédito resultante do transporte;

b) O albergueiro, sobre as coisas que as pessoas albergadas hajam trazido para a pousada ou acessórios dela, pelo crédito da hospedagem;

c) O mandatário, sobre as coisas que lhe tiveram sido entregues para execução do mandato, pelo crédito resultante da sua actividade;

d) O gestor de negócios, sobre as coisas que tenha em seu poder para execução da gestão, pelo crédito proveniente desta;

e) O depositário e o comodatário, sobre as coisas que lhe tiverem sido entregues em consequência dos respectivos contratos, pelos créditos deles resultantes;

f) O beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do Artigo 377º.

2. Quando haja transportes sucessivos, mas todos os transportadores se tenham obrigado em comum, entende-se que o último detém as coisas em nome próprio e em nome dos outros.

Artigo 690º

(Exclusão do direito de retenção)

Não há direito de retenção:

a) A favor dos que tenham obtido por meios ilícitos a coisa que devem entregar, desde que, no momento da aquisição, conhecessem a ilicitude desta;

b) A favor dos que tenham realizado de má fé as despesas de que proveio o seu crédito;

c) Relativamente a coisas impenhoráveis;

d) Quando a outra parte preste caução suficiente.

Artigo 691º

(Inexigibilidade e iliquidez do crédito)

1. O devedor goza do direito de retenção, mesmo antes do vencimento do seu crédito, desde que entretanto se verifique alguma das circunstâncias que importam a perda do benefício do prazo.

2. O direito de retenção não depende da liquidez do crédito do respectivo titular.

Artigo 692º

(Retenção de coisas móveis)

Recaindo o direito de retenção sobre coisa móvel, o respectivo titular goza dos direitos e está sujeito às obrigações do credor pignoratício, salvo pelo que respeita à substituição ou reforço da garantia.

Artigo 693º

(Retenção de coisas imóveis)

1. Recaindo o direito de retenção sobre coisa imóvel, o respectivo titular, enquanto não entregar a coisa retida, tem a faculdade de a executar, nos mesmos termos em que o pode fazer o credor hipotecário, e de ser pago com preferência aos demais credores do devedor.

2. O direito de retenção prevalece neste caso sobre a hipoteca, ainda que esta tenha sido registada anteriormente.

3. Até à entrega da coisa são aplicáveis, quanto aos direitos e obrigações do titular da retenção, as regras do penhor, com as necessárias adaptações.

Artigo 694º

(Transmissão)

O direito de retenção não é transmissível sem que seja transmitido o crédito que ele garante.

Artigo 695º

(Extinção)

O direito de retenção extingue-se pelas mesmas causas por que cessa o direito de hipoteca, e ainda pela entrega da coisa.

CAPÍTULO VII

Cumprimento e não cumprimento das obrigações

SECÇÃO I

Cumprimento

SUBSECÇÃO I

Disposições gerais

Artigo 696º

(Princípio geral)

1. O devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado.

2. No cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé.

Artigo 697º

(Realização integral da prestação)

1. A prestação deve ser realizada integralmente e não por partes, excepto se outro for o regime convencionado ou imposto por lei ou pelos usos.

2. O credor tem, porém, a faculdade de exigir uma parte da prestação; a exigência dessa parte não priva o devedor da possibilidade de oferecer a prestação por inteiro.

Artigo 698º

(Capacidade do devedor e do credor)

1. O devedor tem de ser capaz, se a prestação constituir um acto de disposição; mas o credor que haja recebido do devedor incapaz pode opor-se ao pedido de anulação se o devedor não tiver tido prejuízo com o cumprimento.

2. O credor deve, pelo seu lado, ter capacidade para receber a prestação; mas, se esta chegar ao poder do representante legal do incapaz ou o património deste tiver enriquecido, pode o devedor opor-se ao pedido de anulação da prestação realizada e de novo cumprimento da obrigação, na medida do que tiver sido recebido pelo representante ou do enriquecimento do incapaz.

Artigo 699º

(Entrega da coisa de que o devedor não pode dispor)

1. O credor que de boa fé receber a prestação de coisa que o devedor não pode alhear tem o direito de impugnar o cumprimento, sem prejuízo da faculdade de se ressarcir dos danos que haja sofrido.

2. O devedor que, de boa ou má fé, prestar coisa de que lhe não é lícito dispor não pode impugnar o cumprimento, a não ser que ofereça uma nova prestação.

Artigo 700º

(Declaração de nulidade ou anulação do cumprimento e garantias prestadas por terceiro)

Se o cumprimento for declarado nulo ou anulado por causa imputável ao credor, não renascem as garantias prestadas por terceiro, salvo se este conhecia o vício na data em que teve notícia do cumprimento da obrigação.

SUBSECÇÃO II

Quem pode fazer e a quem pode ser feita a prestação

Artigo 701º

(Quem pode fazer a prestação)

1. A prestação pode ser feita tanto pelo devedor como por terceiro, interessado ou não no cumprimento da obrigação.

2. O credor não pode, todavia, ser constrangido a receber de terceiro a prestação, quando se tenha acordado expres-samente em que esta deve ser feita pelo devedor, ou quando a substituição o prejudique.

Artigo 702º

(Recusa da prestação pelo credor)

1. Quando a prestação puder ser efectuada por terceiro, o credor que a recuse incorre em mora perante o devedor.

2. É, porém, lícito ao credor recusá-la, desde que o devedor se oponha ao cumprimento e o terceiro não possa ficar sub-rogado nos termos do Artigo 527º; a oposição do devedor não obsta a que o credor aceite validamente a prestação.

Artigo 703º

(A quem deve ser feita a prestação)

A prestação deve ser feita ao credor ou ao seu representante.

Artigo 704º

(Prestação feita a terceiro)

A prestação feita a terceiro não extingue a obrigação, excepto:

a) Se assim foi estipulado ou consentido pelo credor;

b) Se o credor a ratificar;

c) Se quem a recebeu houver adquirido posteriormente o crédito;

d) Se o credor vier a aproveitar-se do cumprimento e não tiver interesse fundado em não a considerar como feita a si próprio;

e) Se o credor for herdeiro de quem a recebeu e responder pelas obrigações do autor da sucessão;

f) Nos demais casos em que a lei o determinar.

Artigo 705º

(Oposição à indicação feita pelo credor)

O devedor não é obrigado a satisfazer a prestação ao represen-tante voluntário do credor nem à pessoa por este autorizada a recebê-la, se não houver convenção nesse sentido.

SUBSECÇÃO III

Lugar da prestação

Artigo 706º

(Princípio geral)

1. Na falta de estipulação ou disposição especial da lei, a prestação deve ser efectuada no lugar do domicílio do devedor.

2. Se o devedor mudar de domicílio depois de constituída a obrigação, a prestação é efectuada no novo domicílio, excepto se a mudança acarretar prejuízo para o credor, pois, nesse caso, deve ser efectuada no lugar do domicílio primitivo.

Artigo 707º

(Entrega de coisa móvel)

1. Se a prestação tiver por objecto coisa móvel determinada, a obrigação deve ser cumprida no lugar onde a coisa se encontrava ao tempo da conclusão do negócio.

2. A disposição do número anterior é ainda aplicável, quando se trate de coisa genérica que deve ser escolhida de um conjunto determinado ou de coisa que deva ser produzida em certo lugar.

Artigo 708º

(Obrigações pecuniárias)

Se a obrigação tiver por objecto certa quantia em dinheiro, deve a prestação ser efectuada no lugar do domicílio que o credor tiver ao tempo do cumprimento.

Artigo 709º

(Mudança do domicílio do credor)

Se tiver sido estipulado, ou resultar da lei, que o cumprimento deve efectuar-se no domicílio do credor, e este mudar de domicílio após a constituição da obrigação, pode a prestação ser efectuada no domicílio do devedor, salvo se aquele se comprometer a indemnizar este do prejuízo que sofrer com a mudança.

Artigo 710º

(Impossibilidade da prestação no lugar fixado)

Quando a prestação for ou se tornar impossível no lugar fixado para o cumprimento e não houver fundamento para considerar a obrigação nula ou extinta, são aplicáveis as regras supletivas dos Artigos 706º a 708º.

SUBSECÇÃO IV

Prazo da prestação

Artigo 711º

(Determinação do prazo)

1. Na falta de estipulação ou disposição especial da lei, o credor tem o direito de exigir a todo o tempo o cumprimento da obrigação, assim como o devedor pode a todo o tempo exonerar-se dela.

2. Se, porém, se tornar necessário o estabelecimento de um prazo, quer pela própria natureza da prestação, quer por virtude das circunstâncias que a determinaram, quer por força dos usos, e as partes não acordarem na sua determina-ção, a fixação dele é deferida ao tribunal.

3. Se a determinação do prazo for deixada ao credor e este não usar da faculdade que lhe foi concedida, compete ao tribunal fixar o prazo, a requerimento do devedor.

Artigo 712º

(Prazo dependente da possibilidade ou do arbítrio do devedor)

1. Se tiver sido estipulado que o devedor cumpre quando puder, a prestação só é exigível tendo este a possibilidade de cumprir; falecendo o devedor, é a prestação exigível dos seus herdeiros, independentemente da prova dessa possibilidade, mas sem prejuízo do disposto no Artigo 1935º.

2. Quando o prazo for deixado ao arbítrio do devedor, só dos seus herdeiros tem o credor o direito de exigir que satisfaçam a prestação.

Artigo 713º

(Beneficiário do prazo)

O prazo tem-se por estabelecido a favor do devedor, quando se não mostre que o foi a favor do credor, ou do devedor e do credor conjuntamente.

Artigo 714º

(Perda do benefício do prazo)

1. Estabelecido o prazo a favor do devedor, pode o credor, não obstante, exigir o cumprimento imediato da obrigação, se o devedor se tornar insolvente, ainda que a insolvência não tenha sido judicialmente declarada, ou se, por causa imputável ao devedor, diminuírem as garantias do crédito ou não forem prestadas as garantias prometidas.

2. O credor tem o direito de exigir do devedor, em lugar do cumprimento imediato da obrigação, a substituição ou reforço das garantias, se estas sofreram diminuição.

Artigo 715º

(Dívida liquidável em prestações)

Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas.

Artigo 716º

(Perda do benefício do prazo em relação aos co-obrigados e terceiros)

A perda do benefício do prazo não se estende aos co-obrigados do devedor, nem a terceiro que a favor do crédito tenha constituído qualquer garantia.

SUBSECÇÃO V

Imputação do cumprimento

Artigo 717º

(Designação pelo devedor)

1. Se o devedor, por diversas dívidas da mesma espécie ao mesmo credor, efectuar uma prestação que não chegue para as extinguir a todas, fica à sua escolha designar as dívidas a que o cumprimento se refere.

2. O devedor, porém, não pode designar contra a vontade do credor uma dívida que ainda não esteja vencida, se o prazo tiver sido estabelecido em benefício do credor; e também não lhe é lícito designar contra a vontade do credor uma dívida de montante superior ao da prestação efectuada, desde que o credor tenha o direito de recusar a prestação parcial.

Artigo 718º

(Regras supletivas)

1. Se o devedor não fizer a designação, deve o cumprimento imputar-se na dívida vencida; entre várias dívidas vencidas, na que oferece menor garantia para o credor; entre várias dívidas igualmente garantidas, na mais onerosa para o devedor; entre várias dívidas igualmente onerosas, na que primeiro se tenha vencido; se várias se tiverem vencido simultaneamente, na mais antiga em data.

2. Não sendo possível aplicar as regras fixadas no número precedente, a prestação presume-se feita por conta de todas as dívidas, rateadamente, mesmo com prejuízo, neste caso, do disposto no Artigo 697º.

Artigo 719º

(Dívidas de juros, despesas e indemnização)

1. Quando, além do capital, o devedor estiver obrigado a pa-gar despesas ou juros, ou a indemnizar o credor em consequência da mora, a prestação que não chegue para cobrir tudo o que é devido presume-se feita por conta, sucessivamente, das despesas, da indemnização, dos juros e do capital.

2. A imputação no capital só pode fazer-se em último lugar, salvo se o credor concordar em que se faça antes.

SUBSECÇÃO VI

Prova do cumprimento

Artigo 720º

(Presunções de cumprimento)

1. Se o credor der quitação do capital sem reserva dos juros ou de outras prestações acessórias, presume-se que estão pagos os juros ou prestações.

2. Sendo devidos juros ou outras prestações periódicas e dando o credor quitação, sem reserva, de uma dessas presta-ções, presumem-se realizadas as prestações anteriores.

3. A entrega voluntária, feita pelo credor ao devedor, do título original do crédito faz presumir a liberação do devedor e dos seus condevedores, solidários ou conjuntos, bem como do fiador e do devedor principal, se o título é entregue a algum destes.

Artigo 721º

(Direito à quitação)

1. Quem cumpre a obrigação tem o direito de exigir quitação daquele a quem a prestação é feita, devendo a quitação constar de documento autêntico ou autenticado ou ser provida de reconhecimento notarial, se aquele que cumpriu tiver nisso interesse legítimo.

2. O autor do cumprimento pode recusar a prestação enquanto a quitação não for dada, assim como pode exigir a quitação depois do cumprimento.

SUBSECÇÃO VII

Direito à restituição do título ou à menção do cumprimento

Artigo 722º

(Restituição do título. Menção do cumprimento)

1. Extinta a dívida, tem o devedor o direito de exigir a restituição do título da obrigação; se o cumprimento for parcial, ou o título conferir outros direitos ao credor, ou este tiver, por outro motivo, interesse legítimo na conservação dele, pode o devedor exigir que o credor mencione no título o cumprimento efectuado.

2. Goza dos mesmos direitos o terceiro que cumprir a obrigação, se ficar sub-rogado nos direitos do credor.

3. É aplicável à restituição do título e à menção do cumprimento o disposto no n.º 2 do Artigo anterior.



Artigo 723º

(Impossibilidade de restituição ou de menção)

Se o credor invocar a impossibilidade, por qualquer causa, de restituir o título ou de nele mencionar o cumprimento, pode o devedor exigir quitação passada em documento autêntico ou autenticado ou com reconhecimento notarial, correndo o encargo por conta do credor.

SECÇÃO II

Não cumprimento

SUBSECÇÃO I

Impossibilidade do cumprimento e mora não imputáveis ao devedor

Artigo 724º

(Impossibilidade objectiva)

1. A obrigação extingue-se quando a prestação se torna impossível por causa não imputável ao devedor.

2. Quando o negócio do qual a obrigação procede houver sido feito sob condição ou a termo, e a prestação for possível na data da conclusão do negócio, mas se tornar impossível antes da verificação da condição ou do vencimento do termo, é a impossibilidade considerada superveniente e não afecta a validade do negócio.

Artigo 725º

(Impossibilidade subjectiva)

A impossibilidade relativa à pessoa do devedor importa igualmente a extinção da obrigação, se o devedor, no cumprimento desta, não puder fazer-se substituir por terceiro.

Artigo 726º

(Impossibilidade temporária)

1. Se a impossibilidade for temporária, o devedor não res-ponde pela mora no cumprimento.

2. A impossibilidade só se considera temporária enquanto, atenta a finalidade da obrigação, se mantiver o interesse do credor.

Artigo 727º

(Impossibilidade parcial)

1. Se a prestação se tornar parcialmente impossível, o devedor exonera-se mediante a prestação do que for possível, devendo, neste caso, ser proporcionalmente reduzida a contraprestação a que a outra parte estiver vinculada.

2. Porém, o credor que não tiver, justificadamente, interesse no cumprimento parcial da obrigação pode resolver o negócio.

Artigo 728º

("Commodum" de representação)

Se, por virtude do facto que tornou impossível a prestação, o devedor adquirir algum direito sobre certa coisa, ou contra terceiro, em substituição do objecto da prestação, pode o credor exigir a prestação dessa coisa, ou substituir-se ao devedor na titularidade do direito que este tiver adquirido contra terceiro.

Artigo 729º

(Contratos bilaterais)

1. Quando no contrato bilateral uma das prestações se torne impossível, fica o credor desobrigado da contraprestação e tem o direito, se já a tiver realizado, de exigir a sua restituição nos termos prescritos para o enriquecimento sem causa.

2. Se a prestação se tornar impossível por causa imputável ao credor, não fica este desobrigado da contraprestação; mas, se o devedor tiver algum benefício com a exoneração, é o valor do benefício descontado na contraprestação.

Artigo 730º

(Risco)

1. Nos contratos que importem a transferência do domínio sobre certa coisa ou que constituam ou transfiram um direito real sobre ela, o perecimento ou deterioração da coisa por causa não imputável ao alienante corre por conta do adquirente.

2. Se, porém, a coisa tiver continuado em poder do alienante em consequência de termo constituído a seu favor, o risco só se transfere com o vencimento do termo ou a entrega da coisa, sem prejuízo do disposto no Artigo 741º.

3. Quando o contrato estiver dependente de condição resolutiva, o risco do perecimento durante a pendência da condição corre por conta do adquirente, se a coisa lhe tiver sido entregue; quando for suspensiva a condição, o risco corre por conta do alienante durante a pendência da condição.

Artigo 731º

(Promessa de envio)

Quando se trate de coisa que, por força da convenção, o alienante deva enviar para local diferente do lugar do cumprimento, a transferência do risco opera-se com a entrega ao transportador ou expedidor da coisa ou à pessoa indicada para a execução do envio.

SUBSECÇÃO II

Falta de cumprimento e mora imputáveis ao devedor

Divisão I

Princípios gerais

Artigo 732º

(Responsabilidade do devedor)

O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor.

Artigo 733º

(Presunção de culpa e apreciação desta)

1. Incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua.

2. A culpa é apreciada nos termos aplicáveis à responsabili-dade civil.

Artigo 734º

(Actos dos representantes legais ou auxiliares)

1. O devedor é responsável perante o credor pelos actos dos seus representantes legais ou das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais actos fossem praticados pelo próprio devedor.

2. A responsabilidade pode ser convencionalmente excluída ou limitada, mediante acordo prévio dos interessados, desde que a exclusão ou limitação não compreenda actos que representem a violação de deveres impostos por normas de ordem pública.

DIVISÃO II

Impossibilidade do cumprimento

Artigo 735º

(Impossibilidade culposa)

1. Tornando-se impossível a prestação por causa imputável ao devedor, é este responsável como se faltasse culposa-mente ao cumprimento da obrigação.

2. Tendo a obrigação por fonte um contrato bilateral, o credor, independentemente do direito à indemnização, pode resolver o contrato e, se já tiver realizado a sua prestação, exigir a restituição dela por inteiro.

Artigo 736º

(Impossibilidade parcial)

1. Se a prestação se tornar parcialmente impossível, o credor tem a faculdade de resolver o negócio ou de exigir o cumprimento do que for possível, reduzindo neste caso a sua contraprestação, se for devida; em qualquer dos casos o credor mantém o direito à indemnização.

2. O credor não pode, todavia, resolver o negócio, se o não cumprimento parcial, atendendo ao seu interesse, tiver escassa importância.

Artigo 737º

("Commodum" de representação)

1. É extensivo ao caso de impossibilidade imputável ao devedor o que dispõe o Artigo 728º.

2. Se o credor fizer valer o direito conferido no número antecedente, o montante da indemnização a que tenha direito é reduzido na medida correspondente.

DIVISÃO III

Mora do devedor

Artigo 738º

(Princípios gerais)

1. A simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor.

2. O devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido.

Artigo 739º

(Momento da constituição em mora)

1. O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir.

2. Há, porém, mora do devedor, independentemente de interpelação:

a) Se a obrigação tiver prazo certo;

b) Se a obrigação provier de facto ilícito;

c) Se o próprio devedor impedir a interpelação, conside-rando-se interpelado, neste caso, na data em que normalmente o teria sido.

3. Se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor; tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número.

Artigo 740º

(Obrigações pecuniárias)

1. Na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora.

2. Os juros devidos são os juros legais, salvo se antes da mora for devido um juro mais elevado ou as partes houverem estipulado um juro moratório diferente do legal.

3. Pode, no entanto, o credor provar que a mora lhe causou dano superior aos juros referidos no número anterior e exigir a indemnização suplementar correspondente, quando se trate de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco.

Artigo 741º

(Risco)

1. Pelo facto de estar em mora, o devedor torna-se responsável pelo prejuízo que o credor tiver em consequência da perda ou deterioração daquilo que deveria entregar, mesmo que estes factos lhe não sejam imputáveis.

2. Fica, porém, salva ao devedor a possibilidade de provar que o credor teria sofrido igualmente os danos se a obrigação tivesse sido cumprida em tempo.

Artigo 742º

(Perda do interesse do credor ou recusa do cumprimento)

1. Se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação.

2. A perda do interesse na prestação é apreciada objectiva-mente.

DIVISÃO IV

Fixação contratual dos direitos do credor

Artigo 743º

(Renúncia do credor aos seus direitos)

É nula a cláusula pela qual o credor renuncia antecipadamente a qualquer dos direitos que lhe são facultados nas divisões anteriores nos casos de não cumprimento ou mora do devedor, salvo o disposto no n.º 2 do Artigo 734º.

Artigo 744º

(Cláusula penal)

1. As partes podem, porém, fixar por acordo o montante da indemnização exigível: é o que se chama cláusula penal.

2. A cláusula penal está sujeita às formalidades exigidas para a obrigação principal, e é nula se for nula esta obrigação.

Artigo 745º

(Funcionamento da cláusula penal)

1. O credor não pode exigir cumulativamente, com base no contrato, o cumprimento coercivo da obrigação principal e o pagamento da cláusula penal, salvo se esta tiver sido estabelecida para o atraso da prestação; é nula qualquer estipulação em contrário.

2. O estabelecimento da cláusula penal obsta a que o credor exija indemnização pelo dano excedente, salvo se outra for a convenção das partes.

3. O credor não pode em caso algum exigir uma indemnização que exceda o valor do prejuízo resultante do incumprimento da obrigação principal.

Artigo 746º

(Redução equitativa da cláusula penal)

1. A cláusula penal pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente; é nula qualquer estipulação em contrário.

2. É admitida a redução nas mesmas circunstâncias, se a obrigação tiver sido parcialmente cumprida.

SUBSECÇÃO III

Mora do credor

Artigo 747º

(Requisitos)

O credor incorre em mora quando, sem motivo justificado, não aceita a prestação que lhe é oferecida nos termos legais ou não pratica os actos necessários ao cumprimento da obrigação.

Artigo 748º

(Responsabilidade do devedor)

1. A partir da mora, o devedor apenas responde, quanto ao objecto da prestação, pelo seu dolo; relativamente aos proventos da coisa, só responde pelos que hajam sido percebidos.

2. Durante a mora, a dívida deixa de vencer juros, quer legais, quer convencionados.

Artigo 749º

(Risco)

1. A mora faz recair sobre o credor o risco da impossibilidade superveniente da prestação, que resulte de facto não imputável a dolo do devedor.

2. Sendo o contrato bilateral, o credor que, estando em mora, perca total ou parcialmente o seu crédito por impos-sibilidade superveniente da prestação não fica exonerado da contraprestação; mas, se o devedor tiver algum benefício com a extinção da sua obrigação, deve o valor do benefício ser descontado na contraprestação.

Artigo 750º

(Indemnização)

O credor em mora indemnizará o devedor das maiores despesas que este seja obrigado a fazer com o oferecimento infrutífero da prestação e a guarda e conservação do respectivo objecto.

SECÇÃO III

Realização coactiva da prestação

SUBSECÇÃO I

Acção de cumprimento e execução

Artigo 751º

(Princípio geral)

Não sendo a obrigação voluntariamente cumprida, tem o credor o direito de exigir judicialmente o seu cumprimento e de executar o património do devedor, nos termos declarados neste código e nas leis de processo.

Artigo 752º

(Execução de bens de terceiro)

O direito de execução pode incidir sobre bens de terceiro, quando estejam vinculados à garantia do crédito, ou quando sejam objecto de acto praticado em prejuízo do credor, que este haja procedentemente impugnado.

Artigo 753º

(Disposição ou oneração dos bens penhorados)

Sem prejuízo das regras do registo, são ineficazes em relação ao exequente os actos de disposição ou oneração dos bens penhorados.

Artigo 754º

(Penhora de créditos)

Sendo penhorado algum crédito do devedor, a extinção dele por causa dependente da vontade do executado ou do seu devedor, verificada depois da penhora, é igualmente ineficaz em relação ao exequente.

Artigo 755º

(Liberação ou cessão de rendas ou alugueres não vencidos)

A liberação ou cessão, antes da penhora, de rendas e alugueres não vencidos é inoponível ao exequente, na medida em que tais rendas ou alugueres respeitem a períodos de tempo não decorridos à data da penhora.

Artigo 756º

(Preferência resultante da penhora)

1. Salvo nos casos especialmente previstos na lei, o exequente adquire pela penhora o direito de ser pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior.

2. Tendo os bens do executado sido previamente arrestados, a anterioridade da penhora reporta-se à data do arresto.

Artigo 757º

(Perda, expropriação ou deterioração da coisa penhorada)

Se a coisa penhorada se perder, for expropriada ou sofrer diminuição de valor, e, em qualquer dos casos, houver lugar a indemnização de terceiro, o exequente conserva sobre os créditos respectivos, ou sobre as quantias pagas a título de indemnização, o direito que tinha sobre a coisa.

Artigo 758º

(Venda em execução)

1. A venda em execução transfere para o adquirente os direitos do executado sobre a coisa vendida.

2. Os bens são transmitidos livres dos direitos de garantia que os onerarem, bem como dos demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com excepção dos que, constituídos em data anterior, produzam efeitos em relação a terceiros independentemente de registo.

3. Os direitos de terceiro que caducarem nos termos do número anterior transferem-se para o produto da venda dos respectivos bens.

Artigo 759º

(Garantia no caso de execução de coisa alheia)

1. O adquirente, no caso de execução de coisa alheia, pode exigir que o preço lhe seja restituído por aqueles a quem foi atribuído e que os danos sejam reparados pelos credores e pelo executado que hajam procedido com culpa; é aplicável à restituição do preço o disposto no Artigo 828º.

2. Se o terceiro tiver protestado pelo seu direito no acto da venda, ou anteriormente a ela, e o adquirente conhecer o protesto, não lhe é lícito pedir a reparação dos danos, salvo se os credores ou o devedor se tiverem responsabilizado pela indemnização.

3. Em lugar de exigir dos credores a restituição do preço, o adquirente pode exercer contra o devedor, por sub-rogação, os direitos desses credores.

Artigo 760º

(Adjudicação e remição)

As disposições dos Artigos antecedentes relativos à venda são aplicáveis, com as necessárias adaptações, à adjudicação e à remição.

SUBSECÇÃO II

Execução específica

Artigo 761º

(Entrega de coisa determinada)

Se a prestação consistir na entrega de coisa determinada, o credor tem a faculdade de requerer, em execução, que a entrega lhe seja feita judicialmente.

Artigo 762º

(Prestação de facto fungível)

O credor de prestação de facto fungível tem a faculdade de requerer, em execução, que o facto seja prestado por outrem à custa do devedor.

Artigo 763º

(Prestação de facto negativo)

1. Se o devedor estiver obrigado a não praticar algum acto e vier a praticá-lo, tem o credor o direito de exigir que a obra, se obra feita houver, seja demolida à custa do que se obrigou a não a fazer.

2. Cessa o direito conferido no número anterior, havendo apenas lugar à indemnização, nos termos gerais, se o prejuízo da demolição para o devedor for consideravel-mente superior ao prejuízo sofrido pelo credor.

Artigo 764º

(Sanção pecuniária compulsória)

1. Nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso.

2. A sanção pecuniária compulsória prevista no número anterior é fixada segundo critérios de razoabilidade, sem prejuízo da indemnização a que houver lugar.

3. O montante da sanção pecuniária compulsória destina-se, em partes iguais, ao credor e ao Estado.

4. Quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automatica-mente devidos juros à taxa de cinco por cento ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescem aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização a que houver lugar.

Artigo 765º

(Contrato-promessa)

1. Se alguém se tiver obrigado a celebrar certo contrato e não cumprir a promessa, pode a outra parte, na falta de convenção em contrário, obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, sempre que a isso não se oponha a natureza da obrigação assumida.

2. Entende-se haver convenção em contrário, se existir sinal ou tiver sido fixada uma pena para o caso de não cumprimento da promessa.

3. O direito à execução específica não pode ser afastado pelas partes nas promessas a que se refere o n.º 3 do Artigo 345º; a requerimento do faltoso, porém, a sentença que produza os efeitos da sua declaração negocial pode ordenar a modificação do contrato nos termos do Artigo 372º, ainda que a alteração das circunstâncias seja posterior à mora.

4. Tratando-se de promessa relativa à celebração de contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real sobre edifício, ou fracção autónoma dele, em que caiba ao adquirente, nos termos do Artigo 655º, a faculdade de expurgar hipoteca a que o mesmo se encontre sujeito, pode aquele, caso a extinção de tal garantia não preceda a mencionada transmissão ou constituição, ou não coincida com esta, requerer, para efeito da expurgação, que a sentença referida no n.º 1 condene também o promitente faltoso a entregar-lhe o montante do débito garantido, ou o valor nele correspondente à fracção do edifício ou do direito objecto do contrato e dos juros respectivos, vencidos e vincendos, até pagamento integral.

5. No caso de contrato em que ao obrigado seja lícito invocar a excepção de não cumprimento, a acção improcede, se o requerente não consignar em depósito a sua prestação no prazo que lhe for fixado pelo tribunal.

SECÇÃO IV

Cessão de bens aos credores

Artigo 766º

(Noção. Forma)

1. Dá-se a cessão de bens aos credores quando estes, ou alguns deles, são encarregados pelo devedor de liquidar o património deste, ou parte dele, e repartir entre si o respectivo produto, para satisfação dos seus créditos.

2. A cessão deve ser feita por escrito e está, além disso, sujeita à forma exigida para a validade da transmissão dos bens nela compreendidos.

3. A cessão deve ser registada sempre que abranja bens sujeitos a registo.

Artigo 767º

(Execução dos bens cedidos)

A cessão não impede que os bens cedidos sejam executados pelos credores que dela não participam, enquanto não tiverem sido alienados; não gozam de igual direito os cessionários nem os credores posteriores à cessão.

Artigo 768º

(Poderes dos cessionários e do devedor)

1. Enquanto a cessão se mantiver, os poderes de administra-ção e disposição dos respectivos bens pertencem exclusi-vamente aos cessionários.

2. O devedor conserva, porém, o direito de fiscalizar a gestão dos credores, e tem o direito à prestação de contas no fim da liquidação ou, se a cessão se prolongar por mais de um ano, no termo de cada ano.

Artigo 769º

(Exoneração do devedor)

O devedor só fica liberado em face dos credores a partir do recebimento da parte que a estes compete no produto da liqui-dação, e na medida do que receberam.

Artigo 770º

(Desistência da cessão)

1. É permitido ao devedor desistir a todo o tempo da cessão, cumprindo as obrigações a que está adstrito para com os cessionários.

2. A desistência não tem efeito retroactivo.

CAPÍTULO VIII

Causas de extinção das obrigações além do cumprimento

SECÇÃO I

Dação em cumprimento

Artigo 771º

(Quando é admitida)

A prestação de coisa diversa da que for devida, embora de valor superior, só exonera o devedor se o credor der o seu assentimento.

Artigo 772º

(Vícios da coisa ou do direito)

O credor a quem for feita a dação em cumprimento goza de garantia pelos vícios da coisa ou do direito transmitido, nos termos prescritos para a compra e venda; mas pode optar pela prestação primitiva e reparação dos danos sofridos.

Artigo 773º

(Nulidade ou anulabilidade da dação)

Sendo a dação declarada nula ou anulada por causa imputável ao credor, não renascem as garantias prestadas por terceiro, excepto se este conhecia o vício na data em que teve notícia da dação.

Artigo 774º

(Dação "pro solvendo")

1. Se o devedor efectuar uma prestação diferente da devida, para que o credor obtenha mais facilmente, pela realização do valor dela, a satisfação do seu crédito, este só se extingue quando for satisfeito, e na medida respectiva.

2. Se a dação tiver por objecto a cessão de um crédito ou a assunção de uma dívida, presume-se feita nos termos do número anterior.

SECÇÃO II

Consignação em depósito

Artigo 775º

(Quando tem lugar)

1. O devedor pode livrar-se da obrigação mediante o depósito da coisa devida, nos casos seguintes:

a) Quando, sem culpa sua, não puder efectuar a prestação ou não puder fazê-lo com segurança, por qualquer motivo relativo à pessoa do credor;

b) Quando o credor estiver em mora.

2. A consignação em depósito é facultativa.

Artigo 776º

(Consignação por terceiro)

A consignação em depósito pode ser efectuada a requerimento de terceiro a quem seja lícito efectuar a prestação.

Artigo 777º

(Dependência de outra prestação)

Se o devedor tiver a faculdade de não cumprir senão contra uma prestação do credor, é-lhe lícito exigir que a coisa consignada não seja entregue ao credor enquanto este não efectuar aquela prestação.

Artigo 778º

(Entrega da coisa consignada)

Feita a consignação, fica o consignatário obrigado a entregar ao credor a coisa consignada, e o credor com o direito de exigir a sua entrega.

Artigo 779º

(Revogação da consignação)

1. O devedor pode revogar a consignação, mediante decla-ração feita no processo, e pedir a restituição da coisa consignada.

2. Extingue-se o direito de revogação, se o credor, por declaração feita no processo, aceitar a consignação, ou se esta for considerada válida por sentença passada em julgado.

Artigo 780º

(Extinção da obrigação)

A consignação aceita pelo credor ou declarada válida por decisão judicial libera o devedor, como se ele tivesse feito a prestação ao credor na data do depósito.

SECÇÃO III

Compensação

Artigo 781º

(Requisitos)

1. Quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, verificados os seguintes requisitos:

a) Ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material;

b) Terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade.

2. Se as duas dívidas não forem de igual montante, pode dar-se a compensação na parte correspondente.

3. A iliquidez da dívida não impede a compensação.

Artigo 782º

(Como se torna efectiva)

1. A compensação torna-se efectiva mediante declaração de uma das partes à outra.

2. A declaração é ineficaz, se for feita sob condição ou a termo.

Artigo 783º

(Prazo gratuito)

O credor que concedeu gratuitamente um prazo ao devedor está impedido de compensar a sua dívida antes do vencimento do prazo.

Artigo 784º

(Créditos prescritos)

O crédito prescrito não impede a compensação, se a prescrição não podia ser invocada na data em que os dois créditos se tornaram compensáveis.

Artigo 785º

(Reciprocidade dos créditos)

1. A compensação apenas pode abranger a dívida do declarante, e não a de terceiro, ainda que aquele possa efectuar a prestação deste, salvo se o declarante estiver em risco de perder o que é seu em consequência de execução por dívida de terceiro.

2. O declarante só pode utilizar para a compensação créditos que sejam seus, e não créditos alheios, ainda que o titular respectivo dê o seu consentimento; e só procedem para o efeito créditos seus contra o seu credor.

Artigo 786º

(Diversidade de lugares do cumprimento)

1. Pelo simples facto de deverem ser cumpridas em lugares diferentes, as duas obrigações não deixam de ser compensáveis, salvo estipulação em contrário.

2. O declarante é, todavia, obrigado a reparar os danos sofridos pela outra parte, em consequência de esta não receber o seu crédito ou não cumprir a sua obrigação no lugar determinado.

Artigo 787º

(Exclusão da compensação)

1. Não podem extinguir-se por compensação:

a) Os créditos provenientes de factos ilícitos dolosos;

b) Os créditos impenhoráveis, excepto se ambos forem da mesma natureza;

c) Os créditos do Estado ou de outras pessoas colectivas públicas, excepto quando a lei o autorize.

2. Também não é admitida a compensação, se houver prejuízo de direitos de terceiro, constituídos antes de os créditos se tornarem compensáveis, ou se o devedor a ela tiver renunciado.

Artigo 788º

(Retroactividade)

Feita a declaração de compensação, os créditos consideram-se extintos desde o momento em que se tornaram compensáveis.

Artigo 789º

(Pluralidade de créditos)

1. Se existirem, de uma ou outra parte, vários créditos compensáveis, a escolha dos que ficam extintos pertence ao declarante.

2. Na falta de escolha, é aplicável o disposto nos Artigos 718º e 719º.

Artigo 790º

(Nulidade ou anulabilidade da compensação)

Declarada nula ou anulada a compensação, subsistem as obrigações respectivas; mas, sendo a nulidade ou anulação imputável a alguma das partes, não renascem as garantias que em seu benefício foram prestadas por terceiro, salvo se este conhecia o vício quando foi feita a declaração de compensação.

SECÇÃO IV

Novação

Artigo 791º

(Novação objectiva)

Dá-se a novação objectiva quando o devedor contrai perante o credor uma nova obrigação em substituição da antiga.

Artigo 792º

(Novação subjectiva)

A novação por substituição do credor dá-se quando um novo credor é substituído ao antigo, vinculando-se o devedor para com ele por uma nova obrigação; e a novação por substituição do devedor, quando um novo devedor, contraindo nova obrigação, é substituído ao antigo, que é exonerado pelo credor.

Artigo 793º

(Declaração negocial)

A vontade de contrair a nova obrigação em substituição da antiga deve ser expressamente manifestada.

Artigo 794º

(Ineficácia da novação)

1. Se a primeira obrigação estava extinta ao tempo em que a segunda foi contraída, ou vier a ser declarada nula ou anulada, fica a novação sem efeito.

2. Se for declarada nula ou anulada a nova obrigação, subsiste a obrigação primitiva; mas, sendo a nulidade ou anulação imputável ao credor, não renascem as garantias prestadas por terceiro, salvo se este, na data em que teve notícia da novação, conhecia o vício da nova obrigação.

Artigo 795º

(Garantias)

1. Extinta a obrigação antiga pela novação, ficam igualmente extintas, na falta de reserva expressa, as garantias que asseguravam o seu cumprimento, mesmo quando result-antes da lei.

2. Dizendo a garantia respeito a terceiro, é necessária também a reserva expressa deste.

Artigo 796º

(Meios de defesa)

O novo crédito não está sujeito aos meios de defesa oponíveis à obrigação antiga, salvo estipulação em contrário.

SECÇÃO V

Remissão

Artigo 797º

(Natureza contratual da remissão)

1. O credor pode remitir a dívida por contrato com o devedor.

2. Quando tiver o carácter de liberalidade, a remissão por negócio entre vivos é havida como doação, na conformi-dade dos Artigos 874º e seguintes.

Artigo 798º

(Obrigações solidárias)

1. A remissão concedida a um devedor solidário libera os outros somente na parte do devedor exonerado.

2. Se o credor, neste caso, reservar o seu direito, por inteiro, contra os outros devedores, conservam estes, por inteiro também, o direito de regresso contra o devedor exonerado.

3. A remissão concedida por um dos credores solidários exonera o devedor para com os restantes credores, mas somente na parte que respeita ao credor remitente.

Artigo 799º

(Obrigações indivisíveis)

1. À remissão concedida pelo credor de obrigação indivisível a um dos devedores é aplicável o disposto no Artigo 470º.

2. Sendo a remissão concedida por um dos credores ao devedor, este não fica exonerado para com os outros credores; mas estes não podem exigir do devedor a prestação senão entregando-lhe o valor da parte daquele concredor.

Artigo 800º

(Eficácia em relação a terceiros)

1. A remissão concedida ao devedor aproveita a terceiros.

2. A remissão concedida a um dos fiadores aproveita aos outros na parte do fiador exonerado; mas, se os outros consentirem na remissão, respondem pela totalidade da dívida, salvo declaração em contrário.

3. Se for declarada nula ou anulada a remissão por facto imputável ao credor, não renascem as garantias prestadas por terceiro, excepto se este conhecia o vício na data em que teve notícia da remissão.

Artigo 801º

(Renúncia às garantias)

A renúncia às garantias da obrigação não faz presumir a remissão da dívida.

SECÇÃO VI

Confusão

Artigo 802º

(Noção)

Quando na mesma pessoa se reúnam as qualidades de credor e devedor da mesma obrigação, extinguem-se o crédito e a dívida.

Artigo 803º

(Obrigações solidárias)

1. A reunião na mesma pessoa das qualidades de devedor solidário e credor exonera os demais obrigados, mas só na parte da dívida relativa a esse devedor.

2. A reunião na mesma pessoa das qualidades de credor solidário e devedor exonera este na parte daquele.

Artigo 804º

(Obrigações indivisíveis)

1. Se na obrigação indivisível em que há vários devedores se reunirem as qualidades de credor e devedor, é aplicável o disposto no Artigo 470º.

2. Sendo vários os credores e verificando-se a confusão entre um deles e o devedor, é aplicável o disposto no n.º 2 do Artigo 799º.

Artigo 805º

(Eficácia em relação a terceiros)

1. A confusão não prejudica os direitos de terceiro.

2. Se houver, a favor de terceiro, direitos de usufruto ou de penhor sobre o crédito, este subsiste, não obstante a con-fusão, na medida em que o exija o interesse do usufrutuário ou do credor pignoratício.

3. Se na mesma pessoa se reunirem as qualidades de devedor e fiador, fica extinta a fiança, excepto se o credor tiver legítimo interesse na subsistência da garantia.

4. A reunião na mesma pessoa das qualidades de credor e de proprietário da coisa hipotecada ou empenhada não impede que a hipoteca ou o penhor se mantenha, se o credor nisso tiver interesse e na medida em que esse interesse se justifique.

Artigo 806º

(Patrimónios separados)

Não há confusão, se o crédito e a dívida pertencem a patrimó-nios separados.

Artigo 807º

(Cessação da confusão)

1. Se a confusão se desfizer, renasce a obrigação com os seus acessórios, mesmo em relação a terceiro, quando o facto que a destrói seja anterior à própria confusão.

2. Quando a cessação da confusão for imputável ao credor, não renascem as garantias prestadas por terceiro, salvo se este conhecia o vício na data em que teve notícia da confusão.

TÍTULO II

DOS CONTRATOS EM ESPECIAL

CAPÍTULO I

Compra e venda

SECÇÃO I

Disposições gerais

Artigo 808º

(Noção)

Compra e venda é o contrato pelo qual se transmite a proprie-dade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço.

Artigo 809º

(Forma)

O contrato de compra e venda de bens imóveis só é válido se for celebrado por escritura pública.

Artigo 810º

(Venda de coisa ou direito litigioso)

1. Não podem ser compradores de coisa ou direito litigioso, quer directamente, quer por interposta pessoa, aqueles a quem a lei não permite que seja feita a cessão de créditos ou direitos litigiosos, conforme se dispõe no capítulo respectivo.

2. A venda feita com quebra do disposto no número anterior, além de nula, sujeita o comprador, nos termos gerais, à obrigação de reparar os danos causados.

3. A nulidade não pode ser invocada pelo comprador.

Artigo 811º

(Venda a filhos ou netos)

1. Os pais e avós não podem vender a filhos ou netos, se os outros filhos ou netos não consentirem na venda; o consentimento dos descendentes, quando não possa ser prestado ou seja recusado, é susceptível de suprimento judicial.

2. A venda feita com quebra do que preceitua o número an-terior é anulável; a anulação pode ser pedida pelos filhos ou netos que não deram o seu consentimento, dentro do prazo de um ano a contar do conhecimento da celebração do contrato, ou do termo da incapacidade, se forem incapazes.

3. A proibição não abrange a dação em cumprimento feita pelo ascendente.

Artigo 812º

(Despesas do contrato)

Na falta de convenção em contrário, as despesas do contrato e outras acessórias ficam a cargo do comprador.

SECÇÃO II

Efeitos da compra e venda

Artigo 813º

(Efeitos essenciais)

A compra e venda tem como efeitos essenciais:

a) A transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito;

b) A obrigação de entregar a coisa;

c) A obrigação de pagar o preço.

Artigo 814º

(Bens futuros, frutos pendentes e partes componentes ou integrantes)

1. Na venda de bens futuros, de frutos pendentes ou de par-tes componentes ou integrantes de uma coisa, o vendedor fica obrigado a exercer as diligências necessárias para que o comprador adquira os bens vendidos, segundo o que for estipulado ou resultar das circunstâncias do contrato.

2. Se as partes atribuírem ao contrato carácter aleatório, é devido o preço, ainda que a transmissão dos bens não chegue a verificar-se.

Artigo 815º

(Bens de existência ou titularidade incerta)

Quando se vendam bens de existência ou titularidade incerta e no contrato se faça menção dessa incerteza, é devido o preço, ainda que os bens não existam ou não pertençam ao vendedor, excepto se as partes recusarem ao contrato natureza aleatória.

Artigo 816º

(Entrega da coisa)

1. A coisa deve ser entregue no estado em que se encontrava ao tempo da venda.

2. A obrigação de entrega abrange, salvo estipulação em contrário, as partes integrantes, os frutos pendentes e os documentos relativos à coisa ou direito.

3. Se os documentos contiverem outras matérias de interesse do vendedor, é este obrigado a entregar pública-forma da parte respeitante à coisa ou direito que foi objecto da venda, ou fotocópia de igual valor.

Artigo 817º

(Determinação do preço)

1. Se o preço não estiver fixado por entidade pública, e as partes o não determinarem nem convencionarem o modo de ele ser determinado, vale como preço contratual o que o vendedor normalmente praticar à data da conclusão do contrato ou, na falta dele, o do mercado ou bolsa no momento do contrato e no lugar em que o comprador deva cumprir; na insuficiência destas regras, o preço é determinado pelo tribunal, segundo juízos de equidade.

2. Quando as partes se tenham reportado ao justo preço, é aplicável o disposto no número anterior.

Artigo 818º

(Redução do preço)

1. Se a venda ficar limitada a parte do seu objecto, nos termos do Artigo 283º ou por força de outros preceitos legais, o preço respeitante à parte válida do contrato é o que neste figurar, se houver sido discriminado como parcela do preço global.

2. Na falta de discriminação, a redução é feita por meio de avaliação.

Artigo 819º

(Tempo e lugar do pagamento do preço)

1. O preço deve ser pago no momento e no lugar da entrega da coisa vendida.

2. Mas, se por estipulação das partes ou por força dos usos o preço não tiver de ser pago no momento da entrega, o pagamento é efectuado no lugar do domicílio que o credor tiver ao tempo do cumprimento.

Artigo 820º

(Falta de pagamento do preço)

Transmitida a propriedade da coisa, ou o direito sobre ela, e feita a sua entrega, o vendedor não pode, salvo convenção em contrário, resolver o contrato por falta de pagamento do preço.

SECÇÃO III

Venda de coisas sujeitas a contagem, pesagem ou medição

Artigo 821º

(Coisas determinadas. Preço fixado por unidade)

Na venda de coisas determinadas, com preço fixado à razão de tanto por unidade, é devido o preço proporcional ao número, peso ou medida real das coisas vendidas, sem embargo de no contrato se declarar quantidade diferente.

Artigo 822º

(Coisas determinadas. Preço não fixado por unidade)

1. Se na venda de coisas determinadas o preço não for estabelecido à razão de tanto por unidade, o comprador deve o preço declarado, mesmo que no contrato se indique o número, peso ou medida das coisas vendidas e a indicação não corresponda à realidade.

2. Se, porém, na venda de coisas determinadas, a quantidade efectiva diferir da declarada em mais de um vigésimo desta, o preço sofre redução ou aumento proporcional.

Artigo 823º

(Compensação entre faltas e excessos)

Quando se venda por um só preço uma pluralidade de coisas determinadas e homogéneas, com indicação do peso ou medida de cada uma delas, e se declare quantidade inferior à real quanto a alguma ou algumas e superior quanto a outra ou outras, far-se-á compensação entre as faltas e os excessos até ao limite da sua concorrência.

Artigo 824º

(Caducidade do direito à diferença de preço)

1. O direito ao recebimento da diferença de preço caduca dentro de seis meses ou um ano após a entrega da coisa, consoante esta for móvel ou imóvel; mas, se a diferença só se tornar exigível em momento posterior à entrega, o prazo contar-se-á a partir desse momento.

2. Na venda de coisas que hajam de ser transportadas de um lugar para outro, o prazo reportado à data da entrega só começa a correr no dia em que o comprador as receber.

Artigo 825º

(Resolução do contrato)

1. Se o preço devido por aplicação do Artigo 821º ou do n.º 2 do Artigo 822º exceder o proporcional à quantidade declarada em mais de um vigésimo deste, e o vendedor exigir esse excesso, o comprador tem o direito de resolver o contrato, salvo se houver procedido com dolo.

2. O direito à resolução caduca no prazo de três meses, a contar da data em que o vendedor fizer por escrito a exigência do excesso.

SECÇÃO IV

Venda de bens alheios

Artigo 826º

(Nulidade da venda)

É nula a venda de bens alheios sempre que o vendedor careça de legitimidade para a realizar; mas o vendedor não pode opor a nulidade ao comprador de boa fé, como não pode opô-la ao vendedor de boa fé o comprador doloso.

Artigo 827º

(Bens alheios como bens futuros)

A venda de bens alheios fica, porém, sujeita ao regime da venda de bens futuros, se as partes os considerarem nesta qualidade.

Artigo 828º

(Restituição do preço)

1. Sendo nula a venda de bens alheios, o comprador que tiver procedido de boa fé tem o direito de exigir a restituição integral do preço, ainda que os bens se hajam perdido, estejam deteriorados ou tenham diminuído de valor por qualquer outra causa.

2. Mas, se o comprador houver tirado proveito da perda ou diminuição de valor dos bens, é o proveito abatido no montante do preço e da indemnização que o vendedor tenha de pagar-lhe.

Artigo 829º

(Convalidação do contrato)

Logo que o vendedor adquira por algum modo a propriedade da coisa ou o direito vendido, o contrato torna-se válido e a dita propriedade ou direito transfere-se para o comprador.

Artigo 830º

(Casos em que o contrato se não convalida)

1. O contrato não adquire, porém, validade, se entretanto ocorrer algum dos seguintes factos:

a) Pedido judicial de declaração de nulidade do contrato, formulado por um dos contraentes contra o outro;

b) Restituição do preço ou pagamento da indemnização, no todo ou em parte, com aceitação do credor;

c) Transacção entre os contraentes, na qual se reconheça a nulidade do contrato;

d) Declaração escrita, feita por um dos estipulantes ao outro, de que não quer que o contrato deixe de ser declarado nulo.

2. As disposições das alíneas a) e d) do número precedente não prejudicam o disposto na segunda parte do Artigo 826º.

Artigo 831º

(Obrigação de convalidação)

1. Em caso de boa fé do comprador, o vendedor é obrigado a sanar a nulidade da venda, adquirindo a propriedade da coisa ou o direito vendido.

2. Quando exista uma tal obrigação, o comprador pode subordinar ao não cumprimento dela, dentro do prazo que o tribunal fixar, o efeito previsto na alínea a) do n.º 1 do Artigo anterior.

Artigo 832º

(Indemnização em caso de dolo)

Se um dos contraentes houver procedido de boa fé e o outro dolosamente, o primeiro tem direito a ser indemnizado, nos termos gerais, de todos os prejuízos que não teria sofrido se o contrato fosse válido desde o começo, ou não houvesse sido celebrado, conforme venha ou não a ser sanada a nulidade.

Artigo 833º

(Indemnização, não havendo dolo nem culpa)

O vendedor é obrigado a indemnizar o comprador de boa fé, ainda que tenha agido sem dolo nem culpa; mas, neste caso, a indemnização compreende apenas os danos emergentes que não resultem de despesas voluptuárias.

Artigo 834º

(Indemnização pela não convalidação da venda)

1. Se o vendedor for responsável pelo não cumprimento da obrigação de sanar a nulidade da venda ou pela mora no seu cumprimento, a respectiva indemnização acresce à regulada nos Artigos anteriores, excepto na parte em que o prejuízo seja comum.

2. Mas, no caso previsto no Artigo 832º, o comprador escolhe entre a indemnização dos lucros cessantes pela celebração do contrato nulo e a dos lucros cessantes pela falta ou retardamento da convalidação.

Artigo 835º

(Garantia do pagamento de benfeitorias)

O vendedor é garante solidário do pagamento das benfeitorias que devam ser reembolsadas pelo dono da coisa ao comprador de boa fé.

Artigo 836º

(Nulidade parcial do contrato)

Se os bens só parcialmente forem alheios e o contrato valer na parte restante por aplicação do Artigo 283º, observam-se as disposições antecedentes quanto à parte nula e reduz-se proporcionalmente o preço estipulado.

Artigo 837º

(Disposições supletivas)

1. O disposto no Artigo 828º, no n.º 1 do Artigo 831º, no Artigo 833º, no n.º 1 do Artigo 834º e no Artigo 835º cede perante convenção em contrário, excepto se o contraente a quem a convenção aproveitaria houver agido com dolo, e de boa fé o outro estipulante.

2. A declaração contratual de que o vendedor não garante a sua legitimidade ou não responde pela evicção envolve derrogação de todas as disposições legais a que o número anterior se refere, com excepção do preceituado no Artigo 828º.

3. As cláusulas derrogatórias das disposições supletivas a que se refere o n.º 1 são válidas, sem embargo da nulidade do contrato de compra e venda onde se encontram insertas, desde que a nulidade proceda da ilegitimidade do vendedor, nos termos desta secção.

Artigo 838º

(Âmbito desta secção)

As normas da presente secção apenas se aplicam à venda de coisa alheia como própria.

SECÇÃO V

Venda de bens onerados

Artigo 839º

(Anulabilidade por erro ou dolo)

Se o direito transmitido estiver sujeito a alguns ónus ou limitações que excedam os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria, o contrato é anulável por erro ou dolo, desde que no caso se verifiquem os requisitos legais da anulabilidade.

Artigo 840º

(Convalescença do contrato)

1. Desaparecidos por qualquer modo os ónus ou limitações a que o direito estava sujeito, fica sanada a anulabilidade do contrato.

2. A anulabilidade persiste, porém, se a existência dos ónus ou limitações já houver causado prejuízo ao comprador, ou se este já tiver pedido em juízo a anulação da compra e venda.

Artigo 841º

(Obrigação de fazer convalescer o contrato. Cancelamento dos registos)

1. O vendedor é obrigado a sanar a anulabilidade do contrato, mediante a expurgação dos ónus ou limitações existentes.

2. O prazo para a expurgação é fixado pelo tribunal, a requerimento do comprador.

3. O vendedor deve ainda promover, à sua custa, o cancelamento de qualquer ónus ou limitação que conste do registo, mas na realidade não exista.

Artigo 842º

(Indemnização em caso de dolo)

Em caso de dolo, o vendedor, anulado o contrato, deve inde-mnizar o comprador do prejuízo que este não sofreria se a compra e venda não tivesse sido celebrada.

Artigo 843º

(Indemnização em caso de simples erro)

Nos casos de anulação fundada em simples erro, o vendedor também é obrigado a indemnizar o comprador, ainda que não tenha havido culpa da sua parte, mas a indemnização abrange apenas os danos emergentes do contrato.

Artigo 844º

(Não cumprimento da obrigação de fazer convalescer o contrato)

1. Se o vendedor se constituir em responsabilidade por não sanar a anulabilidade do contrato, a correspondente indemnização acresce à que o comprador tenha direito a receber na conformidade dos Artigos precedentes, salvo na parte em que o prejuízo foi comum.

2. Mas, no caso previsto no Artigo 842º, o comprador escolhe entre a indemnização dos lucros cessantes pela celebração do contrato que veio a ser anulado e a dos lucros cessantes pelo facto de não ser sanada a anulabilidade.

Artigo 845º

(Redução do preço)

1. Se as circunstâncias mostrarem que, sem erro ou dolo, o comprador teria igualmente adquirido os bens, mas por preço inferior, apenas lhe caberá o direito à redução do preço, em harmonia com a desvalorização resultante dos ónus ou limitações, além da indemnização que no caso competir.

2. São aplicáveis à redução do preço os preceitos anteriores, com as necessárias adaptações.

Artigo 846º

(Disposições supletivas)

1. O disposto nos n.ºs 1 e 3 do Artigo 841º, no Artigo 843º e no n.º 1 do Artigo 844º cede perante estipulação das partes em contrário, a não ser que o vendedor tenha procedido com dolo e as cláusulas contrárias àquelas normas visem a beneficiá-lo.

2. Não obsta à validade das cláusulas derrogadoras destas disposições supletivas a anulação do contrato de compra e venda por erro ou dolo, segundo as prescrições desta secção.

SECÇÃO VI

Venda de coisas defeituosas

Artigo 847º

(Remissão)

1. Se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observa-se com as devidas adaptações, o prescrito na secção precedente, em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos Artigos seguintes.

2. Quando do contrato não resulte o fim a que a coisa vendida se destina, atende-se à função normal das coisas da mesma categoria.

Artigo 848º

(Reparação ou substituição da coisa)

O comprador tem o direito de exigir do vendedor a reparação da coisa ou, se for necessário e esta tiver natureza fungível, a substituição dela; mas esta obrigação não existe, se o vendedor desconhecia sem culpa o vício ou a falta de qualidade de que a coisa padece.

Artigo 849º

(Indemnização em caso de simples erro)

A indemnização prevista no Artigo 843º também não é devida, se o vendedor se encontrava nas condições a que se refere a parte final do Artigo anterior.

Artigo 850º

(Denúncia do defeito)

1. O comprador deve denunciar ao vendedor o vício ou a falta de qualidade da coisa, excepto se este houver usado de dolo.

2. A denúncia é feita até trinta dias depois de conhecido o defeito e dentro de seis meses após a entrega da coisa.

3. Os prazos referidos no número anterior são, respectiva-mente, de um e de cinco anos, caso a coisa vendida seja um imóvel.

Artigo 851º

(Caducidade da acção)

A acção de anulação por simples erro caduca, findo qualquer dos prazos fixados no Artigo anterior sem o comprador ter feito a denúncia, ou decorridos sobre esta seis meses, sem prejuízo, neste último caso, do disposto no n.º 2 do Artigo 278º.

Artigo 852º

(Defeito superveniente)

Se a coisa, depois de vendida e antes de entregue, se deteriorar, adquirindo vícios ou perdendo qualidades, ou a venda respeitar a coisa futura ou a coisa indeterminada de certo género, são aplicáveis as regras relativas ao não cumprimento das obrigações.

Artigo 853º

(Venda sobre amostra)

Sendo a venda feita sobre amostra, entende-se que o vendedor assegura a existência, na coisa vendida, de qualidades iguais às da amostra, salvo se da convenção ou dos usos resultar que esta serve somente para indicar de modo aproximado as qualidades do objecto.

Artigo 854º

(Venda de animais defeituosos)

Ficam ressalvadas as leis especiais ou, na falta destas, os usos sobre a venda de animais defeituosos.

Artigo 855º

(Garantia de bom funcionamento)

1. Se o vendedor estiver obrigado, por convenção das partes ou por força dos usos, a garantir o bom funcionamento da coisa vendida, cabe-lhe repará-la, ou substituí-la quando a substituição for necessária e a coisa tiver natureza fungível, independentemente de culpa sua ou de erro do comprador.

2. No silêncio do contrato, o prazo da garantia expira seis meses após a entrega da coisa, se os usos não estabele-cerem prazo maior.

3. O defeito de funcionamento deve ser denunciado ao vendedor dentro do prazo da garantia e, salvo estipulação em contrário, até trinta dias depois de conhecido.

4. A acção caduca logo que finde o tempo para a denúncia sem o comprador a ter feito, ou passados seis meses sobre a data em que a denúncia foi efectuada.

Artigo 856º

(Coisas que devem ser transportadas)

Na venda de coisas que devam ser transportadas de um lugar para outro, os prazos que os Artigos 850º e 855º mandam contar a partir da entrega só começam a correr no dia em que o credor as receber.

SECÇÃO VII

Venda a contento e venda sujeita a prova

Artigo 857º

(Primeira modalidade de venda a contento)

1. A compra e venda feita sob reserva de a coisa agradar ao comprador vale como proposta de venda.

2. A proposta considera-se aceita se, entregue a coisa ao comprador, este não se pronunciar dentro do prazo da aceitação, nos termos do n.º 1 do Artigo 219º.

3. A coisa deve ser facultada ao comprador para exame.

Artigo 858º

(Segunda modalidade de venda a contento)

1. Se as partes estiverem de acordo sobre a resolução da compra e venda no caso de a coisa não agradar ao com-prador, é aplicável ao contrato o disposto nos Artigos 367º e seguintes.

2. A entrega da coisa não impede a resolução do contrato.

3. O vendedor pode fixar um prazo razoável para a resolução, se nenhum for estabelecido pelo contrato ou, no silêncio deste, pelos usos.

Artigo 859º

(Venda sujeita a prova)

1. A venda sujeita a prova considera-se feita sob a condição suspensiva de a coisa ser idónea para o fim a que é destinada e ter as qualidades asseguradas pelo vendedor, excepto se as partes a subordinarem a condição resolutiva.

2. A prova deve ser feita dentro do prazo e segundo a modalidade estabelecida pelo contrato ou pelos usos; se tanto o contrato como os usos forem omissos, observam-se o prazo fixado pelo vendedor e a modalidade escolhida pelo comprador, desde que sejam razoáveis.

3. Não sendo o resultado da prova comunicado ao vendedor antes de expirar o prazo a que se refere o número antecedente, a condição tem-se por verificada quando suspensiva, e por não verificada quando resolutiva.

4. A coisa deve ser facultada ao comprador para prova.

Artigo 860º

(Dúvidas sobre a modalidade da venda)

Em caso de dúvida sobre a modalidade de venda que as partes escolheram, de entre as previstas nesta secção, presume-se terem adoptado a primeira.

SECÇÃO VIII

Venda a retro

Artigo 861º

(Noção)

Diz-se a retro a venda em que se reconhece ao vendedor a faculdade de resolver o contrato.

Artigo 862º

(Cláusulas nulas)

1. É nula, sem prejuízo da validade das outras cláusulas, a estipulação de pagamento de dinheiro ao comprador ou de qualquer outra vantagem para este, como contrapartida da resolução.

2. É igualmente nula, quanto ao excesso, a cláusula que declare o vendedor obrigado a restituir, em caso de resolução, preço superior ao fixado para a venda.

Artigo 863º

(Prazo para a resolução)

1. A resolução pode ser exercida dentro de dois ou cinco anos a contar da venda, conforme esta for de bens móveis ou imóveis, salvo estipulação de prazo mais curto.

2. Se as partes convencionarem prazo ou prorrogação de pra-zo que exceda o limite de dois ou cinco anos a partir da venda, a convenção considera-se reduzida a esse preciso limite.

Artigo 864º

(Forma da resolução)

A resolução é feita por meio de notificação judicial ao comprador dentro dos prazos fixados no Artigo antecedente; se respeitar a coisas imóveis, a resolução é reduzida a escritura pública nos quinze dias imediatos, com ou sem a intervenção do comprador, sob pena de caducidade do direito.

Artigo 865º

(Reembolso do preço e de despesas)

No silêncio do contrato, a resolução fica igualmente sem efeito se, dentro do mesmo prazo de quinze dias, o vendedor não fizer ao comprador oferta real das importâncias líquidas que haja de pagar-lhe a título de reembolso do preço e das despesas com o contrato e outras acessórias.

Artigo 866º

(Efeitos em relação a terceiros)

A cláusula a retro é oponível a terceiros, desde que a venda tenha por objecto coisas imóveis, ou coisas móveis sujeitas a registo, e tenha sido registada.

Artigo 867º

(Venda de coisa ou direito comum)

Se for vendida coisa ou direito comum com a cláusula a retro, só em conjunto os vendedores podem exercer o direito de resolução.

SECÇÃO IX

Venda a prestações

Artigo 868º

(Falta de pagamento de uma prestação)

Vendida a coisa a prestações, com reserva de propriedade, e feita a sua entrega ao comprador, a falta de pagamento de uma só prestação que não exceda a oitava parte do preço não dá lugar à resolução do contrato, nem sequer, haja ou não reserva de propriedade, importa a perda do benefício do prazo relativamente às prestações seguintes, sem embargo de convenção em contrário.

Artigo 869º

(Cláusula penal no caso de o comprador não cumprir)

1. A indemnização estabelecida em cláusula penal, por o comprador não cumprir, não pode ultrapassar metade do preço, salva a faculdade de as partes estipularem, nos termos gerais, a ressarcibilidade de todo o prejuízo sofrido.

2. A indemnização fixada pelas partes é reduzida a metade do preço, quando tenha sido estipulada em montante superior, ou quando as prestações pagas superem este valor e se tenha convencionado a não restituição delas; havendo, porém, prejuízo excedente e não se tendo estipulado a sua ressarcibilidade, é ressarcido até ao limite da indemnização convencionada pelas partes.

Artigo 870º

(Outros contratos com finalidade equivalente)

1. O disposto nos dois Artigos anteriores é extensivo a todos os contratos pelos quais se pretenda obter resultado equivalente ao da venda a prestações.

2. Quando se locar uma coisa, com a cláusula de que se torna propriedade do locatário depois de satisfeitas todas as rendas ou alugueres pactuados, a resolução do contrato por o locatário o não cumprir tem efeito retroactivo, devendo o locador restituir as importâncias recebidas, sem possibilidade de convenção em contrário, mas também sem prejuízo do seu direito a indemnização nos termos gerais e nos do Artigo anterior.

SECÇÃO X

Venda sobre documentos

Artigo 871º

(Entrega dos documentos)

Na venda sobre documentos, a entrega da coisa é substituída pela entrega do seu título representativo e dos outros documentos exigidos pelo contrato ou, no silêncio deste, pelos usos.

Artigo 872º

(Venda de coisa em viagem)

1. Se o contrato tiver por objecto coisa em viagem e, mencionada esta circunstância, figurar entre os documentos entregues a apólice de seguro contra os riscos do transporte, observam-se as regras seguintes, na falta de estipulação em contrário:

a) O preço deve ser pago, ainda que a coisa já não existisse quando o contrato foi celebrado, por se haver perdido casualmente depois de ter sido entregue ao transportador;

b) O contrato não é anulável com fundamento em defeitos da coisa, produzidos casualmente após o momento da entrega;

c) O risco fica a cargo do comprador desde a data da compra.

2. As duas primeiras regras do número anterior não têm aplicação se, ao tempo do contrato, o vendedor já sabia que a coisa estava perdida ou deteriorada e dolosamente o não revelou ao comprador de boa fé.

3. Quando o seguro apenas cobrir parte dos riscos, o disposto neste Artigo vale exclusivamente em relação à parte segurada.

SECÇÃO XI

Outros contratos onerosos

Artigo 873º

(Aplicabilidade das normas relativas à compra e venda)

As normas da compra e venda são aplicáveis aos outros contratos onerosos pelos quais se alienam bens ou se estabeleçam encargos sobre eles, na medida em que sejam conformes com a sua natureza e não estejam em contradição com as disposições legais respectivas.

CAPÍTULO II

Doação

SECÇÃO I

Disposições gerais

Artigo 874º

(Noção)

1. Doação é o contrato pelo qual uma pessoa, por espírito de liberalidade e à custa do seu património, dispõe gratuitamente de uma coisa ou de um direito, ou assume uma obrigação, em benefício do outro contraente.

2. Não há doação na renúncia a direitos e no repúdio de he-rança ou legado, nem tão-pouco nos donativos conformes aos usos sociais.

Artigo 875º

(Doação remuneratória)

É considerada doação a liberalidade remuneratória de serviços recebidos pelo doador, que não tenham a natureza de dívida exigível.

Artigo 876º

(Objecto da doação)

1. A doação não pode abranger bens futuros.

2. Incidindo, porém, a doação sobre uma universalidade de facto que continue no uso e fruição do doador, consideram-se doadas, salvo declaração em contrário, as coisas singulares que venham de futuro a integrar a universalidade.

Artigo 877º

(Prestações periódicas)

A doação que tiver por objecto prestações periódicas extingue-se por morte do doador.

Artigo 878º

(Doação conjunta)

1. A doação feita a várias pessoas conjuntamente considera-se feita por partes iguais, sem que haja direito de acrescer entre os donatários, salvo se o doador houver declarado o contrário.

2. O disposto no número anterior não prejudica o direito de acrescer entre usufrutuários, quando o usufruto tenha sido constituído por doação.

Artigo 879º

(Aceitação da doação)

1. A proposta de doação caduca, se não for aceita em vida do doador.

2. A tradição para o donatário, em qualquer momento, da coisa móvel doada, ou do seu título representativo, é havida como aceitação.

3. Se a proposta não for aceita no próprio acto ou não se verificar a tradição nos termos do número anterior, a aceitação deve obedecer à forma prescrita no Artigo 881º e ser declarada ao doador, sob pena de não produzir os seus efeitos.

Artigo 880º

(Doação por morte)

1. É proibida a doação por morte, salvo nos casos especialmente previstos na lei.

2. É, porém, havida como disposição testamentária a doação que houver de produzir os seus efeitos por morte do doador, se tiverem sido observadas as formalidades dos testamentos.

Artigo 881º

(Forma da doação)

1. A doação de coisas imóveis só é válida se for celebrada por escritura pública.

2. A doação de coisas móveis não depende de formalidade alguma externa, quando acompanhada de tradição da coisa doada; não sendo acompanhada de tradição da coisa, só pode ser feita por escrito.

SECÇÃO II

Capacidade para fazer ou receber doações

Artigo 882º

(Capacidade activa)

1. Têm capacidade para fazer doações todos os que podem contratar e dispor dos seus bens.

2. A capacidade é regulada pelo estado em que o doador se encontrar ao tempo da declaração negocial.

Artigo 883º

(Carácter pessoal da doação)

1. Não é permitido atribuir a outrem, por mandato, a faculdade de designar a pessoa do donatário ou determinar o objecto da doação, salvo nos casos previstos no n.º 2 do Artigo 2046º.

2. Os representantes legais dos incapazes não podem fazer doações em nome destes.

Artigo 884º

(Capacidade passiva)

1. Podem receber doações todos os que não estão especial-mente inibidos de as aceitar por disposição da lei.

2. A capacidade do donatário é fixada no momento da aceitação.

Artigo 885º

(Aceitação por parte de incapazes)

1. As pessoas que não têm capacidade para contratar não podem aceitar doações com encargos senão por intermédio dos seus representantes legais.

2. Porém, as doações puras feitas a tais pessoas produzem efeitos independentemente de aceitação em tudo o que aproveite aos donatários.

Artigo 886º

(Doações a nascituros)

1. Os nascituros concebidos ou não concebidos podem adquirir por doação, sendo filhos de pessoa determinada, viva ao tempo da declaração de vontade do doador.

2. Na doação feita a nascituro presume-se que o doador re-serva para si o usufruto dos bens doados até ao nascimento do donatário.

Artigo 887º

(Casos de indisponibilidade relativa)

É aplicável às doações, devidamente adaptado, o disposto nos Artigos 2056º a 2061º.

SECÇÃO III

Efeitos das doações

Artigo 888º

(Efeitos essenciais)

A doação tem como efeitos essenciais:

a) A transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito;

b) A obrigação de entregar a coisa;

c) A assunção da obrigação, quando for esse o objecto do contrato.

Artigo 889º

(Entrega da coisa)

1. A coisa deve ser entregue no estado em que se encontrava ao tempo da aceitação.

2. A obrigação de entrega abrange, na falta de estipulação em contrário, as partes integrantes, os frutos pendentes e os documentos relativos à coisa ou direito.

Artigo 890º

(Doação de bens alheios)

1. É nula a doação de bens alheios; mas o doador não pode opor a nulidade ao donatário de boa fé.

2. O doador só responde pelo prejuízo causado ao donatário quando este esteja de boa fé e se verifique algum dos seguintes factos:

a) Ter o doador assumido expressamente a obrigação de indemnizar o prejuízo;

b) Ter o doador agido com dolo;

c) Ter a doação carácter remuneratório;

d) Ser a doação onerosa ou modal, ficando a res-ponsabilidade do doador limitada, neste caso, ao valor dos encargos.

3. É imputável no prejuízo do donatário o valor da coisa ou do direito doado, mas não os benefícios que ele deixou de obter em consequência da nulidade.

4. Não havendo lugar a indemnização, o donatário fica sub-rogado nos direitos que possam competir ao doador relativamente à coisa ou direito doado.

Artigo 891º

(Ónus ou vícios do direito ou da coisa doada)

1. O doador não responde pelos ónus ou limitações do direito transmitido, nem pelos vícios da coisa, excepto quando se tiver expressamente responsabilizado ou tiver procedido com dolo.

2. A doação é, porém, anulável em qualquer caso, a requeri-mento do donatário de boa fé.

Artigo 892º

(Reserva de usufruto)

1. O doador tem a faculdade de reservar para si, ou para ter-ceiro, o usufruto dos bens doados.

2. Havendo reserva de usufruto em favor de várias pessoas, simultânea ou sucessivamente, são aplicáveis as disposições dos Artigos 1364º e 1365º.

Artigo 893º

(Reserva do direito de dispor de coisa determinada)

1. O doador pode reservar para si o direito de dispor, por morte ou por acto entre vivos, de alguma ou algumas das coisas compreendidas na doação, ou o direito a certa quantia sobre os bens doados.

2. O direito reservado não se transmite aos herdeiros do doa-dor, e, quando respeite a imóveis, ou móveis sujeitos a registo, carece de ser registado.

Artigo 894º

(Cláusula de reversão)

1. O doador pode estipular a reversão da coisa doada.

2. A reversão dá-se no caso de o doador sobreviver ao donatário, ou a este e a todos os seus descendentes; não havendo estipulação em contrário, entende-se que a reversão só se verifica neste último caso.

3. A cláusula de reversão que respeite a coisas imóveis, ou a coisas móveis sujeitas a registo, carece de ser registada.

Artigo 895º

(Efeitos da reversão)

Os bens doados que pela cláusula de reversão regressem ao património do doador passam livres dos encargos que lhes tenham sido impostos enquanto estiverem em poder do donatário ou de terceiros a quem tenham sido transmitidos.

Artigo 896º

(Substituições fideicomissárias)

1. São admitidas substituições fideicomissárias nas doações.

2. A estas substituições são aplicáveis, com as necessárias correcções, os Artigos 2149º e seguintes.

Artigo 897º

(Cláusulas modais)

1. As doações podem ser oneradas com encargos.

2. O donatário não é obrigado a cumprir os encargos senão dentro dos limites do valor da coisa ou do direito doado.

Artigo 898º

(Pagamento de dívidas)

1. Se a doação for feita com o encargo de pagamento das dívidas do doador, entende-se a cláusula, na falta de outra declaração, como obrigando ao pagamento das que existirem ao tempo da doação.

2. Só é legal o encargo do pagamento de dívidas futuras do doador desde que se determine o seu montante no acto da doação.

Artigo 899º

(Cumprimento dos encargos)

Na doação modal, tanto o doador, ou os seus herdeiros, como quaisquer interessados têm legitimidade para exigir do donatário, ou dos seus herdeiros, o cumprimento dos encargos.

Artigo 900º

(Resolução da doação)

O doador, ou os seus herdeiros, também podem pedir a resolu-ção da doação, fundada no não cumprimento dos encargos, quando esse direito lhes seja conferido pelo contrato.

Artigo 901º

(Condições ou encargos impossíveis ou ilícitos)

As condições ou encargos física ou legalmente impossíveis, contrários à lei ou à ordem pública, ou ofensivos dos bons costumes ficam sujeitos às regras estabelecidas em matéria testamentária.

Artigo 902º

(Confirmação das doações nulas)

Não pode prevalecer-se da nulidade da doação o herdeiro do doador que a confirme depois da morte deste ou lhe dê voluntária execução, conhecendo o vício e o direito à declaração de nulidade.

SECÇÃO IV

Revogação das doações

Artigo 903º

(Revogação da proposta de doação)

1. Enquanto não for aceita a doação, o doador pode livremente revogar a sua declaração negocial, desde que observe as formalidades desta.

2. A proposta de doação não caduca pelo decurso dos prazos fixados no n.º 1 do Artigo 219º.

Artigo 904º

(Revogação da doação)

As doações são revogáveis por ingratidão do donatário.

Artigo 905º

(Casos de ingratidão)

A doação pode ser revogada por ingratidão, quando o donatário se torne incapaz, por indignidade, de suceder ao doador, ou quando se verifique alguma das ocorrências que justificam a deserdação.

Artigo 906º

(Exclusão da revogação)

A doação não é revogável por ingratidão do donatário:

a) Sendo feita para casamento;

b) Sendo remuneratória;

c) Se o doador houver perdoado ao donatário.

Artigo 907º

(Prazo e legitimidade para a acção)

1. A acção de revogação por ingratidão não pode ser proposta, nem depois da morte do donatário, nem pelos herdeiros do doador, salvo o caso previsto no n.º 3 e caduca ao cabo de um ano, contado desde o facto que lhe deu causa ou desde que o doador teve conhecimento desse facto.

2. Falecido o doador ou o donatário, a acção, quando pendente, é transmissível aos herdeiros de um ou de outro.

3. Se o donatário tiver cometido contra o doador o crime de homicídio, ou por qualquer causa o tiver impedido de revogar a doação, a acção pode ser proposta pelos her-deiros do doador dentro de um ano a contar da morte deste.

Artigo 908º

(Inadmissibilidade de renúncia antecipada)

O doador não pode antecipadamente renunciar ao direito de revogar a doação por ingratidão do donatário.

Artigo 909º

(Efeitos da revogação)

1. Os efeitos da revogação da doação retrotraem-se à data da proposição da acção.

2. Revogada a liberalidade, são os bens doados restituídos ao doador, ou aos seus herdeiros, no estado em que se encontrarem.

3. Se os bens tiverem sido alienados ou não puderem ser restituídos em espécie por outra causa imputável ao donatário, entregará este, ou entregarão os seus herdeiros, o valor que eles tinham ao tempo em que foram alienados ou se verificou a impossibilidade de restituição, acrescido dos juros legais a contar da proposição da acção.

Artigo 910º

(Efeitos em relação a terceiros)

A revogação da doação não afecta terceiros que hajam adquirido, anteriormente à demanda, direitos reais sobre os bens doados, sem prejuízo das regras relativas ao registo; neste caso, porém, o donatário indemniza o doador.

CAPÍTULO III

Sociedade

SECÇÃO I

Disposições gerais

Artigo 911º

(Noção)

Contrato de sociedade é aquele em que duas ou mais pessoas se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício em comum de certa actividade económica, que não seja de mera fruição, a fim de repartirem os lucros resultantes dessa actividade.

Artigo 912º

(Forma)

1. O contrato de sociedade não está sujeito a forma especial, à excepção da que for exigida pela natureza dos bens com que os sócios entram para a sociedade.

2. A inobservância da forma, quando esta for exigida, só anula todo o negócio se este não puder converter-se segundo o disposto no Artigo 284º, de modo que à sociedade fique o simples uso e fruição dos bens cuja transferência determina a forma especial, ou se o negócio não puder reduzir-se, nos termos do Artigo 283º, às demais participações.

Artigo 913º

(Alterações do contrato)

1. As alterações do contrato requerem o acordo de todos os sócios, excepto se o próprio contrato o dispensar.

2. Se o contrato conceder direitos especiais a algum dos só-cios, não podem os direitos concedidos ser suprimidos ou coarctados sem o assentimento do respectivo titular, salvo estipulação expressa em contrário.

SECÇÃO II

Relações entre os sócios

Artigo 914º

(Entradas)

1. Os sócios estão somente obrigados às entradas estabelecidas no contrato.

2. As entradas dos sócios presumem-se iguais em valor, se este não for determinado no contrato.

Artigo 915º

(Execução da prestação, garantia e risco da coisa)

A execução da prestação, a garantia e o risco da coisa são regulados nos termos seguintes:

a) Se a entrada consistir na transferência ou constituição de um direito real, pelas normas do contrato de compra e venda;

b) Se o sócio apenas se obrigar a facultar à sociedade o uso e fruição de uma coisa, pelas normas do contrato de locação;

c) Se a entrada consistir na transferência de um crédito ou de uma posição contratual, pelas normas, respectivamente, da cessão de créditos ou da cessão da posição contratual, presumindo-se, todavia, que o sócio garante a solvência do devedor.

Artigo 916º

(Administração)

1. Na falta de convenção em contrário, todos os sócios têm igual poder para administrar.

2. Pertencendo a administração a todos os sócios ou apenas a alguns deles, qualquer dos administradores tem o direito de se opor ao acto que outro pretenda realizar, cabendo à maioria decidir sobre o mérito da oposição.

3. Se o contrato confiar a administração a todos ou a vários sócios em conjunto, entende-se, em caso de dúvida, que as deliberações podem ser tomadas por maioria.

4. Salvo estipulação noutro sentido, considera-se tomada por maioria a deliberação que reúna os sufrágios de mais de metade dos administradores.

5. Ainda que para a administração em geral, ou para deter-minada categoria de actos, seja exigido o assentimento de todos os administradores, ou da maioria deles, a qualquer dos administradores é lícito praticar os actos urgentes da administração destinados a evitar à sociedade um dano iminente.

Artigo 917º

(Alteração da administração)

1. A cláusula do contrato que atribuir a administração ao sócio pode ser judicialmente revogada, a requerimento de qualquer outro, ocorrendo justa causa.

2. É permitido incluir no contrato casos especiais de revo-gação, mas não é lícito aos interessados afastar a regra do número anterior.

3. A designação de administradores feita em acto posterior pode ser revogada por deliberação da maioria dos sócios, sendo em tudo o mais aplicáveis à revogação as regras do mandato.

Artigo 918º

(Direitos e obrigações dos administradores)

1. Aos direitos e obrigações dos administradores são aplicáveis as normas do mandato.

2. Qualquer sócio pode tornar efectiva a responsabilidade a que está sujeito o administrador.

Artigo 919º

(Fiscalização dos sócios)

1. Nenhum sócio pode ser privado, nem sequer por cláusula do contrato, do direito de obter dos administradores as informações de que necessite sobre os negócios da sociedade, de consultar os documentos a eles pertinentes e de exigir a prestação de contas.

2. As contas são prestadas no fim de cada ano civil, salvo se outra coisa for estipulada no contrato, ou se for inferior a um ano a duração prevista para a sociedade.

Artigo 920º

(Uso das coisas sociais)

O sócio não pode, sem consentimento unânime dos consócios, servir-se das coisas sociais para fins estranhos à sociedade.

Artigo 921º

(Proibição de concorrência)

O sócio que, sem expressa autorização de todos os outros, exercer, por conta própria ou alheia, actividade igual à da sociedade fica responsável pelos danos que lhe causar, podendo ainda ser excluído, nos termos da alínea a) do Artigo 934º.

Artigo 922º

(Distribuição periódica dos lucros)

Se os contraentes nada tiverem declarado sobre o destino dos lucros de cada exercício, os sócios têm direito a que estes lhes sejam atribuídos nos termos fixados no Artigo imediato, depois de deduzidas as quantias afectadas, por deliberação da maioria, à prossecução dos fins sociais.

Artigo 923º

(Distribuição dos lucros e das perdas)

1. Na falta de convenção em contrário, os sócios participam nos lucros e perdas da sociedade segundo a proporção das respectivas entradas.

2. No silêncio do contrato, os sócios de indústria não respondem, nas relações internas, pelas perdas sociais.

3. Se o contrato não fixar o quinhão do sócio de indústria nos lucros nem o valor da sua contribuição, será o quinhão deste estimado pelo tribunal segundo juízos de equidade; do mesmo modo se avaliará a parte nos lucros e perdas do sócio que apenas se obrigou a facultar à sociedade o uso e fruição de uma coisa.

4. Se o contrato determinar somente a parte de cada sócio nos lucros, presumir-se-á ser a mesma a sua parte nas perdas.

Artigo 924º

(Divisão deferida a terceiro)

1. Convencionando-se que a divisão dos ganhos e perdas seja feita por terceiro, deve este fazê-la segundo juízos de equidade, sempre que não haja estipulação em contrário; se a divisão não puder ser feita ou não tiver sido feita no tempo devido, sê-lo-á pelo tribunal, segundo os mesmos juízos.

2. Qualquer sócio tem o direito de impugnar a divisão feita por terceiro, no prazo de seis meses a contar do dia em que ela chegou ao seu conhecimento.

3. Porém, a recepção dos respectivos lucros extingue o direito à impugnação, salvo se anteriormente se protestou contra a divisão, ou se, ao tempo do recebimento, eram desconhe-cidas as causas da impugnabilidade.

Artigo 925º

(Pacto leonino)

É nula a cláusula que exclui um sócio da comunhão nos lucros ou que o isenta de participar nas perdas da sociedade, salvo o disposto no n.º 2 do Artigo 923º.

Artigo 926º

(Cessão de quotas)

1. Nenhum sócio pode ceder a terceiro a sua quota sem consentimento de todos os outros.

2. A cessão de quotas está sujeita à forma exigida para a transmissão dos bens da sociedade.

SECÇÃO III

Relações com terceiros

Artigo 927º

(Representação da sociedade)

1. A sociedade é representada em juízo e fora dele pelos seus administradores, nos termos do contrato ou de harmonia com as regras fixadas no Artigo 916º.

2. Quando não estiverem sujeitas a registo, as deliberações sobre a extinção ou modificação dos poderes dos administradores não são oponíveis a terceiros que, sem culpa, as ignoravam ao tempo em que contrataram com a sociedade; considera-se sempre culposa a ignorância, se à deliberação foi dada a publicidade conveniente.

Artigo 928º

(Responsabilidade pelas obrigações sociais)

1. Pelas dívidas sociais respondem a sociedade e, pessoal e solidariamente, os sócios.

2. Porém, o sócio demandado para pagamento dos débitos da sociedade pode exigir a prévia excussão do património social.

3. A responsabilidade dos sócios que não sejam administradores pode ser modificada, limitada ou excluída por cláusula expressa do contrato, excepto no caso de a administração competir unicamente a terceiras pessoas; se a cláusula não estiver sujeita a registo, é aplicável, quanto à sua oponibilidade a terceiros, o disposto no n.º 2 do Artigo anterior.

4. O sócio não pode eximir-se à responsabilidade por determinada dívida a pretexto de esta ser anterior à sua entrada para a sociedade.

Artigo 929º

(Responsabilidade por factos ilícitos)

1. A sociedade responde civilmente pelos actos ou omissões dos seus representantes, agentes ou mandatários, nos mesmos termos em que os comitentes respondem pelos actos ou omissões dos seus comissários.

2. Não podendo o lesado ressarcir-se completamente, nem pelos bens da sociedade, nem pelo património do representante, agente ou mandatário, é-lhe lícito exigir dos sócios o que faltar, nos mesmos termos em que o poderia fazer qualquer credor social.

Artigo 930º

(Credor particular do sócio)

1. Enquanto se não dissolver a sociedade, e sendo suficientes outros bens do devedor, o credor particular do sócio apenas pode executar o direito deste aos lucros e à quota de liquidação.

2. Se os outros bens do devedor forem insuficientes, o credor pode exigir a liquidação da quota do devedor nos termos do Artigo 952º.

Artigo 931º

(Compensação)

Não é admitida compensação entre aquilo que um terceiro deve à sociedade e o crédito dele sobre algum dos sócios, nem entre o que a sociedade deve a terceiro e o crédito que sobre este tenha algum dos sócios.

SECÇÃO IV

Morte, exoneração ou exclusão de sócios

Artigo 932º

(Morte de um sócio)

1. Falecendo um sócio, se o contrato nada estipular em contrário, deve a sociedade liquidar a sua quota em benefício dos herdeiros; mas os sócios supérstites têm a faculdade de optar pela dissolução da sociedade, ou pela sua continuação com os herdeiros se vierem a acordo com eles.

2. A opção pela dissolução da sociedade só é oponível aos herdeiros do sócio falecido se lhes for comunicada dentro de sessenta dias, a contar do conhecimento da morte pelos sócios supérstites.

3. Sendo dissolvida a sociedade, os herdeiros assumem todos os direitos inerentes, na sociedade em liquidação, à quota do sócio falecido.

4. Sendo os herdeiros chamados à sociedade, podem livremente dividir entre si o quinhão do seu antecessor ou encabeçá-lo em algum ou alguns deles.

Artigo 933º

(Exoneração)

1. Todo o sócio tem o direito de se exonerar da sociedade, se a duração desta não tiver sido fixada no contrato; não se considera, para este efeito, fixada no contrato a duração da sociedade, se esta tiver sido constituída por toda a vida de um sócio ou por período superior a trinta anos.

2. Havendo fixação de prazo, o direito de exoneração só pode ser exercido nas condições previstas no contrato ou quando ocorra justa causa.

3. A exoneração só se torna efectiva no fim do ano social em que é feita a comunicação respectiva, mas nunca antes de decorridos três meses sobre esta comunicação.

4. As causas legais de exoneração não podem ser suprimidas ou modificadas; a supressão ou modificação das causas contratuais depende do acordo de todos os sócios.

Artigo 934º

(Exclusão)

A exclusão de um sócio pode dar-se nos casos previstos no contrato, e ainda nos seguintes:

a) Quando lhe seja imputável violação grave das obrigações para com a sociedade;

b) Em caso de interdição ou inabilitação;

c) Quando, sendo sócio de indústria, se impossibilite de pres-tar à sociedade os serviços a que ficou obrigado;

d) Quando, por causa não imputável aos administradores, se verifique o perecimento da coisa ou direito que constituía a entrada do sócio, nos termos do Artigo seguinte.

Artigo 935º

(Perecimento superveniente da coisa)

O perecimento superveniente da coisa é fundamento de exclusão do sócio:

a) Se a entrada consistir na transferência ou constituição de um direito real sobre a coisa e esta perecer antes da entrega;

b) Se o sócio entrou para a sociedade apenas com o uso e fruição da coisa perdida.

Artigo 936º

(Deliberação sobre a exclusão)

1. A exclusão depende do voto da maioria dos sócios, não incluindo no número destes o sócio em causa, e produz efeitos decorridos trinta dias sobre a data da respectiva comunicação ao excluído.

2. O direito de oposição do sócio excluído caduca decorrido o prazo referido no número anterior.

3. Se a sociedade tiver apenas dois sócios, a exclusão de qualquer deles só pode ser pronunciada pelo tribunal.

Artigo 937º

(Eficácia da exoneração ou exclusão)

1. A exoneração ou exclusão não isenta o sócio da responsabilidade em face de terceiros pelas obrigações sociais contraídas até ao momento em que a exoneração ou exclusão produzir os seus efeitos.

2. A exoneração e a exclusão que não estejam sujeitas a re-gisto não são oponíveis a terceiros que, sem culpa, as ignoravam ao tempo em que contrataram com a sociedade; considera-se sempre culposa a ignorância, se ao acto foi dada a publicidade conveniente.

SECÇÃO V

Dissolução da sociedade

Artigo 938º

(Causas de dissolução)

A sociedade dissolve-se:

a) Por acordo dos sócios;

b) Pelo decurso do prazo fixado no contrato, não havendo prorrogação;

c) Pela realização do objecto social, ou por este se tornar impossível;

d) Por se extinguir a pluralidade dos sócios, se no prazo de seis meses não for reconstituída;

e) Por decisão judicial que declare a sua insolvência;

f) Por qualquer outra causa prevista no contrato.

Artigo 939º

(Dissolução por acordo. Prorrogação do prazo)

1. A dissolução por acordo depende do voto unânime dos sócios, a não ser que o contrato permita a modificação das suas cláusulas ou a dissolução da sociedade por simples voto maioritário.

2. A prorrogação do prazo fixado no contrato pode ser validamente convencionada até à partilha; considera-se tacitamente prorrogada a sociedade, por tempo indeter-minado, se os sócios continuaram a exercer a actividade social, salvo se das circunstâncias resultar que não houve essa intenção.

Artigo 940º

(Poderes dos administradores depois da dissolução)

1. Dissolvida a sociedade, os poderes dos administradores ficam limitados à prática dos actos meramente conser-vatórios e, no caso de não terem sido nomeados liquida-tários, dos actos necessários à liquidação do património social.

2. Pelas obrigações que os administradores assumam contra o disposto no número anterior, a sociedade e os outros sócios só respondem perante terceiros se estes estavam de boa fé ou, no caso de ser obrigatório o registo da dissolução, se este não tiver sido efectuado; nos restantes casos, respondem solidariamente os administradores que tenham assumido aquelas obrigações.

SECÇÃO VI

Liquidação da sociedade e de quotas

Artigo 941º

(Liquidação da sociedade)

Dissolvida a sociedade, procede-se à liquidação do seu património.

Artigo 942º

(Forma da liquidação)

1. Se não estiver fixada no contrato, a forma da liquidação é regulada pelos sócios; na falta de acordo de todos, observar-se-ão as disposições dos Artigos subsequentes e as das leis de processo.

2. Se o prazo para a liquidação não estiver determinado, qualquer sócio ou credor pode requerer a sua determinação pelo tribunal.

Artigo 943º

(Liquidatários)

1. A liquidação compete aos administradores.

2. Se o contrato confiar aos sócios a nomeação dos liquida-tários e o acordo se revelar impossível, é a falta deste suprida pelo tribunal, por iniciativa de qualquer sócio ou credor.

Artigo 944º

(Posição dos liquidatários)

1. A posição dos liquidatários é idêntica à dos administrado-res, com as modificações constantes dos Artigos seguintes.

2. Salvo acordo dos sócios em contrário, as decisões dos liquidatários são tomadas por maioria.

Artigo 945º

(Termos iniciais da liquidação)

1. Se os liquidatários não forem os administradores, devem exigir destes a entrega dos bens e dos livros e documentos da sociedade, bem como as contas relativas ao último período de gestão; na falta de entrega, esta deve ser requerida ao tribunal.

2. É obrigatória a organização de um inventário que dê a co-nhecer a situação do património social; o inventário é elaborado conjuntamente por administradores e liquidatários.

Artigo 946º

(Poderes dos liquidatários)

Cabe aos liquidatários praticar todos os actos necessários à liquidação do património social, ultimando os negócios pendentes, cobrando os créditos, alienando os bens e pagando aos credores.

Artigo 947º

(Pagamento do passivo)

1. É defeso aos liquidatários proceder à partilha dos bens sociais enquanto não tiverem sido pagos os credores da sociedade ou consignadas as quantias necessárias.

2. Quando os bens da sociedade não forem suficientes para liquidação do passivo, os liquidatários podem exigir dos sócios, além das entradas em dívida, as quantias necessárias, em proporção da parte de cada um nas perdas e dentro dos limites da respectiva responsabilidade; se, porém, algum sócio se encontrar insolvente, será a sua parte dividida pelos demais, nos termos referidos.

Artigo 948º

(Restituição dos bens atribuídos em uso e fruição)

1. O sócio que tiver entrado para a sociedade com o uso e fruição de certos bens tem o direito de os levantar no estado em que se encontrarem.

2. Se os bens se houverem perdido ou deteriorado por causa imputável aos administradores, são estes e a sociedade solidariamente responsáveis pelos danos.

Artigo 949º

(Partilha)

1. Extintas as dívidas sociais, o activo restante é destinado em primeiro lugar ao reembolso das entradas efectivamente realizadas, exceptuadas as contribuições de serviços e as de uso e fruição de certos bens.

2. Se não puder ser feito o reembolso integral, o activo exis-tente é distribuído pelos sócios, por forma que a diferença para menos recaia em cada um deles na proporção da parte que lhe competir nas perdas da sociedade; se houver saldo depois de feito o reembolso, é repartido por eles na pro-porção da parte que lhes caiba nos lucros.

3. As entradas que não sejam de dinheiro são estimadas no valor que tinham à data da constituição da sociedade, se não lhes tiver sido atribuído outro no contrato.

4. Ainda que o contrato o não preveja, podem os sócios acordar em que a partilha dos bens se faça em espécie.

Artigo 950º

(Regresso à actividade social)

1. Enquanto não se ultimarem as partilhas, podem os sócios retomar o exercício da actividade social, desde que o resolvam por unanimidade.

2. Se, porém, a dissolução tiver resultado de causa imperativa, é necessário que tenham cessado as circunstâncias que a determinaram.

Artigo 951º

(Responsabilidade dos sócios após a liquidação)

Encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios continuam responsáveis perante terceiros pelo pagamento dos débitos que não tenham sido saldados, como se não tivesse havido liquidação.

Artigo 952º

(Liquidação de quotas)

1. Nos casos de morte, exoneração ou exclusão de um sócio, o valor da sua quota é fixado com base no estado da sociedade à data em que ocorreu ou produziu efeitos o facto determinante da liquidação; se houver negócios em curso, o sócio ou os herdeiros participarão nos lucros e perdas deles resultantes.

2. Na avaliação da quota observam-se, com as adaptações necessárias, as regras dos n.ºs 1 a 3 do Artigo 949º, na parte em que forem aplicáveis.

3. O pagamento do valor da liquidação deve ser feito, salvo acordo em contrário, dentro do prazo de seis meses, a contar do dia em que tiver ocorrido ou produzido efeitos o facto determinante da liquidação.

CAPÍTULO IV

Locação

SECÇÃO I

Disposições gerais

Artigo 953º

(Noção)

Locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar a outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição.

Artigo 954º

(Arrendamento e aluguer)

A locação diz-se arrendamento quando versa sobre coisa imóvel, aluguer quando incide sobre coisa móvel.

Artigo 955º

(A locação como acto de administração)

A locação constitui, para o locador, um acto de administração ordinária, excepto quando for celebrada por prazo superior a seis anos.

Artigo 956.º

(Locação de bem indiviso)

1. O contrato de locação, referente a bem indiviso depende, para a sua validade, do acordo de todos os compro-prietários.

2. Os actos efectuados em violação do disposto no número anterior são anuláveis; contudo, a anulabilidade é sanável pelo assentimento posterior dos comproprietários que representem a maioria exigida para a validade do acto.

3. O assentimento deve ser prestado pela forma a que estiver sujeito o contrato de locação.

Artigo 957º

(Duração máxima)

A locação não pode celebrar-se por mais de cinquenta anos; quando estipulada por tempo superior, ou como contrato perpétuo, considera-se reduzida àquele limite.

Artigo 958º

(Prazo supletivo)

1. Na falta de estipulação, entende-se que o prazo de duração do contrato de aluguer é igual à unidade de tempo a que corresponde a retribuição fixada, e o de arrendamento ao período de um ano.

2. O disposto na parte final do número anterior não prejudica o regime fixado no n.º 2 do Artigo 1022.º quanto à denúncia do arrendamento.

Artigo 959º

(Fim do contrato)

1. Se do contrato e respectivas circunstâncias não resultar o fim a que a coisa locada se destina, é permitido ao locatário aplicá-la a quaisquer fins lícitos, dentro da função normal das coisas de igual natureza.

2. Tratando-se de arrendamento, aplica-se o disposto no Artigo 1015.º

Artigo 960º

(Pluralidade de fins)

1. Se uma ou mais coisas forem locadas para fins diferentes, sem subordinação de uns a outros, deve observar-se, relativamente a cada um deles, o regime respectivo.

2. As causas de nulidade, anulabilidade ou resolução que respeitem a um dos fins não afectam a parte restante da locação, excepto se do contrato ou das circunstâncias que o acompanham não resultar a discriminação das coisas ou partes da coisa correspondentes às várias finalidades, ou estas forem solidárias entre si.

3. Se, porém, um dos fins for principal e os outros subordina-dos, prevalece o regime correspondente ao fim principal; os outros regimes só são aplicáveis na medida em que não contrariem o primeiro e a aplicação deles se não mostre incompatível com o fim principal.

SECÇÃO II

Obrigações do locador

Artigo 961º

(Enumeração)

São obrigações do locador:

a) Entregar ao locatário a coisa locada;

b) Assegurar-lhe o gozo desta para os fins a que a coisa se destina.

Artigo 962º

(Vício da coisa locada)

Quando a coisa locada apresentar vício que lhe não permita realizar cabalmente o fim a que é destinada, ou carecer de qualidades necessárias a esse fim ou asseguradas pelo locador, considera-se o contrato não cumprido:

a) Se o defeito datar, pelo menos, do momento da entrega e o locador não provar que o desconhecia sem culpa; ou

b) Se o defeito surgir posteriormente à entrega, por culpa do locador.

Artigo 963º

(Casos de irresponsabilidade do locador)

O disposto no Artigo anterior não é aplicável:

a) Se o locatário conhecia o defeito quando celebrou o contrato ou recebeu a coisa;

b) Se o defeito já existia ao tempo da celebração do contrato e era facilmente reconhecível, a não ser que o locador tenha assegurado a sua inexistência ou usado de dolo para o ocultar;

c) Se o defeito for da responsabilidade do locatário; ou

d) Se este não avisou do defeito o locador, como lhe cumpria.

Artigo 964º

(Ilegitimidade do locador ou deficiência do seu direito)

1. São aplicáveis, com as devidas adaptações, as disposições dos dois Artigos anteriores:

a) Se o locador não tiver a faculdade de proporcionar a outrem o gozo da coisa locada;

b) Se o seu direito não for de propriedade ou estiver su-jeito a algum ónus ou limitação que exceda os limites normais inerentes a este direito; ou

c) Se o direito do locador não possuir os atributos que ele assegurou ou estes atributos cessarem posteriormente por culpa dele.

2. As circunstâncias descritas no número anterior só importam a falta de cumprimento do contrato quando determinarem a privação, definitiva ou temporária, do gozo da coisa ou a diminuição dele por parte do locatário.

3. O disposto na alínea b) do n.º 1 não prejudica a legitimidade do promitente-comprador de prédio ou fracção para os dar de arrendamento, tendo havido tradição do imóvel e pagamento integral do preço.

Artigo 965º

(Anulabilidade por erro ou dolo)

O disposto nos Artigos 962.º e 964.º não obsta à anulação do contrato por erro ou dolo, contanto que as circunstâncias que dêem causa à invalidade sejam contemporâneas do contrato.

Artigo 966º

(Actos que impedem ou diminuem o gozo da coisa)

1. Não obstante convenção em contrário, o locador não pode praticar actos que impeçam ou diminuam o gozo da coisa pelo locatário, com excepção dos que a lei ou os usos facultem ou o próprio locatário consinta em cada caso, mas não tem obrigação de assegurar esse gozo contra actos de terceiro.

2. O locatário que for privado da coisa ou perturbado no exercício dos seus direitos pode usar, mesmo contra o locador, dos meios de defesa facultados ao possuidor nos Artigos 1196.º e seguintes.

SECÇÃO III

Obrigações do locatário

Artigo 967º

(Enumeração)

São obrigações do locatário:

a) Pagar a renda ou aluguer;

b) Facultar ao locador o exame da coisa locada;

c) Não aplicar a coisa a fim diverso daqueles a que ela se destina;

d) Não fazer dela uma utilização imprudente;

e) Tolerar as reparações urgentes, bem como quaisquer obras ordenadas pela autoridade pública;

f) Não proporcionar a outrem o gozo total ou parcial da coisa por meio de cessão onerosa ou gratuita da sua posição jurídica, sublocação ou comodato, excepto se a lei o permitir ou o locador o autorizar;

g) Comunicar ao locador, dentro de quinze dias, a cedência do gozo da coisa por algum dos referidos títulos, quando permitida ou autorizada;

h) Não cobrar do sublocatário renda ou aluguer superior ao que é permitido nos termos do Artigo 994.º;

i) Avisar imediatamente o locador, sempre que tenha conhecimento de vícios na coisa, ou saiba que a ameaça algum perigo ou que terceiros se arrogam direitos em relação a ela, desde que o facto seja ignorado pelo locador;

j) Restituir a coisa locada findo o contrato, nos termos do n.º 1 do Artigo 1009.º

SECÇÃO IV

Encargos da coisa locada

Artigo 968º

(Princípio geral)

Os encargos da coisa locada recaem sobre o locador, a não ser que a lei os imponha ao locatário ou que haja acordo entre locador e locatário quanto à sua transferência para este.

Artigo 969º

(Acordo de transferência de encargos. Requisitos)

1. O acordo quanto à transferência de encargos para o loca-tário deve, sob pena de nulidade:

a) Constar de escrito assinado pelo locatário; e

b) Especificar quais os encargos a cargo do locatário.

2. A nulidade do acordo não prejudica a validade das restantes cláusulas do contrato.

Artigo 970º

(Regime)

1. Para efeitos do disposto no Artigo anterior, as partes podem fixar uma quantia a pagar mensalmente, sujeita, salvo acordo em contrário, a eventuais acertos posteriores; a cláusula que fixe a quantia pode prever, quando seja o caso, as fórmulas de revisão ou de actualização.

2. Quando haja lugar a eventuais acertos posteriores, o loca-dor deve, pelo menos uma vez por ano, comunicar ao locatário todas as informações necessárias para determinação e comprovação das despesas a cargo deste.

3. Ainda que não haja lugar a acertos posteriores, cabe sem-pre ao locatário o direito de obter a redução judicial do montante fixado caso haja manifesta desproporção entre o montante pago e os encargos correspondentes.

4. Nos casos em que não tenha sido fixada uma quantia men-sal, o locador deve comunicar ao locatário, com uma antece-dência razoável, todas as informações necessárias para determinação e comprovação das despesas a cargo deste.

5. No caso do número anterior, e salvo disposição contratual em contrário, as obrigações relativas aos encargos que impendem sobre o locatário vencem-se no final do mês seguinte ao da comunicação pelo locador, devendo ser cumpridas simultaneamente com o pagamento da renda ou aluguer subsequente.

SECÇÃO V

Obras

Artigo 971º

(Deteriorações lícitas)

1. É lícito ao locatário realizar pequenas deteriorações na coisa locada, quando elas se tornem necessárias para assegurar o seu conforto ou comodidade.

2. As deteriorações referidas no número anterior devem, no entanto, ser reparadas pelo locatário antes da restituição da coisa, salvo estipulação em contrário.

Artigo 972º

(Tipos de obras)

1. Nas coisas podem ter lugar obras de conservação ordinária, obras de conservação extraordinária e obras de benefi-ciação.

2. São obras de conservação ordinária, em geral:

a) As obras destinadas a reparar a coisa ou a mantê-la nas condições requeridas pelo fim do contrato e existentes à data da sua celebração;

b) Nos contratos que tenham por objecto prédios urbanos, as obras impostas pela Administração Pública nos termos da lei e que visem manter um nível de habitabili-dade adequado do prédio e das suas fracções.

3. São obras de conservação extraordinária as ocasionadas por defeito de construção ou fabrico da coisa ou por caso fortuito ou de força maior e, em geral, as de conservação que, não sendo imputáveis a acções ou omissões ilícitas perpetradas pelo locador, ultrapassem, no ano em que se tornem necessárias, dois terços do rendimento líquido da coisa nesse ano.

4. São obras de beneficiação todas as que não estejam abrangidas nos números 2 e 3.

Artigo 973º

(Execução das obras)

1. As obras de conservação ordinária estão a cargo do loca-dor, sem prejuízo do disposto nos Artigos 971.º e 1009.º

2. As obras de conservação extraordinária e de beneficiação ficam a cargo do locador quando, nos termos da lei, a sua execução lhe seja ordenada pela entidade competente ou quando haja acordo escrito das partes no sentido da sua realização, com discriminação das obras a efectuar.

3. A realização das obras referidas no número anterior dá lugar à actualização das rendas ou alugueres nos termos dos Artigos 984.º a 987.º

4. Ficam ressalvados todos os direitos que o locador e o locatário tenham perante terceiros.

Artigo 974º

(Execução pelo locatário)

1. Quando o locador, depois de notificado pela entidade competente, não iniciar, no prazo fixado, as obras de conservação ou beneficiação que legalmente lhe caibam, pode o locatário proceder à sua execução.

2. O início das obras deve, no entanto, ser precedido da elaboração de um orçamento do respectivo custo, a comunicar ao locador, por escrito, e que represente o valor máximo pelo qual este é responsável.

3. Havendo pluralidade de locatários, o disposto nos números anteriores, relativamente às partes comuns, depende do assentimento de, pelo menos, metade deles, ficando os restantes vinculados.

Artigo 975º

(Obras urgentes)

1. Se o locador estiver em mora quanto à obrigação de fazer obras que, pela sua urgência, se não compadeçam com as delongas do procedimento judicial, tem o locatário a possibilidade de fazê-las independentemente de processo judicial, com direito ao reembolso das despesas.

2. Quando a urgência não consinta qualquer dilação, o loca-tário pode fazer as obras, também com direito a reembolso, independentemente de mora do locador, contanto que o avise ao mesmo tempo.

Artigo 976º

(Reembolso do locatário)

1. Nos casos das obras realizadas ao abrigo do disposto nos Artigos 974.º e 975.º, se o locador não proceder voluntaria-mente ao pagamento, o locatário pode descontar na renda ou aluguer até setenta por cento do seu montante, acrescido dos respectivos juros legais, durante o tempo necessário ao seu reembolso integral.

2. O disposto no número anterior não prejudica o direito de o locador discutir, pelos meios comuns, o custo das obras e, no caso do Artigo 975.º, a necessidade e a urgência das mesmas.

SECÇÃO VI

Renda ou aluguer

SUBSECÇÃO I

Disposições gerais

Artigo 977º

(Tempo e lugar do pagamento)

O pagamento de renda ou aluguer deve ser efectuado no primeiro dia de vigência do contrato ou do período a que respeita, e no domicílio do locatário à data do vencimento, se as partes não fixarem outro regime.

Artigo 978º

(Antecipação)

É permitido às partes convencionar a antecipação do pagamento da renda ou do aluguer, acrescido de um depósito, a título de caução.

Artigo 979º

(Vencimento)

Na falta de convenção em contrário, se as rendas ou os alugueres estiverem em correspondência com os meses do calendário gregoriano, a primeira vencer-se-á com a celebração do contrato e cada uma das restantes no primeiro dia útil do mês a que diga respeito.

Artigo 980º

(Mora do locatário)

1. Constituindo-se o locatário em mora, o locador tem o direito de exigir, além das rendas ou alugueres em atraso, uma indemnização igual a metade do montante que for devido, salvo se o contrato for resolvido com base na falta de pagamento;

2. Se o atraso exceder trinta dias, a indemnização referida é aumentada para o dobro;

3. Cessa o direito à indemnização ou à resolução do contrato, se o locatário pagar a renda ou o aluguer no prazo de dez dias a contar do início da mora.

4. Enquanto não forem cumpridas as obrigações constantes dos números 1 e 2 , o locador tem direito a recusar o recebimento das rendas ou alugueres seguintes, os quais são considerados em dívida para todos os efeitos.

5. A recepção de novas rendas ou alugueres não priva o locador do direito à resolução do contrato ou à indemniza-ção referida, com base nas prestações em mora.

6. À mora do locatário no pagamento das rendas ou alugueres não se aplica a sanção prevista no Artigo 764.º

Artigo 981º

(Depósito das rendas ou alugueres em atraso)

Se o locatário depositar as rendas ou alugueres em atraso, bem como a indemnização fixada nos números 1 e 2 do Artigo anterior, quando devida, e requerer dentro de cinco dias a notificação judicial do depósito ao locador, presume-se que lhe ofereceu o pagamento respectivo, pondo fim à mora, e que este o recusou.

Artigo 982º

(Redução da renda ou aluguer)

1. Salvo estipulação em contrário, e sem prejuízo do disposto na Secção II, se, por motivo não atinente à sua pessoa ou à dos seus familiares, o locatário sofrer privação ou diminuição do gozo da coisa locada, há lugar a uma redução da renda ou aluguer proporcional ao tempo da privação ou diminuição e à extensão desta.

2. Mas, se a privação ou diminuição não for imputável ao locador nem seus familiares, a redução só tem lugar no caso de uma ou outra exceder um sexto da duração do contrato.

3. O locatário deve comunicar ao locador, por escrito e no prazo de trinta dias, a partir do início da privação ou diminuição do gozo da coisa locada, o motivo da redução bem como o seu quantitativo.

4. O disposto no número anterior não prejudica o direito de o locador discutir, pelos meios comuns, a privação ou diminuição do gozo da coisa ou o seu quantitativo.

5. Para efeitos deste Artigo, consideram-se familiares o côn-juge, os parentes e os afins, que vivam habitualmente em comunhão de mesa e habitação com o locatário ou o locador.

6. No arrendamento rural aplica-se igualmente o disposto no Artigo 1036.º

SUBSECÇÃO II

Actualização de rendas ou alugueres

DIVISÃO I

Disposição geral

Artigo 983º

(Casos de actualização)

As rendas ou alugueres são actualizáveis:

a) Nos termos e condições que resultem do contrato ou por acordo posterior das partes; ou

b) Em função de obras de conservação extraordinária e de beneficiação da coisa que o locador seja compelido administrativamente a efectuar, salvo quando o seu pagamento possa ser exigido a terceiros.

DIVISÃO II

Actualização por obras

Artigo 984º

(Disposição geral)

1. O aumento em que se traduz a actualização da renda ou aluguer por obras, referido na alínea b) do Artigo anterior, não pode exceder, por mês, na falta de acordo, um duodécimo do produto resultante da aplicação da taxa de juro legal ao custo total delas.

2. O novo valor é devido a partir da renda ou aluguer seguinte à conclusão das obras.

Artigo 985º

(Nova renda ou aluguer)

1. O locador deve comunicar, por escrito, ao locatário, com a antecedência mínima de trinta dias, o novo montante e os dados utilizados no seu cálculo.

2. A nova renda ou aluguer considera-se aceite quando o locatário não discorde nos termos do Artigo seguinte.

3. Quando o montante previsto no n.º 1 não seja múltiplo da moeda com curso legal, é objecto de arredondamento para a unidade imediatamente superior.

4. Tratando-se de arrendamento rural e sendo a renda paga em géneros, o montante da actualização é convertível em acréscimo de géneros, determinado em função do valor dos mesmos à data da actualização.

Artigo 986º

(Não aceitação pelo locatário)

1. Sem prejuízo do disposto no Artigo 1008.º quanto ao direito à revogação unilateral, o locatário pode recusar a nova renda ou aluguer com base em erro sobre factos ou erro na aplicação da lei.

2. A recusa, acompanhada da respectiva fundamentação, deve ser comunicada ao locador, por escrito, no prazo de quinze dias contados da recepção da comunicação de aumento, e nela deve o locatário indicar o montante que considera correcto.

3. O locador pode rejeitar o montante indicado pelo locatário mediante comunicação escrita no prazo de quinze dias contados da recepção da comunicação da recusa.

4. O silêncio do locador vale como aceitação da indicação do locatário.

5. A recusa da nova renda ou aluguer por outros motivos que não os indicados no n.º 1 constitui o locatário em mora.

Artigo 987º

(Obras realizadas por acordo)

1. Quando as obras sejam realizadas por acordo das partes, pode ser convencionado livremente um aumento de renda ou aluguer compensatório.

2. A alteração da renda ou aluguer, por motivo de obras acordadas, só pode provar-se por escrito.

SECÇÃO VII

Transmissão da posição contratual

Artigo 988º

(Transmissão da posição do locador)

1. O adquirente do direito com base no qual foi celebrado o contrato sucede nos direitos e obrigações do locador, sem prejuízo das regras do registo.

2. O arrendatário tem direito de preferência na compra e venda ou dação em cumprimento do local arrendado.

Artigo 989º

(Liberação ou cessão de rendas ou alugueres)

A liberação ou cessão de rendas ou alugueres não vencidos é inoponível ao sucessor entre vivos do locador, na medida em que tais rendas ou alugueres respeitem a períodos de tempo não decorridos à data da sucessão, a não ser quando a libera-ção ou cessão conste do acto de alienação do direito com base no qual foi celebrado o contrato, através de declaração escrita assinada pelo adquirente.

Artigo 990º

(Transmissão da posição do locatário)

1. A posição contratual do locatário é transmissível por morte dele ou, tratando-se de pessoa colectiva, pela extinção desta, se assim tiver sido convencionado por escrito ou quando admitido pela lei.

2. A cessão da posição do locatário está sujeita ao regime geral dos Artigos 359.° e seguintes, sem prejuízo das disposições especiais deste capítulo e demais legislação.

3. A transmissão da posição contratual do locatário para terceiro não implica a suspensão ou a interrupção do prazo do contrato, nem conduz a quaisquer alterações ao seu conteúdo.

SECÇÃO VIII

Sublocação

Artigo 991º

(Noção)

A locação diz-se sublocação, quando o locador a celebra com base no direito de locatário que lhe advém de um precedente contrato locativo.

Artigo 992º

(Autorização)

1. A autorização para sublocar está sujeita à forma exigida para a locação.

2. A sublocação não autorizada considera-se, todavia, ratifi-cada pelo locador, se ele reconhecer o sublocatário como tal.

3. O simples conhecimento de que a coisa foi sublocada não constitui reconhecimento do sublocatário como tal.

Artigo 993º

(Efeitos)

1. A sublocação só produz efeitos em relação ao locador ou a terceiros a partir do seu reconhecimento pelo locador ou da comunicação a que se refere a alínea g) do Artigo 967.º

2. É dispensada a comunicação, quando se trate de subloca-ção especialmente consentida pelo locador a favor de pessoa determinada e que se faça até noventa dias depois de autorizada, ou quando o locador reconhecer o sublocatário como tal.

Artigo 994º

(Renda ou aluguer)

O locatário não pode cobrar do sublocatário renda ou aluguer superior ou proporcionalmente superior ao que é devido pelo contrato de locação, aumentado de vinte por cento, salvo se outra coisa tiver sido convencionada com o locador.

Artigo 995º

(Caducidade)

1. A sublocação caduca com a extinção, por qualquer causa, do contrato de locação, sem prejuízo da responsabilidade do locatário para com o sublocatário, quando o motivo da extinção lhe seja imputável.

2. A sublocação não caduca pela revogação do contrato de locação por acordo entre as partes nem pela confusão das qualidades de locador e locatário, sucedendo em tais casos o sublocatário nos direitos e obrigações do locatário.

Artigo 996º

(Direitos do locador em relação ao sublocatário)

1. Se o locador receber alguma renda ou aluguer do sublo-catário e lhe passar recibo depois da extinção da locação, é o sublocatário havido como locatário directo.

2. Se tanto o locatário como o sublocatário estiverem em mora quanto às respectivas dívidas de renda ou aluguer, é lícito ao locador exigir do sublocatário o que este dever, até ao montante do seu próprio crédito.

SECÇÃO IX

Cessação do contrato

SUBSECÇÃO I

Disposições gerais

Artigo 997º

(Cessação da locação)

1. O aluguer pode cessar por:

a) Revogação por acordo entre as partes;

b) Resolução;

c) Caducidade; ou

d) Revogação unilateral.

2. O arrendamento pode cessar através dos meios indicados no número anterior e ainda através de denúncia, sujeita ao regime dos Artigos 1022.º e 1023.º

3. O disposto nesta secção sobre a resolução, a caducidade, a revogação unilateral e a denúncia tem natureza imperativa.

Artigo 998º

(Interpelação)

1. A cessação da locação opera por interpelação dirigida à outra parte, pela forma prevista na lei.

2. A interpelação faz-se pela citação, quando seja exigida acção judicial, ou extrajudicialmente, por comunicação; tratando-se de arrendamento, a comunicação tem de ser escrita.

3. Produz, ainda, os efeitos da interpelação o reconhecimento, pelo locatário, do facto jurídico que conduz à cessação da locação; tratando-se de imóvel, o reconhecimento tem de resultar de documento assinado pelo locatário ou de documento emitido seguramente pelo mesmo.

4. A interpelação feita pelo locador, quando efectuada na forma prevista pela lei, torna exigível, a partir do momento legalmente fixado, a desocupação da coisa locada e a sua entrega com as reparações que incumbem ao locatário.

Artigo 999º

(Execução forçada)

Além dos demais casos em que, por disposição especial, exista título executivo suficiente para a restituição da coisa locada, constitui igualmente título executivo, para o mesmo fim, o contrato de locação cujas assinaturas se encontrem reconhecidas notarialmente:

a) No caso de revogação do contrato por acordo das partes, contanto que o acordo conste de documento escrito com reconhecimento presencial das assinaturas;

b) No caso de caducidade do contrato operada nos termos das alíneas a) e d) do Artigo 1006.º;

c) No caso de denúncia do arrendamento requerida pelo senhorio nos termos da lei, contanto que seja junta a certidão de notificação judicial avulsa da denúncia.

SUBSECÇÃO II

Revogação por acordo entre as partes

Artigo 1000º

(Regime)

1. As partes podem, a todo o tempo, mediante acordo, fazer cessar o contrato.

2. O acordo referido no número anterior deve ser celebrado por escrito, sempre que não seja imediatamente executado ou sempre que contenha cláusulas compensatórias ou quaisquer outras cláusulas acessórias.

3. A revogação é sempre válida, independentemente da forma, quando o locatário restitua o gozo da coisa ao locador e este aceite a restituição.

SUBSECÇÃO III

Resolução

Artigo 1001º

(Incumprimento)

1. O locatário pode resolver o contrato nos termos gerais de direito, com base em incumprimento pela outra parte.

2. A resolução do contrato fundada na falta de cumprimento por parte do locatário tem de ser decretada pelo tribunal; tratando-se de arrendamento, o senhorio só pode resolver o contrato nos casos previstos no Artigo 1018.º

Artigo 1002º

(Caducidade do direito de pedir a resolução)

A acção de resolução deve ser proposta dentro de um ano a contar do conhecimento do facto que lhe serve de fundamento, sob pena de caducidade.

Artigo 1003º

(Falta de pagamento da renda ou aluguer)

O direito à resolução do contrato por falta de pagamento da renda ou aluguer caduca logo que o locatário, até à contestação da acção destinada a fazer valer esse direito, pague ou deposite as somas devidas e a indemnização referida no Artigo 980.º

Artigo 1004º

(Cedência do gozo da coisa)

O locador não tem direito à resolução do contrato com fundamento na violação do disposto nas alíneas f) e g) do Artigo 967.º, se tiver reconhecido o beneficiário da cedência como tal, ou ainda, no caso da alínea g), se a comunicação lhe tiver sido feita por este.

Artigo 1005º

(Resolução do contrato pelo locatário)

1. O locatário pode resolver o contrato, independentemente de responsabilidade do locador:

a) Se, por motivo estranho à sua própria pessoa ou à dos seus familiares, for privado do gozo da coisa, ainda que só temporariamente; ou

b) Se na coisa locada existir ou sobrevier defeito que ponha em perigo a vida ou a saúde do locatário ou dos seus familiares.

2. Aplica-se a estes casos o disposto no número 5 do Artigo 982.º

SUBSECÇÃO IV

Caducidade

Artigo 1006º

(Casos de caducidade)

1. O contrato de locação caduca:

a) Findo o prazo do contrato, salvo o disposto, quanto ao arrendamento, nos números 1 e 2 do Artigo 1022.º;

b) Verificando-se a condição a que as partes o subordina-ram, ou tornando-se certo que não pode verificar-se, conforme a condição seja resolutiva ou suspensiva;

c) Quando cesse o direito ou findem os poderes legais de administração com base nos quais o contrato foi celebrado;

d) Por morte do locatário ou, tratando-se de pessoa colectiva, pela extinção desta, salvo convenção escrita em contrário e o disposto quanto ao arrendamento nos Artigos 1027.º, 1030.º, 1032.º e 1040.º;

e) Pela perda da coisa locada; ou

f) No caso de expropriação por utilidade pública, a não ser que a expropriação se compadeça com a subsis-tência do contrato.

2. Tratando-se de arrendamento, aplica-se igualmente o disposto nos Artigos 1021.º a 1023.º

Artigo 1007º

(Excepções)

Verificando-se qualquer das situações previstas na alínea c) do n.º 1 do Artigo anterior, o contrato de locação não caduca, todavia:

a) Se for celebrado pelo usufrutuário e a propriedade se consolidar na sua mão;

b) Se o usufrutuário alienar o seu direito ou renunciar a ele, pois nestes casos o contrato só caduca pelo termo normal do usufruto;

c) Se for celebrado pelo cônjuge administrador;

d) Se for celebrado pelo cabeça-de-casal com o consentimento de todos os interessados ou disser respeito a bem que lhe venha a ser adjudicado na partilha.

e) Se o contrato de arrendamento for celebrado pelo promi-tente-comprador nas condições do n.º 3 do Artigo 964.º e a propriedade se consolidar na sua mão; ou

f) Antes de dois anos passados sobre a celebração do con-trato de arrendamento, se este for celebrado pelo promitente-comprador nas condições do n.º 3 do Artigo 964.º e o contrato-promessa for resolvido.

SUBSECÇÃO V

Revogação unilateral

Artigo 1008º

(Regime)

1. O locatário tem a faculdade de revogar unilateralmente o contrato quando as obras de beneficiação feitas pelo locador nas circunstâncias referidas na alínea b) do Artigo 983.º importem alteração sensível no modo de utilização da coisa por parte do locatário ou quando este se não conforme com o acréscimo da renda ou aluguer.

2. O direito à revogação previsto no número anterior é exercido mediante comunicação escrita ao locador com a antecedência mínima de trinta dias sobre a data em que opere os seus efeitos.

3. No arrendamento para fins habitacionais, o arrendatário goza sempre do direito à revogação unilateral de acordo com o disposto no Artigo 1028.º

SECÇÃO X

Restituição da coisa locada

Artigo 1009º

(Dever de manutenção e restituição da coisa)

1. Na falta de convenção em contrário, o locatário é obrigado a manter e restituir a coisa no estado em que a recebeu, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, em conformidade com os fins do contrato.

2. Presume-se que a coisa foi entregue ao locatário em bom estado de manutenção, quando não exista documento onde as partes tenham descrito o estado dela ao tempo da entrega.

Artigo 1010º

(Perda ou deterioração da coisa)

O locatário responde pela perda ou deteriorações da coisa, não exceptuadas no n.º 1 do Artigo anterior, salvo se resultarem de causa que lhe não seja imputável nem a terceiro a quem tenha permitido a utilização dela.

Artigo 1011º

(Indemnização pelo atraso na restituição da coisa)

1. Se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, excepto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida.

2. Logo, porém, que o locatário se constitua em mora, a indemnização é elevada ao dobro; à mora do locatário não é aplicável a sanção prevista no Artigo 764.º

3. Fica salvo o direito do locador à indemnização dos prejuízos excedentes, se os houver.

Artigo 1012º

(Indemnização de despesas e levantamento de benfeitorias)

1. Sem prejuízo do disposto nos Artigos 974.º a 976.º e salvo estipulação em contrário, o locatário é equiparado ao possuidor de boa fé para efeito do direito a indemnização e do direito ao levantamento das benfeitorias que haja feito na coisa locada.

2. Tratando-se de aluguer de animais, as despesas de alimentação destes correm sempre, na falta de estipulação em contrário, por conta do locatário.

SECÇÃO XI

Arrendamento

SUBSECÇÃO I

Disposições gerais

Artigo 1013º

(Normas aplicáveis)

1. Os arrendamentos de prédios, quer sejam urbanos ou rústicos, ficam sujeitos às disposições da subsecção que regule especialmente o tipo de arrendamento em causa, às restantes normas contidas na presente subsecção e na subsecção seguinte que não estejam em oposição com elas e ainda às normas das secções anteriores que não contrariem as normas desta Secção.

2. Exceptuam-se:

a) Os arrendamentos para fins especiais transitórios;

b) Os arrendamentos sujeitos a legislação especial.

3. Aos arrendamentos referidos na alínea a) do número anterior são aplicáveis as disposições das secções anteriores e as contidas nesta Secção, com excepção dos Artigos 1022.º e 1024.º e das demais regras que estejam em oposição com o fim especial desses arrendamentos; aos referidos na alínea b) do número anterior são aplicáveis igualmente as disposições daquelas secções, e também as desta, que não estejam, umas ou outras, em oposição com o regime especial desses arrendamentos.

Artigo 1014º

(Locação de empresa comercial)

1. Não é havido como arrendamento de prédio o contrato pelo qual alguém transfere temporária e onerosamente para outrem, juntamente com o gozo do prédio, a exploração da empresa comercial nele instalada.

2. A cessão da utilização do prédio decorrente da locação da empresa comercial não carece de autorização do senhorio, devendo, no entanto, ser-lhe comunicada no prazo de quinze dias, sob pena de ineficácia.

3. Para efeitos do número anterior, é aplicável com as devidas adaptações o disposto no n.º 2 do Artigo 1033.º

Artigo 1015º

(Fim do contrato)

1. O arrendamento pode ter como fim a habitação, o exercício de empresa comercial, o exercício de profissão liberal, a actividade rural, ou outra aplicação lícita do prédio.

2. Na falta de estipulação, o arrendatário pode utilizar o prédio para o fim a que o mesmo se destina.

3. Se o prédio for urbano e houver licença de utilização, o fim é o que resultar da mesma.

4. Não sendo possível proceder à determinação do fim a que o prédio se destina, o arrendatário pode usar o prédio para o fim a que esteve afecto durante a utilização anterior ou, quando não for possível determiná-lo, para qualquer fim lícito, dentro da função normal das coisas de igual natureza.

Artigo 1016º

(Forma)

1. O contrato de arrendamento é celebrado por escrito particular.

2. Salvo disposição legal em contrário, o arrendamento é, não obstante a falta de título escrito, reconhecido em juízo, por qualquer outro meio de prova, quando se demonstre que a falta é imputável à contraparte no contrato.

Artigo 1017º

(Renda)

1. Com excepção do especialmente estabelecido para o arrendamento rural no Artigo 1035.º, a renda é mensal e o seu quantitativo tem de ser fixado em moeda com curso legal.

2. O mês computa-se pelo calendário gregoriano e correspon-de ao período de trinta dias.

3. Sem prejuízo da validade do contrato, é nula a cláusula pela qual se convencione o pagamento em moeda específica ou sem curso legal no País, independentemente do tipo de arrendamento.

4. O quantitativo da renda fixada em moeda específica ou sem curso legal no País corresponde ao seu equivalente em moeda nacional, segundo o câmbio oficial do dia da celebra-ção do contrato ou, na sua falta, segundo o valor corrente que essa moeda tenha à data da celebração do contrato.

SUBSECÇÃO II

Cessação do arrendamento

Artigo 1018º

(Resolução pelo senhorio)

O senhorio só pode resolver o contrato se o arrendatário:

a) Não pagar a renda no tempo e lugar próprios nem fizer depósito liberatório, sem prejuízo do disposto no Artigo 1003.º;

b) Usar ou consentir que outrem use o prédio arrendado para fim ou ramo de negócio diverso daquele ou daqueles a que se destina;

c) Aplicar o prédio, reiterada ou habitualmente, a práticas ilícitas;

d) Fizer no prédio, sem consentimento escrito do senhorio, obras que alterem substancialmente a sua estrutura externa ou a disposição interna das suas divisões, ou praticar quaisquer actos que nele causem deteriorações consideráveis, igualmente não consentidas e que não possam justificar-se nos termos do Artigo 971.º ou do Artigo 975.º;

e) Subarrendar ou emprestar, total ou parcialmente, o prédio arrendado, ou ceder a sua posição contratual, nos casos em que estes actos são ilícitos, inválidos por falta de forma ou ineficazes em relação ao senhorio, salvo o disposto no Artigo 1004.º;

f) Cobrar do sublocatário renda superior à que é permitida nos termos do Artigo 994.º;

g) Deixar de prestar ao proprietário ou ao senhorio os serviços pessoais, quando admitidos, que determinaram a ocupação do prédio;

h) Tratando-se de arrendamento para o exercício de empresa comercial ou profissão liberal, conservar o prédio encerrado por mais de um ano, consecutivamente, salvo caso de força maior ou ausência forçada do arrendatário, que não se prolongue por mais de dois anos, ou em caso de assentimento do senhorio, prestado aquando ou após o contrato; ou

i) Tratando-se de arrendamento rural, prejudicar a produtividade do prédio, não velar pela boa conservação dele ou causar prejuízos graves nas coisas que, não sendo objecto do contrato, existam no prédio arrendado.

Artigo 1019º

(Expropriação por utilidade pública)

1. A caducidade do contrato em consequência da expropriação por utilidade pública obriga o expropriante a indemnizar o arrendatário, cuja posição é, para o efeito, considerada como um encargo autónomo.

2. A indemnização referida no número anterior é calculada nos termos da legislação reguladora das expropriações por utilidade pública.

Artigo 1020º

(Despejo em casos de caducidade)

Em qualquer dos casos de caducidade previstos nas alíneas b) a d) do n.º 1 do Artigo 1006.º, a restituição do prédio só pode ser exigida passados noventa dias sobre a verificação do facto que determina a caducidade ou, sendo o arrendamento rural, no fim do ano agrícola em curso no termo do referido prazo.

Artigo 1021º

(Renovação não obstante a caducidade)

1. Se, não obstante a caducidade do arrendamento, o arrendatário se mantiver no gozo da coisa pelo lapso de um ano, sem oposição do senhorio, o contrato considera-se renovado nas condições do Artigo seguinte.

2. O disposto no número anterior é aplicável independen-temente da causa da caducidade do arrendamento.

Artigo 1022º

(Denúncia)

1. Findo o prazo do arrendamento, o contrato renova-se por períodos sucessivos, se nenhuma das partes o tiver denunciado no tempo e pela forma convencionados ou designados na lei.

2. No entanto, o senhorio não goza do direito de denunciar o contrato para o seu termo ou para o termo das renovações antes do decurso de dois anos sobre o início do arrendamento.

3. O prazo da renovação é igual ao do contrato; mas, salvo estipulação em contrário, é apenas de um ano, se o prazo do contrato for mais longo.



Artigo 1023º

(Comunicação da denúncia)

1. A denúncia tem de ser comunicada por escrito ao outro contraente com a antecedência mínima seguinte:

a) Cento oitenta dias, se o prazo for igual ou superior a seis anos;

b) Noventa dias, se o prazo for igual ou superior a um ano e inferior a seis anos;

c) Trinta dias, se o prazo for igual ou superior a três meses e inferior a um ano;

d) Um terço do prazo, quando este for inferior a três meses.

2. A antecedência a que se refere o número anterior reporta-se ao fim do prazo do contrato ou da renovação.

SUBSECÇÃO III

Disposições especiais dos arrendamentos para habitação

Artigo 1024º

(Casas mobiladas)

Quando o arrendamento de prédio para habitação seja acompanhado do aluguer da respectiva mobília ao mesmo locatário, considera-se arrendamento todo o contrato, e renda todo o preço locativo, mas discriminar-se-ão neste preço a parte correspondente ao arrendamento do prédio e a parte correspondente ao aluguer da mobília.

Artigo 1025º

(Pessoas que podem residir no prédio)

1. Nos arrendamentos para habitação podem residir no prédio, além do arrendatário, todos os que vivam com ele em economia comum.

2. Consideram-se sempre como vivendo com o arrendatário em economia comum os seus parentes ou afins na linha recta ou até ao terceiro grau da linha colateral, ainda que paguem alguma retribuição, e bem assim as pessoas relativamente às quais, por força da lei ou do negócio jurídico que não respeite directamente à habitação, haja obrigação de convivência ou de alimentos.

3. O disposto no n.º 1 entende-se com ressalva das estipulações em contrário que não respeitem ao cônjuge do arrendatário, seus pais ou pais do seu cônjuge, seus descendentes solteiros ou descendentes solteiros do seu cônjuge, nem aos empregados domésticos do arrendatário.

Artigo 1026º

(Comunicabilidade do arrendamento)

1. Requerido o divórcio, podem os cônjuges acordar em que posição de arrendatário fique pertencendo a qualquer deles.

2. Na falta de acordo, cabe ao tribunal decidir, considerando as necessidades de cada um dos cônjuges, o interesse dos filhos, as circunstâncias de facto relativas à ocupação da casa, a culpa imputada ao arrendatário no divórcio, o facto de ser o arrendamento anterior ou posterior ao casamento, e quaisquer outras razões atendíveis.

3. A transferência do direito ao arrendamento para o cônjuge do arrendatário, por efeito de acordo homologado pelo juiz ou pelo conservador do registo civil, consoante os casos, ou por decisão judicial, deve ser notificada oficiosamente ao senhorio.

Artigo 1027º

(Transmissão por morte do arrendatário)

1. O arrendamento para a habitação não caduca por morte do primitivo arrendatário ou daquele a quem tiver sido cedida a sua posição contratual, se lhe sobreviver:

a) Cônjuge não separado de facto ou que, embora separado, habitasse a casa arrendada, à data da morte;

b) Descendente a cargo do arrendatário que com ele convivesse na casa arrendada;

c) Afim na linha recta, nas condições referidas nas alíneas b) e c) deste número;

d) Ascendente que com ele convivesse na casa arrendada há mais de um ano; ou

e) Pessoa, de sexo diferente que, com o falecido, coabitasse maritalmente.

2. A transmissão da posição de arrendatário, estabelecida no número anterior, defere-se pela ordem seguinte:

a) Ao cônjuge sobrevivo;

b) Aos parentes ou afins na linha recta, preferindo os primeiros aos segundos, os descendentes aos ascen-dentes e os de grau mais próximo aos de grau ulterior;

3. A transmissão a favor dos parentes ou afins do arrendatário também se verifica por morte do cônjuge sobrevivo quando, nos termos deste Artigo, lhe tenha sido transmitido o direito ao arrendamento.

4. Os beneficiários do direito à transmissão do arrendamento podem renunciar a ele, comunicando a renúncia por escrito ao senhorio no prazo de sessenta dias a contar da data da morte do primitivo arrendatário.

5. Produz o mesmo efeito que a renúncia a restituição, pelos beneficiários, do uso do prédio, no prazo previsto no número anterior.

Artigo 1028º

(Revogação unilateral por parte do arrendatário)

1. O arrendatário goza sempre do direito a pôr termo ao arrendamento antes do fim do prazo do contrato ou das suas renovações, mediante comunicação escrita ao senhorio com a antecedência mínima de noventa dias sobre a data em que opere os seus efeitos, sem prejuízo de prazo mais curto estabelecido no contrato.

2. Salvo estipulação em contrário, o direito à revogação unilateral efectuada nos termos do número anterior dá ao senhorio direito, a título de compensação, a um mês de renda; a indemnização nunca pode ser estipulada em montante superior a dois meses de renda, sob pena de redução a este valor.

SUBSECÇÃO IV

Disposições especiais dos arrendamentos comerciais

Artigo 1029º

(Noção)

Considera-se arrendamento comercial o arrendamento de prédios urbanos ou rústicos tomados para fins directamente relacionados com o exercício de empresa comercial.

Artigo 1030º

(Morte do arrendatário)

1. O arrendamento não caduca por morte do arrendatário, mas os sucessores podem renunciar à transmissão, comunicando a renúncia por escrito ao senhorio no prazo de sessenta dias.

2. Produz o mesmo efeito que a renúncia a restituição, pelos sucessores, do uso do prédio, no prazo previsto no número anterior.

Artigo 1031º

(Alienação da empresa comercial)

1. É permitida a transmissão da posição do arrendatário, sem dependência de autorização do senhorio, em caso de alienação da empresa comercial.

2. Consideram-se indícios da não verificação da alienação da empresa comercial:

a) Passar a exercer-se no prédio, transmitido o seu gozo, outro ramo de actividade, ou, de um modo geral, ser-lhe dado outro destino;

b) A transmissão que não seja acompanhada da trans-ferência, em conjunto, das instalações, utensílios, mercadorias ou outros elementos que integram a empresa comercial.

SUBSECÇÃO V

Disposições especiais dos arrendamentos para o exercício de profissões liberais

Artigo 1032º

(Morte do arrendatário)

É aplicável aos arrendamentos para o exercício de profissões liberais o disposto no Artigo 1030.º

Artigo 1033º

(Cessão da posição de arrendatário)

1. A posição do arrendatário é transmissível por acto entre vivos, sem autorização do senhorio, a pessoas que no prédio arrendado continuem a exercer a mesma profissão.

2. A cessão só é válida se for celebrada por escrito particular com reconhecimento presencial das assinaturas dos outorgantes.

SUBSECÇÃO VI

Disposições especiais dos arrendamentos rurais

Artigo 1034º

(Noção)

A locação de prédios rústicos para fins agrícolas, pecuários ou florestais, nas condições de uma exploração regular, denomina-se arrendamento rural.

Artigo 1035º

(Renda)

1. A renda é fixada em dinheiro ou em géneros e pode ser certa ou consistir numa quota dos frutos.

2. Só pode ser fixada em géneros a renda relativa a contrato de arrendamento com fins agrícolas ou pecuários.

3. Para efeitos do número anterior, a renda fixada em géneros tem de incidir sobre géneros derivados da exploração.

4. Salvo disposição em contrário, a renda em dinheiro é anual; se paga em géneros, ter-se-á que atender à periodicidade das colheitas.

Artigo 1036º

(Redução da renda)

1. Quando, por causas imprevisíveis ou fortuitas, acidentes geológicos e pragas de natureza excepcional, o prédio não produzir frutos ou os frutos pendentes se perderem em quantidade não inferior, no todo, a metade dos que produzia normalmente, tem o arrendatário direito a uma redução equitativa da renda, que não exceda metade do seu quantitativo.

2. O disposto nos números anteriores não prejudica o direito à resolução ou modificação do contrato, nos termos gerais, se a capacidade produtiva do prédio ficar, de maneira duradoura, consideravelmente afectada, por força das causas neles referidas.

3. A falta de produção ou perda dos frutos não é, todavia, atendível na medida em que for compensada pelo valor da produção do ano, ou dos anos anteriores no caso de contrato plurianual, ou por indemnização que o arrendatário tenha recebido ou haja de receber em razão da mesma falta ou perda.

4. As cláusulas derrogatórias do disposto nos números 1 e 3 consideram-se não escritas.

5. Para o exercício dos direitos facultados nos números 1 e 3, deve o arrendatário avisar por escrito o senhorio, a fim de lhe permitir a verificação do prejuízo.

Artigo 1037º

(Serviços e encargos extraordinários)

Considera-se não escrita a cláusula pela qual o arrendatário se obrigue, por qualquer título, a serviços que não revertam em benefício directo do prédio, ou se sujeite a encargos extraordinários ou casuais não compreendidos na renda.

Artigo 1038º

(Benfeitorias feitas pelo arrendatário)

1. O arrendatário pode fazer benfeitorias úteis ou voluptuárias sem consentimento do proprietário, salvo se afectarem a substância do prédio ou o seu destino económico.

2. O arrendatário tem o direito de as levantar sem detrimento do prédio, bem como, tratando-se de benfeitorias úteis, o direito a ser indemnizado pelas mesmas, findo o contrato, nos termos e condições do n.º 2 do Artigo 1193.º

Artigo 1039º

(Não renovação do contrato)

1. O facto de o contrato não ser renovado não isenta o arrendatário do dever de assegurar, para o futuro, a produtividade normal do prédio.

2. Este dever não compreende a prática de actos de que o arrendatário não possa já tirar proveito; mas, neste caso, ele é obrigado a permitir que o senhorio tome as providências necessárias para assegurar a produtividade do prédio, sem prejuízo da indemnização a que tenha direito pelos danos sofridos.

Artigo 1040º

(Transmissão do arrendamento por divórcio ou por morte)

Ao arrendamento rural é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos Artigos 1026.º e 1027.º

CAPÍTULO V

Parceria pecuária

Artigo 1041º

(Noção)

Parceria pecuária é o contrato pelo qual uma ou mais pessoas entregam a outra ou outras um animal ou certo número deles, para estas os criarem, pensarem e vigiarem, com o ajuste de repartirem entre si os lucros futuros em certa proporção.

Artigo 1042º

(Prazo)

Na falta de convenção quanto a prazo, atender-se-á aos usos da terra; na falta de usos, qualquer dos contraentes pode, a todo o tempo, fazer caducar a parceria.

Artigo 1043º

(Resolução)

A existência de prazo não impede que o contraente resolva o contrato, se a outra parte não cumprir as suas obrigações.

Artigo 1044º

(Caducidade)

A parceria caduca pela morte do parceiro pensador ou pela perda dos animais, e também quando cesse o direito ou findem os poderes legais de administração com base nos quais o contrato foi celebrado, ou quando se verifique a condição resolutiva a que as partes o subordinaram.

Artigo 1045º

(Obrigações do parceiro pensador)

O parceiro pensador é obrigado a empregar na guarda e tratamento dos animais o cuidado de um pensador diligente.

Artigo 1046º

(Utilização dos animais)

1. O parceiro proprietário é obrigado a assegurar a utilização dos animais ao parceiro pensador.

2. O parceiro pensador que for privado dos seus direitos ou perturbado no exercício deles pode usar, mesmo contra o parceiro proprietário, dos meios facultados ao possuidor nos Artigos 1196º e seguintes.

Artigo 1047º

(Risco)

1. Se os animais perecerem, se inutilizarem ou diminuírem de valor, por facto não imputável ao parceiro pensador, o risco corre por conta do proprietário.

2. Se, porém, algum proveito se puder tirar dos animais que pereceram ou se inutilizaram, pertence o benefício ao proprietário até ao valor deles no momento da entrega.

3. As regras dos números anteriores são imperativas.

Artigo 1048º

(Regime subsidiário)

Em tudo o que não estiver estabelecido nos Artigos precedentes devem ser observados, na falta de convenção, os usos da terra.

CAPÍTULO VI

Comodato

Artigo 1049º

(Noção)

Comodato é o contrato gratuito pelo qual uma das partes entrega à outra certa coisa, móvel ou imóvel, para que se sirva dela, com a obrigação de a restituir.

Artigo 1050º

(Comodato fundado num direito temporário)

1. Se o comodante emprestar a coisa com base num direito de duração limitada, não pode o contrato ser celebrado por tempo superior; e, quando o seja, reduzir-se-á ao limite de duração desse direito.

2. É aplicável ao comodato constituído pelo usufrutuário o disposto nas alíneas a) e b) do Artigo 1007º.

Artigo 1051º

(Fim do contrato)

Se do contrato e respectivas circunstâncias não resultar o fim a que a coisa emprestada se destina, é permitido ao comodatário aplicá-la a quaisquer fins lícitos, dentro da função normal das coisas de igual natureza.

Artigo 1052º

(Frutos da coisa)

Só por força de convenção expressa o comodatário pode fazer seus os frutos colhidos.

Artigo 1053º

(Actos que impedem ou diminuem o uso da coisa)

1. O comodante deve abster-se de actos que impeçam ou restrinjam o uso da coisa pelo comodatário, mas não é obrigado a assegurar-lhe esse uso.

2. Se este for privado dos seus direitos ou perturbado no exercício deles, pode usar, mesmo contra o comodante, dos meios facultados ao possuidor nos Artigos 1196º e seguintes.

Artigo 1054º

(Responsabilidade do comodante)

O comodante não responde pelos vícios ou limitações do direito nem pelos vícios da coisa, excepto quando se tiver expressamente responsabilizado ou tiver procedido com dolo.

Artigo 1055º

(Obrigações do comodatário)

São obrigações do comodatário:

a) Guardar e conservar a coisa emprestada;

b) Facultar ao comodante o exame dela;

c) Não a aplicar a fim diverso daquele a que a coisa se des-tina;

d) Não fazer dela uma utilização imprudente;

e) Tolerar quaisquer benfeitorias que o comodante queira realizar na coisa;

f) Não proporcionar a terceiro o uso da coisa, excepto se o comodante o autorizar;

g) Avisar imediatamente o comodante, sempre que tenha conhecimento de vícios na coisa ou saiba que a ameaça algum perigo ou que terceiro se arroga direitos em relação a ela, desde que o facto seja ignorado do comodante;

h) Restituir a coisa findo o contrato.

Artigo 1056º

(Perda ou deterioração da coisa)

1. Quando a coisa emprestada perecer ou se deteriorar casualmente, o comodatário é responsável, se estava no seu poder tê-lo evitado, ainda que mediante o sacrifício de coisa própria de valor não superior.

2. Quando, porém, o comodatário a tiver aplicado a fim diverso daquele a que a coisa se destina, ou tiver consentido que terceiro a use sem para isso estar autorizado, é responsável pela perda ou deterioração, salvo provando que ela teria igualmente ocorrido sem a sua conduta ilegal.

3. Sendo avaliada a coisa ao tempo do contrato, presume-se que a responsabilidade ficou a cargo do comodatário, embora este não pudesse evitar o prejuízo pelo sacrifício de coisa própria.

Artigo 1057º

(Restituição)

1. Se os contraentes não convencionaram prazo certo para a restituição da coisa, mas esta foi emprestada para uso determinado, o comodatário deve restituí-la ao comodante logo que o uso finde, independentemente de interpelação.

2. Se não foi convencionado prazo para a restituição nem determinado o uso da coisa, o comodatário é obrigado a restituí-la logo que lhe seja exigida.

3. É aplicável à manutenção e restituição da coisa emprestada o disposto no Artigo 1009º.

Artigo 1058º

(Benfeitorias)

1. O comodatário é equiparado, quanto a benfeitorias, ao possuidor de má fé.

2. Tratando-se de empréstimo de animais, as despesas de alimentação destes correm, salvo estipulação em contrário, por conta do comodatário.

Artigo 1059º

(Solidariedade dos comodatários)

Sendo dois ou mais os comodatários, são solidárias as suas obrigações.

Artigo 1060º

(Resolução)

Não obstante a existência de prazo, o comodante pode resolver o contrato, se para isso tiver justa causa.

Artigo 1061º

(Caducidade)

O contrato caduca pela morte do comodatário.

CAPÍTULO VII

Mútuo

Artigo 1062º

(Noção)

Mútuo é o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade.

Artigo 1063º

(Forma)

1. O contrato de mútuo de valor igual ou superior a vinte cinco mil dólares norte-americanos só é válido se for celebrado por escritura pública.

2. O contrato de mútuo de valor igual ou superior a dez mil dólares norte-americanos e inferior a 25 mil dólares norte-americanos carece de documento particular autenticado.

3. Sendo o valor do mútuo inferior a dez mil dólares norte-americanos, basta documento particular assinado pelo mutuário.

Artigo 1064º

(Propriedade das coisas mutuadas)

As coisas mutuadas tornam-se propriedade do mutuário pelo facto da entrega.

Artigo 1065º

(Gratuidade ou onerosidade do mútuo)

1. As partes podem convencionar o pagamento de juros como retribuição do mútuo; este presume-se oneroso em caso de dúvida.

2. Ainda que o mútuo não verse sobre dinheiro, observar-se-á, relativamente a juros, o disposto no Artigo 493º e, havendo mora do mutuário, o disposto no Artigo 740º.

Artigo 1066º

(Usura)

1. É havido como usurário o contrato de mútuo em que sejam estipulados juros anuais que excedam os juros legais, acrescidos de três ou cinco por cento, conforme exista ou não garantia real.

2. É havida também como usurária a cláusula penal que fixar como indemnização devida pela falta de restituição de empréstimo, relativamente ao tempo de mora, mais do que o correspondente a sete ou a nove por cento acima dos juros legais, conforme exista ou não garantia real.

3. Se a taxa de juros estipulada ou o montante da indemnização exceder o máximo fixado nos números precedentes, considera-se reduzido a esses máximos, ainda que seja outra a vontade dos contraentes.

4. O respeito dos limites máximos referidos neste Artigo não obsta à aplicabilidade dos Artigos 273º a 275º.

Artigo 1067º

(Prazo no mútuo oneroso)

No mútuo oneroso o prazo presume-se estipulado a favor de ambas as partes, mas o mutuário pode antecipar o pagamento, desde que satisfaça os juros por inteiro.

Artigo 1068º

(Falta de fixação de prazo)

1. Na falta de estipulação de prazo, a obrigação do mutuário, tratando-se de mútuo gratuito, só se vence trinta dias após a exigência do seu cumprimento.

2. Se o mútuo for oneroso e não se tiver fixado prazo, qualquer das partes pode pôr termo ao contrato, desde que o denuncie com uma antecipação mínima de trinta dias.

3. Tratando-se, porém, de empréstimo, gratuito ou oneroso, de cereais ou outros produtos rurais a favor de lavrador, presume-se feito até à colheita seguinte dos produtos semelhantes.

4. A doutrina do número anterior é aplicável aos mutuários que, não sendo lavradores, recolhem pelo arrendamento de terras próprias frutos semelhantes aos que receberam de empréstimo.

Artigo 1069º

(Impossibilidade de restituição)

Se o mútuo recair em coisa que não seja dinheiro e a restituição se tornar impossível ou extremamente difícil por causa não imputável ao mutuário, paga este o valor que a coisa tiver no momento e lugar do vencimento da obrigação.

Artigo 1070º

(Resolução do contrato)

O mutuante pode resolver o contrato, se o mutuário não pagar os juros no seu vencimento.

Artigo 1071º

(Responsabilidade do mutuante)

É aplicável à responsabilidade do mutuante, no mútuo gratuito, o disposto no Artigo 1054º.

CAPÍTULO VIII

Contrato de trabalho

Artigo 1072º

(Noção)

Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta.

Artigo 1073º

(Regime)

O contrato de trabalho está sujeito a legislação especial.

CAPÍTULO IX

Prestação de serviço

Artigo 1074º

(Noção)

Contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.

Artigo 1075º

(Modalidades do contrato)

O mandato, o depósito e a empreitada, regulados nos capítulos subsequentes, são modalidades do contrato de prestação de serviço.

Artigo 1076º

(Regime)

As disposições sobre o mandato são extensivas, com as necessárias adaptações, às modalidades do contrato de prestação de serviço que a lei não regule especialmente.

CAPÍTULO X

Mandato

SECÇÃO I

Disposições gerais

Artigo 1077º

(Noção)

Mandato é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra.

Artigo 1078º

(Gratuidade ou onerosidade do mandato)

1. O mandato presume-se gratuito, excepto se tiver por objecto actos que o mandatário pratique por profissão; neste caso, presume-se oneroso.

2. Se o mandato for oneroso, a medida da retribuição, não havendo ajuste entre as partes, é determinada pelas tarifas profissionais; na falta destas, pelos usos; e, na falta de umas e outros, por juízos de equidade.

Artigo 1079º

(Extensão do mandato)

1. O mandato geral só compreende os actos de administração ordinária.

2. O mandato especial abrange, além dos actos nele referidos, todos os demais necessários à sua execução.

Artigo 1080º

(Pluralidade de mandatos)

Se alguém incumbir duas ou mais pessoas da prática dos mesmos actos jurídicos, há tantos mandatos quantas as pessoas designadas, salvo se o mandante declarar que devem agir conjuntamente.

SECÇÃO II

Direitos e obrigações do mandatário

Artigo 1081º

(Obrigações do mandatário)

O mandatário é obrigado:

a) A praticar os actos compreendidos no mandato, segundo as instruções do mandante;

b) A prestar as informações que este lhe peça, relativas ao estado da gestão;

c) A comunicar ao mandante, com prontidão, a execução do mandato ou, se o não tiver executado, a razão por que assim procedeu;

d) A prestar contas, findo o mandato ou quando o mandante as exigir;

e) A entregar ao mandante o que recebeu em execução do mandato ou no exercício deste, se o não despendeu normalmente no cumprimento do contrato.

Artigo 1082º

(Inexecução do mandato ou a inobservância das instruções)

O mandatário pode deixar de executar o mandato ou afastar-se das instruções recebidas, quando seja razoável supor que o mandante aprovaria a sua conduta, se conhecesse certas circunstâncias que não foi possível comunicar-lhe em tempo útil.

Artigo 1083º

(Aprovação tácita da execução ou inexecução do mandato)

Comunicada a execução ou inexecução do mandato, o silêncio do mandante por tempo superior àquele em que teria de pronunciar-se, segundo os usos ou, na falta destes, de acordo com a natureza do assunto, vale como aprovação da conduta do mandatário, ainda que este haja excedido os limites do mandato ou desrespeitado as instruções do mandante, salvo acordo em contrário.

Artigo 1084º

(Juros devidos pelo mandatário)

O mandatário deve pagar ao mandante os juros legais correspondentes às quantias que recebeu dele ou por conta dele, a partir do momento em que devia entregar-lhas, ou remeter-lhas, ou aplicá-las segundo as suas instruções.



Artigo 1085º

(Substituto e auxiliares do mandatário)

O mandatário pode, na execução do mandato, fazer-se substituir por outrem ou servir-se de auxiliares, nos mesmos termos em que o procurador o pode fazer.

Artigo 1086º

(Pluralidade de mandatários)

Havendo dois ou mais mandatários com o dever de agirem conjuntamente, responde cada um deles pelos seus actos, se outro regime não tiver sido convencionado.

SECÇÃO III

Obrigações do mandante

Artigo 1087º

(Enumeração)

O mandante é obrigado:

a) A fornecer ao mandatário os meios necessários à execução do mandato, se outra coisa não foi convencionada;

b) A pagar-lhe a retribuição que ao caso competir, e fazer-lhe provisão por conta dela segundo os usos;

c) A reembolsar o mandatário das despesas feitas que este fundadamente tenha considerado indispensáveis, com juros legais desde que foram efectuadas;

d) A indemnizá-lo do prejuízo sofrido em consequência do mandato, ainda que o mandante tenha procedido sem culpa.

Artigo 1088º

(Suspensão da execução do mandato)

O mandatário pode abster-se da execução do mandato enquanto o mandante estiver em mora quanto à obrigação expressa na alínea a) do Artigo anterior.

Artigo 1089º

(Pluralidade de mandantes)

Sendo dois ou mais os mandantes, as suas obrigações para com o mandatário são solidárias, se o mandato tiver sido conferido para assunto de interesse comum.

SECÇÃO IV

Revogação e caducidade do mandato

SUBSECÇÃO I

Revogação

Artigo 1090º

(Revogabilidade do mandato)

1. O mandato é livremente revogável por qualquer das partes, não obstante convenção em contrário ou renúncia ao direito de revogação.

2. Se, porém, o mandato tiver sido conferido também no interesse do mandatário ou de terceiro, não pode ser revogado pelo mandante sem acordo do interessado, salvo ocorrendo justa causa.

Artigo 1091º

(Revogação tácita)

A designação de outra pessoa, por parte do mandante, para a prática dos mesmos actos implica revogação do mandato, mas só produz este efeito depois de ser conhecida pelo mandatário.

Artigo 1092º

(Obrigação de indemnização)

A parte que revogar o contrato deve indemnizar a outra do prejuízo que esta sofrer:

a) Se assim tiver sido convencionado;

b) Se tiver sido estipulada a irrevogabilidade ou tiver havido renúncia ao direito de revogação;

c) Se a revogação proceder do mandante e versar sobre man-dato oneroso, sempre que o mandato tenha sido conferido por certo tempo ou para determinado assunto, ou que o mandante o revogue sem a antecedência conveniente;

d) Se a revogação proceder do mandatário e não tiver sido realizada com a antecedência conveniente.

Artigo 1093º

(Mandato colectivo)

Sendo o mandato conferido por várias pessoas e para assunto de interesse comum, a revogação só produz efeito se for realizada por todos os mandantes.

SUBSECÇÃO II

Caducidade

Artigo 1094º

(Casos de caducidade)

O mandato caduca:

a) Por morte ou interdição do mandante ou do mandatário;

b) Por inabilitação do mandante, se o mandato tiver por objecto actos que não possam ser praticados sem intervenção do curador.

Artigo 1095º

(Morte, interdição ou inabilitação do mandante)

A morte, interdição ou inabilitação do mandante não faz caducar o mandato, quando este tenha sido conferido também no interesse do mandatário ou de terceiro; nos outros casos, só o faz caducar a partir do momento em que seja conhecida do mandatário, ou quando da caducidade não possam resultar prejuízos para o mandante ou seus herdeiros.

Artigo 1096º

(Morte, interdição ou incapacidade natural do mandatário)

1. Caducando o mandato por morte ou interdição do mandatário, os seus herdeiros devem prevenir o mandante e tomar as providências adequadas, até que ele próprio esteja em condições de providenciar.

2. Idêntica obrigação recai sobre as pessoas que convivam com o mandatário, no caso de incapacidade natural deste.

Artigo 1097º

(Pluralidade de mandatários)

Se houver vários mandatários com obrigação de agir conjuntamente, o mandato caduca em relação a todos, embora a causa de caducidade respeite apenas a um deles, salvo convenção em contrário.

SECÇÃO V

Mandato com representação

Artigo 1098º

(Mandatário com poderes de representação)

1. Se o mandatário for representante, por ter recebido poderes para agir em nome do mandante, é também aplicável ao mandato o disposto nos Artigos 249º e seguintes.

2. O mandatário a quem hajam sido conferidos poderes de representação tem o dever de agir não só por conta, mas em nome do mandante, a não ser que outra coisa tenha sido estipulada.

Artigo 1099º

(Revogação ou renúncia da procuração)

A revogação e a renúncia da procuração implicam revogação do mandato.

SECÇÃO VI

Mandato sem representação

Artigo 1100º

(Mandatário que age em nome próprio)

O mandatário, se agir em nome próprio, adquire os direitos e assume as obrigações decorrentes dos actos que celebra, embora o mandato seja conhecido dos terceiros que participem nos actos ou sejam destinatários destes.

Artigo 1101º

(Direitos adquiridos em execução do mandato)

1. O mandatário é obrigado a transferir para o mandante os direitos adquiridos em execução do mandato.

2. Relativamente aos créditos, o mandante pode substituir-se ao mandatário no exercício dos respectivos direitos.

Artigo 1102º

(Obrigações contraídas em execução do mandato)

O mandante deve assumir, por qualquer das formas indicadas no n.º 1 do Artigo 530º, as obrigações contraídas pelo mandatário em execução do mandato; se não puder fazê-lo, deve entregar ao mandatário os meios necessários para as cumprir ou reembolsá-lo do que este houver despendido nesse cumprimento.

Artigo 1103º

(Responsabilidade do mandatário)

Salvo estipulação em contrário, o mandatário não é responsável pela falta de cumprimento das obrigações assumidas pelas pessoas com quem haja contratado, a não ser que no momento da celebração do contrato conhecesse ou devesse conhecer a insolvência delas.

Artigo 1104º

(Responsabilidade dos bens adquiridos pelo mandatário)

Os bens que o mandatário haja adquirido em execução do mandato e devam ser transferidos para o mandante nos termos do n.º 1 do Artigo 1101º não respondem pelas obrigações daquele, desde que o mandato conste de documento anterior à data da penhora desses bens e não tenha sido feito o registo da aquisição, quando esta esteja sujeita a registo.

CAPÍTULO XI

Depósito

SECÇÃO I

Disposições gerais

Artigo 1105º

(Noção)

Depósito é o contrato pelo qual uma das partes entrega à outra uma coisa, móvel ou imóvel, para que a guarde, e a restitua quando for exigida.

Artigo 1106º

(Gratuidade ou onerosidade do depósito)

É aplicável ao depósito o disposto no Artigo 1078º.

SECÇÃO II

Direitos e obrigações do depositário

Artigo 1107º

(Obrigações de depositário)

O depositário é obrigado:

a) A guardar a coisa depositada;

b) A avisar imediatamente o depositante, quando saiba que algum perigo ameaça a coisa ou que terceiro se arroga direitos em relação a ela, desde que o facto seja desconhe-cido do depositante;

c) A restituir a coisa com os seus frutos.

Artigo 1108º

(Turbação de detenção ou esbulho da coisa)

1. Se o depositário for privado da detenção da coisa por causa que lhe não seja imputável, fica exonerado das obrigações de guarda e restituição, mas deve dar conhecimento imediato da privação ao depositante.

2. Independentemente da obrigação imposta no número anterior, o depositário que for privado da detenção da coisa ou perturbado no exercício dos seus direitos pode usar, mesmo contra o depositante, dos meios facultados ao possuidor nos Artigos 1196º e seguintes.

Artigo 1109º

(Uso da coisa e subdepósito)

O depositário não tem o direito de usar a coisa depositada nem de a dar em depósito a outrem, se o depositante o não tiver autorizado.

Artigo 1110º

(Guarda da coisa)

O depositário pode guardar a coisa de modo diverso do convencionado, quando haja razões para supor que o deposi-tante aprovaria a alteração, se conhecesse as circunstâncias que a fundamentam; mas deve participar-lhe a mudança logo que a comunicação seja possível.

Artigo 1111º

(Depósito cerrado)

1. Se o depósito recair sobre coisa encerrada nalgum invólucro ou recipiente, deve o depositário guardá-la e restituí-la no mesmo estado, sem a devassar.

2. No caso de o invólucro ou recipiente ser violado, presume-se que na violação houve culpa do depositário; e, se este não ilidir a presunção, presume-se verdadeira a descrição feita pelo depositante.

Artigo 1112º

(Restituição da coisa)

1. O depositário não pode recusar a restituição ao depositante com o fundamento de que este não é proprietário da coisa nem tem sobre ela outro direito.

2. Se, porém, for proposta por terceiro acção de reivindicação contra o depositário, este, enquanto não for julgada definitivamente a acção, só pode liberar-se da obrigação de restituir consignando em depósito a coisa.

3. Se chegar ao conhecimento do depositário que a coisa provém de crime, deve participar imediatamente o depósito à pessoa a quem foi subtraída ou, não sabendo quem é, ao Ministério Público; e só pode restituir a coisa ao depositante se dentro de quinze dias, contados da participação, ela não lhe for reclamada por quem de direito.

Artigo 1113º

(Terceiro interessado no depósito)

Se a coisa foi depositada também no interesse de terceiro e este comunicou ao depositário a sua adesão, o depositário não pode exonerar-se restituindo a coisa ao depositante sem consentimento do terceiro.

Artigo 1114º

(Prazo de restituição)

O prazo de restituição da coisa tem-se por estabelecido a favor do depositante; mas, sendo o depósito oneroso, o depositante satisfaz por inteiro a retribuição do depositário, mesmo quando exija a restituição da coisa antes de findar o prazo estipulado, salvo se para isso tiver justa causa.

Artigo 1115º

(Lugar de restituição)

No silêncio das partes, o depositário deve restituir a coisa móvel no lugar onde, segundo o contrato, tiver de a guardar.

Artigo 1116º

(Despesas da restituição)

As despesas da restituição ficam a cargo do depositante.

Artigo 1117º

(Responsabilidade no caso de subdepósito)

Se o depositário, devidamente autorizado, confiar por sua vez a coisa em depósito a terceiro, é responsável por culpa sua na escolha dessa pessoa.

Artigo 1118º

(Auxiliares)

O depositário pode socorrer-se de auxiliares no cumprimento das suas obrigações, sempre que o contrário não resulte do conteúdo ou finalidade do depósito.

SECÇÃO III

Obrigações do depositante

Artigo 1119º

(Enumeração)

O depositante é obrigado:

a) A pagar ao depositário a retribuição devida;

b) A reembolsá-lo das despesas que ele fundadamente tenha considerado indispensáveis para a conservação da coisa, com juros legais desde que foram efectuadas;

c) A indemnizá-lo do prejuízo sofrido em consequência do depósito, salvo se o depositante houver procedido sem culpa.

Artigo 1120º

(Remuneração do depositário)

1. A remuneração do depositário, quando outra coisa se não tenha convencionado, deve ser paga no termo do depósito; mas, se for fixada por períodos de tempo, pagar-se-á no fim de cada um deles.

2. Findado o depósito antes do prazo convencionado, pode o depositário exigir uma parte proporcional ao tempo decorrido, sem prejuízo do preceituado no Artigo 1114º.

Artigo 1121º

(Restituição da coisa)

Não tendo sido convencionado prazo para a restituição da coisa, o depositário tem o direito de a restituir a todo o tempo; se, porém, tiver sido convencionado prazo, só havendo justa causa o pode fazer antes de o prazo findar.

SECÇÃO IV

Depósito de coisa controvertida

Artigo 1122º

(Noção)

Se duas ou mais pessoas disputam a propriedade de uma coisa ou outro direito sobre ela, podem por meio de depósito entregá-la a terceiro, para que este a guarde e, resolvida a controvérsia, a restitua à pessoa a quem se apurar que pertence.

Artigo 1123º

(Onerosidade do depósito)

O depósito de coisa controvertida presume-se oneroso.

Artigo 1124º

(Administração da coisa)

Salvo convenção em contrário, cabe ao depositário a obrigação de administrar a coisa.

SECÇÃO V

Depósito irregular

Artigo 1125º

(Noção)

Diz-se irregular o depósito que tem por objecto coisas fungíveis.

Artigo 1126º

(Regime)

Consideram-se aplicáveis ao depósito irregular, na medida do possível, as normas relativas ao contrato de mútuo.

CAPÍTULO XII

Empreitada

SECÇÃO I

Disposições gerais

Artigo 1127º

(Noção)

Empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço.



Artigo 1128º

(Execução da obra)

O empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato.

Artigo 1129º

(Fiscalização)

1. O dono da obra pode fiscalizar, à sua custa, a execução dela, desde que não perturbe o andamento ordinário da empreitada.

2. A fiscalização feita pelo dono da obra, ou por comissário, não impede aquele, findo o contrato, de fazer valer os seus direitos contra o empreiteiro, embora sejam aparentes os vícios da coisa ou notória a má execução do contrato, excepto se tiver havido da sua parte concordância expressa com a obra executada.

Artigo 1130º

(Fornecimento dos materiais e utensílios)

1. Os materiais e utensílios necessários à execução da obra devem ser fornecidos pelo empreiteiro, salvo convenção ou uso em contrário.

2. No silêncio do contrato, os materiais devem corresponder às características da obra e não podem ser de qualidade inferior à média.

Artigo 1131º

(Determinação e pagamento do preço)

1. É aplicável à determinação do preço, com as necessárias adaptações, o disposto no Artigo 817º.

2. O preço deve ser pago, não havendo cláusula ou uso em contrário, no acto de aceitação da obra.

Artigo 1132º

(Propriedade da obra)

1. No caso de empreitada de construção de coisa móvel com materiais fornecidos, no todo ou na sua maior parte, pelo empreiteiro, a aceitação da coisa importa a transferência da propriedade para o dono da obra; se os materiais foram fornecidos por este, continuam a ser propriedade dele, assim como é propriedade sua a coisa logo que seja concluída.

2. No caso de empreitada de construção de imóveis, sendo o solo ou a superfície pertença do dono da obra, a coisa é propriedade deste, ainda que seja o empreiteiro quem fornece os materiais; estes consideram-se adquiridos pelo dono da obra à medida que vão sendo incorporados no solo.

Artigo 1133º

(Subempreitada)

1. Subempreitada é o contrato pelo qual um terceiro se obriga para com o empreiteiro a realizar a obra a que este se encontra vinculado, ou uma parte dela.

2. É aplicável à subempreitada, assim como ao concurso de auxiliares na execução da empreitada, o disposto no Artigo 255º, com as necessárias adaptações.

SECÇÃO II

Alterações e obras novas

Artigo 1134º

(Alterações da iniciativa do empreiteiro)

1. O empreiteiro não pode, sem autorização do dono da obra, fazer alterações ao plano convencionado.

2. A obra alterada sem autorização é havida como defeituosa; mas, se o dono quiser aceitá-la tal como foi executada, não fica obrigado a qualquer suplemento de preço nem a indemnização por enriquecimento sem causa.

3. Se tiver sido fixado para a obra um preço global e a autoriza-ção não tiver sido dada por escrito com fixação do aumento de preço, o empreiteiro só pode exigir do dono da obra uma indemnização correspondente ao enriquecimento deste.

Artigo 1135º

(Alterações necessárias)

1. Se, para execução da obra, for necessário, em consequência de direitos de terceiro ou de regras técnicas, introduzir alterações ao plano convencionado, e as partes não vierem a acordo, compete ao tribunal determinar essas alterações e fixar as correspondentes modificações quanto ao preço e prazo de execução.

2. Se, em consequência das alterações, o preço for elevado em mais de vinte por cento, o empreiteiro pode denunciar o contrato e exigir uma indemnização equitativa.

Artigo 1136º

(Alterações exigidas pelo dono da obra)

1. O dono da obra pode exigir que sejam feitas alterações ao plano convencionado, desde que o seu valor não exceda a quinta parte do preço estipulado e não haja modificação da natureza da obra.

2. O empreiteiro tem direito a um aumento do preço estipulado, correspondente ao acréscimo de despesa e trabalho, e a um prolongamento do prazo para a execução da obra.

3. Se das alterações introduzidas resultar uma diminuição de custo ou de trabalho, o empreiteiro tem direito ao preço estipulado, com dedução do que, em consequência das alterações, poupar em despesas ou adquirir por outras aplicações da sua actividade.

Artigo 1137º

(Alterações posteriores à entrega e obras novas)

1. Não é aplicável o disposto nos Artigos precedentes às alterações feitas depois da entrega da obra, nem às obras que tenham autonomia em relação às previstas no contrato.

2. O dono da obra tem o direito de recusar as alterações e as obras referidas no número anterior, se as não tiver autorizado; pode, além disso, exigir a sua eliminação, se esta for possível, e, em qualquer caso, uma indemnização pelo prejuízo, nos termos gerais.

SECÇÃO III

Defeitos da obra

Artigo 1138º

(Verificação da obra)

1. O dono da obra deve verificar, antes de a aceitar, se ela se encontra nas condições convencionadas e sem vícios.

2. A verificação deve ser feita dentro do prazo usual ou, na falta de uso, dentro do período que se julgue razoável depois de o empreiteiro colocar o dono da obra em condições de a poder fazer.

3. Qualquer das partes tem o direito de exigir que a verificação seja feita, à sua custa, por peritos.

4. Os resultados da verificação devem ser comunicados ao empreiteiro.

5. A falta da verificação ou da comunicação importa aceitação da obra.

Artigo 1139º

(Casos de irresponsabilidade do empreiteiro)

1. O empreiteiro não responde pelos defeitos da obra, se o dono a aceitou sem reserva, com conhecimento deles.

2. Presumem-se conhecidos os defeitos aparentes, tenha ou não havido verificação da obra.

Artigo 1140º

(Denúncia dos defeitos)

1. O dono da obra deve, sob pena de caducidade dos direitos conferidos nos Artigos seguintes, denunciar ao empreiteiro os defeitos da obra dentro dos trinta dias seguintes ao seu descobrimento.

2. Equivale à denúncia o reconhecimento, por parte do empreiteiro, da existência do defeito.

Artigo 1141º

(Eliminação dos defeitos)

1. Se os defeitos puderem ser suprimidos, o dono da obra tem o direito de exigir do empreiteiro a sua eliminação; se não puderem ser eliminados, o dono pode exigir nova construção.

2. Cessam os direitos conferidos no número anterior, se as despesas forem desproporcionadas em relação ao proveito.

Artigo 1142º

(Redução do preço e resolução do contrato)

1. Não sendo eliminados os defeitos ou construída de novo a obra, o dono pode exigir a redução do preço ou a resolução do contrato, se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina.

2. A redução do preço é feita nos termos do Artigo 818º.

Artigo 1143º

(Indemnização)

O exercício dos direitos conferidos nos Artigos antecedentes não exclui o direito a ser indemnizado nos termos gerais.

Artigo 1144º

(Caducidade)

1. Os direitos de eliminação dos defeitos, redução do preço, resolução do contrato e indemnização caducam, se não forem exercidos dentro de um ano a contar da recusa da aceitação da obra ou da aceitação com reserva, sem prejuízo da caducidade prevista no Artigo 1140º.

2. Se os defeitos eram desconhecidos do dono da obra e este a aceitou, o prazo de caducidade conta-se a partir da denúncia; em nenhum caso, porém, aqueles direitos podem ser exercidos depois de decorrerem dois anos sobre a entrega da obra.

Artigo 1145º

(Imóveis destinados a longa duração)

1. Sem prejuízo do disposto nos Artigos 1139º e seguintes, se a empreitada tiver por objecto a construção, modificação ou reparação de edifícios ou outros imóveis destinados por sua natureza a longa duração e, no decurso de cinco anos a contar da entrega, ou no decurso do prazo de garantia convencionado, a obra, por vício do solo ou da construção, modificação ou reparação, ou por erros na execução dos trabalhos, ruir total ou parcialmente, ou apresentar defeitos, o empreiteiro é responsável pelo prejuízo causado ao dono da obra ou a terceiro adquirente.

2. A denúncia, em qualquer dos casos, deve ser feita dentro do prazo de um ano e a indemnização deve ser pedida no ano seguinte à denúncia.

3. Os prazos previstos no número anterior são igualmente aplicáveis ao direito à eliminação dos defeitos, previstos no Artigo 1141º.

4. O disposto nos números anteriores é aplicável ao vendedor de imóvel que o tenha construído, modificado ou reparado.

Artigo 1146º

(Responsabilidade dos subempreiteiros)

O direito de regresso do empreiteiro contra os subempreiteiros quanto aos direitos conferidos nos Artigos anteriores caduca, se não lhes for comunicada a denúncia dentro dos trinta dias seguintes à sua recepção.

SECÇÃO IV

Impossibilidade de cumprimento e risco pela perda ou deterioração da obra

Artigo 1147º

(Impossibilidade de execução da obra)

Se a execução da obra se tornar impossível por causa não imputável a qualquer das partes, é aplicável o disposto no Artigo 724º; tendo, porém, havido começo de execução, o dono da obra é obrigado a indemnizar o empreiteiro do trabalho executado e das despesas realizadas.

Artigo 1148º

(Risco)

1. Se, por causa não imputável a qualquer das partes, a coisa perecer ou se deteriorar, o risco corre por conta do proprietário.

2. Se, porém, o dono da obra estiver em mora quanto à verificação ou aceitação da coisa, o risco corre por conta dele.

SECÇÃO V

Extinção do contrato

Artigo 1149º

(Desistência do dono da obra)

O dono da obra pode desistir da empreitada a todo o tempo, ainda que tenha sido iniciada a sua execução contanto que indemnize o empreiteiro dos seus gastos e trabalho e do proveito que poderia tirar da obra.

Artigo 1150º

(Morte ou incapacidade das partes)

1. O contrato de empreitada não se extingue por morte do dono da obra, nem por morte ou incapacidade do emprei-teiro, a não ser que, neste último caso, tenham sido tomadas em conta, no acto da celebração, as qualidades pessoais deste.

2. Extinto o contrato por morte ou incapacidade do empreiteiro, considera-se a execução da obra como impossível por causa não imputável a qualquer das partes.

CAPÍTULO XIII

Renda perpétua

Artigo 1151º

(Noção)

Contrato de renda perpétua é aquele em que uma pessoa aliena em favor de outra certa soma de dinheiro, ou qualquer outra coisa móvel ou imóvel, ou um direito, e a segunda se obriga, sem limite de tempo, a pagar, como renda, determinada quantia em dinheiro ou outra coisa fungível.

Artigo 1152º

(Forma)

A renda perpétua só é válida se for constituída por escritura pública.

Artigo 1153º

(Caução)

O devedor da renda é obrigado a caucionar o cumprimento da obrigação.

Artigo 1154º

(Exclusão do direito de acrescer)

Não há na renda perpétua direito de acrescer entre os beneficiários.

Artigo 1155º

(Resolução do contrato)

Ao beneficiário da renda é permitido resolver o contrato, quando o devedor se constitua em mora quanto às prestações correspondentes a dois anos, ou se verifique algum dos casos previstos no Artigo 714º.

Artigo 1156º

(Remição)

1. O devedor pode a todo o tempo remir a renda, mediante o pagamento da importância em dinheiro que represente a capitalização da mesma, à taxa legal de juros.

2. O direito de remição é irrenunciável, mas é lícito estipular-se que não possa ser exercido em vida do primeiro beneficiário ou dentro de certo prazo não superior a vinte anos.

Artigo 1157º

(Juros)

A renda perpétua fica sujeita às disposições legais sobre juros, no que for compatível com a sua natureza e com o preceituado nos Artigos antecedentes.

CAPÍTULO XIV

Renda vitalícia

Artigo 1158º

(Noção)

Contrato de renda vitalícia é aquele em que uma pessoa aliena em favor de outra certa soma de dinheiro, ou qualquer outra coisa móvel ou imóvel, ou um direito, e a segunda se obriga a pagar certa quantia em dinheiro ou outra coisa fungível durante a vida do alienante ou de terceiro.

Artigo 1159º

(Forma)

Sem prejuízo da aplicação das regras especiais de forma quanto à alienação da coisa ou do direito, a renda vitalícia deve ser constituída por documento escrito, sendo necessária escritura pública se a coisa ou o direito alienado for de valor igual ou superior a vinte e cinco mil dólares norte-americanos.

Artigo 1160º

(Duração da renda)

A renda pode ser convencionada por uma ou duas vidas.

Artigo 1161º

(Direito de acrescer)

No silêncio do contrato, sendo dois ou mais os beneficiários da renda, e falecendo algum deles, a sua parte acresce à dos outros.

Artigo 1162º

(Resolução do contrato)

Ao beneficiário da renda vitalícia é lícito resolver o contrato nos mesmos termos em que é permitida a resolução da renda perpétua ao respectivo beneficiário.

Artigo 1163º

(Remição)

O devedor só pode remir a renda, com reembolso do que tiver recebido e perda das prestações já efectuadas, se assim se tiver convencionado.

Artigo 1164º

(Prestações antecipadas)

Se as prestações se vencem antecipadamente, a última é devida por inteiro, ainda que o beneficiário faleça antes de completado o período respectivo.

CAPÍTULO XV

Jogo e aposta

Artigo 1165º

(Nulidade do contrato)

O jogo e a aposta não são contratos válidos nem constituem fonte de obrigações civis; porém, quando lícitos, são fonte de obrigações naturais, excepto se neles concorrer qualquer outro motivo de nulidade ou anulabilidade, nos termos gerais de direito, ou se houver fraude do credor na sua execução.

Artigo 1166º

(Competições desportivas)

Exceptuam-se do disposto no Artigo anterior as competições desportivas, com relação às pessoas que nelas tomarem parte.

Artigo 1167º

(Legislação especial)

Fica ressalvada a legislação especial sobre a matéria de que trata este capítulo.

CAPÍTULO XVI

Transacção

Artigo 1168º

(Noção)

1. Transacção é o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões.

2. As concessões podem envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do direito controvertido.

Artigo 1169º

(Matérias insusceptíveis de transacção)

As partes não podem transigir sobre direitos de que lhes não é permitido dispor, nem sobre questões respeitantes a negócios jurídicos ilícitos.

Artigo 1170º

(Forma)

A transacção preventiva ou extrajudicial consta de escritura pública quando dela possa derivar algum efeito para o qual a escritura seja exigida, e consta de documento escrito nos casos restantes.

LIVRO III

DIREITO DAS COISAS

TÍTULO I

DA POSSE

CAPÍTULO I

Disposições gerais

Artigo 1171º

(Noção)

Posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real.

Artigo 1172º

(Exercício da posse por intermediário)

1. A posse tanto pode ser exercida pessoalmente como por intermédio de outrem.

2. Em caso de dúvida, presume-se a posse naquele que exer-ce o poder de facto, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do Artigo 1177º.

Artigo 1173º

(Simples detenção)

São havidos como detentores ou possuidores precários:

a) Os que exercem o poder de facto sem intenção de agir como beneficiários do direito;

b) Os que simplesmente se aproveitam da tolerância do titular do direito;

c) Os representantes ou mandatários do possuidor e, de um modo geral, todos os que possuem em nome de outrem.

Artigo 1174º

(Presunções de posse)

1. Se o possuidor actual possuiu em tempo mais remoto, pre-sume-se que possuiu igualmente no tempo intermédio.

2. A posse actual não faz presumir a posse anterior, salvo quando seja titulada; neste caso, presume-se que há posse desde a data do título.

Artigo 1175º

(Sucessão na posse)

Por morte do possuidor, a posse continua nos seus sucessores desde o momento da morte, independentemente da apreensão material da coisa.

Artigo 1176º

(Acessão da posse)

1. Aquele que houver sucedido na posse de outrem por título diverso da sucessão por morte pode juntar à sua a posse do antecessor.

2. Se, porém, a posse do antecessor for de natureza diferente da posse do sucessor, a acessão só se dá dentro dos limites daquela que tem menor âmbito.

Artigo 1177º

(Conservação da posse)

1. A posse mantém-se enquanto durar a actuação correspon-dente ao exercício do direito ou a possibilidade de a continuar.

2. Presume-se que a posse continua em nome de quem a começou.

CAPÍTULO II

Caracteres da posse

Artigo 1178º

(Espécies de posse)

A posse pode ser titulada ou não titulada, de boa ou de má fé, pacífica ou violenta, pública ou oculta.

Artigo 1179º

(Posse titulada)

1. Diz-se titulada a posse fundada em qualquer modo legítimo de adquirir, independentemente, quer do direito do transmitente, quer da validade substancial do negócio jurídico.

2. O título não se presume, devendo a sua existência ser provada por aquele que o invoca.

Artigo 1180º

(Posse de boa fé)

1. A posse diz-se de boa fé, quando o possuidor ignorava, ao adquiri-la, que lesava o direito de outrem.

2. A posse titulada presume-se de boa fé, e a não titulada, de má fé.

3. A posse adquirida por violência é sempre considerada de má fé, mesmo quando seja titulada.

Artigo 1181º

(Posse pacífica)

1. Posse pacífica é a que foi adquirida sem violência.

2. Considera-se violenta a posse quando, para obtê-la, o possuidor usou de coacção física, ou de coacção moral nos termos do Artigo 246º.

Artigo 1182º

(Posse pública)

Posse pública é a que se exerce de modo a poder ser conhecida pelos interessados.

CAPÍTULO III

Aquisição e perda da posse

Artigo 1183º

(Aquisição da posse)

A posse adquire-se:

a) Pela prática reiterada, com publicidade, dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito;

b) Pela tradição material ou simbólica da coisa, efectuada pelo anterior possuidor;

c) Por constituto possessório;

d) Por inversão do título da posse.

Artigo 1184º

(Constituto possessório)

1. Se o titular do direito real, que está na posse da coisa, transmitir esse direito a outrem, não deixa de considerar-se transferida a posse para o adquirente, ainda que, por qualquer causa, aquele continue a deter a coisa.

2. Se o detentor da coisa, à data do negócio translativo do direito, for um terceiro, não deixa de considerar-se igualmente transferida a posse, ainda que essa detenção haja de continuar.

Artigo 1185º

(Inversão do título da posse)

A inversão do título da posse pode dar-se por oposição do detentor do direito contra aquele em cujo nome possuía ou por acto de terceiro capaz de transferir a posse.

Artigo 1186º

(Capacidade para adquirir a posse)

Podem adquirir posse todos os que têm uso da razão, e ainda os que o não têm, relativamente às coisas susceptíveis de ocupação.

Artigo 1187º

(Perda da posse)

1. O possuidor perde a posse:

a) Pelo abandono;

b) Pela perda ou destruição material da coisa ou por esta ser posta fora do comércio;

c) Pela cedência;

d) Pela posse de outrem, mesmo contra a vontade do anti-go possuidor, se a nova posse houver durado por mais de um ano.

2. A nova posse de outrem conta-se desde o seu início, se foi tomada publicamente, ou desde que é conhecida do esbulhado, se foi tomada ocultamente; sendo adquirida por violência, só se conta a partir da cessação desta.

CAPÍTULO IV

Efeitos da posse

Artigo 1188º

(Presunção da titularidade do direito)

1. O possuidor goza da presunção da titularidade do direito excepto se existir, a favor de outrem, presunção fundada em registo anterior ao início da posse.

2. Havendo concorrência de presunções legais fundadas em registo, é a prioridade entre elas fixada na legislação respectiva.

Artigo 1189º

(Perda ou deterioração da coisa)

O possuidor de boa fé só responde pela perda ou deterioração da coisa se tiver procedido com culpa.

Artigo 1190º

(Frutos na posse de boa fé)

1. O possuidor de boa fé faz seus os frutos naturais percebidos até ao dia em que souber que está a lesar com a sua posse o direito de outrem, e os frutos civis correspondentes ao mesmo período.

2. Se ao tempo em que cessa a boa fé estiverem pendentes frutos naturais, é o titular obrigado a indemnizar o possuidor das despesas de cultura, sementes ou matérias-primas e, em geral, de todas as despesas de produção, desde que não sejam superiores ao valor dos frutos que vierem a ser colhidos.

3. Se o possuidor tiver alienado frutos antes da colheita e antes de cessar a boa fé, a alienação subsiste mas o produto da colheita pertence ao titular do direito, deduzida a indemnização a que o número anterior se refere.

Artigo 1191º

(Frutos na posse de má fé)

O possuidor de má fé deve restituir os frutos que a coisa produziu até ao termo da posse e responde, além disso, pelo valor daqueles que um proprietário diligente poderia ter obtido.

Artigo 1192º

(Encargos)

Os encargos com a coisa são pagos pelo titular do direito e pelo possuidor, na medida dos direitos de cada um deles sobre os frutos no período a que respeitam os encargos.

Artigo 1193º

(Benfeitorias necessárias e úteis)

1. Tanto o possuidor de boa fé como o de má fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela.

2. Quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfaz o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa.

Artigo 1194º

(Compensação de benfeitorias com deteriorações)

A obrigação de indemnização por benfeitorias é susceptível de compensação com a responsabilidade do possuidor por deteriorações.

Artigo 1195º

(Benfeitorias voluptuárias)

1. O possuidor de boa fé tem direito a levantar as benfeitorias voluptuárias, não se dando detrimento da coisa; no caso contrário, não pode levantá-las nem haver o valor delas.

2. O possuidor de má fé perde, em qualquer caso, as benfeitorias voluptuárias que haja feito.

CAPÍTULO V

Defesa da posse

Artigo 1196º

(Acção de prevenção)

Se o possuidor tiver justo receio de ser perturbado ou esbulhado por outrem, é o autor da ameaça, a requerimento do ameaçado, intimado para se abster de lhe fazer agravo, sob pena de multa e responsabilidade pelo prejuízo que causar.

Artigo 1197º

(Acção directa e defesa judicial)

O possuidor que for perturbado ou esbulhado pode manter-se ou restituir-se por sua própria força e autoridade, nos termos do Artigo 327º, ou recorrer ao tribunal para que este lhe mantenha ou restitua a posse.

Artigo 1198º

(Manutenção e restituição da posse)

1. No caso de recorrer ao tribunal, o possuidor perturbado ou esbulhado é mantido ou restituído enquanto não for convencido na questão da titularidade do direito.

2. Se a posse não tiver mais de um ano, o possuidor só pode ser mantido ou restituído contra quem não tiver melhor posse.

3. É melhor posse a que for titulada; na falta de título, a mais antiga; e, se tiverem igual antiguidade, a posse actual.

Artigo 1199º

(Esbulho violento)

Sem prejuízo do disposto nos Artigos anteriores, o possuidor que for esbulhado com violência tem o direito de ser restituído provisoriamente à sua posse, sem audiência do esbulhador.

Artigo 1200º

(Exclusão das servidões não aparentes)

As acções mencionadas nos Artigos anteriores não são aplicáveis à defesa das servidões não aparentes, salvo quando a posse se funde em título provindo do proprietário do prédio serviente ou de quem lho transmitiu.

Artigo 1201º

(Legitimidade)

1. A acção de manutenção da posse pode ser intentada pelo perturbado ou pelos seus herdeiros, mas apenas contra o perturbador, salva a acção de indemnização contra os herdeiros deste.

2. A acção de restituição de posse pode ser intentada pelo esbulhado ou pelos seus herdeiros, não só contra o esbulhador ou seus herdeiros, mas ainda contra quem esteja na posse da coisa e tenha conhecimento do esbulho.

Artigo 1202º

(Caducidade)

A acção de manutenção, bem como as de restituição da posse, caducam, se não forem intentadas dentro do ano subsequente ao facto da turbação ou do esbulho, ou ao conhecimento dele quando tenha sido praticado a ocultas.

Artigo 1203º

(Efeito da manutenção ou restituição)

É havido como nunca perturbado ou esbulhado o que foi mantido na sua posse ou a ela foi restituído judicialmente.

Artigo 1204º

(Indemnização de prejuízos e encargos com a restituição)

1. O possuidor mantido ou restituído tem direito a ser indemnizado do prejuízo que haja sofrido em consequência da turbação ou do esbulho.

2. A restituição da posse é feita à custa do esbulhador e no lugar do esbulho.

Artigo 1205º

(Embargos de terceiro)

O possuidor cuja posse for ofendida por diligência ordenada judicialmente pode defender a sua posse mediante embargos de terceiro, nos termos definidos na lei de processo.

Artigo 1206º

(Defesa da composse)

1. Cada um dos compossuidores, seja qual for a parte que lhe cabe, pode usar contra terceiro dos meios facultados nos Artigos precedentes, quer para defesa da própria posse, quer para defesa da posse comum, sem que ao terceiro seja lícito opor-lhe que ela não lhe pertence por inteiro.

2. Nas relações entre compossuidores não é permitido o exercício da acção de manutenção.

3. Em tudo o mais são aplicáveis à composse as disposições do presente capítulo.

CAPÍTULO VI

Usucapião

SECÇÃO I

Disposições gerais

Artigo 1207º

(Noção)

A posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação: é o que se chama usucapião.

Artigo 1208º

(Retroactividade da usucapião)

Invocada a usucapião, os seus efeitos retrotraem-se à data do início da posse.

Artigo 1209º

(Capacidade para adquirir)

1. A usucapião aproveita a todos os que podem adquirir.

2. Os incapazes podem adquirir por usucapião, tanto por si como por intermédio das pessoas que legalmente os representam.

Artigo 1210º

(Usucapião em caso de detenção)

Os detentores ou possuidores precários não podem adquirir para si, por usucapião, o direito possuído, excepto achando-se invertido o título da posse; mas, neste caso, o tempo necessário para a usucapião só começa a correr desde a inversão do título.

Artigo 1211º

(Usucapião por compossuidor)

A usucapião por um compossuidor relativamente ao objecto da posse comum aproveita igualmente aos demais compossuidores.

Artigo 1212º

(Aplicação das regras da prescrição)

São aplicáveis à usucapião, com as necessárias adaptações, as disposições relativas à suspensão e interrupção da prescrição, bem como o preceituado nos Artigos 291º, 293º, 294º e 296º.

SECÇÃO II

Usucapião de imóveis

Artigo 1213º

(Direitos excluídos)

Não podem adquirir-se por usucapião:

a) As servidões prediais não aparentes;

b) Os direitos de uso e de habitação.

Artigo 1214º

(Justo título e registo)

Havendo título de aquisição e registo deste, a usucapião tem lugar:

a) Quando a posse, sendo de boa fé, tiver durado por dez anos, contados desde a data do registo;

b) Quando a posse, ainda que de má fé, houver durado quinze anos, contados da mesma data.

Artigo 1215º

(Registo da mera posse)

1. Não havendo registo do título de aquisição, mas registo da mera posse, a usucapião tem lugar:

a) Se a posse tiver continuado por cinco anos, contados desde a data do registo, e for de boa fé;

b) Se a posse tiver continuado por dez anos, a contar da mesma data, ainda que não seja de boa fé.

2. A mera posse só é registada em vista de sentença passada em julgado, na qual se reconheça que o possuidor tem possuído pacífica e publicamente por tempo não inferior a cinco anos.

Artigo 1216º

(Falta de registo)

Não havendo registo do título nem da mera posse, a usucapião só pode dar-se no termo de vinte anos, se a posse for de boa fé, e de vinte cinco anos, se for de má fé.

Artigo 1217º

(Posse violenta ou oculta)

Se a posse tiver sido constituída com violência ou tomada ocultamente, os prazos da usucapião só começam a contar-se desde que cesse a violência ou a posse se torne pública.



SECÇÃO III

Usucapião de móveis

Artigo 1218º

(Coisas sujeitas a registo)

Os direitos reais sobre coisas móveis sujeitas a registo adquirem-se por usucapião, nos termos seguintes:

a) Havendo título de aquisição e registo deste, quando a posse tiver durado dois anos, estando o possuidor de boa fé, ou quatro anos, se estiver de má fé;

b) Não havendo registo, quando a posse tiver durado dez anos, independentemente da boa fé do possuidor e da existência de título.

Artigo 1219º

(Coisas não sujeitas a registo)

A usucapião de coisas não sujeitas a registo dá-se quando a posse, de boa fé e fundada em justo título, tiver durado três anos, ou quando, independentemente da boa fé e de título, tiver durado seis anos.

Artigo 1220º

(Posse violenta ou oculta)

1. É aplicável à usucapião de móveis o disposto no Artigo 1217º.

2. Se, porém, a coisa possuída passar a terceiro de boa fé antes da cessação da violência ou da publicidade da posse, pode o interessado adquirir direitos sobre ela passados quatros anos desde a constituição da sua posse, se esta for titulada, ou sete, na falta de título.

Artigo 1221º

(Coisa comprada a comerciante)

O que exigir de terceiro coisa por este comprada, de boa fé, a comerciante que negoceie em coisa do mesmo ou semelhante género é obrigado a restituir o preço que o adquirente tiver dado por ela, mas goza do direito de regresso contra aquele que culposamente deu causa ao prejuízo.

TÍTULO II

DO DIREITO DE PROPRIEDADE

CAPÍTULO I

Propriedade em geral

SECÇÃO I

Disposições gerais

Artigo 1222º

(Objecto do direito de propriedade)

Só as coisas corpóreas, móveis ou imóveis, podem ser objecto do direito de propriedade regulado neste código.

Artigo 1223º

(Propriedade intelectual)

1. Os direitos de autor e a propriedade industrial estão sujeitos a legislação especial.

2. São, todavia, subsidiariamente aplicáveis aos direitos de autor e à propriedade industrial as disposições deste código, quando se harmonizem com a natureza daqueles direitos e não contrariem o regime para eles especialmente estabelecido.

Artigo 1224º

(Domínio do Estado e de outras pessoas colectivas públicas)

O domínio das coisas pertencentes ao Estado ou a quaisquer outras pessoas colectivas públicas está igualmente sujeito às disposições deste código em tudo o que não for especialmente regulado e não contrarie a natureza própria daquele domínio.

Artigo 1225º

(Conteúdo do direito de propriedade)

O proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas.

Artigo 1226º

("Numerus clausus")

Não é permitida a constituição, com carácter real, de restrições ao direito de propriedade ou de figuras parcelares deste direito senão nos casos previstos na lei; toda a restrição resultante de negócio jurídico, que não esteja nestas condições, tem natureza obrigacional.

Artigo 1227º

(Propriedade resolúvel e temporária)

1. O direito de propriedade pode constituir-se sob condição.

2. A propriedade temporária só é admitida nos casos especialmente previstos na lei.

Artigo 1228º

(Efeitos)

À propriedade sob condição é aplicável o disposto nos Artigos 263º a 268º.

Artigo 1229º

(Expropriações)

Ninguém pode ser privado, no todo ou em parte, do seu direito de propriedade senão nos casos fixados na lei.

Artigo 1230º

(Requisições)

Só nos casos previstos na lei pode ter lugar a requisição temporária de coisas do domínio privado.

Artigo 1231º

(Indemnizações)

Havendo expropriação por utilidade pública ou particular ou requisição de bens, é sempre devida a indemnização adequada ao proprietário e aos titulares dos outros direitos reais afectados.

SECÇÃO II

Defesa da propriedade

Artigo 1232º

(Acção de reivindicação)

1. O proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence.

2. Havendo reconhecimento do direito de propriedade, a restituição só pode ser recusada nos casos previstos na lei.

Artigo 1233º

(Encargos com a restituição)

A restituição da coisa é feita à custa do esbulhador, se o houver, e no lugar do esbulho.

Artigo 1234º

(Imprescritibilidade da acção de reivindicação)

Sem prejuízo dos direitos adquiridos por usucapião, a acção de reivindicação não prescreve pelo decurso do tempo.

Artigo 1235º

(Acção directa)

É admitida a defesa da propriedade por meio de acção directa, nos termos do Artigo 327º.

Artigo 1236º

(Defesa de outros direitos reais)

As disposições precedentes são aplicáveis, com as necessárias correcções, à defesa de todo o direito real.

CAPÍTULO II

Aquisição da propriedade

SECÇÃO I

Disposições gerais

Artigo 1237º

(Modos de aquisição)

O direito de propriedade adquire-se por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei.

Artigo 1238º

(Momento da aquisição)

O momento da aquisição do direito de propriedade é:

a) No caso de contrato, o designado nos Artigos 343º e 344º;

b) No caso de sucessão por morte, o da abertura da sucessão;

c) No caso de usucapião, o do início da posse;

d) Nos casos de ocupação e acessão, o da verificação dos factos respectivos.

SECÇÃO II

Ocupação

Artigo 1239º

(Coisas susceptíveis de ocupação)

Podem ser adquiridos por ocupação os animais e outras coisas móveis que nunca tiveram dono, ou foram abandonados, perdidos ou escondidos pelos seus proprietários, salvas as restrições dos Artigos seguintes.

Artigo 1240º

(Caça e pesca)

A ocupação dos animais bravios que se encontram no seu estado de liberdade natural é regulada por legislação especial.

Artigo 1241º

(Animais selvagens com guarida própria)

1. Os animais bravios habituados a certa guarida, ordenada por indústria do homem, que mudem para outra guarida de diverso dono ficam pertencendo a este, se não puderem ser individualmente reconhecidos; no caso contrário, pode o antigo dono recuperá-los, contanto que o faça sem prejuízo do outro.

2. Provando-se, porém, que os animais foram atraídos por fraude ou artifício do dono da guarida onde se hajam acolhido, é este obrigado a entregá-los ao antigo dono, ou a pagar-lhe em triplo o valor deles, se lhe não for possível restituí-los.

Artigo 1242º

(Animais ferozes fugidos)

Os animais ferozes e maléficos que se evadirem da clausura em que o seu dono os tiver podem ser destruídos ou ocupados livremente por qualquer pessoa que os encontre.

Artigo 1243º

(Animais e coisas móveis perdidas)

1. Aquele que encontrar animal ou outra coisa móvel perdida e souber a quem pertence deve restituir o animal ou a coisa a seu dono, ou avisar este do achado; se não souber a quem pertence, deve anunciar o achado pelo modo mais conveniente, atendendo ao valor da coisa e às possibilida-des locais, ou avisar as autoridades, observando os usos da terra, sempre que os haja.

2. Anunciado o achado, o achador faz sua a coisa perdida, se não for reclamada pelo dono dentro do prazo de um ano, a contar do anúncio ou aviso.

3. Restituída a coisa, o achador tem direito à indemnização do prejuízo havido e das despesas realizadas, bem como a um prémio dependente do valor do achado no momento da entrega, calculado pela forma seguinte: até ao valor de cem dólares norte-americanos, dez por cento; sobre o excedente desse valor até quinhentos dólares norte-americanos, cinco por cento; sobre o restante, dois e meio por cento.

4. O achador goza do direito de retenção e não responde, no caso de perda ou deterioração da coisa, senão havendo da sua parte dolo ou culpa grave.

Artigo 1244º

(Tesouros)

1. Se aquele que descobrir coisa móvel de algum valor, escondida ou enterrada, não puder determinar quem é o dono dela, torna-se proprietário de metade do achado; a outra metade pertence ao proprietário da coisa móvel ou imóvel onde o tesouro estava escondido ou enterrado.

2. O achador deve anunciar o achado nos termos do n.º 1 do Artigo anterior, ou avisar as autoridades, excepto quando seja evidente que o tesouro foi escondido ou enterrado há mais de vinte anos.

3. Se o achador não cumprir o disposto no número anterior, ou fizer seu o achado ou parte dele sabendo quem é o dono, ou ocultar do proprietário da coisa onde ele se encontrava, perde em benefício do Estado os direitos conferidos no n.º 1 deste Artigo, sem exclusão dos que lhe possam caber como proprietário.

SECÇÃO III

Acessão

SUBSECÇÃO I

Disposições gerais

Artigo 1245º

(Noção)

Dá-se a acessão, quando com a coisa que é propriedade de alguém se une e incorpora outra coisa que lhe não pertencia.

Artigo 1246º

(Espécies)

1. A acessão diz-se natural, quando resulta exclusivamente das forças da natureza; dá-se a acessão industrial, quando, por facto do homem, se confundem objectos pertencentes a diversos donos, ou quando alguém aplica o trabalho próprio a matéria pertencente a outrem, confundindo o resultado desse trabalho com propriedade alheia.

2. A acessão industrial é mobiliária ou imobiliária, conforme a natureza das coisas.



SUBSECÇÃO II

Acessão natural

Artigo 1247º

(Princípio geral)

Pertence ao dono da coisa tudo o que a esta acrescer por efeito da natureza.

Artigo 1248º

(Aluvião)

1. Pertence aos donos dos prédios confinantes com quaisquer correntes de água tudo o que, por acção das águas, se lhes unir ou neles for depositado, sucessiva e imperceptivel-mente.

2. É aplicável o disposto no número anterior ao terreno que insensivelmente se for deslocando, por acção das águas, de uma das margens para outra, ou de um prédio superior para outro inferior, sem que o proprietário do terreno perdido possa invocar direitos sobre ele.

Artigo 1249º

(Avulsão)

1. Se, por acção natural e violenta, a corrente arrancar quais-quer plantas ou levar qualquer objecto ou porção conhecida de terreno, e arrojar essas coisas sobre prédio alheio, o dono delas tem o direito de exigir que lhe sejam entregues, contanto que o faça dentro de seis meses, se antes não foi notificado para fazer a remoção no prazo judicialmente assinado.

2. Não se fazendo a remoção nos prazos designados, é aplicá-vel o disposto no Artigo anterior.

Artigo 1250º

(Mudança de leito)

1. Se a corrente mudar de direcção, abandonando o leito an-tigo, os proprietários deste conservam o direito que tinham sobre ele, e o dono do prédio invadido conserva igualmente a propriedade do terreno ocupado de novo pela corrente.

2. Se a corrente se dividir em dois ramos ou braços, sem que o leito antigo seja abandonado, é ainda aplicável o disposto no número anterior.

Artigo 1251º

(Formação de ilhas e mouchões)

1. As ilhas ou mouchões que se formem nas correntes de água pertencem ao dono da parte do leito ocupado.

2. Se, porém, as ilhas ou mouchões se formarem por avulsão, o proprietário do terreno onde a diminuição haja ocorrido goza do direito de remoção nas condições prescritas pelo Artigo 1249º.

Artigo 1252º

(Lagos e lagoas)

As disposições dos Artigos antecedentes são aplicáveis aos lagos e lagoas, quando aí ocorrerem factos análogos.

SUBSECÇÃO III

Acessão industrial mobiliária

Artigo 1253º

(União ou confusão de boa fé)

1. Se alguém, de boa fé, unir ou confundir objecto seu com objecto alheio, de modo que a separação deles não seja possível ou, sendo-o, dela resulte prejuízo para alguma das partes, faz seu o objecto adjunto o dono daquele que for de maior valor, contanto que indemnize o dono do outro ou lhe entregue coisa equivalente.

2. Se ambas as coisas forem de igual valor e os donos não acordarem sobre qual haja de ficar com ela, abrir-se-á entre eles licitação, adjudicando-se o objecto licitado àquele que maior valor oferecer por ele; verificada a soma que no valor oferecido deve pertencer ao outro, é o adjudicatário obrigado a pagar-lha.

3. Se os interessados não quiserem licitar, é vendida a coisa e cada um deles há no produto da venda a parte que deva tocar-lhe.

4. Em qualquer dos casos previstos nos números anteriores, o autor da confusão é obrigado a ficar com a coisa adjunta, ainda que seja de maior valor, se o dono dela preferir a respectiva indemnização.

Artigo 1254º

(União ou confusão de má fé)

1. Se a união ou confusão tiver sido feita de má fé e a coisa alheia puder ser separada sem padecer detrimento, é esta restituída a seu dono, sem prejuízo do direito que este tem de ser indemnizado do dano sofrido.

2. Se, porém, a coisa não puder ser separada sem padecer detrimento, deve o autor da união ou confusão restituir o valor da coisa e indemnizar o seu dono, quando este não prefira ficar com ambas as coisas adjuntas e pagar ao autor da união ou confusão o valor que for calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa.

Artigo 1255º

(Confusão casual)

1. Se a adjunção ou confusão se operar casualmente e as coisas adjuntas ou confundidas não puderem separar-se sem detrimento de alguma delas, ficam pertencendo ao dono da mais valiosa, que paga o justo valor da outra; se, porém, este não quiser fazê-lo, assiste idêntico direito ao dono da menos valiosa.

2. Se nenhum deles quiser ficar com a coisa, é esta vendida, e cada um deles há a parte do preço que lhe pertencer.

3. Se ambas as coisas forem de igual valor, observa-se o disposto nos números 2 e 3 do Artigo 1253º.

Artigo 1256º

(Especificação de boa fé)

1. Quem de boa fé der nova forma, por seu trabalho, a coisa móvel pertencente a outrem faz sua a coisa transformada, se ela não puder ser restituída à primitiva forma ou não puder sê-lo sem perda do valor criado pela especificação; neste último caso, porém, tem o dono da matéria o direito de ficar com a coisa, se o valor da especificação não exceder o da matéria.

2. Em ambos os casos previstos no número anterior, o que ficar com a coisa é obrigado a indemnizar o outro do valor que lhe pertencer.

Artigo 1257º

(Especificação de má fé)

Se a especificação tiver sido feita de má fé, é a coisa especificada restituída a seu dono no estado em que se encontrar, com indemnização dos danos, sem que o dono seja obrigado a indemnizar o especificador, se o valor da especificação não tiver aumentado em mais de um terço o valor da coisa especificada; se o aumento for superior, deve o dono da coisa repor o que exceder o dito terço.

Artigo 1258º

(Casos de especificação)

Constituem casos de especificação a escrita, a pintura, o desenho, a fotografia, a impressão, a gravura e outros actos semelhantes, feitos com utilização de materiais alheios.

SUBSECÇÃO IV

Acessão industrial imobiliária

Artigo 1259º

(Obras, sementeiras ou plantações com materiais alheios)

Aquele que em terreno seu construir obra ou fizer sementeira ou plantação com materiais, sementes ou plantas alheias adquire os materiais, sementes ou plantas que utilizou, pagando o respectivo valor, além da indemnização a que haja lugar.

Artigo 1260º

(Obras, sementeiras ou plantações feitas de boa fé em terreno alheio)

1. Se alguém, de boa fé, construir obra em terreno alheio, ou nele fizer sementeira ou plantação, e o valor que as obras, sementeiras ou plantações tiverem trazido à totalidade do prédio for maior do que o valor que este tinha antes, o autor da incorporação adquire a propriedade dele, pagando o valor que o prédio tinha antes das obras, sementeiras ou plantações.

2. Se o valor acrescentado for igual, há licitação entre o anti-go dono e o autor da incorporação, pela forma estabelecida no n.º 2 do Artigo 1253º.

3. Se o valor acrescentado for menor, as obras, sementeiras ou plantações pertencem ao dono do terreno, com obrigação de indemnizar o autor delas do valor que tinham ao tempo da incorporação.

4. Entende-se que houve boa fé, se o autor da obra, sementeira ou plantação desconhecia que o terreno era alheio, ou se foi autorizada a incorporação pelo dono do terreno.

Artigo 1261º

(Obras, sementeiras ou plantações feitas de má fé em terreno alheio)

Se a obra, sementeira ou plantação for feita de má fé, tem o dono do terreno o direito de exigir que seja desfeita e que o terreno seja restituído ao seu primitivo estado à custa do autor dela, ou, se o preferir, o direito de ficar com a obra, sementeira ou plantação pelo valor que for fixado segundo as regras do enriquecimento sem causa.

Artigo 1262º

(Obras, sementeiras ou plantações feitas com materiais alheios em terreno alheio)

1. Quando as obras, sementeiras ou plantações sejam feitas em terreno alheio com materiais, sementes ou plantas alheias, ao dono dos materiais, sementes ou plantas cabem os direitos conferidos no Artigo 1260º ao autor da incorporação, quer este esteja de boa, quer de má fé.

2. Se, porém, o dono dos materiais, sementes ou plantas tiver culpa, é-lhe aplicável o disposto no Artigo antecedente em relação ao autor da incorporação; neste caso, se o autor da incorporação estiver de má fé, é solidária a responsabilidade de ambos, e a divisão do enriquecimento é feita em proporção do valor dos materiais, sementes ou plantas e da mão-de-obra.

Artigo 1263º

(Prolongamento de edifício por terreno alheio)

1. Quando na construção de um edifício em terreno próprio se ocupe, de boa fé, uma parcela de terreno alheio, o construtor pode adquirir a propriedade do terreno ocupado, se tiverem decorrido três meses a contar do início da ocupação, sem oposição do proprietário, pagando o valor do terreno e reparando o prejuízo causado, designadamente o resultante da depreciação eventual do terreno restante.

2. É aplicável o disposto no número anterior relativamente a qualquer direito real de terceiro sobre o terreno ocupado.

CAPÍTULO III

Propriedade de imóveis

SECÇÃO I

Disposições gerais

Artigo 1264º

(Limites materiais)

1. A propriedade dos imóveis abrange o espaço aéreo correspondente à superfície, bem como o subsolo, com tudo o que neles se contém e não esteja desintegrado do domínio por lei ou negócio jurídico.

2. O proprietário não pode, todavia, proibir os actos de tercei-ro que, pela altura ou profundidade a que têm lugar, não haja interesse em impedir.

Artigo 1265º

(Coisas imóveis sem dono conhecido)

As coisas imóveis sem dono conhecido consideram-se do património do Estado.

Artigo 1266º

(Emissão de fumo, produção de ruídos e factos semelhantes)

O proprietário de um imóvel pode opor-se à emissão de fumo, fuligem, vapores, cheiros, calor ou ruídos, bem como à produção de trepidações e a outros quaisquer factos semelhantes, provenientes de prédio vizinho, sempre que tais factos importem um prejuízo substancial para o uso do imóvel ou não resultem da utilização normal do prédio de que emanam.

Artigo 1267º

(Instalações prejudiciais)

1. O proprietário não pode construir nem manter no seu pré-dio quaisquer obras, instalações ou depósitos de substân-cias corrosivas ou perigosas, se for de recear que possam ter sobre o prédio vizinho efeitos nocivos não permitidos por lei.

2. Se as obras, instalações ou depósitos tiverem sido autoriza-dos por entidade pública competente, ou tiverem sido observadas as condições especiais prescritas na lei para a construção ou manutenção deles, a sua inutilização só é admitida a partir do momento em que o prejuízo se torne efectivo.

3. É devida, em qualquer dos casos, indemnização pelo pre-juízo sofrido.

Artigo 1268º

(Escavações)

1. O proprietário tem a faculdade de abrir no seu prédio minas ou poços e fazer escavações, desde que não prive os prédios vizinhos do apoio necessário para evitar desmoronamentos ou deslocações de terra.

2. Logo que venham a padecer danos com as obras feitas, os proprietários vizinhos são indemnizados pelo autor delas, mesmo que tenham sido tomadas as precauções julgadas necessárias.

Artigo 1269º

(Passagem forçada momentânea)

1. Se, para reparar algum edifício ou construção, for indispensável levantar andaime, colocar objectos sobre prédio alheio, fazer passar por ele os materiais para a obra ou praticar outros actos análogos, é o dono do prédio obrigado a consentir nesses actos.

2. É igualmente permitido o acesso a prédio alheio a quem pretenda apoderar-se de coisas suas que acidentalmente nele se encontrem; o proprietário pode impedir o acesso, entregando a coisa ao seu dono.

3. Em qualquer dos casos previstos neste Artigo, o proprietário tem direito a ser indemnizado do prejuízo sofrido.

Artigo 1270º

(Ruína de construção)

Se qualquer edifício ou outra obra oferecer perigo de ruir, no todo ou em parte, e do desmoronamento puderem resultar danos para o prédio vizinho, é lícito ao dono deste exigir da pessoa responsável pelos danos, nos termos do Artigo 426º, as providências necessárias para eliminar o perigo.

Artigo 1271º

(Escoamento natural das águas)

1. Os prédios inferiores estão sujeitos a receber as águas que, naturalmente e sem obra do homem, decorrem dos prédios superiores, assim como a terra e entulhos que elas arrastam na sua corrente.

2. Nem o dono do prédio inferior pode fazer obras que estor-vem o escoamento, nem o dono do prédio superior obras capazes de o agravar, sem prejuízo da possibilidade de constituição da servidão legal de escoamento, nos casos em que é admitida.

Artigo 1272º

(Obras defensivas das águas)

1. O dono do prédio onde existam obras defensivas para conter as águas, ou onde, pela variação do curso das águas, seja necessário construir novas obras, é obrigado a fazer reparos precisos, ou a tolerar que os façam, sem prejuízo dele, os donos dos prédios que padeçam danos ou estejam exposto a danos iminentes.

2. O disposto no número anterior é aplicável, sempre que seja necessário despojar algum prédio de materiais cuja acumulação ou queda estorve o curso das águas com prejuízo ou risco de terceiro.

3. Todos os proprietários que participam do benefício das obras são obrigados a contribuir para as despesas delas, em proporção do seu interesse, sem prejuízo da responsa-bilidade que recaia sobre o autor dos danos.

SECÇÃO II

Direito de demarcação

Artigo 1273º

(Conteúdo)

O proprietário pode obrigar os donos dos prédios confinantes a concorrerem para a demarcação das estremas entre o seu prédio e os deles.

Artigo 1274º

(Modo de proceder à demarcação)

1. A demarcação é feita de conformidade com os títulos de cada um e, na falta de títulos suficientes, de harmonia com a posse em que estejam os confinantes ou segundo o que resultar de outros meios de prova.

2. Se os títulos não determinarem os limites dos prédios ou a área pertencente a cada proprietário, e a questão não puder ser resolvida pela posse ou por outro meio de prova, a demarcação faz-se distribuindo o terreno em litígio por partes iguais.

3. Se os títulos indicarem um espaço maior ou menor do que o abrangido pela totalidade do terreno, atribui-se a falta ou o acréscimo proporcionalmente à parte de cada um.

Artigo 1275º

(Imprescritibilidade)

O direito de demarcação é imprescritível, sem prejuízo dos direitos adquiridos por usucapião.

SECÇÃO III

Direito da tapagem

Artigo 1276º

(Conteúdo)

A todo o tempo o proprietário pode murar, valar, rodear de sebes o seu prédio, ou tapá-lo de qualquer modo.

Artigo 1277º

(Valas, regueiras e valados)

O proprietário que pretenda abrir vala ou regueira ao redor do prédio é obrigado a deixar mota externa de largura igual à profundidade da vala e a conformar-se com o disposto no Artigo 1268º; se fizer valado, deve deixar externamente regueira ou alcorca, salvo havendo, em qualquer dos casos, uso da terra em contrário.

Artigo 1278º

(Presunção de comunhão)

1. As valas, regueiras e valados, entre prédios de diversos donos, a que faltem as condições impostas no Artigo antecedente, presumem-se comuns, não havendo sinal em contrário.

2. É sinal de que a vala ou regueira sem mota externa não é comum o achar-se a terra da escavação ou limpeza lançada só de um lado durante mais de um ano; neste caso, presume-se que a vala é do proprietário de cujo lado a terra estiver.

Artigo 1279º

(Sebes vivas)

1. Não podem ser plantadas sebes vivas nas estremas dos prédios sem previamente se colocarem marcos divisórios.

2. As sebes vivas consideram-se, em caso de dúvida, pertencentes ao proprietário que mais precisa delas; se ambos estiverem no mesmo caso, presumem-se comuns, salvo se existir uso da terra pelo qual se determine de outro modo a sua propriedade.

SECÇÃO IV

Construções e edificações

Artigo 1280º

(Abertura de janelas, portas, varandas e obras semelhantes)

1. O proprietário que no seu prédio levantar edifício ou outra construção não pode abrir nela janelas ou portas que deitem directamente sobre o prédio vizinho sem deixar entre este e cada uma das obras o intervalo de metro e meio.

2. Igual restrição é aplicável às varandas, terraços, eirados ou obras semelhantes, quando sejam servidos de parapeitos de altura inferior a metro e meio em toda a sua extensão ou parte dela.

3. Se os dois prédios forem oblíquos entre si, a distância de metro e meio conta-se perpendicularmente do prédio para onde deitam as vistas até à construção ou edifício novamente levantado; mas, se a obliquidade for além de quarenta e cinco graus, não tem aplicação a restrição imposta ao proprietário.

Artigo 1281º

(Prédios isentos da restrição)

As restrições do Artigo precedente não são aplicáveis a prédios separados entre si por estrada, caminho, rua, travessa ou outra passagem por terreno do domínio público.

Artigo 1282º

(Servidão de vistas)

1. A existência de janelas, portas, varandas, terraços, eirados ou obras semelhantes, em contravenção do disposto na lei, pode importar, nos termos gerais, a constituição da servidão de vistas por usucapião.

2. Constituída a servidão de vistas, por usucapião ou outro título, ao proprietário vizinho só é permitido levantar edifício ou outra construção no seu prédio desde que deixe entre o novo edifício ou construção e as obras mencionadas no n.º 1 o espaço mínimo de metro e meio, correspondente à extensão destas obras.

Artigo 1283º

(Frestas, seteiras ou óculos para luz e ar)

1. Não se consideram abrangidos pelas restrições da lei as frestas, seteiras ou óculos para luz e ar, podendo o vizinho levantar a todo o tempo a sua casa ou contramuro, ainda que vede tais aberturas.

2. As frestas, seteiras ou óculos para luz e ar devem, todavia, situar-se pelo menos a um metro e oitenta centímetros de altura, a contar do solo ou do sobrado, e não devem ter, numa das suas dimensões, mais de quinze centímetros; a altura de um metro e oitenta centímetros respeita a ambos os lados da parede ou muro onde essas aberturas se encontram.

Artigo 1284º

(Janelas gradadas)

É aplicável o disposto no n.º 1 do Artigo antecedente às aberturas, quaisquer que sejam as suas dimensões, igualmente situadas a mais de um metro e oitenta centímetros do solo ou do sobrado, com grades fixas de ferro ou outro metal, de secção não inferior a um centímetro quadrado e cuja malha não seja superior a cinco centímetros.

Artigo 1285º

(Estilicídio)

1. O proprietário deve edificar de modo que a beira do telhado ou outra cobertura não goteje sobre o prédio vizinho, deixando um intervalo mínimo de cinco decímetros entre o prédio e a beira, se de outro modo não puder evitá-lo.

2. Constituída por qualquer título a servidão de estilicídio, o proprietário do prédio serviente não pode levantar edifício ou construção que impeça o escoamento das águas, devendo realizar as obras necessárias para que o escoa-mento se faça sobre o seu prédio, sem prejuízo para o prédio dominante.

SECÇÃO V

Plantação de árvores e arbustos

Artigo 1286º

(Termos em que pode ser feita)

1. É lícita a plantação de árvores e arbustos até à linha divisó-ria dos prédios; mas ao dono do prédio vizinho é permitido arrancar e cortar as raízes que se introduzirem no seu terreno e o tronco ou ramos que sobre ele propenderem, se o dono da árvore, sendo rogado judicialmente ou extrajudicial-mente, o não fizer dentro de três dias.

2. O disposto no número antecedente não prejudica as restrições constantes de leis especiais relativas à plantação ou sementeira de eucaliptos, acácias ou outras árvores igualmente nocivas nas proximidades de terrenos cultivados, terras de regadio, nascentes de água ou prédios urbanos, nem quaisquer outras restrições impostas por motivos de interesse público.

Artigo 1287º

(Apanha de frutos)

O proprietário de árvore ou arbusto contíguo a prédio de outrem ou com ele confinante pode exigir que o dono do prédio lhe permita fazer a apanha dos frutos, que não seja possível fazer do seu lado; mas é responsável pelo prejuízo que com a apanha vier a causar.

Artigo 1288º

(Árvores ou arbustos situados na linha divisória)

As árvores ou arbustos nascidos na linha divisória de prédios pertencentes a donos diferentes presumem-se comuns; qualquer dos consortes tem a faculdade de os arrancar, mas o outro tem direito a haver metade do valor das árvores ou arbustos, ou metade da lenha ou madeira que produzirem, como mais lhe convier.

Artigo 1289º

(Árvores ou arbustos que sirvam de marco divisório)

Servindo a árvore ou o arbusto de marco divisório, não pode ser cortado ou arrancado senão de comum acordo.

SECÇÃO VI

Paredes e muros de meação

Artigo 1290º

(Comunhão forçada)

1. O proprietário de prédio confinante com parede ou muro alheio pode adquirir nele comunhão, no todo ou em parte, quer quanto à sua extensão, quer quanto à sua altura, pagando metade do seu valor e metade do valor do solo sobre que estiver construído.

2. De igual faculdade gozam o superficiário e o enfiteuta.

Artigo 1291º

(Presunção de compropriedade)

1. A parede ou muro divisório entre dois edifícios presume-se comum em toda a sua altura, sendo os edifícios iguais, e até à altura do inferior, se o não forem.

2. Os muros entre prédios rústicos, ou entre pátios e quintais de prédios urbanos, presumem-se igualmente comuns, não havendo sinal em contrário.

3. São sinais que excluem a presunção de comunhão:

a) A existência de espigão em ladeira só para um lado;

b) Haver no muro, só de um lado, cachorros de pedra salientes encravados em toda a largura dele;

c) Não estar o prédio contíguo igualmente murado pelos outros lados.

4. No caso da alínea a) do número anterior, presume-se que o muro pertence ao prédio para cujo lado se inclina a ladeira; nos outros casos, àquele de cujo lado se encontrem as construções ou sinais mencionados.

5. Se o muro sustentar em toda a sua largura qualquer construção que esteja só de um dos lados, presume-se do mesmo modo que ele pertence exclusivamente ao dono da construção.

Artigo 1292º

(Abertura de janelas ou frestas)

O proprietário a quem pertença em comum alguma parede ou muro não pode abrir nele janelas ou frestas, nem fazer outra alteração, sem consentimento do seu consorte.

Artigo 1293º

(Construção sobre o muro comum)

1. Qualquer dos consortes tem, no entanto, a faculdade de edificar sobre a parede ou muro comum e de introduzir nele traves ou barrotes, contanto que não ultrapasse o meio da parede ou do muro.

2. Tendo a parede ou muro espessura inferior a cinco decímetros, não tem lugar a restrição do número anterior.

Artigo 1294º

(Alçamento do muro comum)

1. A qualquer dos consortes é permitido alterar a parede ou muro comum, contanto que o faça à sua custa, ficando a seu cargo todas as despesas de conservação da parte alterada.

2. Se a parede ou muro não estiver em estado de aguentar o alçamento, o consorte que pretender levantá-lo tem de reconstruí-lo por inteiro à sua custa e, se quiser aumentar-lhe a espessura, é o espaço para isso necessário tomado do seu lado.

3. O consorte que não tiver contribuído para o alçamento pode adquirir comunhão na parte aumentada, pagando metade do valor dessa parte e, no caso de aumento de espessura, também metade do valor do solo correspondente a esse aumento.

Artigo 1295º

(Reparação e reconstrução do muro)

1. A reparação ou reconstrução da parede ou muro comum é feita por conta dos consortes, em proporção das suas partes.

2. Se o muro for simplesmente de vedação, a despesa é divi-dida pelos consortes em partes iguais.

3. Se, além da vedação, um dos consortes tirar do muro pro-veito que não seja comum ao outro, a despesa é rateada entre eles em proporção do proveito que cada um tirar.

4. Se a ruína do muro provier de facto do qual só um dos consortes tire proveito, só o beneficiário é obrigado a reconstruí-lo ou repará-lo.

5. É sempre facultado ao consorte eximir-se dos encargos de reparação ou reconstrução da parede ou muro, renunciando ao seu direito nos termos dos n.ºs 1 e 2 do Artigo 1331º.

SECÇÃO VII

Fraccionamento e emparcelamento de prédios rústicos

Artigo 1296º

(Fraccionamento)

1. Os terrenos aptos para cultura não podem fraccionar-se em parcelas de área inferior a determinada superfície mínima, correspondente à unidade de cultura fixada para cada zona do País; importa fraccionamento, para este efeito, a constituição de usufruto sobre uma parcela do terreno.

2. Também não é admitido o fraccionamento, quando dele possa resultar o encrave de qualquer das parcelas, ainda que seja respeitada a área fixada para a unidade de cultura.

3. O preceituado neste Artigo abrange todo o terreno contíguo pertencente ao mesmo proprietário, embora seja composto por prédios distintos.

Artigo 1297º

(Possibilidade do fraccionamento)

A proibição do fraccionamento não é aplicável:

a) A terrenos que constituam partes componentes de prédios urbanos ou se destinem a algum fim que não seja a cultura;

b) Se o adquirente da parcela resultante do fraccionamento for proprietário de terreno contíguo ao adquirido, desde que a área da parte restante do terreno fraccionado corres-ponda, pelo menos, a uma unidade de cultura;

c) Se o fraccionamento tiver por fim a desintegração de terrenos para construção ou rectificação de estremas.

Artigo 1298º

(Troca de terrenos)

A troca de terrenos aptos para cultura só é admissível:

a) Quando ambos os terrenos tenham área igual ou superior à unidade de cultura fixada para a respectiva zona;

b) Quando, tendo qualquer dos terrenos área inferior à unidade de cultura, da permuta resulte adquirir um dos proprietários terreno contíguo a outro que lhe pertença, em termos que lhe permitam constituir um novo prédio com área igual ou superior àquela unidade;

c) Quando, independentemente da área dos terrenos, ambos os permutantes adquiram terreno confinante com prédio seu.

Artigo 1299º

(Sanções)

1. São anuláveis os actos de fraccionamento ou troca con-trários ao disposto nos Artigos 1296º e 1298º, bem como o fraccionamento efectuado ao abrigo da alínea c) do Artigo 1297º, se a construção não for iniciada dentro do prazo de três anos.

2. Têm legitimidade para a acção de anulação o Ministério Público ou qualquer proprietário que goze do direito de preferência nos termos do Artigo seguinte.

3. A acção de anulação caduca no fim de três anos, a contar da celebração do acto ou do termo do prazo referido no n.º 1.

Artigo 1300º

(Direito de preferência)

1. Os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante.

2. Sendo vários os proprietários com direito de preferência, cabe este direito:

a) No caso de alienação de prédio encravado, ao proprietário que estiver onerado com a servidão de passagem;

b) Nos outros casos, ao proprietário que, pela preferência, obtenha a área que mais se aproxime da unidade de cultura fixada para a respectiva zona.

3. Estando os preferentes em igualdade de circunstâncias, abre-se licitação entre eles, revertendo o excesso para o alienante.

4. É aplicável ao direito de preferência conferido neste Artigo o disposto nos Artigos 351º a 353º e 1330º, com as neces-sárias adaptações.

Artigo 1301º

(Casos em que não existe o direito de preferência)

Não gozam do direito de preferência os proprietários de terrenos confinantes:

a) Quando algum dos terrenos constitua parte componente de um prédio urbano ou se destine a algum fim que não seja a cultura;

b) Quando a alienação abranja um conjunto de prédios que, embora dispersos, formem uma exploração agrícola de tipo familiar.

Artigo 1302º

(Emparcelamento)

1. Chama-se emparcelamento o conjunto de operações de remodelação predial destinadas a pôr termo à fragmentação e dispersão dos prédios rústicos pertencentes ao mesmo titular, com o fim de melhorar as condições técnicas e económicas da exploração agrícola.

2. Os termos em que devem ser realizadas as operações de emparcelamento são fixados em legislação especial.

SECÇÃO VIII

Atravessadouros

Artigo 1303º

(Abolição dos atravessadouros)

Consideram-se abolidos os atravessadouros, por mais antigos que sejam, desde que não se mostrem estabelecidos em proveito de prédios determinados, constituindo servidões.

Artigo 1304º

(Atravessadouros reconhecidos)

São, porém, reconhecidos os atravessadouros com posse imemorial, que se dirijam a ponte ou fonte de manifesta utilidade, enquanto não existirem vias públicas destinadas à utilização ou aproveitamento de uma ou outra, bem como os admitidos em legislação especial.

CAPÍTULO IV

Propriedade das águas

SECÇÃO I

Disposições gerais

Artigo 1305º

(Classificação das águas)

As águas são públicas, comunitárias ou particulares; as primeiras estão sujeitas ao regime estabelecido em leis espe-ciais, as segundas aos usos e as terceiras às disposições dos Artigos seguintes.

Artigo 1306º

(Águas particulares)

1. São particulares:

a) As águas que nascerem em prédio particular e as plu-viais que nele caírem, enquanto não transpuserem, abandonadas, os limites do mesmo prédio ou daquele para onde o dono dele as tiver conduzido, e ainda as que, ultrapassando esses limites e correndo por prédios particulares, forem consumidas antes de se lançarem no mar ou em outra água pública;

b) As águas subterrâneas existentes em prédios particulares;

c) Os lagos e lagoas existentes dentro de um prédio particular, quando não sejam alimentados por corrente pública;

d) As águas originariamente públicas que tenham entrado no domínio privado até 21 de Março de 1868, por preocu-pação, doação régia ou concessão;

e) As águas públicas concedidas perpetuamente para re-gas ou melhoramentos agrícolas;

f) As águas subterrâneas existentes em terrenos públicos, municipais ou de freguesia, exploradas mediante licença e destinadas a regas ou melhoramentos agrícolas.

2. Não estando fixado o volume das águas referidas nas alí-neas d), e) e f), do número anterior, entende-se que há direito apenas ao caudal necessário para o fim a que as mesmas se destinam.

Artigo 1307º

(Obras para armazenamento ou derivação de águas; leito das correntes não navegáveis nem flutuáveis)

1. São ainda particulares:

a) Os poços, galerias, canais, levadas, aquedutos, reserva-tórios, albufeiras e demais obras destinadas à captação, derivação ou armazenamento de águas públicas ou particulares;

b) O leito ou álveo das correntes não navegáveis nem flutuáveis que atravessam terrenos particulares.

2. Entende-se por leito ou álveo a porção do terreno que a água cobre sem transbordar para o solo natural, habitualmente enxuto.

3. Quando a corrente passa entre dois prédios, pertence a cada proprietário o tracto compreendido entre a linha marginal e a linha média do leito ou álveo, sem prejuízo do disposto nos Artigos 1248º e seguintes.

4. As faces ou rampas e os capelos dos cômoros, valados, tapadas, muros de terra, alvenaria ou enrocamentos erguidos sobre a superfície natural do solo marginal não pertencem ao leito ou álveo da corrente, mas fazem parte da margem.

Artigo 1308º

(Requisição de águas)

1. Em casos urgentes de incêndio ou calamidade pública, as autoridades administrativas podem, sem forma de processo nem indemnização prévia, ordenar a utilização imediata de quaisquer águas particulares necessárias para conter ou evitar os danos.

2. Se da utilização da água resultarem danos apreciáveis, têm os lesados direito a indemnização, paga por aqueles em benefício de quem a água foi utilizada.

SECÇÃO II

Aproveitamento das águas

Artigo 1309º

(Fontes e nascentes)

O dono do prédio onde haja alguma fonte ou nascente de água pode servir-se dela e dispor do seu uso livremente, salvas as restrições previstas na lei, nos usos e os direitos que terceiro haja adquirido ao uso da água por título justo.

Artigo 1310º

(Títulos de aquisição)

1. Considera-se título justo de aquisição da água das fontes e nascentes, conforme os casos, qualquer meio legítimo de adquirir a propriedade de coisas imóveis ou de constituir servidões.

2. A usucapião, porém, só é atendida quando for acompanhada da construção de obras, visíveis e permanentes, no prédio onde exista a fonte ou nascente, que revelem a captação e a posse da água nesse prédio; sobre o significado das obras é admitida qualquer espécie de prova.

3. Em caso de divisão ou partilha de prédios sem intervenção de terceiro, a aquisição do direito de servidão nos termos do Artigo 1439º não depende da existência de sinais reveladores da destinação do antigo proprietário.

Artigo 1311º

(Direitos dos prédios inferiores)

Os donos dos prédios para onde se derivam as águas vertentes de qualquer fonte ou nascente podem eventualmente aproveitá-las nesses prédios; mas a privação desse uso por efeito de novo aproveitamento que faça o proprietário da fonte ou nascente não constitui violação de direito.

Artigo 1312º

(Restrições ao uso das águas)

1. Ao proprietário da fonte ou nascente não é lícito mudar o seu curso costumado, se os habitantes de uma povoação ou casal há mais de cinco anos se abastecerem dela ou das suas águas vertentes para gastos domésticos.

2. Se os habitantes da povoação ou casal não houverem adquirido por título justo o uso das águas, o proprietário tem direito a indemnização, que é paga, conforme os casos, pela respectiva junta de freguesia ou pelo dono do casal.

Artigo 1313º

(Águas pluviais e de lagos e lagoas)

O disposto nos Artigos antecedentes é aplicável, com as necessárias adaptações, às águas pluviais referidas na alínea a) do n.º 1 do Artigo 1306º e às águas dos lagos e lagoas compreendidas na alínea c) do mesmo número.

Artigo 1314º

(Águas subterrâneas)

1. É lícito ao proprietário procurar águas subterrâneas no seu prédio, por meio de poços ordinários ou artesianos, minas ou quaisquer escavações, contanto que não prejudique direitos que terceiro haja adquirido por título justo.

2. Sem prejuízo do disposto no Artigo 1316º, a diminuição do caudal de qualquer água pública ou particular, em conse-quência da exploração de água subterrânea, não constitui violação de direitos de terceiro, excepto se a captação se fizer por meio de infiltrações provocadas e não naturais.

Artigo 1315º

(Títulos de aquisição)

1. Consideram-se títulos justos de aquisição das águas subterrâneas os referidos nos n.º 1 e 2 do Artigo 1310º.

2. A simples atribuição a terceiro do direito de explorar águas subterrâneas não importa, para o proprietário, privação do mesmo direito, se tal abdicação não resultar claramente do título.

Artigo 1316º

(Restrições ao aproveitamento das águas)

O proprietário que, ao explorar águas subterrâneas, altere ou faça diminuir as águas de fonte ou reservatório destinado a uso público é obrigado a repor as coisas no estado anterior; não sendo isso possível, deve fornecer, para o mesmo uso, em local apropriado, água equivalente àquela de que o público ficou privado.

Artigo 1317º

(Águas originariamente públicas)

As águas referidas nas alíneas d), e) e f) do n.º 1 do Artigo 1306º são inseparáveis dos prédios a que se destinam, e o direito sobre elas caduca, revertendo as águas ao domínio público, se forem abandonadas, ou não se fizer delas um uso proveitoso correspondente ao fim a que eram destinadas ou para que foram concedidas.

SECÇÃO III

Condomínio das águas

Artigo 1318º

(Despesas de conservação)

1. Pertencendo a água a dois ou mais co-utentes, todos de-vem contribuir para as despesas necessárias ao conve-niente aproveitamento dela, na proporção do seu uso, podendo para esse fim executar-se as obras necessárias e fazer-se os trabalhos de pesquisa indispensáveis, quando se reconheça haver perda ou diminuição de volume ou caudal.

2. O co-utente não pode eximir-se do encargo, renunciando ao seu direito em benefício dos outros co-utentes, contra a vontade destes.

Artigo 1319º

(Divisão de águas)

A divisão das águas comuns, quando deva realizar-se, é feita, no silêncio do título, em proporção da superfície, necessidades e natureza da cultura dos terrenos a regar, podendo repartir-se o caudal ou o tempo da sua utilização, como mais convier ao seu bom aproveitamento.

Artigo 1320º

(Costumes na divisão de águas)

1. As águas fruídas em comum que, por costume seguido há mais de vinte anos, estiveram divididas ou subordinadas a um regime estável e normal de distribuição continuam a ser aproveitadas por essa forma, sem nova divisão.

2. A obrigatoriedade do costume impõe-se também aos co-utentes que não sejam donos da água, sem prejuízo dos direitos do proprietário, que pode a todo tempo desviá-la ou reivindicá-la, se estiver a ser aproveitada por quem não tem nem adquiriu direito a ela.

Artigo 1321º

(Costumes abolidos)

1. Consideram-se abolidos no aproveitamento das águas o costume de as utilizar pelo sistema de torna-torna ou outros semelhantes, mediante os quais a água pertença ao primeiro ocupante, sem outra norma de distribuição que não seja o arbítrio; as águas que assim tenham sido utilizadas consideram-se indivisas para todos os efeitos.

2. Consideram-se igualmente abolidos os costumes de romper ou esvaziar os açudes e diques construídos superiormente, distraindo deles água para ser utilizada em prédios ou engenhos inferiormente situados que não têm direito ao aproveitamento; se existir direito ao aproveitamento, consideram-se as águas indivisas.

Artigo 1322º

(Interpretação dos títulos)

Sempre que dos títulos não resulte outro sentido, entende-se por uso contínuo o de todos os instantes; por uso diário, o de vinte e quatro horas a contar da meia-noite; por uso diurno ou nocturno, o que medeia entre o nascer e o pôr-do-sol ou vice-versa, por uso semanal, o que principia ao meio-dia de domingo e termina à mesma hora em igual dia da semana seguinte; por uso no tempo seco, o que começa em um de Junho e termina em trinta e um de Outubro e por uso no tempo das chuvas, o que corresponde aos outros meses do ano.

CAPÍTULO V

Compropriedade

SECÇÃO I

Disposições gerais

Artigo 1323º

(Noção)

1. Existe propriedade em comum, ou compropriedade, quando duas ou mais pessoas são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa.

2. Os direitos dos consortes ou comproprietários sobre a coisa comum são qualitativamente iguais, embora possam ser quantitativamente diferentes; as quotas presumem-se, todavia, quantitativamente iguais na falta de indicação em contrário do título constitutivo.

Artigo 1324º

(Aplicação das regras da compropriedade a outras formas de comunhão)

As regras da compropriedade são aplicáveis, com as neces-sárias adaptações, à comunhão de quaisquer outros direitos, sem prejuízo do disposto especialmente para cada um deles.

Artigo 1325º

(Posição dos comproprietários)

1. Os comproprietários exercem, em conjunto, todos os direitos que pertencem ao proprietário singular; separadamente, participam nas vantagens e encargos da coisa, em propor-ção da suas quotas e nos termos dos Artigos seguintes.

2. Cada consorte pode reivindicar de terceiro a coisa comum, sem que a este seja lícito opor-lhe que ela lhe não pertence por inteiro.

SECÇÃO II

Direitos e encargos do comproprietário

Artigo 1326º

(Uso da coisa comum)

1. Na falta de acordo sobre o uso da coisa comum, a qualquer dos comproprietários é lícito servir-se dela, contanto que a não empregue para fim diferente daquele a que a coisa se destina e não prive os outros consortes do uso a que igualmente têm direito.

2. O uso da coisa comum por um dos comproprietários não constitui posse exclusiva ou posse de quota superior à dele, salvo se tiver havido inversão do título.

Artigo 1327º

(Administração da coisa)

1. É aplicável aos comproprietários, com as necessárias adapta-ções, o disposto no Artigo 916º; para que haja, porém, a maioria dos consortes exigida por lei, é necessário que eles representem, pelo menos, metade do valor total das quotas.

2. Quando não seja possível formar a maioria legal, a qualquer dos consortes é lícito recorrer ao tribunal, que decide segundo juízos de equidade.

3. Os actos realizados pelo comproprietário contra a oposição da maioria legal dos consortes são anuláveis e tornam o autor responsável pelo prejuízo a que der causa.

Artigo 1328º

(Disposição e oneração da quota)

1. O comproprietário pode dispor de toda a sua quota na comunhão ou de parte dela, mas não pode, sem consenti-mento dos restantes consortes, alienar nem onerar parte especificada da coisa comum.

2. A disposição ou oneração de parte especificada sem o consentimento dos consortes é havida como disposição ou oneração de coisa alheia.

3. A disposição da quota é sujeita à forma exigida para a disposição da coisa.

Artigo 1329º

(Direito de preferência)

1. O comproprietário goza do direito de preferência e tem o primeiro lugar entre os preferentes legais no caso de venda, ou dação em cumprimento, a estranhos da quota de qualquer dos seus consortes.

2. É aplicável à preferência do comproprietário, com as adapta-ções convenientes, o disposto nos Artigos 351º a 353º.

3. Sendo dois ou mais os preferentes, a quota alienada é adjudicada a todos, na proporção das suas quotas.

Artigo 1330º

(Acção de preferência)

1. O comproprietário a quem se não dê conhecimento da venda ou da dação em cumprimento tem o direito de haver para si a quota alienada, contanto que o requeira dentro do prazo de seis meses, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, e deposite o preço devido nos quinze dias seguintes à propositura da acção.

2. O direito de preferência e a respectiva acção não são pre-judicados pela modificação ou distrate da alienação, ainda que estes efeitos resultem de confissão ou transacção judicial.

Artigo 1331º

(Benfeitorias necessárias)

1. Os comproprietários devem contribuir, em proporção das respectivas quotas, para as despesas necessárias à conservação ou fruição da coisa comum, sem prejuízo da faculdade de se eximirem do encargo renunciando ao seu direito.

2. A renúncia, porém, não é válida sem o consentimento dos restantes consortes, quando a despesa tenha sido anteriormente aprovada pelo interessado, e é revogável sempre que as despesas previstas não venham a realizar-se.

3. A renúncia do comproprietário está sujeita à forma prescrita para a doação e aproveita a todos os consortes, na proporção das respectivas quotas.

Artigo 1332º

(Direito de exigir a divisão)

1. Nenhum dos comproprietários é obrigado a permanecer na indivisão, salvo quando se houver convencionado que a coisa se conserve indivisa.

2. O prazo fixado para a indivisão da coisa não pode exceder cinco anos; mas é lícito renovar este prazo, uma ou mais vezes, por nova convenção.

3. A cláusula de indivisão vale em relação a terceiros, mas deve ser registada para tal efeito, se a compropriedade respeitar a coisas imóveis ou a coisas móveis sujeitas a registo.

Artigo 1333º

(Processo da divisão)

1. A divisão é feita amigavelmente ou nos termos da lei do processo.

2. A divisão amigável está sujeita à forma exigida para a alienação onerosa da coisa.

CAPÍTULO VI

Propriedade horizontal

SECÇÃO I

Disposições gerais

Artigo 1334º

(Princípio geral)

As fracções de que um edifício se compõe, em condições de constituírem unidades independentes, podem pertencer a proprietários diversos em regime de propriedade horizontal.

Artigo 1335º

(Objecto)

Só podem ser objecto de propriedade horizontal as fracções autónomas que, além de constituírem unidades independentes, sejam distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública.

Artigo 1336º

(Falta de requisitos legais)

1. A falta de requisitos legalmente exigidos importa a nulidade do título constitutivo da propriedade horizontal e a sujeição do prédio ao regime da compropriedade, pela atribuição a cada consorte da quota que lhe tiver sido fixada nos termos do Artigo 1338º ou, na falta de fixação, da quota correspondente ao valor relativo da sua fracção.

2. Têm legitimidade para arguir a nulidade do título os condóminos, e também o Ministério Público sobre participação da entidade pública a quem caiba a aprovação ou fiscalização das construções.

SECÇÃO II

Constituição

Artigo 1337º

(Princípio geral)

1. A propriedade horizontal pode ser constituída por negócio jurídico, usucapião ou decisão judicial, proferida em acção de divisão de coisa comum ou em processo de inventário.

2. A constituição da propriedade horizontal por decisão judicial pode ter lugar a requerimento de qualquer consorte, desde que no caso se verifiquem os requisitos exigidos pelo Artigo 1335º.

Artigo 1338º

(Conteúdo do título constitutivo)

1. No título constitutivo são especificadas as partes do edifício correspondentes às várias fracções, por forma que estas fiquem devidamente individualizadas, e fixado o valor relativo de cada fracção, expresso em percentagem ou permilagem, do valor total do prédio.

2. Além das especificações constantes do número anterior, o título constitutivo pode ainda conter, designadamente:

a) Menção do fim a que se destina cada fracção ou parte comum;

b) Regulamento do condomínio, disciplinando o uso, fruição e conservação, quer das partes comuns, quer das fracções autónomas;

c) Previsão do compromisso arbitral para a resolução dos litígios emergentes da relação de condomínio.

3. A falta da especificação exigida pelo n.º 1 e a não coincidên-cia entre o fim referido na alínea a) do n.º 2 e o que foi fixado no projecto aprovado pela entidade pública competente determinam a nulidade do título constitutivo.

Artigo 1339º

(Modificação do título)

1. Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do Artigo 1343º, o título constitutivo da propriedade horizontal pode ser modificado por escritura pública, havendo acordo de todos os condóminos.

2. O administrador, em representação do condomínio, pode outorgar a escritura pública a que se refere o número anterior, desde que o acordo conste de acta assinada por todos os condóminos.

3. A inobservância do disposto no Artigo 1335º importa a nulidade do acordo; esta nulidade pode ser declarada a requerimento das pessoas e entidades designadas no n.º 2 do Artigo 1336º.

SECÇÃO III

Direitos e encargos dos condóminos

Artigo 1340º

(Direitos dos condóminos)

1. Cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício.

2. O conjunto dos dois direitos é incidível; nenhum deles pode ser alienado separadamente, nem é lícito renunciar à parte comum como meio de o condómino se desonerar das despesas necessárias à sua conservação ou fruição.

Artigo 1341º

(Partes comuns do prédio)

1. São comuns as seguintes partes do edifício:

a) O solo, bem como os alicerces, colunas, pilares, paredes-mestras e todas as partes restantes que constituem a estrutura do prédio;

b) O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso de qualquer fracção;

c) As entradas, vestíbulos, escadas e corredores de uso ou passagem comum a dois ou mais condóminos;

d) As instalações gerais de água, electricidade, aqueci-mento, ar condicionado, gás, comunicações e semelhantes.

2. Presumem-se ainda comuns:

a) Os pátios e jardins anexos ao edifício;

b) Os ascensores;

c) As dependências destinadas ao uso e habitação do porteiro;

d) As garagens e outros lugares de estacionamento;

e) Em geral, as coisas que não sejam afectadas ao uso exclusivo de um dos condóminos.

3. O título constitutivo pode afectar ao uso exclusivo de um dos condóminos certas zonas das partes comuns.

Artigo 1342º

(Limitações ao exercício dos direitos)

1. Os condóminos, nas relações entre si, estão sujeitos, de um modo geral, quanto às fracções que exclusivamente lhes pertencem e quanto às partes comuns, às limitações impostas aos proprietários e aos comproprietários de coisas imóveis.

2. É especialmente vedado aos condóminos:

a) Prejudicar, quer com obras novas, quer por falta de reparação, a segurança, a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício;

b) Destinar a sua fracção a usos ofensivos dos bons costumes;

c) Dar-lhe uso diverso do fim a que é destinada;

d) Praticar quaisquer actos ou actividades que tenham sido proibidos no título constitutivo ou, posteriormente, por deliberação da assembleia de condóminos aprovada sem oposição.

3. As obras que modifiquem a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício podem ser realizadas se para tal se obtiver prévia autorização da assembleia de condóminos, aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio.

4. Sempre que o título constitutivo não disponha sobre o fim de cada fracção autónoma, a alteração ao seu uso carece da autorização da assembleia de condóminos, aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio.

Artigo 1343º

(Junção e divisão de fracções autónomas)

1. Não carece de autorização dos restantes condóminos a junção, numa só, de duas ou mais fracções do mesmo edifício, desde que estas sejam contíguas.

2. Para efeitos do disposto no número anterior, a contiguidade das fracções é dispensada quando se trate de fracções correspondentes a arrecadações e garagens.

3. Não é permitida a divisão de fracções em novas fracções autónomas, salvo autorização do título constitutivo ou da assembleia de condóminos, aprovada sem qualquer oposição.

4. Nos casos previstos nos números anteriores, cabe aos condóminos que juntaram ou cindiram as fracções o poder de, por acto unilateral constante de escritura pública, introduzir a correspondente alteração no título constitutivo.

5. A escritura pública a que se refere o número anterior deve ser comunicada ao administrador no prazo de trinta dias.

Artigo 1344º

(Direitos de preferência e de divisão)

Os condóminos não gozam do direito de preferência na alienação de fracções nem do direito de pedir a divisão das partes comuns.

Artigo 1345º

(Encargos de conservação e fruição)

1. Salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções.

2. Porém, as despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum podem, mediante disposição do regulamento de condomínio, aprovada sem oposição por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, ficar a cargo dos condóminos em partes iguais ou em proporção à respectiva fruição, desde que devidamente especificadas e justificados os critérios que determinam a sua imputação.

3. As despesas relativas aos diversos lanços de escadas ou às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que dela se servem.

4. Nas despesas dos ascensores só participam os condóminos cujas fracções por eles possam ser servidas.

Artigo 1346º

(Inovações)

1. As obras que constituam inovações dependem da aprova-ção da maioria dos condóminos, devendo essa maioria representar dois terços do valor total do prédio.

2. Nas partes comuns do edifício não são permitidas inovações capazes de prejudicar a utilização, por parte de algum dos condóminos, tanto das coisas próprias como das comuns.

Artigo 1347º

(Encargos com as inovações)

1. As despesas com as inovações ficam a cargo dos condóminos nos termos fixados pelo Artigo 1345º.

2. Os condóminos que não tenham aprovado a inovação são obrigados a concorrer para as respectivas despesas, salvo se a recusa for judicialmente havida como fundada.

3. Considera-se sempre fundada a recusa, quando as obras tenham natureza voluptuária ou não sejam proporcionadas à importância do edifício.

4. O condómino cuja recusa seja havida como fundada pode a todo o tempo participar nas vantagens da inovação, medi-ante o pagamento da quota correspondente às despesas de execução e manutenção da obra.

Artigo 1348º

(Reparações indispensáveis e urgentes)

As reparações indispensáveis e urgentes nas partes comuns do edifício podem ser levadas a efeito, na falta ou impedimento do administrador, por iniciativa de qualquer condómino.

Artigo 1349º

(Destruição do edifício)

1. No caso de destruição do edifício ou de uma parte que represente, pelo menos, três quartos do seu valor, qualquer dos condóminos tem o direito de exigir a venda do terreno e dos materiais, pela forma que a assembleia vier a designar.

2. Se a destruição atingir uma parte menor, pode a assembleia deliberar, pela maioria do número dos condóminos e do capital investido no edifício, a reconstrução deste.

3. Os condóminos que não queiram participar nas despesas da reconstrução podem ser obrigados a alienar os seus direitos a outros condóminos, segundo o valor entre eles acordado ou fixado judicialmente.

4. É permitido ao alienante escolher o condómino ou condóminos a quem a transmissão deve ser feita.

Artigo 1350º

(Regulamento do condomínio)

1 - Havendo mais de quatro condóminos e caso não faça parte do título constitutivo, deve ser elaborado um regulamento do condomínio disciplinando o uso, a fruição e a conserva-ção das partes comuns.

2 - Sem prejuízo do disposto na alínea b) do n.º 2 do Artigo 1338º, a feitura do regulamento compete à assembleia de condóminos ou ao administrador, se aquela o não houver elaborado.

SECÇÃO IV

Administração das partes comuns do edifício

Artigo 1351º

(Órgãos administrativos)

1. A administração das partes comuns do edifício compete à assembleia dos condóminos e a um administrador.

2. Cada condómino tem na assembleia tantos votos quantas as unidades inteiras que couberem na percentagem ou permilagem a que o Artigo 1338º se refere.

Artigo 1352º

(Assembleia dos condóminos)

1. A assembleia reúne-se na primeira quinzena de Janeiro, me-diante convocação do administrador, para discussão e aprovação das contas respeitantes ao último ano e aprovação do orçamento das despesas a efectuar durante o ano.

2. A assembleia também se reúne quando for convocada pelo administrador, ou por condóminos que representem, pelo menos, vinte e cinco por cento do capital investido.

3. Os condóminos podem fazer-se representar por procurador.

Artigo 1353º

(Convocação e funcionamento da assembleia)

1. A assembleia é convocada por meio de carta registada, enviada com dez dias de antecedência, ou mediante aviso convocatório feito com a mesma antecedência, desde que haja recibo de recepção assinado pelos condóminos.

2. A convocatória deve indicar o dia, hora, local e ordem de trabalhos da reunião e informar sobre os assuntos cujas deliberações só podem ser aprovadas por unanimidade dos votos.

3. As deliberações são tomadas, salvo disposição especial, por maioria dos votos representativos do capital investido.

4. Se não comparecer o número de condóminos suficiente para se obter vencimento e na convocatória não tiver sido desde logo fixada outra data, considera-se convocada nova reunião para uma semana depois, na mesma hora e local, podendo neste caso a assembleia deliberar por maioria de votos dos condóminos presentes, desde que estes representem, pelo menos, um quarto do valor total do prédio.

5. As deliberações que careçam de ser aprovadas por unani-midade dos votos podem ser aprovadas por unanimidade dos condóminos presentes desde que estes representem, pelo menos, dois terços do capital investido, sob condição de aprovação da deliberação pelos condóminos ausentes, nos termos dos números seguintes.

6. As deliberações têm de ser comunicadas a todos os condóminos ausentes, por carta registada com aviso de recepção, no prazo de trinta dias.

7. Os condóminos têm noventa dias após a recepção da carta referida no número anterior para comunicar, por escrito, à assembleia de condóminos o seu assentimento ou a sua discordância.

8. O silêncio dos condóminos deve ser considerado como aprovação da deliberação comunicada nos termos do n.º 6.

9. Os condóminos não residentes devem comunicar, por escrito, ao administrador o seu domicílio ou o do seu representante.

Artigo 1354º

(Impugnação das deliberações)

1. As deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado.

2. No prazo de dez dias contado da deliberação, para os condóminos presentes, ou contado da sua comunicação, para os condóminos ausentes, pode ser exigida ao administrador a convocação de uma assembleia extraordi-nária, a ter lugar no prazo de vinte dias, para revogação das deliberações inválidas ou ineficazes.

3. No prazo de trinta dias contado nos termos do número anterior, pode qualquer condómino sujeitar a deliberação a um centro de arbitragem.

4. O direito de propor a acção de anulação caduca no prazo de vinte dias contados sobre a deliberação da assembleia extraordinária ou, caso esta não tenha sido solicitada, no prazo de sessenta dias sobre a data da deliberação.

5. Pode também ser requerida a suspensão das deliberações nos termos da lei de processo.

6. A representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as acções compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para esse efeito.

Artigo 1355º

(Compromisso arbitral)

1. A assembleia pode estabelecer a obrigatoriedade da celebração de compromissos arbitrais para a resolução de litígios entre condóminos, ou entre condóminos e o administrador, e fixar penas pecuniárias para a inobservân-cia das disposições deste código, das deliberações da assembleia ou das decisões do administrador.

2. O montante das penas aplicáveis em cada ano nunca excede a quarta parte do rendimento colectável anual da fracção do infractor.

Artigo 1356º

(Administrador)

1. O administrador é eleito e exonerado pela assembleia.

2. Se a assembleia não eleger administrador, será este nomeado pelo tribunal a requerimento de qualquer dos condóminos.

3. O administrador pode ser exonerado pelo tribunal, a requerimento de qualquer condómino, quando se mostre que praticou irregularidades ou agiu com negligência no exercício das suas funções.

4. O cargo de administrador é remunerável e tanto pode ser desempenhado por um dos condóminos como por terceiro; o período de funções é, salvo disposição em contrário, de um ano, renovável.

5. O administrador mantém-se em funções até que seja eleito ou nomeado o seu sucessor.

Artigo 1357º

(Administrador provisório)

1. Se a assembleia de condóminos não eleger administrador e este não houver sido nomeado judicialmente, as correspondentes funções são obrigatoriamente desempenhadas, a título provisório, pelo condómino cuja fracção ou fracções representem a maior percentagem do capital investido, salvo se outro condómino houver manifestado vontade de exercer o cargo e houver comuni-cado tal propósito aos demais condóminos.

2. Quando, nos termos do número anterior, houver mais de um condómino em igualdade de circunstâncias, as funções recaem sobre aquele a que corresponda a primeira letra na ordem alfabética utilizada na descrição das fracções constante do registo predial.

3. Logo que seja eleito ou judicialmente nomeado um administrador, o condómino que nos termos do presente Artigo se encontre provido na administração cessa funções, devendo entregar àquele todos os documentos respeitantes ao condomínio que estejam confiados à sua guarda.

Artigo 1358º

(Funções do administrador)

São funções do administrador, além de outras que lhe sejam atribuídas pela assembleia:

a) Convocar a assembleia dos condóminos;

b) Elaborar o orçamento das receitas e despesas relativas a cada ano;

c) Verificar a existência do seguro contra o risco de incêndio, propondo à assembleia o montante do capital seguro;

d) Cobrar as receitas e efectuar as despesas comuns;

e) Exigir dos condóminos a sua quota-parte nas despesas aprovadas;

f) Realizar os actos conservatórios dos direitos relativos aos bens comuns;

g) Regular o uso das coisas comuns e a prestação dos serviços de interesse comum;

h) Executar as deliberações da assembleia;

i) Representar o conjunto dos condóminos perante as autoridades administrativas;

j) Prestar contas à assembleia;

l) Assegurar a execução do regulamento e das disposições legais e administrativas relativas ao condomínio;

m) Guardar e manter todos os documentos que digam respeito ao condomínio.

Artigo 1359º

(Legitimidade do administrador)

1. O administrador tem legitimidade para agir em juízo, quer contra qualquer dos condóminos, quer contra terceiro, na execução das funções que lhe pertencem ou quando autorizado pela assembleia.

2. O administrador pode também ser demandado nas acções respeitantes às partes comuns do edifício.

3. Exceptuam-se as acções relativas a questões de propriedade ou posse dos bens comuns, salvo se a assembleia atribuir para o efeito poderes especiais ao administrador.

Artigo 1360º

(Recurso dos actos do administrador)

Dos actos do administrador cabe recurso para a assembleia, a qual pode neste caso ser convocada pelo condómino recorrente.

Artigo 1361º

(Propriedade horizontal de conjuntos de edifícios)

O regime previsto neste capítulo pode ser aplicado, com as necessárias adaptações, a conjuntos de edifícios contíguos funcionalmente ligados entre si pela existência de partes comuns afectadas ao uso de todas ou algumas unidades ou fracções que os compõem.

TÍTULO III

DO USUFRUTO, USO E HABITAÇÃO

CAPÍTULO I

Disposições gerais

Artigo 1362º

(Noção)

Usufruto é o direito de gozar temporária e plenamente uma coisa ou direito alheio, sem alterar a sua forma ou substância.

Artigo 1363º

(Constituição)

O usufruto pode ser constituído por contrato, testamento, usucapião ou disposição da lei.

Artigo 1364º

(Usufruto simultâneo e sucessivo)

O usufruto pode ser constituído em favor de uma ou mais pessoas, simultânea ou sucessivamente, contanto que existam ao tempo em que o direito do primeiro usufrutuário se torne efectivo.

Artigo 1365º

(Direito de acrescer)

Salvo estipulação em contrário, o usufruto constituído por contrato ou testamento em favor de várias pessoas conjuntamente só se consolida com a propriedade por morte da última que sobreviver.

Artigo 1366º

(Duração)

Sem prejuízo do disposto nos Artigos anteriores, o usufruto não pode exceder a vida do usufrutuário; sendo constituído a favor de uma pessoa colectiva, de direito público ou privado, a sua duração máxima é de trinta anos.

Artigo 1367º

(Trespasse a terceiro)

1. O usufrutuário pode trespassar a outrem o seu direito, definitiva ou temporariamente, bem como onerá-lo, salvas as restrições impostas pelo título constitutivo ou pela lei.

2. O usufrutuário responde pelos danos que as coisas padecerem por culpa da pessoa que o substituir.

Artigo 1368º

(Direitos e obrigações do usufrutuário)

Os direitos e obrigações do usufrutuário são regulados pelo título constitutivo do usufruto; na falta ou insuficiência deste, observam-se as disposições seguintes.

CAPÍTULO II

Direitos do usufrutuário

Artigo 1369º

(Uso, fruição e administração da coisa ou do direito)

O usufrutuário pode usar, fruir e administrar a coisa ou o direito como faria um bom pai de família, respeitando o seu destino económico.

Artigo 1370º

(Indemnização do usufrutuário)

O usufrutuário, ao começar o usufruto, não é obrigado a abonar ao proprietário despesa alguma feita; mas, findo o usufruto, o proprietário é obrigado a indemnizar aquele das despesas de cultura, sementes ou matérias-primas e, de um modo geral, de todas as despesas de produção feitas pelo usufrutuário, até ao valor dos frutos que vierem a ser colhidos.

Artigo 1371º

(Alienação dos frutos antes da colheita)

Se o usufrutuário tiver alienado frutos antes da colheita e o usufruto se extinguir antes que sejam colhidos, a alienação subsiste, mas o produto dela pertence ao proprietário, deduzida a indemnização a que o Artigo anterior se refere.

Artigo 1372º

(Âmbito do usufruto)

O usufruto abrange as coisas acrescidas e todos os direitos inerentes à coisa usufruída.

Artigo 1373º

(Benfeitorias úteis e voluptuárias)

1. O usufrutuário tem a faculdade de fazer na coisa usufruída as benfeitorias úteis e voluptuárias que bem lhe parecer, contanto que não altere a sua forma ou substância, nem o seu destino económico.

2. É aplicável ao usufrutuário, quanto a benfeitorias úteis e voluptuárias, o que neste código se prescreve relativamente ao possuidor de boa fé.

Artigo 1374º

(Usufruto de coisas consumíveis)

1. Quando o usufruto tiver por objecto coisas consumíveis, pode o usufrutuário servir-se delas ou aliená-las, mas é obrigado a restituir o seu valor, findo o usufruto, no caso de as coisas terem sido estimadas; se o não foram, a restituição é feita pela entrega de outras do mesmo género, qualidade ou quantidade, ou do valor destas na conjuntura em que findar o usufruto.

2. O usufruto de coisas consumíveis não importa transferência da propriedade para o usufrutuário.

Artigo 1375º

(Usufruto de coisas deterioráveis)

1. Se o usufruto abranger coisas que, não sendo consumíveis, são, todavia, susceptíveis de se deteriorarem pelo uso, não é o usufrutuário obrigado a mais do que restituí-las no fim do usufruto como se encontrarem, a não ser que tenham sido deterioradas por uso diverso daquele que lhes era próprio ou por culpa do usufrutuário.

2. Se as não apresentar, o usufrutuário responde pelo valor que as coisas tinham na conjuntura em que começou o usufruto, salvo se provar que perderam todo o seu valor em uso legítimo.

Artigo 1376º

(Perecimento natural de árvores e arbustos)

1. Ao usufrutuário de árvores ou arbustos é lícito aproveitar-se das que forem perecendo naturalmente.

2. Tratando-se, porém, de árvores ou arbustos frutíferos, o usufrutuário é obrigado a plantar tantos pés quantos os que perecerem naturalmente, ou a substituir esta cultura por outra igualmente útil para o proprietário, se for impossível ou prejudicial a renovação de plantas do mesmo género.

Artigo 1377º

(Perecimento acidental de árvores e arbustos)

1. As árvores ou arbustos que caiam ou sejam arrancados ou quebrados por acidente pertencem ao proprietário, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do Artigo seguinte quando se trate de matas ou árvores de corte.

2. O usufrutuário pode, todavia, aplicar essas árvores e arbustos às reparações que seja obrigado a fazer, ou exigir que o proprietário as retire, desocupando o terreno.

Artigo 1378º

(Usufruto de matas e árvores de corte)

1. O usufrutuário de matas ou quaisquer árvores isoladas que se destinem à produção de madeira ou lenha deve observar, nos cortes, a ordem e as praxes usadas pelo proprietário ou, na sua falta, o uso da terra.

2. Se, em consequência de ciclone, incêndio, requisição do Estado ou outras causas análogas vier a ser prejudicada consideravelmente a fruição normal do usufrutuário, deve o proprietário compensá-lo até ao limite dos juros da quantia correspondente ao valor das árvores mortas, ou até ao limite dos juros da importância recebida.

Artigo 1379º

(Usufruto de plantas de viveiro)

O usufrutuário de plantas de viveiro é obrigado a conformar-se, no arranque das plantas, com a ordem e praxes do proprietário ou, na sua falta, com o uso da terra, tanto pelo que toca ao tempo e modo do arranque como pelo que respeita ao tempo e modo de retanchar o viveiro.

Artigo 1380º

(Exploração de minas)

1. O usufrutuário de concessão mineira deve conformar-se, na exploração das minas, com as praxes seguidas pelo respectivo titular.

2. O usufrutuário de terrenos onde existam explorações mineiras tem direito às quantias devidas ao proprietário do solo, quer a título de renda, quer por qualquer outro título, em proporção do tempo que durar o usufruto.

Artigo 1381º

(Exploração de pedreiras)

1. O usufrutuário não pode abrir de novo pedreiras sem consentimento do proprietário; mas, se elas já estiverem em exploração ao começar o usufruto, tem o usufrutuário a faculdade de explorá-las, conformando-se com as praxes observadas pelo proprietário.

2. A proibição não inibe o usufrutuário de extrair pedra do solo para reparações ou obras a que seja obrigado.

Artigo 1382º

(Exploração de águas)

1. O usufrutuário pode, em benefício do prédio usufruído, procurar águas subterrâneas por meio de poços, minas ou outras escavações.

2. As benfeitorias a que o número anterior se refere ficam sujeitas ao que neste código se dispõe quanto ao possuidor de boa fé.

Artigo 1383º

(Constituição de servidões)

1. Relativamente à constituição de servidões activas, o usufrutuário goza dos mesmos direitos do proprietário, mas não lhe é lícito constituir encargos que ultrapassem a duração do usufruto.

2. O proprietário não pode constituir servidões sem consentimento do usufrutuário, desde que delas resulte diminuição do valor do usufruto.

Artigo 1384º

(Tesouros)

Se o usufrutuário descobrir na coisa usufruída algum tesouro, observam-se as disposições deste código acerca dos que acham tesouros em propriedade alheia.

Artigo 1385º

(Usufruto sobre universalidades de animais)

1. Se o usufruto for constituído numa universalidade de animais, é o usufrutuário obrigado a substituir com as crias novas as cabeças que, por qualquer motivo, vierem a faltar.

2. Se os animais se perderem, na totalidade ou em parte, por caso fortuito, sem produzirem outros que os substituam, o usufrutuário é tão somente obrigado a entregar as cabeças restantes.

3. Neste caso, porém, o usufrutuário é responsável pelos despojos dos animais, quando de tais despojos se tenha aproveitado.

Artigo 1386º

(Usufruto de rendas vitalícias)

O usufrutuário de rendas vitalícias tem direito a perceber as prestações correspondentes à duração do usufruto, sem ser obrigado a qualquer restituição.

Artigo 1387º

(Usufruto de capitais postos a juro)

1. O usufrutuário de capitais postos a juro ou a qualquer outro interesse, ou investidos em títulos de crédito, tem o direito de perceber os frutos correspondentes à duração do usufruto.

2. Não é lícito levantar ou investir capitais sem o acordo dos dois titulares; no caso de divergência, pode ser judicialmente suprido o consentimento, quer do proprietário, quer do usufrutuário.

Artigo 1388º

(Usufruto constituído sobre dinheiro e usufruto de capitais levantados)

1. Se o usufruto tiver por objecto certa quantia, e bem assim quando no decurso do usufruto sejam levantados capitais nos termos do Artigo anterior, tem o usufrutuário a faculdade de administrar esses valores como bem lhe parecer, desde que preste a devida caução; neste caso, corre por sua conta o risco da perda da soma usufruída.

2. Se o usufrutuário não quiser usar desta faculdade, é aplicável o disposto no n.º 2 do Artigo anterior.

Artigo 1389º

(Prémios e outras utilidades aleatórias)

O usufrutuário de títulos de crédito tem direito à fruição dos prémios ou outras utilidades aleatórias produzidas pelo título.

Artigo 1390º

(Usufruto de títulos de participação)

1. O usufrutuário de acções ou de partes sociais tem direito:

a) Aos lucros distribuídos correspondentes ao tempo de duração do usufruto;

b) A votar nas assembleias gerais, salvo quando se trate de deliberações que importem alteração dos estatutos ou dissolução da sociedade;

c) A usufruir os valores que, no acto de liquidação da so-ciedade ou da quota, caibam à parte social sobre que incide o usufruto.

2. Nas deliberações que importem alteração dos estatutos ou dissolução da sociedade, o voto pertence conjuntamente ao usufrutuário e ao titular da raiz.

CAPÍTULO III

Obrigações do usufrutuário

Artigo 1391º

(Relação de bens e caução)

Antes de tomar conta dos bens, o usufrutuário deve:

a) Relacioná-los, com citação ou assistência do proprietário, declarando o estado deles, bem como o valor dos móveis, se os houver;

b) Prestar caução, se esta lhe for exigida, tanto para a restitui-ção dos bens ou do respectivo valor, sendo bens consu-míveis, como para a reparação das deteriorações que venham a padecer por sua culpa, ou para o pagamento de qualquer outra indemnização que seja devida.

Artigo 1392º

(Dispensa de caução)

A caução não é exigível do alienante com reserva de usufruto e pode ser dispensada no título constitutivo do usufruto.

Artigo 1393º

(Falta de caução)

1. Se o usufrutuário não prestar a caução devida, tem o proprietário a faculdade de exigir que os imóveis se arrendem ou ponham em administração, que os móveis se vendam ou lhe sejam entregues, que os capitais, bem como a importância dos preços das vendas, se dêem a juros ou se empreguem em títulos de crédito nominativos, que os títulos ao portador se convertam em nominativos ou se depositem nas mãos de terceiro, ou que se adoptem outras medidas adequadas.

2. Não havendo acordo do usufrutuário quanto ao destino dos bens, decide o tribunal.

Artigo 1394º

(Obras e melhoramentos)

1. O usufrutuário é obrigado a consentir ao proprietário quaisquer obras ou melhoramentos de que seja susceptível a coisa usufruída, e também quaisquer novas plantações, se o usufruto recair em prédios rústicos, contanto que dos actos do proprietário não resulte diminuição do valor do usufruto.

2. Das obras ou melhoramentos realizados tem o usufrutuário direito ao usufruto, sem ser obrigado a pagar juros das somas desembolsadas pelo proprietário ou qualquer outra indemnização; no caso, porém, de as obras ou melhora-mentos aumentarem o rendimento líquido da coisa usufruída, o aumento pertence ao proprietário.

Artigo 1395º

(Reparações ordinárias)

1. Estão a cargo do usufrutuário tanto as reparações ordinárias indispensáveis para a conservação da coisa como as despesas de administração.

2. Não se consideram ordinárias as reparações que, no ano em que forem necessárias, excedam dois terços do rendimento líquido desse ano.

3. O usufrutuário pode eximir-se das reparações ou despesas a que é obrigado, renunciando ao usufruto.

Artigo 1396º

(Reparações extraordinárias)

1. Quanto às reparações extraordinárias, só incumbe ao usufrutuário avisar em tempo o proprietário, para que este querendo, as mande fazer; se, porém, elas se tiverem tornado necessárias por má administração do usufrutuário, é aplicável o disposto no Artigo anterior.

2. Se o proprietário, depois de avisado, não fizer as reparações extraordinárias, e estas forem de utilidade real, pode o usufrutuário fazê-las a expensas suas e exigir a importância despendida, ou o pagamento do valor que tiverem no fim do usufruto, se este valor for inferior ao custo.

3. Se o proprietário fizer as reparações, observar-se-á o disposto no n.º 2 do Artigo 1394º.

Artigo 1397º

(Impostos e outros encargos anuais)

O pagamento dos impostos e quaisquer outros encargos anuais que incidam sobre o rendimento dos bens usufruídos incumbe a quem for titular do usufruto no momento do vencimento.

Artigo 1398º

(Actos lesivos da parte de terceiros)

O usufrutuário é obrigado a avisar o proprietário de qualquer facto de terceiro, de que tenha notícia, sempre que ele possa lesar os direitos do proprietário; se o não fizer, responde pelos danos que este venha a sofrer.

CAPÍTULO IV

Extinção do usufruto

Artigo 1399º

(Causas de extinção)

1. O usufruto extingue-se:

a) Por morte do usufrutuário, ou chegado o termo do prazo por que o direito foi conferido, quando não seja vitalício;

b) Pela reunião do usufruto e da propriedade na mesma pessoa;

c) Pelo seu não exercício durante vinte anos, qualquer que seja o motivo;

d) Pela perda total da coisa usufruída;

e) Pela renúncia.

2. A renúncia não requer aceitação do proprietário.

Artigo 1400º

(Usufruto até certa idade de terceira pessoa)

O usufruto concedido a alguém até certa idade de terceira pessoa dura pelos anos prefixos, ainda que o terceiro faleça antes da idade referida, excepto se o usufruto tiver sido concedido só em atenção à existência de tal pessoa.

Artigo 1401º

(Perda parcial e "rei mutatio")

1. Se a coisa ou direito usufruído se perder só em parte, continua o usufruto na parte restante.

2. O disposto no número anterior é aplicável no caso de a coisa se transformar noutra que ainda tenha valor, embora com finalidade económica distinta.

Artigo 1402º

(Destruição de edifícios)

1. Se o usufruto for constituído em algum prédio urbano e este for destruído por qualquer causa, tem o usufrutuário direito a desfrutar o solo e os materiais restantes.

2. O proprietário da raiz pode, porém, reconstruir o prédio, ocupando o solo e os materiais, desde que pague ao usufrutuário, durante o usufruto, os juros correspondentes ao valor do mesmo solo e dos materiais.

3. As disposições dos números anteriores são igualmente aplicáveis, se o usufruto for constituído em algum prédio rústico de que faça parte o edifício destruído.

Artigo 1403º

(Indemnizações)

1. Se a coisa ou direito usufruído se perder, deteriorar ou di-minuir de valor, e o proprietário tiver direito a ser indem-nizado, o usufruto passa a incidir sobre a indemnização.

2. O disposto no número antecedente é aplicável à indemnização resultante de expropriação ou requisição da coisa ou direito, à indemnização devida por extinção do direito de superfície, ao preço da remição do foro e a outros casos análogos.

Artigo 1404º

(Seguro de coisa destruída)

1. Se o usufrutuário tiver feito o seguro da coisa ou pago os prémios pelo seguro já feito, o usufruto transfere-se para a indemnização devida pelo segurador.

2. Tratando-se de um edifício, o proprietário pode reconstruí-lo, transferindo-se, neste caso, o usufruto para o novo edifício; se, porém, a soma despendida na reconstrução for superior à indemnização recebida, o direito do usufrutuário é proporcional à indemnização.

3. Sendo os prémios pagos pelo proprietário, a este pertence por inteiro a indemnização que for devida.

Artigo 1405º

(Mau uso por parte do usufrutuário)

O usufruto não se extingue, ainda que o usufrutuário faça mau uso da coisa usufruída; mas, se o abuso se tornar conside-ravelmente prejudicial ao proprietário, pode este exigir que a coisa lhe seja entregue, ou que se tomem as providências previstas no Artigo 1393º, obrigando-se, no primeiro caso, a pagar anualmente ao usufrutuário o produto líquido dela, depois de deduzidas as despesas e o prémio que pela sua administração lhe for arbitrado.

Artigo 1406º

(Restituição da coisa)

Findo o usufruto, deve o usufrutuário restituir a coisa ao proprietário, sem prejuízo do disposto para as coisas consumíveis e salvo o direito de retenção nos casos em que possa ser invocado.

CAPÍTULO V

Uso e habitação

Artigo 1407º

(Noção)

1. O direito de uso consiste na faculdade de se servir de certa coisa alheia e haver os respectivos frutos, na medida das necessidades, quer do titular, quer da sua família.

2. Quando este direito se refere a casa de morada, chama-se direito de habitação.

Artigo 1408º

(Constituição, extinção e regime)

Os direitos de uso e de habitação constituem-se e extinguem-se pelos mesmos modos que o usufruto, sem prejuízo do disposto na alínea b) do Artigo 1213º, e são igualmente regulados pelo seu título constitutivo; na falta ou insuficiência deste, observam-se as disposições seguintes.

Artigo 1409º

(Fixação das necessidades pessoais)

As necessidades pessoais do usuário ou do morador usuário são fixadas segundo a sua condição social.

Artigo 1410º

(Âmbito da família)

Na família do usuário ou do morador usuário compreendem-se apenas o cônjuge, não separado judicialmente de pessoas e bens, os filhos solteiros, outros parentes a quem sejam devidos alimentos e as pessoas que, convivendo com o respectivo titular, se encontrem ao seu serviço ou ao serviço das pessoas designadas.

Artigo 1411º

(Intransmissibilidade do direito)

O usuário e o morador usuário não podem trespassar ou locar o seu direito, nem onerá-lo por qualquer modo.

Artigo 1412º

(Obrigações inerentes ao uso e à habitação)

1. Se o usuário consumir todos os frutos do prédio ou ocupar todo o edifício, ficam a seu cargo as reparações ordinárias, as despesas de administração e os impostos e encargos anuais, como se fosse usufrutuário.

2. Se o usuário perceber só parte dos frutos ou ocupar só parte do edifício, contribui para as despesas mencionadas no número precedente em proporção da sua fruição.

Artigo 1413º

(Aplicação das normas do usufruto)

São aplicadas aos direitos de uso e de habitação as disposições que regulam o usufruto, quando conformes à natureza daqueles direitos.

TÍTULO IV

DO DIREITO DE SUPERFÍCIE

CAPÍTULO I

Disposições gerais

Artigo 1414º

(Noção)

O direito de superfície consiste na faculdade de construir ou manter, perpétua ou temporariamente, uma obra em terreno alheio, ou de nele fazer ou manter plantações.

Artigo 1415º

(Objecto)

1. Tendo por objecto a construção de uma obra, o direito de superfície pode abranger uma parte do solo não necessária à sua implantação, desde que ela tenha utilidade para o uso da obra.

2. O direito de superfície pode ter por objecto a construção ou a manutenção de obra sob solo alheio.

Artigo 1416º

(Direito de construir sobre edifício alheio)

O direito de construir sobre edifício alheio está sujeito às disposições deste título e às limitações impostas à constituição da propriedade horizontal; levantado o edifício, são aplicáveis as regras da propriedade horizontal, passando o construtor a ser condómino das partes referidas no Artigo 1341º.

Artigo 1417º

(Direito de superfície constituído pelo Estado ou por pessoas colectivas públicas)

O direito de superfície constituído pelo Estado ou por pessoas colectivas públicas em terrenos do seu domínio privado fica sujeito a legislação especial e, subsidiariamente, às disposições deste código.

CAPÍTULO II

Constituição do direito de superfície

Artigo 1418º

(Princípio geral)

O direito de superfície pode ser constituído por contrato, testamento ou usucapião, e pode resultar da alienação de obra ou árvores já existentes, separadamente da propriedade do solo.

Artigo 1419º

(Servidões)

1. A constituição do direito de superfície importa a constitui-ção das servidões necessárias ao uso e fruição da obra ou das árvores; se no título não forem designados o local e as demais condições de exercício das servidões, serão fixados, na falta de acordo, pelo tribunal.

2. A constituição coerciva da servidão de passagem sobre prédio de terceiro só é possível se, à data da constituição do direito de superfície, já era encravado o prédio sobre que este direito recaía.

CAPÍTULO III

Direitos e encargos do superficiário e do proprietário

Artigo 1420º

(Preço)

1. No acto de constituição do direito de superfície, pode convencionar-se, a título de preço, que o superficiário pague uma única prestação ou pague certa prestação anual, perpétua ou temporária.

2. O pagamento temporário de uma prestação anual é compa-tível com a constituição perpétua do direito de superfície.

3. As prestações são sempre em dinheiro.

Artigo 1421º

(Mora no pagamento das prestações anuais)

Havendo mora no cumprimento, o proprietário do solo tem o direito de exigir o triplo das prestações em dívida.

Artigo 1422º

(Fruição do solo antes do início da obra)

Enquanto não se iniciar a construção da obra ou não se fizer a plantação das árvores, o uso e a fruição da superfície pertencem ao proprietário do solo, o qual, todavia, não pode impedir nem tornar mais onerosa a construção ou a plantação.

Artigo 1423º

(Fruição do subsolo)

O uso e a fruição do subsolo pertencem ao proprietário; este é, porém, responsável pelos prejuízos causados ao superficiário em consequência da exploração que dele fizer.

Artigo 1424º

(Transmissibilidade dos direitos)

O direito de superfície e o direito de propriedade do solo são transmissíveis por acto entre vivos ou por morte.

Artigo 1425º

(Direito de preferência)

1. O proprietário do solo goza do direito de preferência, em último lugar, na venda ou dação em cumprimento do direito de superfície; sendo, porém, enfitêutico o prédio incorporado no solo, prevalece o direito de preferência do proprietário.

2. É aplicável ao direito de preferência o disposto nos Artigos 351º a 353º e 1330º.

CAPÍTULO IV

Extinção do direito de superfície

Artigo 1426º

(Casos de extinção)

1. O direito de superfície extingue-se:

a) Se o superficiário não concluir a obra ou não fizer a plantação dentro do prazo fixado ou, na falta de fixação, dentro do prazo de dez anos;

b) Se, destruída a obra ou as árvores, o superficiário não reconstruir a obra ou não renovar a plantação, dentro dos mesmos prazos a contar da destruição;

c) Pelo decurso do prazo, sendo constituído por certo tempo;

d) Pela reunião na mesma pessoa do direito de superfície e do direito de propriedade;

e) Pelo desaparecimento ou inutilização do solo;

f) Pela expropriação por utilidade pública.

2. No título constitutivo pode também estipular-se a extinção do direito de superfície em consequência da destruição da obra ou das árvores, ou da verificação de qualquer condição resolutiva.

3. À extinção do direito de superfície, nos casos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1, são aplicáveis as regras da prescrição.

Artigo 1427º

(Falta de pagamento das prestações anuais)

1. A falta de pagamento das prestações anuais durante vinte anos extingue a obrigação de as pagar, mas o superficiário não adquire a propriedade do solo, salvo se houver usucapião em seu benefício.

2. À extinção da obrigação de pagamento das prestações são aplicáveis as regras da prescrição.

Artigo 1428º

(Extinção pelo decurso do prazo)

1. Sendo o direito de superfície constituído por certo tempo, o proprietário do solo, logo que expire o prazo, adquire a propriedade da obra ou das árvores.

2. Salvo estipulação em contrário, o superficiário tem, nesse caso, direito a uma indemnização, calculada segundo as regras do enriquecimento sem causa.

3. Não havendo lugar à indemnização, o superficiário res-ponde pelas deteriorações da obra ou das plantações, quando haja culpa da sua parte.

Artigo 1429º

(Extinção de direitos reais constituídos sobre o direito de superfície)

1. A extinção do direito de superfície pelo decurso do prazo fixado importa a extinção dos direitos reais de gozo ou de garantia constituídos pelo superficiário em benefício de terceiro.

2. Se, porém, o superficiário tiver a receber alguma indemniza-ção nos termos do Artigo anterior, aqueles direitos transferem-se para a indemnização, conforme o disposto nos lugares respectivos.

Artigo 1430º

(Direitos reais constituídos pelo proprietário)

Os direitos reais constituídos pelo proprietário sobre o solo estendem-se à obra e às árvores adquiridas nos termos do Artigo 1428º.

Artigo 1431º

(Permanência dos direitos reais)

Extinguindo-se o direito de superfície perpétuo, ou o temporário antes do decurso do prazo, os direitos reais constituídos sobre a superfície ou sobre o solo continuam a onerar separadamente as duas parcelas, como se não tivesse havido extinção, sem prejuízo da aplicação das disposições dos Artigos anteriores logo que o prazo decorra.

Artigo 1432º

(Extinção por expropriação)

Extinguindo-se o direito de superfície em consequência da expropriação por utilidade pública, cabe a cada um dos titulares a parte da indemnização que corresponder ao valor do respectivo direito.

TÍTULO V

DAS SERVIDÕES PREDIAIS

CAPÍTULO I

Disposições gerais

Artigo 1433º

(Noção)

Servidão predial é o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente; diz-se serviente o prédio sujeito à servidão e dominante o que dela beneficia.

Artigo 1434º

(Conteúdo)

Podem ser objecto da servidão quaisquer utilidades, ainda que futuras ou eventuais, susceptíveis de ser gozadas por intermédio do prédio dominante, mesmo que não aumentem o seu valor.

Artigo 1435º

(Inseparabilidade das servidões)

1. Salvas as excepções previstas na lei, as servidões não po-dem ser separadas dos prédios a que pertencem, activa ou passivamente.

2. A afectação das utilidades próprias da servidão a outros prédios importa sempre a constituição de uma servidão nova e a extinção da antiga.

Artigo 1436º

(Indivisibilidade das servidões)

As servidões são indivisíveis: se o prédio serviente for dividido entre vários donos, cada porção fica sujeita à parte da servidão que lhe cabia; se for dividido o prédio dominante, tem cada consorte o direito de usar da servidão sem alteração nem mudança.

CAPÍTULO II

Constituição das servidões

Artigo 1437º

(Princípios gerais)

1. As servidões prediais podem ser constituídas por contrato, testamento, usucapião ou destinação do pai de família.

2. As servidões legais, na falta de constituição voluntária, podem ser constituídas por sentença judicial ou por decisão administrativa, conforme os casos.

Artigo 1438º

(Constituição por usucapião)

1. As servidões não aparentes não podem ser constituídas por usucapião.

2. Consideram-se não aparentes as servidões que não se revelam por sinais visíveis e permanentes.

Artigo 1439º

(Constituição por destinação do pai de família)

Se em dois prédios do mesmo dono, ou em duas fracções de um só prédio, houver sinal ou sinais visíveis e permanentes, postos em um ou em ambos, que revelem serventia de um para com outro, serão esses sinais havidos como prova da servidão quando, em relação ao domínio, os dois prédios, ou as duas fracções do mesmo prédio, vierem a separar-se, salvo se ao tempo da separação outra coisa se houver declarado no respectivo documento.

CAPÍTULO III

Servidões legais

SECÇÃO I

Servidões legais de passagem

Artigo 1440º

(Servidão em benefício de prédio encravado)

1. Os proprietários de prédios que não tenham comunicação com a via pública, nem condições que permitam estabelecê-la sem excessivo incómodo ou dispêndio, têm a faculdade de exigir a constituição de servidões de passagem sobre os prédios rústicos vizinhos.

2. De igual faculdade goza o proprietário que tenha comunicação insuficiente com a via pública, por terreno seu ou alheio.

Artigo 1441º

(Possibilidade de afastamento da servidão)

1. Os proprietários de quintas muradas, quintais, jardins ou terreiros adjacentes a prédios urbanos podem subtrair-se ao encargo de ceder passagem, adquirindo o prédio encravado pelo seu justo valor.

2. Na falta de acordo, o preço é fixado judicialmente; sendo dois ou mais os proprietários interessados, abre-se licitação entre eles, revertendo o excesso para o alienante.

Artigo 1442º

(Encrave voluntário)

1. O proprietário que, sem justo motivo, provocar o encrave absoluto ou relativo do prédio só pode constituir a servidão mediante o pagamento de indemnização agravada.

2. A indemnização agravada é fixada, de harmonia com a culpa do proprietário, até ao dobro da que normalmente seria devida.

Artigo 1443º

(Lugar da constituição da servidão)

A passagem deve ser concedida através do prédio ou prédios que sofram menor prejuízo, e pelo modo e lugar menos inconvenientes para os prédios onerados.

Artigo 1444º

(Indemnização)

Pela constituição da servidão de passagem é devida a indem-nização correspondente ao prejuízo sofrido.

Artigo 1445º

(Direito de preferência na alienação do prédio encravado)

1. O proprietário de prédio onerado com a servidão legal de passagem, qualquer que tenha sido o título constitutivo, tem direito de preferência, no caso de venda, dação em cumprimento ou aforamento do prédio dominante.

2. É aplicável a este caso o disposto nos Artigos 351º a 353º e 1330º.

3. Sendo dois ou mais os preferentes, abre-se entre eles licitação, revertendo o excesso para o alienante.

Artigo 1446º

(Servidões de passagem para o aproveitamento de águas)

1. Quando para seus gastos domésticos os proprietários não tenham acesso às fontes, poços e reservatórios públicos destinados a esse uso, bem como às correntes de domínio público, podem ser constituídas servidões de passagem nos termos aplicáveis dos Artigos anteriores.

2. Estas servidões só são constituídas depois de se verificar que os proprietários que as reclamam não podem haver água suficiente de outra proveniência, sem excessivo incómodo ou dispêndio.

SECÇÃO II

Servidões legais de águas

Artigo 1447º

(Aproveitamento de águas para gastos domésticos)

1. Quando não seja possível ao proprietário, sem excessivo incómodo ou dispêndio, obter água para seus gastos domésticos pela forma indicada no Artigo anterior, os proprietários vizinhos podem ser compelidos a permitir, mediante indemnização, o aproveitamento das águas sobrantes das suas nascentes ou reservatórios, na medida do indispensável para aqueles gastos.

2. Estão isentos da servidão os prédios urbanos e os referidos no n.º 1 do Artigo 1441º.

Artigo 1448º

(Aproveitamento de águas para fins agrícolas)

1. O proprietário que não tiver nem puder obter, sem excessivo incómodo ou dispêndio, água suficiente para a irrigação do seu prédio, tem a faculdade de aproveitar as águas dos prédios vizinhos, que estejam sem utilização, pagando o seu justo valor.

2. O disposto no número anterior não é aplicável às águas provenientes de concessão nem faculta a exploração de águas subterrâneas em prédio alheio.

Artigo 1449º

(Servidão legal de presa)

Os proprietários e os donos de estabelecimentos industriais, que tenham direito ao uso de águas particulares existentes em prédio alheio, podem fazer neste prédio as obras necessárias ao represamento e derivação da respectiva água, mediante o pagamento da indemnização correspondente ao prejuízo que causarem.

Artigo 1450º

(Servidão legal de presa para o aproveitamento de águas públicas)

1. A servidão de presa para o aproveitamento de águas públi-cas só pode ser imposta coercivamente nos casos seguin-tes:

a) Quando os proprietários, ou os donos de estabeleci-mentos industriais, sitos na margem de uma corrente não navegável nem flutuável, só possam aproveitar a água a que tenham direito fazendo presa, açude ou obra semelhante que vá travar no prédio fronteiro;

b) Quando a água tenha sido objecto de concessão.

2. No caso da alínea a) do número anterior e no de concessão de interesse privado, não estão sujeitas à servidão as casas de habitação, nem os quintais, jardins ou terreiros que lhes sejam contíguos; no caso de concessão de utilidade pública, estes prédios só estão sujeitos ao encargo se no respectivo processo administrativo se tiver provado a impossibilidade material ou económica de executar as obras sem a sua utilização.

3. No caso da alínea b) do n.º 1, a servidão considera-se cons-tituída em consequência da concessão, mas a indemnização, na falta de acordo, é fixada pelo tribunal.

4. Se o proprietário do prédio fronteiro sujeito à servidão de travamento quiser utilizar a obra realizada, pode torná-la comum, provando que tem direito a aproveitar-se da água e pagando uma parte da despesa proporcional ao benefício que receber.

Artigo 1451º

(Servidão legal de aqueduto)

1. Em proveito da agricultura ou da indústria, ou para gastos domésticos, a todos é permitido encanar, subterraneamente ou a descoberto, as águas particulares a que tenham direito, através de prédios rústicos alheios, não sendo quintais, jardins ou terreiros contíguos a casas de habitação, mediante indemnização do prejuízo que da obra resulte para os ditos prédios; as quintas muradas só estão sujeitas ao encargo quando o aqueduto seja construído subterraneamente.

2. O proprietário do prédio serviente tem, a todo o tempo, o direito de ser também indemnizado do prejuízo que venha a resultar da infiltração ou erupção das águas ou da deterioração das obras feitas para a sua condução.

3. A natureza, direcção e forma do aqueduto serão as mais convenientes para o prédio dominante e as menos onerosas para o prédio serviente.

4. Se a água do aqueduto não for toda necessária ao seu proprietário, e o proprietário do prédio serviente quiser ter parte no excedente, é-lhe concedida essa parte a todo o tempo, mediante prévia indemnização, e pagando ele, além disso, a quota proporcional à despesa feita com a sua condução até ao ponto donde pretende derivá-la.

Artigo 1452º

(Servidão legal de aqueduto para o aproveitamento de águas públicas)

1. Para o aproveitamento de águas públicas, a constituição forçada de servidão de aqueduto só é admitida no caso de haver concessão da água.

2. É aplicável a esta servidão o disposto nos n.ºs 2 e 3 do Artigo 1450º.

Artigo 1453º

(Servidão legal de escoamento)

1. A constituição forçada da servidão de escoamento é permitida, precedendo indemnização do prejuízo:

a) Quando, por obra do homem, e para fins agrícolas ou industriais, nasçam águas em algum prédio ou para ele sejam conduzidas de outro prédio;

b) Quando se pretenda dar direcção definida a águas que seguiam o seu curso natural;

c) Em relação às águas provenientes de gaivagem, canos falsos, valas, guarda-matos, alcorcas ou qualquer outro modo de enxugo de prédios;

d) Quando haja concessão de águas públicas, relativamente às sobejas.

2. Aos proprietários onerados com a servidão de escoamento é aplicável o disposto no Artigo 1311º.

3. Na liquidação da indemnização é levado em conta o valor dos benefícios que para o prédio serviente advenham do uso da água, nos termos do número anterior; e, no caso da alínea b) do n.º 1, é atendido o prejuízo que já resultava do decurso natural das águas.

4. Só estão sujeitos à servidão de escoamento os prédios que podem ser onerados com a servidão legal de aqueduto.

CAPÍTULO IV

Exercício das servidões

Artigo 1454º

(Modo de exercício)

As servidões são reguladas, no que respeita à sua extensão e exercício, pelo respectivo título; na insuficiência do título, observa-se o disposto nos Artigos seguintes.

Artigo 1455º

(Extensão da servidão)

1. O direito de servidão compreende tudo o que é necessário para o seu uso e conservação.

2. Em caso de dúvida quanto à extensão ou modo de exercício, entende-se constituída a servidão por forma a satisfazer as necessidades normais e previsíveis do prédio dominante com o menor prejuízo para o prédio serviente.

Artigo 1456º

(Obras no prédio serviente)

1. É lícito ao proprietário do prédio dominante fazer obras no prédio serviente, dentro dos poderes que lhe são conferidos no Artigo anterior, desde que não torne mais onerosa a servidão.

2. As obras devem ser feitas no tempo e pela forma que sejam mais convenientes para o proprietário do prédio serviente.

Artigo 1457º

(Encargos das obras)

1. As obras são feitas à custa do proprietário do prédio dominante, salvo se outro regime tiver sido convencionado.

2. Sendo diversos os prédios dominantes, todos os proprietários são obrigados a contribuir na proporção da parte que tiverem nas vantagens da servidão, para as despesas das obras; e só poderão eximir-se do encargo renunciando à servidão em proveito dos outros.

3. Se o proprietário do prédio serviente também auferir utilidades da servidão, é obrigado a contribuir pela forma estabelecida no número anterior.

4. Se o proprietário do prédio serviente se houver obrigado a custear as obras, só lhe é possível eximir-se desse encargo pela renúncia ao seu direito de propriedade em benefício do proprietário do prédio dominante, podendo a renúncia, no caso de a servidão onerar apenas uma parte do prédio, limitar-se a essa parte; recusando-se o proprietário do prédio dominante a aceitar a renúncia, não fica, por isso, dispensado de custear as obras.

Artigo 1458º

(Mudança de servidão)

1. O proprietário do prédio serviente não pode estorvar o uso da servidão, mas pode, a todo o tempo, exigir a mudança dela para sítio diferente do primitivamente assinado, ou para outro prédio, se a mudança lhe for conveniente e não prejudicar os interesses do proprietário do prédio domi-nante, contanto que a faça à sua custa; com o consen-timento de terceiro pode a servidão ser mudada para o prédio deste.

2. A mudança também pode dar-se a requerimento e à custa do proprietário do prédio dominante, se dela lhe advierem vantagens e com ela não for prejudicado o proprietário do prédio serviente.

3. O modo e o tempo de exercício da servidão são igualmente alterados, a pedido de qualquer dos proprietários, desde que se verifiquem os requisitos referidos nos números anteriores.

4. As faculdades conferidas neste Artigo não são renunciáveis nem podem ser limitadas por negócio jurídico.

CAPÍTULO V

Extinção das servidões

Artigo 1459º

(Casos de extinção)

1. As servidões extinguem-se:

a) Pela reunião dos dois prédios, dominante e serviente, no domínio da mesma pessoa;

b) Pelo não uso durante vinte anos, qualquer que seja o motivo;

c) Pela aquisição, por usucapião, da liberdade do prédio;

d) Pela renúncia;

e) Pelo decurso do prazo, se tiverem sido constituídas temporariamente.

2. As servidões constituídas por usucapião são judicialmente declaradas extintas, a requerimento do proprietário do prédio serviente, desde que se mostrem desnecessárias ao prédio dominante.

3. O disposto no número anterior é aplicável às servidões legais, qualquer que tenha sido o título da sua constituição: tendo havido indemnização, é esta restituída, no todo ou em parte, conforme as circunstâncias.

4. As servidões referidas nos Artigos 1447º e 1448º também podem ser remidas judicialmente, mostrando o proprietário do prédio serviente que pretende fazer da água um aproveitamento justificado; no que respeita à restituição da indemnização, é aplicável o disposto anteriormente, não podendo, todavia, a remição ser exigida antes de decorridos dez anos sobre a constituição da servidão.

5. A renúncia a que se refere a alínea d) do n.º 1 não requer aceitação do proprietário do prédio serviente.

Artigo 1460º

(Começo do prazo para a extinção pelo não uso)

1. O prazo para a extinção das servidões pelo não uso conta-se a partir do momento em que deixaram de ser usadas; tratando-se de servidões para cujo exercício não é necessário o facto do homem, o prazo corre desde a verificação de algum facto que impeça o seu exercício.

2. Nas servidões exercidas com intervalos de tempo, o prazo corre desde o dia em que poderiam exercer-se e não foi retomado o seu exercício.

3. Se o prédio dominante pertencer a vários proprietários, o uso que um deles fizer da servidão impede a extinção relativamente aos demais.

Artigo 1461º

(Impossibilidade de exercício)

A impossibilidade de exercer a servidão não importa a sua extinção, enquanto não decorrer o prazo da alínea b) do n.º 1 do Artigo 1459º.

Artigo 1462º

(Exercício parcial)

A servidão não deixa de considerar-se exercida por inteiro, quando o proprietário do prédio dominante aproveita apenas uma parte das utilidades que lhe são inerentes.

Artigo 1463º

(Exercício em época diversa)

O exercício da servidão em época diferente da fixada no título não impede a sua extinção pelo não uso, sem prejuízo da possibilidade de aquisição de uma nova servidão por usucapião.

Artigo 1464º

("Usucapio libertatis")

1. A aquisição, por usucapião, da liberdade do prédio só po-de dar-se quando haja, por parte do proprietário do prédio serviente, oposição ao exercício da servidão.

2. O prazo para a usucapião só começa a contar-se desde a oposição.

Artigo 1465º

(Servidões constituídas pelo usufrutuário)

As servidões activas adquiridas pelo usufrutuário não se extinguem pela cessação do usufruto.

LIVRO IV

DIREITO DA FAMÍLIA

TÍTULO I

DISPOSIÇÕES GERAIS

Artigo 1466º

(Fontes das relações jurídicas familiares)

São fontes das relações jurídicas familiares o casamento, o parentesco, a afinidade e a adopção.

Artigo 1467º

(Noção de casamento)

Casamento é o contrato celebrado entre duas pessoas de sexo diferente que pretendem constituir família mediante uma plena comunhão de vida, nos termos das disposições deste Código.

Artigo 1468º

(Noção de parentesco)

Parentesco é o vínculo que une duas pessoas, em consequência de uma delas descender da outra ou de ambas procederem de um progenitor comum.

Artigo 1469º

(Elementos do parentesco)

O parentesco determina-se pelas gerações que vinculam os parentes um ao outro: cada geração forma um grau, e a série dos graus constitui a linha de parentesco.

Artigo 1470º

(Linhas de parentesco)

1. A linha diz-se recta, quando um dos parentes descende do outro; diz-se colateral, quando nenhum dos parentes descende do outro, mas ambos procedem de um progenitor comum.

2. A linha recta é descendente ou ascendente: descendente, quando se considera como partindo do ascendente para o que dele procede; ascendente, quando se considera como partindo deste para o progenitor.

Artigo 1471º

(Cômputo dos graus)

1. Na linha recta há tantos graus quantas as pessoas que formam a linha de parentesco, excluindo o progenitor.

2. Na linha colateral os graus contam-se pela mesma forma, subindo por um dos ramos e descendo pelo outro, mas sem contar o progenitor comum.

Artigo 1472º

(Limites do parentesco)

Salvo disposição da lei em contrário, os efeitos do parentesco produzem-se em qualquer grau da linha recta e até ao sexto grau na colateral.

Artigo 1473º

(Noção de afinidade; elementos e cessação)

1. Afinidade é o vínculo que liga cada um dos cônjuges aos parentes do outro.

2. A afinidade determina-se pelos mesmos graus e linhas que definem o parentesco e não cessa pela dissolução do casamento.

Artigo 1474º

(Noção de adopção)

Adopção é o vínculo que, à semelhança da filiação natural, mas independentemente dos laços do sangue, se estabelece legalmente entre duas pessoas nos termos dos Artigos 1853º e seguintes.

TÍTULO II

DO CASAMENTO

CAPÍTULO I

Modalidades do casamento

Artigo 1475º

(Casamento civil, católico e barlaqueado monogâmico)

1. O casamento é civil, católico ou barlaqueado monogâmico.

2. A lei civil reconhece valor e eficácia de casamento ao matrimónio católico e ao matrimónio barlaqueado monogâmico, nos termos das disposições seguintes.

Artigo 1476º

(Efeitos do casamento católico)

O casamento católico rege-se, quantos aos efeitos civis, pelas normas comuns deste código, salvo disposição em contrário.

Artigo 1477º

(Dualidade de casamentos)

1. O casamento católico contraído por pessoas já ligadas entre si por casamento civil não dissolvido é averbado ao assento, independentemente do processo preliminar de publicações.

2. Não é permitido o casamento civil de duas pessoas unidas por matrimónio católico anterior.

Artigo 1478º

(Casamento barlaqueado monogâmico)

1. O casamento barlaqueado monogâmico é aquele que é celebrado entre duas pessoas de sexo diferente e segundo os usos e costumes de uma determinada região.

2. O casamento barlaqueado monogâmico rege-se, quantos aos efeitos, pelas normas comuns deste código, salvo disposição em contrário.

Artigo 1479º

(Casamentos urgentes)

O casamento urgente que for celebrado sem a presença de funcionário do registo civil, ministro da Igreja Católica ou autoridade comunitária é havido por civil, católico ou barlaqueado monogâmico segundo a intenção das partes, manifestada expressamente ou deduzida das formalidades adoptadas, das crenças dos nubentes ou de quaisquer outros elementos.

CAPÍTULO II

Promessa de casamento

Artigo 1480º

(Ineficácia da promessa)

O contrato pelo qual, a título de esponsais, desposórios ou qualquer outro, duas pessoas de sexo diferente se comprometem a contrair matrimónio não dá direito a exigir a celebração do casamento, nem a reclamar, na falta de cumprimento, outras indemnizações que não sejam as previstas no Artigo 1483º, mesmo quando resultantes de cláusula penal.

Artigo 1481º

(Restituições, nos casos de incapacidade e de retractação)

1. No caso de o casamento deixar de celebrar-se por incapaci-dade ou retractação de algum dos promitentes, cada um deles é obrigado a restituir os donativos que o outro ou terceiro lhe tenha feito em virtude da promessa e na expectativa do casamento, segundo os termos prescritos para a nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico.

2. A obrigação de restituir abrange as cartas e retratos pessoais do outro contraente, mas não as coisas que hajam sido consumidas antes da retractação ou da verificação da incapacidade.

Artigo 1482º

(Restituições no caso de morte)

1. Se o casamento não se efectuar em razão da morte de algum dos promitentes, o promitente sobrevivo pode conservar os donativos do falecido, mas, nesse caso, perde o direito de exigir os que, por sua parte, lhe tenha feito.

2. O mesmo promitente pode reter a correspondência e os retratos pessoais do falecido e exigir a restituição dos que este haja recebido da sua parte.

Artigo 1483º

(Indemnizações)

1. Se algum dos contraentes romper a promessa sem justo motivo ou, por culpa sua, der lugar a que outro se retracte, deve indemnizar o esposado inocente, bem como os pais deste ou terceiros que tenham agido em nome dos pais, quer das despesas feitas, quer das obrigações contraídas na previsão do casamento.

2. Igual indemnização é devida, quando o casamento não se realize por motivo de incapacidade de algum dos contraen-tes, se ele ou os seus representantes houverem procedido com dolo.

3. A indemnização é fixada segundo o prudente arbítrio do tribunal, devendo atender-se, no seu cálculo, não só à medida em que as despesas e obrigações se mostrem razoáveis, perante as circunstâncias do caso e a condição dos contraentes, mas também às vantagens que, independentemente do casamento, umas e outras possam ainda proporcionar.

Artigo 1484º

(Caducidade das acções)

O direito de exigir a restituição dos donativos ou a indemnização caduca no prazo de um ano, contado da data do rompimento da promessa ou da morte do promitente.

CAPÍTULO III

Pressupostos da celebração do casamento

SECÇÃO I

Casamento católico e casamento barlaqueado monogâmico

Artigo 1485º

(Capacidade civil)

O casamento católico e o casamento barlaqueado monogâmico só podem ser celebrados por quem tiver a capacidade matrimonial exigida na lei civil.

Artigo 1486º

(Processo preliminar)

1. A capacidade matrimonial dos nubentes é comprovada por meio do processo preliminar de publicações, organizado nas repartições do registo civil a requerimento dos nubentes ou do pároco respectivo.

2. O consentimento dos pais ou tutor, relativo ao nubente menor, pode ser prestado na presença de duas testemunhas perante o pároco ou autoridade comunitária, consoante o casamento seja católico ou barlaqueado monogâmico, os quais levantam auto de ocorrência, assinando-o com todos os intervenientes.

3. O consentimento referido no número anterior pode ainda ser directamente prestado nas repartições de Registo Civil.

Artigo 1487º

(Certificado da capacidade matrimonial)

1. Verificada no despacho final do processo preliminar a inexistência de impedimento à realização do casamento, o funcionário do registo civil extrai dele o certificado da capacidade matrimonial, que é remetido aos nubentes ou ao pároco e sem o qual o casamento não pode ser celebrado.

2. Se, depois de expedido o certificado, o funcionário tiver conhecimento de algum impedimento, comunica imediata-mente aos nubentes ou ao pároco, a fim de se sobrestar na celebração até ao julgamento respectivo.

Artigo 1488º

(Dispensa do processo preliminar de casamento)

1. O casamento "in articulo mortis", na iminência de parto ou cuja celebração imediata seja expressamente autorizada pelo pároco por grave motivo de ordem moral, pode celebrar-se independentemente do processo preliminar de publicações de passagem do certificado da capacidade matrimonial dos nubentes.

2. Quando haja fundado receio de morte próxima de algum dos nubentes, ou iminência de parto, é permitida a celebra-ção do casamento barlaqueado monogâmico independen-temente do processo preliminar de publicações de passagem do certificado de capacidade matrimonial dos nubentes.

3. A dispensa de processo preliminar não altera as exigências da lei civil quanto à capacidade matrimonial dos nubentes, continuando estes sujeitos às sanções estabelecidas na mesma lei.

SECÇÃO II

Casamento Civil

SUBSECÇÃO I

Impedimentos matrimoniais

Artigo 1489º

(Regra geral)

Têm capacidade para contrair casamento todos aqueles em quem se não verifique algum dos impedimentos matrimoniais previstos na lei.

Artigo 1490º

(Impedimentos dirimentes absolutos)

São impedimentos dirimentes, obstando ao casamento da pessoa a quem respeitam com qualquer outra:

a) A idade inferior a dezasseis anos;

b) A demência notória, mesmo durante os intervalos lúcidos, e a interdição ou inabilitação por anomalia psíquica;

c) O casamento anterior não dissolvido, católico ou civil, ou barlaqueado monogâmico, ainda que o respectivo assento não tenha sido lavrado no registo do estado civil.

Artigo 1491º

(Impedimentos dirimentes relativos)

São também dirimentes, obstando ao casamento entre si das pessoas a quem respeitam, os impedimentos seguintes:

a) O parentesco na linha recta;

b) O parentesco no segundo grau da linha colateral;

c) A afinidade na linha recta;

d) A condenação anterior de um dos nubentes, como autor ou cúmplice, por homicídio doloso, ainda que não consumado, contra o cônjuge do outro.

Artigo 1492º

(Prova da maternidade ou paternidade)

1. A prova da maternidade ou paternidade para efeitos do disposto nas alíneas a), b) e c) do Artigo precedente é sempre admitida no processo preliminar de publicações, mas o reconhecimento do parentesco, quer neste processo, quer na acção de declaração de nulidade ou anulação do casamento, não produz qualquer outro efeito, e não vale sequer como começo de prova em acção de investigação de maternidade ou paternidade.

2. Fica salvo o recurso aos meios ordinários para o efeito de se fazer declarar a inexistência do impedimento em acção proposta contra as pessoas que teriam legitimidade para requerer a declaração de nulidade ou anulação do casamento, com base no impedimento reconhecido.

Artigo 1493º

(Impedimentos impedientes)

São impedimentos impedientes, além de outros designados em leis especiais:

a) A falta de autorização dos pais ou do tutor para o casamento do nubente menor, quando não suprida pelo conservador do registo civil;

b) O prazo internupcial;

c) O parentesco no terceiro grau da linha colateral;

d) O vínculo de tutela, curatela ou administração legal de bens;

e) A acusação do nubente pelo crime de homicídio doloso, ainda que não consumado, contra o cônjuge do outro, enquanto não houver arquivamento ou absolvição por decisão passada em julgado.

Artigo 1494º

(Prazo internupcial)

1. O impedimento do prazo internupcial obsta ao casamento daquele cujo matrimónio anterior foi dissolvido, declarado nulo ou anulado, enquanto não decorrerem sobre a dissolução, declaração de nulidade ou anulação, cento e oitenta ou trezentos dias, conforme se trate de homem ou mulher.

2. É, porém, lícito à mulher contrair novas núpcias passados cento e oitenta dias se obtiver declaração judicial de que não está grávida ou tiver tido algum filho depois da dissolução, declaração de nulidade ou anulação do casamento anterior; se os cônjuges estavam separados judicialmente de pessoas e bens e o casamento se dissolver por morte do marido, pode ainda a mulher celebrar segundo casamento decorridos cento e oitenta dias sobre a data em que transitou em julgado a sentença de separação, se obtiver declaração judicial de que não está grávida ou tiver tido algum filho depois daquela data.

3. Sendo o casamento católico declarado nulo ou dissolvido por dispensa, o prazo conta-se a partir do registo da decisão proferida pelas autoridades eclesiásticas; no caso de divórcio ou anulação do casamento civil, ou do casamento barlaqueado monogâmico o prazo conta-se a partir do trânsito em julgado da respectiva sentença.

Artigo 1495º

(Cessação)

1. Cessa o impedimento do prazo internupcial se os prazos referidos no Artigo anterior já tiverem decorrido desde a data fixada na sentença de divórcio em que findou a coabitação dos cônjuges ou, no caso de conversão da separação judicial de pessoas e bens em divórcio, desde a data em que transitou em julgado a sentença que decretou a separação.

2. O impedimento cessa ainda se o casamento se dissolver por morte de um dos cônjuges, estando estes separados judicialmente de pessoas e bens, quando já tenham decorrido, desde a data do trânsito em julgado da sentença, os prazos fixados nos números anteriores.

Artigo 1496º

(Vínculo de tutela, curatela ou administração legal de bens)

O vínculo de tutela, curatela ou administração legal de bens impede o casamento do incapaz com o tutor, curador ou administrador, ou seus parentes ou afins na linha recta, irmãos, cunhados ou sobrinhos, enquanto não tiver decorrido um ano sobre o termo da incapacidade e não estiverem aprovadas as respectivas contas, se houver lugar a elas.

Artigo 1497º

(Dispensa)

1. São susceptíveis de dispensa os impedimentos seguintes:

a) O parentesco no terceiro grau da linha colateral;

b) O vínculo de tutela, curatela ou administração legal de bens, se as respectivas contas estiverem já aprovadas;

2. A dispensa compete ao conservador do registo civil, que a concede quando haja motivos sérios que justifiquem a celebração do casamento.

3. Se algum dos nubentes for menor, o conservador ouve, sempre que possível, os pais ou o tutor.

SUBSECÇÃO II

Processo preliminar de publicações

Artigo 1498º

(Necessidade e fim do processo de publicações)

A celebração do casamento é precedida de um processo de publicações, regulado nas leis do registo civil e destinado à verificação da inexistência de impedimentos.

Artigo 1499º

(Declaração de impedimentos)

1. Até ao momento da celebração do casamento, qualquer pessoa pode declarar os impedimentos de que tenha conhecimento.

2. A declaração é obrigatória para o Ministério Público e para os funcionários do registo civil logo que tenham conhecimento do impedimento.

3. Feita a declaração, o casamento só é celebrado se o impedi-mento cessar, for dispensado nos termos do Artigo 1497º ou for julgado improcedente por decisão judicial com trânsito em julgado.

Artigo 1500º

(Autorização dos pais ou do tutor)

1. A autorização para o casamento de menor de dezassete anos e maior de dezasseis deve ser concedida pelos progenitores que exerçam o poder paternal, ou pelo tutor.

2. Pode o conservador do registo civil suprir a autorização a que se refere o número anterior se razões ponderosas justificarem a celebração do casamento e o menor tiver suficiente maturidade física e psíquica.

Artigo 1501º

(Despacho final)

Findo o processo preliminar e os processos judiciais a que este der causa, cabe ao funcionário do registo civil proferir despacho final, no qual autoriza os nubentes a celebrar o casamento ou manda arquivar o processo.

Artigo 1502º

(Prazo para a celebração do casamento)

Autorizada a realização do casamento, este deve celebrar-se dentro dos noventa dias seguintes.

CAPÍTULO IV

Celebração do casamento civil e do casamento barlaqueado monogâmico

SECÇÃO I

Disposições gerais

Artigo 1503º

(Publicidade e solenidade)

1. A celebração do casamento é pública e está sujeita às solenidades fixadas nas leis do registo civil.

2. A celebração do casamento barlaqueado monogâmico é pública e feita da seguinte forma:

a) Proclamação oral de que vai celebrar-se o casamento, feita pelos Lia-Nains de ambos os nubentes;

b) Declaração expressa ou tácita de cada um dos nubentes;

c) Redacção da acta do casamento em papel comum.

Artigo 1504º

(Pessoas que devem intervir)

1. É indispensável para a celebração do casamento a presença:

a) Dos contraentes, ou de um deles e do procurador do outro;

b) Do funcionário do registo civil;

c) De duas testemunhas, sempre que exigida na lei do registo civil.

2. É indispensável para a celebração do casamento barla-queado monogâmico a presença:

a) Dos contraentes;

b) Dos respectivos Lia-Nains, que presidem;

c) Das autoridades comunitárias;

d) De pelo menos duas testemunhas maiores ou plenamente emancipadas.

Artigo 1505º

(Actualidade do mútuo consenso)

A vontade dos nubentes só é relevante quando manifestada no próprio acto da celebração do casamento.

Artigo 1506º

(Aceitação dos efeitos do casamento)

1. A vontade de contrair casamento importa aceitação de todos os efeitos legais do matrimónio, sem prejuízo das legítimas estipulações dos esposos em convenção antenupcial.

2. Consideram-se não escritas as cláusulas pelas quais os nubentes, em convenção antenupcial, no momento da celebração do casamento ou em outro acto, pretendam modificar os efeitos do casamento, ou submetê-lo a condição, a termo ou à preexistência de algum facto.

Artigo 1507º

(Carácter pessoal do mútuo consenso)

A vontade de contrair casamento é estritamente pessoal em relação a cada um dos nubentes.

Artigo 1508º

(Casamento por procuração)

1. É lícito a um dos nubentes fazer-se representar por procurador na celebração do casamento.

2. A procuração deve conter poderes especiais para o acto, a designação expressa do outro nubente e a indicação da modalidade do casamento.

Artigo 1509º

(Revogação e caducidade da procuração)

1. Cessam todos os efeitos da procuração pela revogação dela, pela morte do constituinte ou do procurador, ou pela interdição ou inabilitação de qualquer deles em consequência de anomalia psíquica.

2. O constituinte pode revogar a todo o tempo a procuração, mas é responsável pelo prejuízo que causar se, por culpa sua, o não fizer a tempo de evitar a celebração do casamento.

SECÇÃO II

Casamentos urgentes

Artigo 1510º

(Celebração)

1. Quando haja fundado receio de morte próxima de algum dos nubentes, ou iminência de parto, é permitida a celebração do casamento independentemente do processo preliminar de publicações e sem a intervenção do funcio-nário do registo civil.

2. Do casamento urgente é lavrado, oficiosamente, um assento provisório.

3. O funcionário do registo civil é obrigado a lavrar o assento provisório, desde que lhe seja apresentada, para esse fim, a acta do casamento urgente, nas condições prescritas nas leis do registo civil.

Artigo 1511º

(Homologação do casamento)

1. Lavrado o assento provisório, o funcionário decide se o casamento deve ser homologado.

2. Se não tiver já corrido, o processo de publicações é organizado oficiosamente e a decisão sobre a homologação é proferida no despacho final deste processo.

Artigo 1512º

(Causas justificativas da não homologação)

1. O casamento não pode ser homologado:

a) Se não se verificarem os requisitos exigidos por lei, ou não tiverem sido observadas as formalidades prescritas para a celebração do casamento urgente e para a realização do respectivo registo provisório;

b) Se houver indícios sérios de serem supostos ou falsos esses requisitos ou formalidades;

c) Se existir algum impedimento dirimente;

d) Se o casamento tiver sido considerado como católico pelas autoridades eclesiásticas e, como tal, se encontrar transcrito;

e) Se o casamento tiver sido considerado como barla-queado monogâmico pelos Lia-Nains e, como tal, se encontrar transcrito.

2. Se o casamento não for homologado, o assento provisório é cancelado.

3. Do despacho que recusar a homologação podem os cônjuges ou seus herdeiros, bem como o Ministério Público, recorrer para o tribunal, a fim de ser declarada a validade do casamento.

CAPÍTULO V

Invalidade do casamento

SECÇÃO I

Casamento católico

Artigo 1513º

(Competência dos tribunais eclesiásticos)

O conhecimento das causas respeitantes à nulidade do casamento católico e à dispensa do casamento rato e não consumado é reservado aos tribunais e às repartições eclesiásticas competentes.

Artigo 1514º

(Processo)

1. As decisões dos tribunais e repartições eclesiásticas, quando definitivas, sobem ao Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica para verificação, e são depois, com os decretos desse Tribunal, transmitidas por via diplomática ao Supremo Tribunal de Justiça, que as torna executórias, independentemente de revisão e confirmação, e manda que sejam averbadas no registo civil.

2. O tribunal eclesiástico pode requisitar aos tribunais judiciais a citação ou notificação das partes, peritos ou testemunhas, bem como diligências de carácter probatório ou de outra natureza.

SECÇÃO II

Casamento barlaqueado monogâmico

Artigo 1515.º

(Invalidade do casamento barlaqueado monogâmico)

A invalidade do casamento barlaqueado monogâmico rege-se pelas normas deste Código aplicáveis à invalidade do casamento civil, com as necessárias adaptações.

SECÇÃO III

Casamento Civil

SUBSECÇÃO I

Disposição geral

Artigo 1516º

(Regra de validade)

É válido o casamento civil relativamente ao qual não se verifique alguma das causas de inexistência jurídica, ou de anulabilidade, especificadas na lei.

SUBSECÇÃO II

Inexistência do casamento

Artigo 1517º

(Casamentos inexistentes)

1. É juridicamente inexistente:

a) O casamento celebrado perante quem não tinha competência funcional para o acto, salvo tratando-se de casamento urgente;

b) O casamento urgente que não tenha sido homologado;

c) O casamento em cuja celebração tenha faltado a declaração da vontade de um ou ambos os nubentes, ou do procurador de um deles;

d) O casamento contraído por intermédio de procurador, quando celebrado depois de terem cessado os efeitos da procuração, ou quando esta não tenha sido outorgada por quem nela figura como constituinte, ou quando seja nula por falta de concessão de poderes especiais para o acto ou de designação expressa do outro contraente;

e) O casamento contraído por duas pessoas do mesmo sexo.

2. Não se considera, porém, juridicamente inexistente o casamento celebrado perante quem, sem ter competência funcional para o acto, exercia publicamente as correspon-dentes funções, salvo se ambos os nubentes, no momento da celebração, conheciam a falta daquela competência.

Artigo 1518º

(Regime da inexistência)

1. O casamento juridicamente inexistente não produz qualquer efeito jurídico e nem sequer é havido como putativo.

2. A inexistência pode ser invocada por qualquer pessoa, a todo o tempo, independentemente de declaração judicial.

SUBSECÇÃO III

Anulabilidade do casamento

DIVISÃO I

Disposições gerais

Artigo 1519º

(Causas de anulabilidade)

É anulável o casamento:

a) Contraído com algum impedimento dirimente;

b) Celebrado, por parte de um ou de ambos os nubentes, com falta de vontade ou com a vontade viciada por erro ou coacção;

c) Celebrado sem a presença das testemunhas quando exigida por lei.

Artigo 1520º

(Necessidade da acção de anulação)

A anulabilidade do casamento não é invocável para nenhum efeito, judicial ou extrajudicial, enquanto não for reconhecida por sentença em acção especialmente intentada para esse fim.

Artigo 1521º

(Validação do casamento)

1. Considera-se sanada a anulabilidade, e válido o casamento desde o momento da celebração, se antes de transitar em julgado a sentença de anulação ocorrer algum dos seguintes factos:

a) Ser o casamento de menor não núbil confirmado por este, perante o funcionário do registo civil e de duas testemunhas, depois de atingir a maioridade;

b) Ser o casamento do interdito ou inabilitado por anomalia psíquica confirmado por ele, nos termos da alínea precedente, depois de lhe ser levantada a interdição ou inabilitação ou, tratando-se de demência notória, depois de o demente fazer verificar judicialmente o seu estado de sanidade mental;

c) Ser declarado nulo ou anulado o primeiro casamento do bígamo;

d) Ser a falta de testemunhas devida a circunstâncias atendíveis, como tais reconhecidas pelo Ministro da Justiça, desde que não haja dúvidas sobre a celebração do acto.

2. Não é aplicável ao casamento o disposto no n.º 2 do Artigo 278º.

DIVISÃO II

Falta ou vícios da vontade

Artigo 1522º

(Presunção da vontade)

A declaração da vontade, no acto da celebração, constitui presunção não só de que os nubentes quiseram contrair o matrimónio, mas de que a sua vontade não está viciada por erro ou coacção.

Artigo 1523º

(Anulabilidade por falta de vontade)

O casamento é anulável por falta de vontade:

a) Quando o nubente, no momento da celebração, não tinha a consciência do acto que praticava, por incapacidade acidental ou outra causa;

b) Quando o nubente estava em erro acerca da identidade física do outro contraente;

c) Quando a declaração da vontade tenha sido extorquida por coacção física;

d) Quando tenha sido simulado.

Artigo 1524º

(Erro que vicia a vontade)

O erro que vicia a vontade só é relevante para efeitos de anulação quando recaia sobre qualidades essenciais da pessoa do outro cônjuge, seja desculpável e se mostre que sem ele, razoavelmente, o casamento não teria sido celebrado.

Artigo 1525º

(Coacção moral)

1. É anulável o casamento celebrado sob coacção moral, con-tanto que seja grave o mal com que o nubente é ilicitamente ameaçado, e justificado o receio da sua consumação.

2. É equiparada à ameaça ilícita o facto de alguém, consciente e ilicitamente, extorquir ao nubente a declaração da vontade mediante a promessa de o libertar de um mal fortuito ou causado por outrem.

DIVISÃO III

Legitimidade

Artigo 1526º

(Anulação fundada em impedimento dirimente)

1. Têm legitimidade para intentar a acção de anulação fundada em impedimento dirimente, ou para prosseguir nela, os cônjuges, ou qualquer parente deles na linha recta ou até ao quarto grau da linha colateral, bem como os herdeiros e adoptantes dos cônjuges, e o Ministério Público.

2. Além das pessoas mencionadas no número precedente, podem ainda intentar a acção, ou prosseguir nela, o tutor ou curador, no caso de menoridade, interdição ou inabilitação por anomalia psíquica, e o primeiro cônjuge do infractor, no caso de bigamia.

Artigo 1527º

(Anulação fundada na falta de vontade)

1. A anulação por simulação pode ser requerida pelos próprios cônjuges ou por quaisquer pessoas prejudicadas com o casamento.

2. Nos restantes casos de falta de vontade, a acção de anulação só pode ser proposta pelo cônjuge cuja vontade faltou; mas podem prosseguir nela os seus parentes, afins na linha recta, herdeiros ou adoptantes, se o autor falecer na pendência da causa.

Artigo 1528º

(Anulação fundada em vícios da vontade)

A acção de anulação fundada em vícios da vontade só pode ser intentada pelo cônjuge que foi vítima do erro ou da coacção; mas podem prosseguir na acção os seus parentes, afins na linha recta, herdeiros ou adoptantes, se o autor falecer na pendência da causa.

Artigo 1529º

(Anulação fundada na falta de testemunhas)

A acção de anulação por falta de testemunhas só pode ser proposta pelo Ministério Público.

DIVISÃO IV

Prazos

Artigo 1530º

(Anulação fundada em impedimento dirimente)

1. A acção de anulação fundada em impedimento dirimente deve ser instaurada:

a) Nos casos de menoridade, interdição ou inabilitação por anomalia psíquica ou demência notória, quando proposta pelo próprio incapaz, até seis meses depois de ter atingido a maioridade, de lhe ter sido levantada a interdição ou inabilitação ou de a demência ter cessado; quando proposta por outra pessoa, dentro dos três anos seguintes à celebração do casamento, mas nunca depois da maioridade, do levantamento da incapacidade ou da cessação da demência;

b) No caso de condenação por homicídio contra o cônjuge de um dos nubentes, no prazo de três anos a contar da celebração do casamento;

c) Nos outros casos, até seis meses depois da dissolução do casamento.

2. O Ministério Público só pode propor a acção até à dissolução do casamento.

3. Sem prejuízo do prazo fixado na alínea c) do n.º 1, a acção de anulação fundada na existência de casamento anterior não dissolvido não pode ser instaurada, nem prosseguir, enquanto estiver pendente acção de declaração de nulidade ou anulação do primeiro casamento do bígamo.

Artigo 1531º

(Anulação fundada na falta de vontade)

A acção de anulação por falta de vontade de um ou ambos os nubentes só pode ser instaurada dentro dos três anos subsequentes à celebração do casamento ou, se este era ignorado do requerente, nos seis meses seguintes ao momento em que dele teve conhecimento.

Artigo 1532º

(Anulação fundada em vícios da vontade)

A acção de anulação fundada em vícios da vontade caduca, se não for instaurada dentro dos seis meses subsequentes à cessação do vício.

Artigo 1533º

(Anulação fundada na falta de testemunhas)

A acção de anulação por falta de testemunhas só pode ser intentada dentro do ano posterior à celebração do casamento.

CAPÍTULO VI

Casamento putativo

Artigo 1534º

(Efeitos do casamento declarado nulo ou anulado)

1. O casamento civil anulado, quando contraído de boa fé por ambos os cônjuges, produz os seus efeitos em relação a estes e a terceiros até ao trânsito em julgado da respectiva sentença.

2. Se apenas um dos cônjuges o tiver contraído de boa fé, só esse cônjuge pode arrogar-se os benefícios do estado matri-monial e opô-los a terceiros, desde que, relativamente a estes, se trate de mero reflexo das relações havidas entre os cônjuges.

3. O casamento católico declarado nulo pelos tribunais e repartições eclesiásticas produz os seus efeitos, nos termos dos números anteriores, até ao averbamento da decisão, desde que esteja transcrito no registo civil.

4. O casamento barlaqueado monogâmico anulado produz os seus efeitos, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do presente Artigo, até ao trânsito em julgado da respectiva sentença.

Artigo 1535º

(Boa fé)

1. Considera-se de boa fé o cônjuge que tiver contraído o casamento na ignorância desculpável do vício causador da nulidade ou anulabilidade, ou cuja declaração de vontade tenha sido extorquida por coacção física ou moral.

2. É da exclusiva competência dos tribunais do Estado o conhecimento judicial da boa fé.

3. A boa fé dos cônjuges presume-se.

CAPÍTULO VII

Sanções especiais

Artigo 1536º

(Casamento de menores)

1. O menor que casar sem ter obtido a autorização dos pais ou do tutor, ou o respectivo suprimento judicial, continua a ser considerado menor quanto à administração de bens que leve para o casal ou que posteriormente lhe advenham por título gratuito até à maioridade, mas dos rendimentos desses são arbitrados os alimentos necessários ao seu estado.

2. Os bens subtraídos à administração do menor são administrados pelos pais, tutor ou administrador legal, não podendo em caso algum ser entregues à administração do outro cônjuge durante a menoridade do seu consorte; além disso, não respondem, nem antes nem depois da dissolução do casamento, por dívidas contraídas por um ou ambos os cônjuges no mesmo período.

Artigo 1537º

(Casamento com impedimento impediente)

1. Aquele que contrair novo casamento sem respeitar o prazo internupcial perde todos os bens que tenha recebido por doação ou testamento do seu primeiro cônjuge.

2. A infracção do disposto nas alíneas c), d) e e) do Artigo 1493º importa, respectivamente, para o tio ou tia, para o tutor, curador ou administrador ou seus parentes ou afins na linha recta, irmãos, cunhados ou sobrinhos, e para o adoptante, seu cônjuge ou parentes na linha recta, a incapacidade para receberem do seu consorte qualquer benefício por doação ou testamento.

CAPÍTULO VIII

Registo do casamento

SECÇÃO I

Disposições gerais

Artigo 1538º

(Casamentos sujeitos a registo)

1. É obrigatório o registo:

a) Dos casamentos celebrados em Timor-Leste por qualquer das formas previstas na lei timorense;

b) Dos casamentos de timorense ou timorenses celebrados no estrangeiro;

c) Dos casamentos dos estrangeiros que, depois de o celebrarem, adquiram a nacionalidade timorense.

2. São admitidos a registo, a requerimento de quem mostre legítimo interesse no assento, quaisquer outros casamentos que não contrariem os princípios fundamentais da ordem pública internacional do Estado timorense.

Artigo 1539º

(Forma do registo)

O registo do casamento consiste no assento, que é lavrado por inscrição ou transcrição, na conformidade das leis do registo.

Artigo 1540º

(Prova do casamento para efeitos do registo)

1. Na acção judicial proposta para suprir a omissão ou perda do registo do casamento presume-se a existência deste, sempre que as pessoas vivam ou tenham vivido na posse do estado de casado.

2. Existe posse de estado quando se verifiquem, cumulativa-mente, as seguintes condições:

a) Viverem as pessoas como casadas;

b) Serem reputadas como tais nas relações sociais, especialmente nas respectivas famílias.

SECÇÃO II

Registo por transcrição

SUBSECÇÃO I

Disposição geral

Artigo 1541º

(Casos de transcrição)

São lavrados por transcrição:

a) Os assentos dos casamentos católicos ou barlaqueado monogâmicos celebrados em Timor-Leste;

b) Os assentos de qualquer modalidade de casamento urgente prevista no presente diploma e celebrados em Timor-Leste;

c) Os assentos dos casamento católicos ou civis celebrados no estrangeiro por timorenses, ou por estrangeiros que adquiram a nacionalidade timorense;

d) Os assentos mandados lavrar por decisão judicial;

e) Os assentos dos casamentos admitidos a registo, a requerimento dos interessados, nos termos do n.º 2 do Artigo 1538º;

f) Os assentos dos casamentos que devam passar a constar dos livros de repartição diversa daquela onde originaria-mente foram registados.

SUBSECÇÃO II

Transcrição dos casamentos católicos e barlaqueados monogâmicos celebrados em Timor-Leste

Artigo 1542º

(Remessa do duplicado ou certidão do assento)

1. No caso de o casamento católico ser celebrado em Timor-Leste, o pároco é obrigado a enviar aos serviços do registo civil o duplicado do assento paroquial, a fim de ser transcrito no livro de casamentos.

2. Nos casamentos cuja celebração imediata haja sido autorizada pelo pároco, é remetida com o duplicado uma cópia da autorização autenticada com a assinatura do pároco.

3. A autoridade comunitária que testemunhar a celebração do casamento barlaqueado monogâmico é obrigada a enviar à conservatória competente o duplicado da acta do casamento.

Artigo 1543º

(Dispensa da remessa de duplicado)

A obrigação da remessa de duplicado não é aplicável:

a) Ao casamento de consciência, cujo assento só é transcrito perante certidão de teor e mediante denúncia feita pelo pároco, bem como aos casamentos celebrados nos termos do Artigo 1488º deste Código e que não possam ser transcritos;

b) Ao casamento em que, logo após a celebração, se verifique a necessidade de convalidar o acto, mediante a renovação da manifestação de vontade dos cônjuges na forma canónica, bastando remeter à repartição do registo civil, quando assim seja, o duplicado do assento paroquial da nova celebração.

Artigo 1544º

(Recusa da transcrição do casamento católico)

1. A transcrição do casamento católico deve ser recusada:

a) Se o funcionário a quem o duplicado é enviado for incompetente;

b) Se o duplicado ou certidão do assento paroquial não contiver as indicações exigidas na lei ou as assinaturas devidas;

c) Se o funcionário tiver fundadas dúvidas acerca da identidade dos contraentes;

d) Se no momento da celebração for oponível ao casamento algum impedimento dirimente;

e) Se, tratando-se de casamento que possa legalmente ser celebrado sem precedência do processo de publicações, existir no momento da celebração o impedimento de falta de idade nupcial, o impedimento de interdição ou inabilitação por anomalia psíquica reconhecida por sentença com trânsito em julgado ou o de casamento civil anterior não dissolvido, desde que, em qualquer dos casos, o impedimento ainda subsista.

2. A morte de um ou ambos os cônjuges não obsta, em caso algum, à transcrição.

3. A recusa da transcrição é notificada aos nubentes, pes-soalmente ou por meio de carta registada e dela cabe recurso hierárquico.

Artigo 1545º

(Recusa da transcrição do casamento barlaqueado monogâmico)

1. A transcrição do casamento barlaqueado monogâmico é recusada nos seguintes casos:

a) Se a Repartição do Registo Civil à qual o duplicado da acta foi enviada for incompetente;

b) Se o duplicado não cumprir as formalidades exigidas por lei;

c) Se no momento da celebração for oponível ao casamento algum impedimento dirimente previsto na lei civil.

2. A morte de um ou de ambos os nubentes não obsta à transcrição.

3. A recusa da transcrição é notificada aos nubentes, pessoalmente ou por meio de carta registada e dela cabe recurso hierárquico.

Artigo 1546º

(Transcrição na falta de processo preliminar)

Se o casamento católico ou o casamento barlaqueado monogâ-mico não houver sido precedido do processo de publicações, a transcrição só se efectua depois de organizado esse processo.

Artigo 1547º

(Realização da transcrição)

1. A transcrição do duplicado ou da certidão do assento paroquial de casamento católico é comunicada ao pároco.

2. A transcrição do duplicado da acta do casamento barlaqueado monogâmico é comunicada aos nubentes.

3. Na falta de remessa do duplicado ou da certidão do assento paroquial pelo pároco, ou do duplicado da acta do casamento pela autoridade comunitária, a transcrição pode ser feita a todo o tempo, em face do documento necessário, a requerimento de qualquer interessado ou do Ministério Público.

4. A falta do assento paroquial ou do duplicado da acta do casamento é suprível mediante acção judicial.

Artigo 1548º

(Efectivação da transcrição, depois de recusada)

A transcrição recusada com base nos impedimentos dirimentes que a ela podem obstar deve ser efectuada oficiosamente, ou por iniciativa do Ministério Público ou de qualquer interessado, logo que cessar o impedimento que deu causa à recusa.

Artigo 1549º

(Sanação e convalidação do casamento católico)

1. A sanação do casamento católico nulo, mas transcrito, é averbada à margem do assento respectivo, mediante comunicação do pároco, feita no interesse dos cônjuges e com o consentimento do pároco do lugar da celebração.

2. No caso de convalidação simples do casamento nulo, mas transcrito, operada pela renovação da manifestação de vontade de ambos os cônjuges na forma canónica, o pároco lavra novo assento e dele envia duplicado aos serviços do registo civil no prazo de cinco dias, a fim de aí ser transcrito nos termos gerais.

3. Feita a transcrição, é cancelado o primeiro assento do casamento convalidado, sem prejuízo dos direitos de terceiro.

SUBSECÇÃO III

Transcrição dos casamentos civis urgentes

Artigo 1550º

(Conteúdo do assento)

O despacho que homologar o casamento civil urgente fixa o conteúdo do assento, de acordo com o registo provisório, documentos juntos e diligências efectuadas.

Artigo 1551º

(Transcrição)

1. A transcrição é feita com base no despacho de homolo-gação, trasladando-se para o assento apenas os elementos normais do registo, acrescidos da referência à natureza especial do casamento transcrito.

2. A transcrição é cancelada, se o casamento for havido como católico pelas autoridades eclesiásticas e, como tal, se encontrar transcrito, sem prejuízo dos direitos de terceiro.

SUBSECÇÃO IV

Transcrição dos casamentos de timorenses no estrangeiro

Artigo 1552º

(Registo consular)

O casamento entre timorenses, ou entre timorense e estrangeiro, celebrado fora do País, é registado no consulado competente, ainda que do facto do casamento advenha para o nubente timorense a perda desta nacionalidade.

Artigo 1553º

(Forma do registo)

1. O registo é lavrado por inscrição, se o casamento for cele-brado perante o agente diplomático ou consular timorense, e, nos outros casos, por transcrição do documento comprovativo do casamento, passado de harmonia com a lei do lugar da celebração e devidamente legalizado.

2. A transcrição pode ser requerida a todo o tempo por qual-quer interessado, e deve ser promovida pelo agente diplo-mático ou consular competente logo que tenha conhecimento da celebração do casamento.

Artigo 1554º

(Processo preliminar)

1. Se o casamento não tiver sido precedido das publicações exigidas na lei, o cônsul organiza o respectivo processo.

2. No despacho final, o cônsul relata as diligências feitas e as informações recebidas da repartição competente, e decidi se o casamento pode ou não ser transcrito.

Artigo 1555º

(Recusa da transcrição)

A transcrição é recusada se, pelo processo de publicações ou por outro modo, o cônsul verificar que o casamento foi celebrado com algum impedimento que o torne anulável; sendo o casamento católico, a transcrição só é recusada nos mesmos termos em que o pode ser a transcrição dos casamentos católicos celebrados em Timor-Leste.



SUBSECÇÃO V

Transcrição dos casamentos admitidos a registo

Artigo 1556º

(Processo de transcrição)

1. O registo dos casamentos a que se refere o n.º 2 do Artigo 1538º é efectuado por transcrição, com base nos documentos que os comprovem, lavrados de acordo com a lei do lugar da celebração.

2. O registo, porém, só pode realizar-se mediante prova de que não há ofensa dos princípios fundamentais da ordem pública internacional do Estado Timorense.

SECÇÃO III

Efeitos do registo

Artigo 1557º

(Atendibilidade do casamento)

O casamento cujo registo é obrigatório não pode ser invocado, seja pelos cônjuges ou seus herdeiros, seja por terceiro, enquanto não for lavrado o respectivo assento, sem prejuízo das excepções previstas neste código.

Artigo 1558º

(Efeito retroactivo do registo)

1. Efectuado o registo, e ainda que venha a perder-se, os efeitos civis do casamento retrotraem-se à data da sua celebração.

2. Ficam, porém, ressalvados os direitos de terceiro que sejam compatíveis com os direitos e deveres de natureza pessoal dos cônjuges e dos filhos, a não ser que, tratando-se de casamento católico celebrado em Timor-Leste, a sua transcrição tenha sido feita dentro dos sete dias subsequentes à celebração.

CAPÍTULO IX

Efeitos do casamento quanto às pessoas e aos bens dos cônjuges

SECÇÃO I

Disposições gerais

Artigo 1559º

(Igualdade dos cônjuges)

1. O casamento baseia-se na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges.

2. A direcção da família pertence a ambos os cônjuges, que devem acordar sobre, a orientação da vida em comum tendo em conta o bem da família e os interesses de um e outro.

Artigo 1560º

(Deveres dos cônjuges)

Os cônjuges estão reciprocamente vinculados pelos deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência.

Artigo 1561º

(Residência da família)

1. Os cônjuges devem escolher de comum acordo a residência da família, atendendo, nomeadamente, às exigências da sua vida profissional e aos interesses dos filhos e procurando salvaguardar a unidade da vida familiar.

2. Salvo motivos ponderosos em contrário, os cônjuges devem adoptar a residência da família.

3. Na falta de acordo sobre a fixação ou alteração da residência da família, decide o tribunal a requerimento de qualquer dos cônjuges.

Artigo 1562º

(Dever de cooperação)

O dever de cooperação importa para os cônjuges a obrigação de socorro e auxílio mútuos e a de assumirem em conjunto as responsabilidades inerentes à vida da família que fundaram.

Artigo 1563º

(Dever de assistência)

1. O dever de assistência compreende a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir para os encargos da vida famili-ar.

2. O dever de assistência mantém-se durante a separação de facto se esta não for imputável a qualquer dos cônjuges.

3. Se a separação de facto for imputável a um dos cônjuges, ou a ambos, o dever de assistência só incumbe, em princípio, ao único ou principal culpado; o tribunal pode, todavia, excepcionalmente e por motivos de equidade, impor esse dever ao cônjuge inocente ou menos culpado, considerando, em particular, a duração do casamento e a colaboração que o outro cônjuge tenha prestado à economia do casal.

Artigo 1564º

(Dever de contribuir para os encargos da vida familiar)

1. O dever de contribuir para os encargos da vida familiar incumbe a ambos os cônjuges, de harmonia com as possibilidades de cada um, e pode ser cumprido, por qualquer deles, pela afectação dos seus recursos àqueles encargos e pelo trabalho despendido no lar ou na manutenção e educação dos filhos.

2. Se a contribuição de um dos cônjuges para os encargos da vida familiar exceder a parte que lhe pertencia nos termos do número anterior, presume-se a renúncia ao direito de exigir do outro a correspondente compensação.

3. Não sendo prestada a contribuição devida, qualquer dos cônjuges pode exigir que lhe seja directamente entregue a parte dos rendimentos ou proventos do outro que o tribunal fixar.

Artigo 1565º

(Direito ao nome)

1. Cada um dos cônjuges conserva os seus próprios apelidos, mas pode acrescentar-lhes apelidos do outro até ao máximo de dois.

2. A faculdade conferida na segunda parte do número anterior não pode ser exercida por aquele que conserve apelidos do cônjuge de anterior casamento.

Artigo 1566º

(Viuvez e segundas núpcias)

O cônjuge que tenha acrescentado ao seu nome apelidos do outro conserva-os em caso de viuvez e, se o declarar até à celebração do novo casamento, mesmo depois das segundas núpcias.

Artigo 1567º

(Divórcio e separação judicial de pessoas e bens)

1. Decretada a separação judicial de pessoas e bens, cada um dos cônjuges conserva os apelidos do outro que tenha adoptado; no caso de divórcio, pode conservá-los se o ex-cônjuge der o seu consentimento ou o tribunal o autorizar, tendo em atenção os motivos invocados.

2. O consentimento do ex-cônjuge pode ser prestado por documento autêntico ou autenticado, termo lavrado em juízo ou declaração perante o funcionário do registo civil.

3. O pedido de autorização judicial do uso dos apelidos do ex-cônjuge pode ser deduzido no processo de divórcio ou em processo próprio, mesmo depois de o divórcio ter sido decretado.

Artigo 1568º

(Privação judicial do uso do nome)

1. Falecido um dos cônjuges ou decretada a separação judicial de pessoas e bens ou o divórcio, o cônjuge que conserve apelidos do outro pode ser privado pelo tribunal do direito de os usar quando esse uso lese gravemente os interesses morais do outro cônjuge ou da sua família.

2. Têm legitimidade para o pedido de privação do uso do nome, no caso de separação judicial de pessoas e bens ou divórcio, o outro cônjuge ou ex-cônjuge, e, no caso de viuvez, os descendentes, ascendentes e irmãos do cônjuge falecido.

Artigo 1569º

(Exercício de profissão ou outra actividade)

Cada um dos cônjuges pode exercer qualquer profissão ou actividade sem o consentimento do outro.

Artigo 1570º

(Administração dos bens do casal)

1. Cada um dos cônjuges tem a administração dos seus bens próprios.

2. Cada um dos cônjuges tem ainda a administração:

a) Dos proventos que receba pelo seu trabalho;

b) Dos seus direitos de autor;

c) Dos bens comuns por ele levados para o casamento ou adquiridos a título gratuito depois do casamento, bem como dos sub-rogados em lugar deles;

d) Dos bens que tenham sido doados ou deixados a ambos os cônjuges com exclusão da administração do outro cônjuge, salvo se se tratar de bens doados ou deixados por conta da legítima desse outro cônjuge;

e) Dos bens móveis, próprios do outro cônjuge ou comuns, por ele exclusivamente utilizados como instrumento de trabalho;

f) Dos bens próprios do outro cônjuge, se este se encon-trar impossibilitado de exercer a administração por se achar em lugar remoto ou não sabido ou por qualquer outro motivo, e desde que não tenha sido conferida procuração bastante para administração desses bens;

g) Dos bens próprios do outro cônjuge se este lhe conferir por mandato esse poder.

3. Fora dos casos previstos no número anterior, cada um dos cônjuges tem legitimidade para a prática de actos de administração ordinária relativamente aos bens comuns do casal; os restantes actos de administração só podem ser praticados com o consentimento de ambos os cônjuges.

Artigo 1571º

(Providências administrativas)

O cônjuge que não tem a administração dos bens não está inibido de tomar providências a ela respeitantes, se o outro se encontrar, por qualquer causa, impossibilitado de o fazer, e do retardamento das providências puderem resultar prejuízos.

Artigo 1572º

(Depósitos bancários)

Qualquer que seja o regime de bens, pode cada um dos cônjuges fazer depósitos bancários em seu nome exclusivo e movimentá-los livremente.

Artigo 1573º

(Exercício da administração)

1. O cônjuge que administrar bens comuns ou próprios do outro cônjuge, ao abrigo do disposto nas alíneas a) a f) do n.º2 do Artigo 1570º, não é obrigado a prestar contas da sua administração, mas responde pelos actos intencionalmente praticados em prejuízo do casal ou do outro cônjuge.

2. Quando a administração, por um dos cônjuges, dos bens comuns ou próprios do outro se fundar em mandato, são aplicáveis as regras deste contrato, mas, salvo se outra coisa tiver sido estipulada, o cônjuge administrador só tem de prestar contas e entregar o respectivo saldo, se o houver, relativamente a actos praticados durante os últimos cinco anos.

3. Se um dos cônjuges entrar na administração dos bens próprios do outro ou de bens comuns cuja administração lhe não caiba, sem mandato escrito mas com conhecimento e sem oposição expressa do outro cônjuge, é aplicável o disposto no número anterior; havendo oposição, o cônjuge administrador responde como possuidor de má fé.

Artigo 1574º

(Alienação ou oneração de móveis)

1. A alienação ou oneração de móveis comuns cuja adminis-tração caiba aos dois cônjuges carece do consentimento de ambos, salvo se se tratar de acto de administração ordinária.

2. Cada um dos cônjuges tem legitimidade para alienar ou onerar, por acto entre vivos, os móveis próprios ou comuns de que tenha a administração, nos termos do n.º 1 do Artigo 1570º e das alíneas a) a f) do n.º 2 do mesmo Artigo, ressalvado o disposto nos números seguintes.

3. Carece do consentimento de ambos os cônjuges a alienação ou oneração:

a) De móveis utilizados conjuntamente por ambos os cônjuges na vida do lar ou como instrumento comum de trabalho;

b) De móveis pertencentes exclusivamente ao cônjuge que os não administra, salvo tratando-se de acto de administração ordinária.

4. Quando um dos cônjuges, sem consentimento do outro, alienar ou onerar, por negócio gratuito, móveis comuns de que tem a administração, é o valor dos bens alheados ou a diminuição de valor dos onerados levado em conta na sua meação, salvo tratando-se de doação remuneratória ou de donativo conforme aos usos sociais.

Artigo 1575º

(Alienação ou oneração de imóveis e de estabelecimento comercial)

1. Carece do consentimento de ambos os cônjuges, salvo se entre eles vigorar o regime de separação de bens:

a) A alienação, oneração, arrendamento ou constituição de outros direitos pessoais de gozo sobre imóveis próprios ou comuns;

b) A alienação, oneração ou locação de estabelecimento comercial, próprio ou comum.

2. A alienação, oneração, arrendamento ou constituição de outros direitos pessoais de gozo sobre a casa de morada da família carece sempre do consentimento de ambos os cônjuges.

Artigo 1576º

(Disposição do direito ao arrendamento)

Relativamente à casa de morada de família, carecem do consentimento de ambos os cônjuges:

a) A resolução ou denúncia do contrato de arrendamento pelo arrendatário;

b) A revogação do arrendamento por mútuo consentimento;

c) A cessão da posição de arrendatário;

d) O subarrendamento ou o empréstimo, total ou parcial.

Artigo 1577º

(Aceitação de doações e sucessões. Repúdio da herança ou do legado)

1. Os cônjuges não necessitam do consentimento um do outro para aceitar doações, heranças ou legados.

2. O repúdio da herança ou legado só pode ser feito com o consentimento de ambos os cônjuges, a menos que vigore o regime da separação de bens.

Artigo 1578º

(Forma do consentimento conjugal e seu suprimento)

1. O consentimento conjugal, nos casos em que é legalmente exigido, deve ser especial para cada um dos actos.

2. A forma do consentimento é a exigida para a procuração.

3. O consentimento pode ser judicialmente suprido, havendo injusta recusa, ou impossibilidade, por qualquer causa, de o prestar.

Artigo 1579º

(Disposições para depois da morte)

1. Cada um dos cônjuges tem a faculdade de dispor, para depois da morte, dos bens próprios e da sua meação nos bens comuns, sem prejuízo das restrições impostas por lei em favor dos herdeiros legitimários.

2. A disposição que tenha por objecto coisa certa e deter-minada do património comum apenas dá ao contemplado o direito de exigir o respectivo valor em dinheiro.

3. Pode, porém, ser exigida a coisa em espécie:

a) Se esta, por qualquer título, se tiver tornado propriedade exclusiva do disponente à data da sua morte;

b) Se a disposição tiver sido previamente autorizada pelo outro cônjuge por forma autêntica ou no próprio testamento;

c) Se a disposição tiver sido feita por um dos cônjuges em benefício do outro.

Artigo 1580º

(Sanções)

1. Os actos praticados contra o disposto nos n.º 1 e 3 do Artigo 1574º, nos Artigos 1575º e 1576º e no n.º 2 do Artigo 1577º são anuláveis a requerimento do cônjuge que não deu o consentimento ou dos seus herdeiros, ressalvado o disposto nos n.ºs 3 e 4 deste Artigo.

2. O direito de anulação pode ser exercido nos seis meses subsequentes à data em que o requerente teve conhe-cimento do acto, mas nunca depois de decorridos três anos sobre a sua celebração.

3. Em caso de alienação ou oneração de móvel não sujeito a registo feita apenas por um dos cônjuges, quando é exigido o consentimento de ambos, a anulabilidade não pode ser oposta ao adquirente de boa fé.

4. À alienação ou oneração de bens próprios do outro cônjuge, feita sem legitimidade, são aplicáveis as regras relativas à alienação de coisa alheia.

Artigo 1581º

(Cessação de relações pessoais e patrimoniais entre os cônjuges)

As relações pessoais e patrimoniais entre os cônjuges cessam pela dissolução, declaração de nulidade ou anulação do casamento, sem prejuízo das disposições deste Código relativas a alimentos; havendo separação judicial de pessoas e bens, é aplicável o disposto no Artigo 1672º.

Artigo 1582º

(Partilha do casal. Pagamento de dívidas)

1. Cessando as relações patrimoniais entre os cônjuges, estes ou os seus herdeiros recebem os seus bens próprios e a sua meação no património comum, conferindo cada um deles o que dever a este património.

2. Havendo passivo a liquidar, são pagas em primeiro lugar as dívidas comunicáveis até ao valor do património comum, e só depois as restantes.

3. Os créditos de cada um dos cônjuges sobre o outro são pagos pela meação do cônjuge devedor no património comum; mas, não existindo bens comuns, ou sendo estes insuficientes, respondem os bens próprios do cônjuge devedor.

SECÇÃO II

Dívidas dos cônjuges

Artigo 1583º

(Legitimidade para contrair dívidas)

1. Tanto o marido como a mulher têm legitimidade para contrair dívidas sem o consentimento do outro cônjuge.

2. Para a determinação da responsabilidade dos cônjuges, as dívidas por eles contraídas têm a data do facto que lhes deu origem.

Artigo 1584º

(Dívidas que responsabilizam ambos os cônjuges)

1. São da responsabilidade de ambos os cônjuges:

a) As dívidas contraídas, antes ou depois da celebração do casamento, pelos dois cônjuges, ou por um deles com o consentimento do outro;

b) As dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges, antes ou depois da celebração do casamento, para ocorrer aos encargos normais da vida familiar;

c) As dívidas contraídas na constância do matrimónio pelo cônjuge administrador, em proveito comum do casal e nos limites dos seus poderes de administração;

d) As dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges no exercício do comércio, salvo se se provar que não foram contraídas em proveito comum do casal, ou se vigorar entre os cônjuges o regime de separação de bens;

e) As dívidas consideradas comunicáveis nos termos do n.º 2 do Artigo 1586º;

2. No regime da comunhão geral de bens, são ainda comunicá-veis as dívidas contraídas antes do casamento por qualquer dos cônjuges, em proveito comum do casal.

3. O proveito comum do casal não se presume, excepto nos casos em que a lei o declarar.

Artigo 1585º

(Dívidas da responsabilidade de um dos cônjuges)

São de exclusiva responsabilidade do cônjuge a que respeitam:

a) As dívidas contraídas, antes ou depois da celebração do casamento, por cada um dos cônjuges sem o consentimento do outro, fora dos casos indicados nas alíneas b) e c) do n.º 1 do Artigo anterior;

b) As dívidas provenientes de crimes e as indemnizações, restituições, custas judiciais ou multas devidas por factos imputáveis a cada um dos cônjuges, salvo se esses factos, implicando responsabilidade meramente civil, estiverem abrangidos pelo disposto nos n.º 1 ou 2 do Artigo anterior:

c) As dívidas cuja incomunicabilidade resulta do disposto no n.º 2 do Artigo 1587º.

Artigo 1586º

(Dívidas que oneram doações, heranças ou legados)

1. As dívidas que onerem doações, heranças ou legados são da exclusiva responsabilidade do cônjuge aceitante, ainda que a aceitação tenha sido efectuada com o consentimento do outro.

2. Porém, se por força do regime de bens adoptado, os bens doados, herdados ou legados ingressarem no património comum, a responsabilidade pelas dívidas é comum, sem prejuízo do direito que tem o cônjuge do aceitante de impugnar o seu cumprimento com o fundamento de que o valor dos bens não é suficiente para a satisfação dos encargos.

Artigo 1587º

(Dívidas que oneram bens certos e determinados)

1. As dívidas que onerem bens comuns são sempre da responsabilidade comum dos cônjuges, quer se tenham vencido antes, quer depois da comunicação dos bens.

2. As dívidas que onerem bens próprios de um dos cônjuges são da sua exclusiva responsabilidade, salvo se tiverem como causa a percepção dos respectivos rendimentos e estes, por força do regime aplicável, forem considerados comuns.

Artigo 1588º

(Bens que respondem pelas dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges)

1. Pelas dívidas que são da responsabilidade de ambos os cônjuges respondem os bens comuns do casal, e, na falta ou insuficiência deles, solidariamente, os bens próprios de qualquer dos cônjuges.

2. No regime da separação de bens, a responsabilidade dos cônjuges não é solidária.

Artigo 1589º

(Bens que respondem pelas dívidas da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges)

1. Pelas dívidas da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges respondem os bens próprios do cônjuge devedor e, subsidiariamente, a sua meação nos bens comuns.

2. Respondem, todavia, ao mesmo tempo que os bens próprios do cônjuge devedor:

a) Os bens por ele levados para o casal ou posteriormente adquiridos a título gratuito, bem como os respectivos rendimentos;

b) O produto do trabalho e os direitos de autor do cônjuge devedor;

c) Os bens sub-rogados no lugar dos referidos na alínea a).

Artigo 1590º

(Compensações devidas pelo pagamento de dívidas do casal)

1. Quando por dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges tenham respondido bens de um só deles, este torna-se credor do outro pelo que haja satisfeito além do que lhe competia satisfazer; mas este crédito só é exigível no momento da partilha dos bens do casal, a não ser que vigore o regime da separação.

2. Sempre que por dívidas da exclusiva responsabilidade de um só dos cônjuges tenham respondido bens comuns, é a respectiva importância levada a crédito do património comum no momento da partilha.

SECÇÃO III

Convenções antenupciais

Artigo 1591º

(Liberdade de convenção)

Os esposos podem fixar livremente, em convenção antenupcial, o regime de bens do casamento, quer escolhendo um dos regimes previstos neste código, quer estipulando o que a esse respeito lhes aprouver, dentro dos limites da lei.

Artigo 1592º

(Restrições ao princípio da liberdade)

1. Não podem ser objecto de convenção antenupcial:

a) A regulamentação da sucessão hereditária dos cônjuges ou de terceiro, salvo o disposto nos Artigos seguintes;

b) A alteração dos direitos ou deveres, quer paternais, quer conjugais;

c) A alteração das regras sobre administração dos bens do casal;

d) A estipulação da comunicabilidade dos bens enumerados no Artigo 1626º.

2. Se o casamento for celebrado por quem tenha filhos, ainda que maiores ou emancipados, não pode ser convencionado o regime da comunhão geral nem estipulada a comunica-bilidade dos bens referidos no n.º 1 do Artigo 1615º.

Artigo 1593º

(Disposições por morte consideradas lícitas)

1. A convenção antenupcial pode conter:

a) A instituição de herdeiro ou a nomeação de legatário em favor de qualquer dos esposados, feita pelo outro esposado ou por terceiro nos termos prescritos nos lugares respectivos;

b) A instituição de herdeiro ou a nomeação de legatário em favor de terceiro, feita por qualquer dos esposados.

2. São também admitidas na convenção antenupcial cláusulas de reversão ou fideicomissárias relativas às liberalidades aí efectuadas, sem prejuízo das limitações a que genericamente estão sujeitas essas cláusulas.

Artigo 1594º

(Irrevogabilidade dos pactos sucessórios)

1. A instituição contratual de herdeiro e a nomeação de legatário, feitas na convenção antenupcial em favor de qualquer dos esposados, quer pelo outro esposado, quer por terceiro, não podem ser unilateralmente revogadas depois da aceitação, nem é lícito ao doador prejudicar o donatário por actos gratuitos de disposição; mas podem essas liberalidades, quando feitas por terceiro, ser revo-gadas a todo o tempo por mútuo acordo dos contraentes.

2. Precedendo, em qualquer dos casos, autorização do donatário, prestada por escrito, ou o respectivo suprimento judicial, pode o doador alienar os bens doados com fundamento em grave necessidade, própria ou dos membros da família a seu cargo.

3. Sempre que a doação seja afectada nos termos do número anterior, o donatário concorre à sucessão do doador como legatário do valor que os bens doados teriam ao tempo da morte deste, devendo ser pago com preferência a todos os demais legatários do doador.

Artigo 1595º

(Regime da instituição contratual)

1. Quando a instituição contratual em favor de qualquer dos esposados tiver por objecto uma quota de herança, o cálculo dessa quota é feito conferindo-se os bens de que o doador haja disposto gratuitamente depois da doação.

2. Se a instituição tiver por objecto a totalidade da herança, pode o doador dispor gratuitamente, em vida ou por morte, de uma terça parte dela, calculada nos termos do número anterior.

3. É lícito ao doador, no acto da doação, renunciar no todo ou em parte ao direito de dispor da terça parte da herança.

Artigo 1596º

(Caducidade dos pactos sucessórios)

1. A instituição e o legado contratuais em favor de qualquer dos esposados caducam não só nos casos previstos no Artigo 1637º, mas ainda no caso de o donatário falecer antes do doador.

2. Se, porém, a doação por morte for feita por terceiro, não caduca pelo predecesso do donatário, quando ao doador sobrevivam descendentes legítimos daquele, nascidos do casamento, os quais serão chamados a suceder nos bens doados, em lugar do donatário.

Artigo 1597º

(Disposições de esposados a favor de terceiros, com carácter testamentário)

A instituição de herdeiro e a nomeação de legatário feitas por algum dos esposados na convenção antenupcial em favor de pessoas indeterminadas, ou em favor de pessoa certa e determinada que não intervenha no acto como aceitante, têm valor meramente testamentário, e não produzem qualquer efeito se a convenção caducar.

Artigo 1598º

(Disposições por morte a favor de terceiro, com carácter contratual)

1. À instituição de herdeiro e à nomeação de legatário feitas por qualquer dos esposados em favor de pessoa certa e determinada que intervenha como aceitante na convenção antenupcial é aplicável o disposto nos Artigos 1594º e 1595º, sem prejuízo da sua ineficácia se a convenção caducar.

2. Pode, todavia, a instituição ou nomeação ser livremente revogada, se o disponente a tiver feito com reserva dessa faculdade.

3. A irrevogabilidade da disposição não a isenta do regime geral de revogação das doações por ingratidão do donatário nem da redução por inoficiosidade.

4. As liberalidades a que este Artigo se refere caducam, se o donatário falecer antes do doador.

Artigo 1599º

(Correspectividade das disposições por morte a favor de terceiros)

1. Se ambos os esposados instituírem terceiros seus herdeiros, ou fizerem legados em seu benefício, e ficar consignado na convenção antenupcial o carácter correspectivo das duas disposições, a invalidade ou revogação de uma das disposições produz a ineficácia da outra.

2. Desde que uma das disposições comece a produzir os seus efeitos, a outra já não pode ser revogada ou alterada, excepto se o beneficiário da primeira renunciar a ela, restituindo quanto por força dela haja recebido.

Artigo 1600º

(Revogabilidade das cláusulas de reversão ou fideicomissárias)

As cláusulas de reversão ou fideicomissárias previstas no n.º 2 do Artigo 1593º são revogáveis livremente e a todo tempo pelo autor da liberalidade.

Artigo 1601º

(Capacidade para celebrar convenções antenupciais)

1. Têm capacidade para celebrar convenções antenupciais aqueles que têm capacidade para contrair casamento.

2. Aos menores, bem como aos interditos ou inabilitados, só é permitido celebrar convenções antenupciais com autorização dos respectivos representantes legais.

Artigo 1602º

(Anulabilidade por falta de autorização)

A anulabilidade da convenção antenupcial por falta de autorização só pode ser invocada pelo incapaz, pelos seus herdeiros, ou por aqueles a quem competir concedê-la, dentro do prazo de um ano a contar da celebração do casamento, considerando-se a anulabilidade sanada se o casamento vier a ser celebrado depois de findar a incapacidade.

Artigo 1603º

(Forma das convenções antenupciais)

As convenções antenupciais só são válidas se forem celebradas por escritura pública ou por auto lavrado perante o conservador do registo civil.

Artigo 1604º

(Publicidade das convenções antenupciais)

1. As convenções antenupciais só produzem efeitos em rela-ção a terceiros depois de registadas.

2. Os herdeiros dos cônjuges e dos demais outorgantes da escritura não são considerados terceiros.

3. O registo da convenção não dispensa o registo predial relativo aos factos a ele sujeitos.

Artigo 1605º

(Revogação ou modificação da convenção antenupcial antes da celebração do casamento)

1. A convenção antenupcial é livremente revogável ou modificável até à celebração do casamento, desde que na revogação ou modificação consintam todas as pessoas que nela outorgaram ou os respectivos herdeiros.

2. O novo acordo é sujeito aos requisitos de forma e publi-cidade estabelecidos nos Artigos antecedentes.

3. A falta de intervenção de alguma das pessoas que outorgaram na primeira convenção, ou dos respectivos herdeiros, apenas tem como efeito facultar àquelas ou a estes o direito de resolver as cláusulas que lhes digam respeito.

Artigo 1606º

(Convenções sob condição ou a termo)

1. É válida a convenção sob condição ou a termo.

2. Em relação a terceiros, o preenchimento da condição não tem efeito retroactivo.

Artigo 1607º

(Imutabilidade das convenções antenupciais e do regime de bens resultantes da lei)

1. Fora dos casos previstos na lei, não é permitido alterar, depois da celebração do casamento, nem as convenções antenupciais nem os regimes de bens legalmente fixados.

2. Consideram-se abrangidos pelas proibições do número anterior os contratos de compra e venda e sociedade entre os cônjuges, excepto quando estes se encontrem separados judicialmente de pessoas e bens.

3. É lícita, contudo, a participação dos dois cônjuges na mesma sociedade de capitais, bem como a dação em cumprimento feita pelo cônjuge devedor ao seu consorte.

Artigo 1608º

(Excepções ao princípio da imutabilidade)

1. São admitidas alterações ao regime de bens:

a) Pela revogação das disposições mencionadas no Artigo 1593º, nos casos e sob a forma em que é permitida pelos Artigos 1594º a 1600º;

b) Pela simples separação judicial de bens;

c) Pela separação judicial de pessoas e bens;

d) Em todos os demais casos, previstos na lei, de separa-ção de bens na vigência da sociedade conjugal.

2. Às alterações da convenção antenupcial ou do regime legal de bens previstas no número anterior é aplicável o disposto no Artigo 1604º.

Artigo 1609º

(Caducidade das convenções antenupciais)

A convenção caduca, se o casamento não for celebrado dentro de um ano, ou se, tendo-o sido, vier a ser declarado nulo ou anulado, salvo o disposto em matéria de casamento putativo.

SECÇÃO IV

Regimes de bens

SUBSECÇÃO I

Disposições gerais

Artigo 1610º

(Regime de bens supletivo)

Na falta de convenção antenupcial, ou no caso de caducidade, invalidade ou ineficácia da convenção, o casamento considera-se celebrado sob o regime da comunhão de adquiridos.

Artigo 1611º

(Remissão genérica para uma lei estrangeira ou revogada, ou para usos e costumes locais)

O regime de bens do casamento não pode ser fixado, no todo ou em parte, por simples remissão genérica para uma lei estrangeira, para um preceito revogado, ou para usos e costumes locais.

Artigo 1612º

(Partilha segundo regimes não convencionados)

1. É permitido aos esposados convencionar, para o caso de dissolução do casamento por morte de um dos cônjuges, quando haja descendentes comuns, que a partilha dos bens se faça segundo o regime da comunhão geral, seja qual for o regime adoptado.

2. O disposto no número anterior não prejudica os direitos de terceiro na liquidação do passivo.

Artigo 1613º

(Regime imperativo da separação de bens)

1. Consideram-se sempre contraídos sob o regime da separa-ção de bens:

a) O casamento celebrado sem precedência do processo de publicações;

b) O casamento celebrado por quem tenha completado sessenta anos de idade.

2. O disposto no número anterior não obsta a que os nubentes façam entre si doações.

SUBSECÇÃO II

Regime da comunhão de adquiridos

Artigo 1614º

(Normas aplicáveis)

Se o regime de bens adoptado pelos esposados, ou aplicado supletivamente, for o da comunhão de adquiridos, observar-se-á o disposto nos Artigos seguintes.

Artigo 1615º

(Bens próprios)

1. São considerados próprios dos cônjuges:

a) Os bens que cada um deles tiver ao tempo da celebração do casamento;

b) Os bens que lhes advierem depois do casamento por sucessão ou doação;

c) Os bens adquiridos na constância do matrimónio por virtude de direito próprio anterior.

2. Consideram-se, entre outros, adquiridos por virtude de direito próprio anterior, sem prejuízo da compensação eventualmente devida ao património comum:

a) Os bens adquiridos em consequência de direitos anteriores ao casamento sobre patrimónios ilíquidos partilhados depois dele;

b) Os bens adquiridos por usucapião fundada em posse que tenha o seu início antes do casamento;

c) Os bens comprados antes do casamento com reserva de propriedade;

d) Os bens adquiridos no exercício de direito de preferência fundado em situação já existente à data do casamento.

Artigo 1616º

(Bens sub-rogados no lugar de bens próprios)

Conservam a qualidade de bens próprios:

a) Os bens sub-rogados no lugar de bens próprios de um dos cônjuges, por meio de troca directa;

b) O preço dos bens próprios alienados;

c) Os bens adquiridos ou as benfeitorias feitas com dinheiro ou valores próprios de um dos cônjuges, desde que a proveniência do dinheiro ou valores seja devidamente mencionada no documento de aquisição, ou em documento equivalente, com intervenção de ambos os cônjuges.

Artigo 1617º

(Bens integrados na comunhão)

Fazem parte da comunhão:

a) O produto do trabalho dos cônjuges;

b) Os bens adquiridos pelos cônjuges na constância do matrimónio, que não sejam exceptuados por lei.

Artigo 1618º

(Presunção de comunicabilidade)

Quando haja dúvidas sobre a comunicabilidade dos bens móveis, estes consideram-se comuns.

Artigo 1619º

(Bens adquiridos em parte com dinheiro ou bens próprios e noutra parte com dinheiro ou bens comuns)

1. Os bens adquiridos em parte com dinheiro ou bens próprios de um dos cônjuges e noutra parte com dinheiro ou bens comuns revestem a natureza da mais valiosa das duas prestações.

2. Fica, porém, sempre salva a compensação devida pelo património comum aos patrimónios próprios dos cônjuges, ou por estes àquele, no momento da dissolução e partilha da comunhão.

Artigo 1620º

(Aquisição de bens indivisos já pertencentes em parte a um dos cônjuges)

A parte adquirida em bens indivisos pelo cônjuge que deles for comproprietário fora da comunhão reverte igualmente para o seu património próprio, sem prejuízo da compensação devida ao património comum pelas somas prestadas para a respectiva aquisição.

Artigo 1621º

(Bens adquiridos por virtude da titularidade de bens próprios)

1. Consideram-se próprios os bens adquiridos por virtude da titularidade de bens próprios, que não possam considerar-se como frutos destes, sem prejuízo da compensação eventualmente devida ao património comum.

2. São designadamente considerados bens próprios, por força do disposto no número antecedente:

a) As acessões;

b) Os materiais resultantes da demolição ou destruição de bens;

c) A parte do tesouro adquirida pelo cônjuge na qualidade de proprietário;

d) Os prémios de amortização de títulos de crédito ou de outros valores mobiliários próprios de um dos cônjuges, bem como os títulos ou valores adquiridos por virtude de um direito de subscrição àqueles inerente.

Artigo 1622º

(Bens doados ou deixados em favor da comunhão)

1. Os bens havidos por um dos cônjuges por meio de doação ou deixa testamentária de terceiro entram na comunhão, se o doador ou testador assim o tiver determinado; entende-se que essa é a vontade do doador ou testador, quando a liberalidade for feita em favor dos dois cônjuges conjuntamente.

2. O disposto no número anterior não abrange as doações e deixas testamentárias que integrem a legítima do donatário.

Artigo 1623º

(Participação dos cônjuges no património comum)

1. Os cônjuges participam por metade no activo e no passivo da comunhão, sendo nula qualquer estipulação em sentido diverso.

2. A regra da metade não impede que cada um dos cônjuges faça em favor de terceiro doações ou deixas por conta da sua meação nos bens comuns, nos termos permitidos por lei.

Artigo 1624º

(Instrumentos de trabalho)

Se os instrumentos de trabalho de cada um dos cônjuges tiverem entrado no património comum por força do regime de bens, o cônjuge que deles necessite para o exercício da sua profissão tem direito a ser neles encabeçado no momento da partilha.

SUBSECÇÃO III

Regime da comunhão geral

Artigo 1625º

(Estipulação do regime)

Se o regime de bens adoptado pelos cônjuges for o da comu-nhão geral, o património comum é constituído por todos os bens presentes e futuros dos cônjuges, que não sejam exceptuados por lei.

Artigo 1626º

(Bens incomunicáveis)

1. São exceptuados da comunhão:

a) Os bens doados ou deixados, ainda que por conta da legítima, com a cláusula de incomunicabilidade;

b) Os bens doados ou deixados com a cláusula de reversão ou fideicomissária, a não ser que a cláusula tenha caducado;

c) O usufruto, o uso ou habitação, e demais direitos estritamente pessoais;

d) As indemnizações devidas por factos verificados contra a pessoa de cada um dos cônjuges ou contra os seus bens próprios;

e) Os seguros vencidos em favor da pessoa de cada um dos cônjuges ou para cobertura de riscos sofridos por bens próprios;

f) Os vestidos, roupas e outros objectos de uso pessoal e exclusivo de cada um dos cônjuges, bem como os seus diplomas e a sua correspondência;

g) As recordações de família de diminuto valor económico.

2. A incomunicabilidade dos bens não abrange os respectivos frutos nem o valor das benfeitorias úteis.

Artigo 1627º

(Disposições aplicáveis)

São aplicáveis à comunhão geral de bens, com as necessárias adaptações, as disposições relativas à comunhão de adquiridos.

SUBSECÇÃO IV

Regime da separação

Artigo 1628º

(Domínio da separação)

Se o regime de bens imposto por lei ou adoptado pelos espo-sados for o da separação, cada um deles conserva o domínio e fruição de todos os seus bens presentes e futuros, podendo dispor deles livremente.

Artigo 1629º

(Prova da propriedade dos bens)

1. É lícito aos esposados estipular, na convenção antenupcial, cláusulas de presunção sobre a propriedade dos móveis, com eficácia extensiva a terceiros, mas sem prejuízo de prova em contrário.

2. Quando haja dúvidas sobre a propriedade exclusiva de um dos cônjuges, os bens móveis ter-se-ão como pertencentes em compropriedade a ambos os cônjuges.

CAPÍTULO X

Doações para casamento e entre casados

SECÇÃO I

Doações para casamento

Artigo 1630º

(Noção e normas aplicáveis)

1. Doação para casamento é a doação feita a um dos espo-sados, ou a ambos, em vista do seu casamento.

2. Às doações para casamento são aplicáveis as disposições da presente secção e, subsidiariamente, as dos Artigos 874º a 910º.

Artigo 1631º

(Espécies)

As doações para casamento podem ser feitas por um dos esposados ao outro, pelos dois reciprocamente, ou por terceiro a um ou a ambos os esposados.

Artigo 1632º

(Regime)

1. As doações entre vivos produzem os seus efeitos a partir da celebração do casamento, salvo estipulação em contrário.

2. As doações que hajam de produzir os seus efeitos por morte do doador são havidas como pactos sucessórios e, como tais, estão sujeitas ao disposto nos Artigos 1594º a 1596º, sem prejuízo do preceituado nos Artigos seguintes.

Artigo 1633º

(Forma)

1. As doações para casamento só podem ser feitas na conven-ção antenupcial.

2. A inobservância do disposto no número anterior importa, quanto às doações por morte, a sua nulidade, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do Artigo 880º, e, quanto às doações em vida, a inaplicabilidade do regime especial desta secção.

Artigo 1634º

(Incomunicabilidade dos bens doados pelos esposados)

Salvo estipulação em contrário, os bens doados por um esposado ao outro consideram-se próprios do donatário, seja qual for o regime matrimonial.

Artigo 1635º

(Revogação)

As doações entre esposados não são revogáveis por mútuo consentimento dos contraentes.

Artigo 1636º

(Redução por inoficiosidade)

As doações para casamento estão sujeitas a redução por inoficiosidade, nos termos gerais.

Artigo 1637º

(Caducidade)

1. As doações para casamento caducam:

a) Se o casamento não for celebrado dentro de um ano, ou se, tendo-o sido, vier a ser declarado nulo ou anulado, salvo o disposto em matéria de casamento putativo;

b) Se ocorrer divórcio ou separação judicial de pessoas e bens por culpa do donatário, se este for considerado único ou principal culpado.

2. Se a doação tiver sido feita por terceiro a ambos os esposados ou os bens doados tiverem entrado na comunhão, e um dos cônjuges for declarado único ou principal culpado no divórcio ou separação, a caducidade atinge apenas a parte dele.

SECÇÃO II

Doações entre casados

Artigo 1638º

(Disposições aplicáveis)

As doações entre casados regem-se pelas disposições desta secção e, subsidiariamente, pelas regras dos Artigos 874º a 910º.

Artigo 1639º

(Regime imperativo da separação de bens)

É nula a doação entre casados, se vigorar imperativamente entre os cônjuges o regime da separação de bens.

Artigo 1640º

(Forma)

1. A doação de coisas móveis, ainda que acompanhada da tradição da coisa, deve constar de documento escrito.

2. Os cônjuges não podem fazer doações recíprocas no mesmo acto.

3. O disposto no número anterior não é aplicável às reservas de usufruto nem às rendas vitalícias a favor do sobrevivente, estipuladas, umas e outras, em doação dos cônjuges a terceiro.

Artigo 1641º

(Objecto e incomunicabilidade dos bens doados)

1. Só podem ser doados bens próprios do doador.

2. Os bens doados não se comunicam, seja qual for o regime matrimonial.

Artigo 1642º

(Livre revogabilidade)

1. As doações entre casados podem a todo o tempo ser revogadas pelo doador, sem que lhe seja lícito renunciar a este direito.

2. A faculdade de revogação não se transmite aos herdeiros do doador.

Artigo 1643º

(Caducidade)

1. A doação entre casados caduca:

a) Falecendo o donatário antes do doador, salvo se este confirmar a doação nos três meses subsequentes à morte daquele;

b) Se o casamento vier a ser declarado nulo ou anulado, sem prejuízo do disposto em matéria de casamento putativo;

c) Ocorrendo divórcio ou separação judicial de pessoas e bens por culpa do donatário, se este for considerado único ou principal culpado.

2. A confirmação a que se refere a alínea a) do número anterior deve revestir a forma exigida para a doação.

CAPÍTULO XI

Simples separação judicial de bens

Artigo 1644º

(Fundamento da separação)

Qualquer dos cônjuges pode requerer a simples separação judicial de bens quando estiver em perigo de perder o que é seu pela má administração do outro cônjuge.

Artigo 1645º

(Carácter litigioso da separação)

A separação só pode ser decretada em acção intentada por um dos cônjuges contra o outro.

Artigo 1646º

(Legitimidade)

1. Só tem legitimidade para a acção de separação o cônjuge lesado ou, estando ele interdito, o seu representante legal, ouvido o conselho de família.

2. Se o representante legal do cônjuge lesado for o outro cônjuge, a acção só pode ser intentada, em nome daquele, por algum parente na linha recta ou até ao terceiro grau da linha colateral.

3. Se o cônjuge lesado estiver inabilitado, a acção pode ser intentada por ele, ou pelo curador com autorização judicial.

Artigo 1647º

(Efeitos)

Após o trânsito em julgado da sentença que decretar a separação judicial de bens, o regime matrimonial, sem prejuízo do disposto em matéria de registo, passa a ser o da separação, procedendo-se à partilha do património comum como se o casamento tivesse sido dissolvido; a partilha pode fazer-se extrajudicialmente ou por inventário judicial.

Artigo 1648º

(Irrevogabilidade)

A simples separação judicial de bens é irrevogável.

Artigo 1649º

(Separação de bens com outros fundamentos)

O disposto nos dois Artigos anteriores é aplicável a todos os casos, previstos na lei, de separação de bens na vigência da sociedade conjugal.

CAPÍTULO XII

Divórcio e separação judicial de pessoas e bens

SECÇÃO I

Divórcio

SUBSECÇÃO I

Disposições gerais

Artigo 1650º

(Modalidades)

O divórcio pode ser requerido ao tribunal por ambos os cônjuges, de comum acordo, ou por um deles contra o outro, com algum dos fundamentos previstos nos Artigos 1656º e 1658º; no primeiro caso, diz-se divórcio por mútuo consentimento; no segundo, divórcio litigioso.

Artigo 1651º

(Tentativa de conciliação; conversão do divórcio litigioso em divórcio por mútuo consentimento)

1. No processo de divórcio há sempre uma tentativa de conciliação dos cônjuges.

2. Se, no processo de divórcio litigioso, a tentativa de conciliação não resultar, o juiz procura obter o acordo dos cônjuges para o divórcio por mútuo consentimento; obtido o acordo ou tendo os cônjuges, em qualquer altura do processo, optado por essa modalidade do divórcio, seguem-se os termos do processo de divórcio por mútuo consentimento, com as necessárias adaptações.

SUBSECÇÃO II

Divórcio por mútuo consentimento

Artigo 1652º

(Requisitos)

1. O divórcio por mútuo consentimento pode ser requerido pelos cônjuges a todo o tempo.

2. Os cônjuges não têm de revelar a causa do divórcio, mas devem acordar sobre a prestação de alimentos ao cônjuge que deles careça, o exercício do poder paternal relativa-mente aos filhos menores e o destino da casa de morada da família.

3. Os cônjuges devem acordar ainda sobre o regime que vigora, no período da pendência do processo, quanto à prestação de alimentos, ao exercício do poder paternal e à utilização da casa de morada de família.

Artigo 1653º

(Primeira conferência)

1. Recebido o requerimento, o juiz convoca os cônjuges para uma conferência em que tenta conciliá-los.

2. O juiz deve apreciar na conferência os acordos a que se refere o n.º 2 do Artigo anterior, convidando os cônjuges a alterá-los se esses acordos não acautelarem suficiente-mente os interesses de algum deles ou dos filhos; deve ainda homologar os acordos provisórios previstos no n.º 3 do mesmo Artigo, podendo alterá-los, ouvidos os cônjuges, quando o interesse dos filhos o exigir.

3. Se os cônjuges persistirem no seu propósito, o dever de coabitação fica suspenso a partir da conferência e qualquer deles pode requerer arrolamento dos seus bens próprios e dos bens comuns.

Artigo 1654º

(Segunda conferência)

Não tendo entretanto ocorrido a reconciliação e mantendo os cônjuges os acordos referidos no n.º2 do Artigo 1652º, é decretado o divórcio; pode ainda o juiz marcar prazo aos cônjuges para alterarem esses acordos, sob pena de o pedido ficar sem efeito.

Artigo 1655º

(Sentença)

A sentença que decrete o divórcio por mútuo consentimento homologa os acordos referidos no n.º 2 do Artigo 1652º; se, porém, esses acordos não acautelarem suficientemente os interesses de um dos cônjuges ou dos filhos, a homologação deve ser recusada e o pedido de divórcio indeferido.

SUBSECÇÃO III

Divórcio litigioso

Artigo 1656º

(Violação culposa dos deveres conjugais)

1. Qualquer dos cônjuges pode requerer o divórcio se o outro violar culposamente os deveres conjugais, quando a violação, pela sua gravidade ou reiteração, comprometa a possibilidade da vida em comum.

2. Na apreciação da gravidade dos factos invocados, deve o tribunal tomar em conta, nomeadamente, a culpa que possa ser imputada ao requerente e o grau de educação e sensibilidade moral dos cônjuges.

Artigo 1657º

(Exclusão do direito de requerer o divórcio)

O cônjuge não pode obter o divórcio, nos termos do Artigo anterior:

a) Se tiver instigado o outro a praticar o facto invocado como fundamento do pedido ou tiver intencionalmente criado condições propícias à sua verificação;

b) Se houver revelado pelo seu comportamento posterior, designadamente por perdão, expresso ou tácito, não considerar o acto praticado como impeditivo da vida em comum.

Artigo 1658º

(Ruptura da vida em comum)

São ainda fundamentos do divórcio litigioso:

a) A separação de facto por três anos consecutivos;

b) A separação de facto por um ano se o divórcio for requerido por um dos cônjuges sem oposição do outro;

c) A alteração das faculdades mentais do outro cônjuge, quando dure há mais de três anos e, pela sua gravidade, comprometa a possibilidade da vida em comum.

d) A ausência, sem que do ausente haja notícias, por tempo não inferior a dois anos;

Artigo 1659º

(Separação de facto)

1. Entende-se que há separação de facto, para os efeitos da alínea a) do Artigo anterior, quando não existe comunhão de vida entre os cônjuges e há da parte de ambos, ou de um deles, o propósito de não a restabelecer.

2. Na acção de divórcio com fundamento em separação de facto, o juiz deve declarar a culpa dos cônjuges, quando a haja, nos termos do Artigo 1663º.

Artigo 1660º

(Ausência)

É aplicável ao divórcio decretado com fundamento em ausência o disposto no n.º 2 do Artigo anterior.

Artigo 1661º

(Legitimidade)

1. Só tem legitimidade para intentar acção de divórcio, nos termos do Artigo 1656º, o cônjuge ofendido ou, estando este interdito, o seu representante legal, com autorização do conselho de família; quando o representante legal seja o outro cônjuge, a acção pode ser intentada, em nome do ofendido, por qualquer parente deste na linha recta ou até ao terceiro grau da linha colateral, se for igualmente autorizado pelo conselho de família.

2. O divórcio pode ser requerido por qualquer dos cônjuges com o fundamento da alínea a) do Artigo 1658º, com os fundamentos das alíneas b) e c) do mesmo Artigo, só pode ser requerido pelo cônjuge que invoca a ausência ou a alteração das faculdades mentais do outro.

3. O direito ao divórcio não se transmite por morte, mas a acção pode ser continuada pelos herdeiros do autor para efeitos patrimoniais, nomeadamente os decorrentes da declaração prevista no Artigo 1663º, se o autor falecer na pendência da causa; para os mesmos efeitos, pode a acção prosseguir contra os herdeiros do réu.

Artigo 1662º

(Caducidade da acção)

1. O direito ao divórcio caduca no prazo de dois anos, a con-tar da data em que o cônjuge ofendido ou o seu represen-tante legal teve conhecimento do facto susceptível de fundamentar o pedido.

2. O prazo de caducidade corre separadamente em relação a cada um dos factos; tratando-se de facto continuado, só corre a partir da data em que o facto tiver cessado.

Artigo 1663º

(Declaração do cônjuge culpado)

1. Se houver culpa de um ou de ambos os cônjuges, assim o declara a sentença; sendo a culpa de um dos cônjuges consideravelmente superior à do outro, a sentença deve declarar ainda qual deles é o principal culpado.

2. O disposto no número anterior é aplicável mesmo que o réu não tenha deduzido reconvenção ou já tenha decorrido, relativamente aos factos alegados, o prazo referido no Artigo 1662º.

SUBSECÇÃO IV

Efeitos do divórcio

Artigo 1664º

(Princípio geral)

O divórcio dissolve o casamento e tem juridicamente os mesmos efeitos da dissolução por morte, salvas as excepções consagradas na lei.

Artigo 1665º

(Data em que se produzem os efeitos do divórcio)

1. Os efeitos do divórcio produzem-se a partir do trânsito em julgado da respectiva sentença, mas retrotraem-se à data da proposição da acção quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges.

2. Se a falta de coabitação entre os cônjuges estiver provada no processo, qualquer deles pode requerer que os efeitos do divórcio se retrotraem à data, que a sentença fixa, em que a coabitação tenha cessado por culpa exclusiva ou predominante do outro.

3. Os efeitos patrimoniais do divórcio só podem ser opostos a terceiros a partir da data do registo da sentença.

Artigo 1666º

(Partilha)

O cônjuge declarado único ou principal culpado não pode na partilha receber mais do que receberia se o casamento tivesse sido celebrado segundo o regime da comunhão de adquiridos.

Artigo 1667º

(Benefícios que os cônjuges tenham recebido ou hajam de receber)

1. O cônjuge declarado único ou principal culpado perde todos os benefícios recebidos ou que haja de receber do outro cônjuge ou de terceiro, em vista do casamento ou em consideração do estado de casado, quer a estipulação seja anterior quer posterior à celebração do casamento.

2. O cônjuge inocente ou que não seja o principal culpado conserva todos os benefícios recebidos ou que haja de receber do outro cônjuge ou de terceiro, ainda que tenham sido estipulados com cláusula de reciprocidade; pode renunciar a esses benefícios por declaração unilateral de vontade, mas, havendo filhos do casamento, a renúncia só é permitida em favor destes.

Artigo 1668º

(Reparação de danos não patrimoniais)

1. O cônjuge declarado único ou principal culpado e, bem assim, o cônjuge que pediu o divórcio com o fundamento da alínea c) do Artigo 1658º, devem reparar os danos não patrimoniais causados ao outro cônjuge pela dissolução do casamento.

2. O pedido de indemnização deve ser deduzido na própria acção de divórcio.

Artigo 1669º

(Casa de morada da família)

1. Pode o tribunal dar de arrendamento a qualquer dos cônjuges, a seu pedido, a casa de morada da família, quer essa seja comum quer própria de outro, considerando, nomeadamente, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal.

2. O arrendamento previsto no número anterior fica sujeito às regras do arrendamento para habitação, mas o tribunal pode definir as condições do contrato, ouvidos os cônjuges, e fazer caducar o arrendamento, a requerimento do senhorio, quando circunstâncias supervenientes o justifiquem.

SECÇÃO II

Separação judicial de pessoas e bens

Artigo 1670º

(Remissão)

Sem prejuízo dos preceitos desta secção, é aplicável à separação judicial de pessoas e bens, com as necessárias adaptações, o disposto quanto ao divórcio na secção anterior.

Artigo 1671º

(Reconvenção)

1. A separação judicial de pessoas e bens pode ser pedida em reconvenção, mesmo que o autor tenha pedido o divórcio; tendo o autor pedido a separação de pessoas e bens, pode igualmente o réu pedir o divórcio em reconvenção.

2. Nos casos previstos no número anterior, a sentença deve decretar o divórcio se o pedido da acção e o da reconvenção procederem.

Artigo 1672º

(Efeitos)

A separação judicial de pessoas e bens não dissolve o vínculo conjugal, mas extingue os deveres de coabitação e assistência, sem prejuízo do direito a alimentos; relativamente aos bens, a separação produz os efeitos que produziria a dissolução do casamento.

Artigo 1673º

(Termo da separação)

A separação judicial de pessoas e bens termina pela reconcilia-ção dos cônjuges ou pela dissolução do casamento.

Artigo 1674º

(Reconciliação)

1. Os cônjuges podem a todo o tempo restabelecer a vida em comum e o exercício pleno dos direitos e deveres conjugais.

2. A reconciliação pode fazer-se por termo no processo de separação ou por escritura pública, e está sujeita a homo-logação judicial, devendo a sentença ser oficiosamente registada.

3. Os efeitos da reconciliação produzem-se a partir da homologação desta, sem prejuízo da aplicação, com as necessárias adaptações, do disposto nos Artigos 1557º e 1558º.

Artigo 1675º

(Conversão da separação em divórcio)

1. Decorridos dois anos sobre o trânsito em julgado da sen-tença que tiver decretado a separação judicial de pessoas e bens, litigiosa ou por mútuo consentimento, sem que os cônjuges se tenham reconciliado, qualquer deles pode requerer que a separação seja convertida em divórcio.

2. Se a conversão for requerida por ambos os cônjuges, não é necessário o decurso do prazo referido no número anterior.

3. A conversão pode ser requerida por qualquer dos cônjuges, independentemente do prazo do n.º 1 deste Artigo, se o outro cometer adultério depois da separação, sendo aplicável neste caso, o Artigo 1657º.

4. A sentença que converta a separação em divórcio não pode alterar o que tiver sido decidido sobre a culpa dos cônjuges, nos termos do Artigo 1663º, no processo de separação.

TÍTULO III

DA FILIAÇÃO

CAPÍTULO I

Estabelecimento da filiação

SECÇÃO I

Disposições gerais

Artigo 1676º

(Estabelecimento da filiação)

1. Relativamente à mãe, a filiação resulta do facto do nasci-mento e estabelece-se nos termos dos Artigos 1683º a 1705º.

2. A paternidade presume-se em relação ao marido da mãe e, nos casos de filiação fora do casamento, estabelece-se pelo reconhecimento.

Artigo 1677º

(Atendibilidade da filiação)

1. Os poderes e deveres emergentes da filiação ou do parentesco nela fundado só são atendíveis se a filiação se encontrar legalmente estabelecida.

2. O estabelecimento da filiação tem, todavia, eficácia retroactiva.

Artigo 1678º

(Concepção)

O momento da concepção do filho é fixado, para os efeitos legais, dentro dos primeiros cento e vinte dias dos trezentos que precederem o seu nascimento, salvas as excepções dos Artigos seguintes.

Artigo 1679º

(Gravidez anterior)

1. Se dentro dos trezentos dias anteriores ao nascimento tiver sido interrompida ou completada outra gravidez, não são considerados para a determinação do momento da concepção os dias que tiverem decorrido até à interrupção da gravidez ou ao parto.

2. A prova da interrupção de outra gravidez, não havendo registo do facto, só pode ser feita em acção intentada por qualquer interessado ou pelo Ministério Público especialmente para esse fim.

Artigo 1680º

(Fixação judicial da concepção)

1. É admitida acção judicial destinada a fixar a data provável da concepção dentro do período referido no Artigo 1678º, ou a provar que o período de gestação do filho foi inferior a cento e oitenta dias ou superior a trezentos.

2. A acção pode ser proposta por qualquer interessado ou pelo Ministério Público; se for julgada procedente, deve o tribunal fixar, em qualquer dos casos referidos no número anterior, a data provável da concepção.

Artigo 1681º

(Exames de sangue e outros métodos científicos)

Nas acções relativas à filiação são admitidos como meios de prova os exames de sangue e quaisquer outros métodos cientificamente comprovados.

Artigo 1682º

(Prova da filiação)

Salvo nos casos especificados na lei, a prova da filiação só pode fazer-se pela forma estabelecida nas leis do registo civil.

SECÇÃO II

Estabelecimento da maternidade

SUBSECÇÃO I

Declaração de maternidade

Artigo 1683º

(Menção da maternidade)

1. Aquele que declarar o nascimento deve, sempre que possa, identificar a mãe do registando.

2. A maternidade indicada é mencionada no registo.

Artigo 1684º

(Nascimento ocorrido há menos de um ano)

1. No caso de declaração de nascimento ocorrido há menos de um ano, a maternidade indicada considera-se estabelecida.

2. Lavrado o registo, deve o conteúdo do assento ser comunicado à mãe do registado sempre que possível, mediante notificação pessoal, salvo se a declaração tiver sido feita por ela ou pelo marido.

Artigo 1685º

(Nascimento ocorrido há um ano ou mais)

1. No caso de declaração de nascimento ocorrido há um ano ou mais, a maternidade indicada considera-se estabelecida se a mãe for o declarante, estiver presente no acto ou nele se achar representada por procurador com poderes especiais.

2. Fora dos casos previstos no número anterior, a pessoa indicada como mãe é notificada pessoalmente para, no prazo de quinze dias, vir declarar se confirma a maternidade, sob a cominação de o filho ser havido como seu; o facto da notificação e a confirmação são averbados ao registo do nascimento.

3. Se a pretensa mãe negar a maternidade ou não puder ser notificada, a menção da maternidade fica sem efeito.

4. Das certidões extraídas do registo de nascimento não pode constar qualquer referência à menção que tenha ficado sem efeito nem aos averbamentos que lhe respeitem.

Artigo 1686º

(Registo omisso quanto à maternidade)

1. A mãe pode fazer a declaração de maternidade se o registo for omisso quanto a esta, salvo se se tratar de filho nascido ou concebido na constância do matrimónio e existir perfilhação por pessoa diferente do marido.

2. Quando a mãe possa fazer a declaração de maternidade, qualquer das pessoas a quem compete fazer a declaração do nascimento tem a faculdade de identificar a mãe do registado, sendo aplicável o disposto nos Artigos 1683º a 1685º.

Artigo 1687º

(Impugnação da maternidade)

Se a maternidade estabelecida nos termos dos Artigos anteriores não for a verdadeira, pode a todo o tempo ser impugnada em juízo pela pessoa declarada como mãe, pelo registado, por quem tiver interesse moral ou patrimonial na procedência da acção ou pelo Ministério Público.

SUBSECÇÃO II

Averiguação oficiosa

Artigo 1688º

(Averiguação oficiosa da maternidade)

1. Sempre que a maternidade não esteja mencionada no re-gisto do nascimento deve o funcionário remeter ao tribunal certidão integral do registo e cópia do auto de declarações, se as houver, a fim de se averiguar oficiosa-mente a maternidade.

2. O tribunal deve proceder às diligências necessárias para identificar a mãe; se por qualquer modo chegar ao seu conhecimento a identidade da pretensa mãe, deve ouvi-la em declarações, que são reduzidas a auto.

3. Se a pretensa mãe confirmar a maternidade, é lavrado termo e remetida certidão para averbamento à repartição competente para o registo.

4. Se a maternidade não for confirmada mas o tribunal concluir pela existência de provas seguras que abonem a viabilidade da acção de investigação, ordena a remessa do processo ao agente do Ministério Público junto do tribunal competente, a fim de a acção ser proposta.

Artigo 1689º

(Casos em que não é admitida a averiguação oficiosa da maternidade)

A acção a que se refere o Artigo anterior não pode ser intentada:

a) Se, existindo perfilhação, a pretensa mãe e o perfilhante forem parentes ou afins em linha recta ou parentes no segundo grau da linha colateral;

b) Se tiverem decorrido dois anos sobre a data do nascimento.

Artigo 1690º

(Filho nascido ou concebido na constância do matrimónio)

Se, em consequência do disposto no Artigo 1688º, o tribunal concluir pela existência de provas seguras de que o filho nasceu ou foi concebido na constância do matrimónio da pretensa mãe, ordena a remessa do processo ao agente do Ministério Público junto do tribunal competente a fim de ser intentada a acção a que se refere o Artigo 1702º, neste caso é aplicável o disposto na alínea b) do Artigo anterior.

Artigo 1691º

(Valor probatório das declarações prestadas)

Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do Artigo 1688º, as declarações prestadas durante o processo a que se refere o Artigo 1688º não implicam presunção de maternidade nem constituem sequer princípio de prova.

Artigo 1692º

(Carácter secreto da instrução)

A instrução do processo é secreta e é conduzida por forma a evitar ofensa ao pudor ou dignidade das pessoas.

Artigo 1693º

(Improcedência da acção oficiosa)

A improcedência da acção oficiosa não obsta a que seja intentada nova acção de investigação de maternidade, ainda que fundada nos mesmos factos.

SUBSECÇÃO III

Reconhecimento judicial

Artigo 1694º

(Investigação de maternidade)

Quando não resulte de declaração, nos termos dos Artigos anteriores, a maternidade pode ser reconhecida em acção especialmente intentada pelo filho para esse efeito.

Artigo 1695º

(Caso em que não é admitido o reconhecimento)

Não é admissível o reconhecimento de maternidade em contrário da que conste do registo do nascimento.

Artigo 1696º

(Prova da maternidade)

1. Na acção de investigação de maternidade o filho deve pro-var que nasceu da pretensa mãe.

2. A maternidade presume-se:

a) Quando o filho houver sido reputado e tratado como tal pela pretensa mãe e reputado como filho também pelo público;

b) Quando exista carta ou outro escrito no qual a pretensa mãe declare inequivocamente a sua maternidade.

3. A presunção considera-se ilidida quando existam dúvidas sérias sobre a maternidade.

Artigo 1697º

(Propositura da acção)

A acção de investigação de maternidade pode ser proposta a todo o tempo.

Artigo 1698º

(Prossecução e transmissão da acção)

O cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens ou os descendentes do filho podem prosseguir na acção, se este falecer na pendência da causa; mas só podem propô-la se o filho, sem a haver intentado, morrer antes de terminar o prazo em que o podia fazer.

Artigo 1699º

(Legitimidade passiva)

1. A acção deve ser proposta contra a pretensa mãe, se esta tiver falecido, contra o cônjuge sobrevivo não separado judicialmente de pessoas e bens e também, sucessivamente, contra os descendentes, ascendentes ou irmãos; na falta destas pessoas, é nomeado curador especial.

2. Quando existam herdeiros ou legatários cujos direitos sejam atingidos pela procedência da acção, esta não produz efeitos contra eles se não tiverem sido também demandados.

Artigo 1700º

(Coligação de investigantes)

Na acção de investigação de maternidade é permitida a coligação de investigantes em relação ao mesmo pretenso progenitor.

Artigo 1701º

(Alimentos provisórios)

O filho menor, interdito ou inabilitado tem direito a alimentos provisórios desde a proposição da acção, contanto que o tribunal considere provável o reconhecimento da maternidade.

Artigo 1702º

(Filho nascido ou concebido na constância do matrimónio)

1. Se se tratar de filho nascido ou concebido na constância do matrimónio da pretensa mãe, a acção de investigação deve ser intentada também contra o marido e, se existir perfilhação, ainda contra o perfilhante.

2. Durante a menoridade do filho a acção pode ser intentada pelo marido da pretensa mãe; neste caso deve sê-lo contra a pretensa mãe e contra o filho e, se existir perfilhação, também contra o perfilhante.

Artigo 1703º

(Impugnação da presunção de paternidade)

1. Na acção a que se refere o Artigo anterior pode ser sempre impugnada a presunção de paternidade do marido da mãe.

2. Se o filho tiver sido perfilhado por pessoa diferente do marido da mãe, a perfilhação só prevalece se for afastada, nos termos do número anterior, a presunção de paternidade.

Artigo 1704º

(Estabelecimento da maternidade a pedido da mãe)

1. Se se tratar de filho nascido ou concebido na constância do matrimónio e existir perfilhação por pessoa diferente do marido da mãe, pode esta requerer ao tribunal que declare a maternidade.

2. No caso referido no número anterior é aplicável, com as devidas adaptações, o disposto nos Artigos 1702º e 1703º.

Artigo 1705º

(Legitimidade em caso de falecimento do autor ou réus)

Em caso de falecimento do autor ou dos réus nas acções a que se referem os Artigos 1702º a 1704º, é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos Artigos 1698º e 1699º.

SECÇÃO III

Estabelecimento da paternidade

SUBSECÇÃO I

Presunção de paternidade

Artigo 1706º

(Presunção de paternidade)

1. Presume-se que o filho nascido ou concebido na constância do matrimónio da mãe tem como pai o marido da mãe.

2. O momento da dissolução do casamento por divórcio ou da sua anulação é o do trânsito em julgado da respectiva sentença; o casamento católico, porém, só se considera nulo ou dissolvido por dispensa a partir do registo da sentença proferida pelas autoridades eclesiásticas.

Artigo 1707º

(Casamento putativo)

1. A anulação do casamento civil, ainda que contraído de má fé por ambos os cônjuges, não exclui a presunção de paternidade.

2. A declaração de nulidade do casamento católico, transcrito no registo civil, também não exclui essa presunção.

Artigo 1708º

(Filhos concebidos antes do casamento)

Relativamente ao filho nascido dentro dos cento e oitenta dias posteriores à celebração do casamento, cessa a presunção estabelecida no Artigo 1706º se a mãe ou o marido declararem no acto do registo do nascimento que o marido não é o pai.

Artigo 1709º

(Filhos concebidos depois de finda a coabitação)

1. Cessa a presunção de paternidade se o nascimento do filho ocorrer passados trezentos dias depois de finda a coabitação dos cônjuges, nos termos do número seguinte.

2. Considera-se finda a coabitação dos cônjuges:

a) Na data da primeira conferência, tratando-se de divórcio ou de separação por mútuo consentimento;

b) Na data da citação do réu para a acção de divórcio ou separação litigiosa, ou na data que a sentença fixar como a da cessação da coabitação;

c) Na data em que deixou de haver notícias do marido, conforme decisão proferida em acção de nomeação de curador provisório, justificação de ausência ou declaração de morte presumida.

Artigo 1710º

(Reinício da presunção de paternidade)

Para o efeito do disposto no n.º 1 do Artigo 1706º, são equiparados a novo casamento:

a) A reconciliação dos cônjuges separados judicialmente de pessoas e bens;

b) O regresso do ausente;

c) O trânsito em julgado da sentença que, sem ter decretado o divórcio ou separação judicial de pessoas e bens, pôs termo ao respectivo processo.

Artigo 1711º

(Renascimento da presunção de paternidade)

1. Quando o início do período legal da concepção seja anterior ao trânsito em julgado da sentença proferida nas acções a que se referem as alíneas a) e b) do n.º 2 do Artigo 1709º, renasce a presunção de paternidade se, em acção intentada por um dos cônjuges ou pelo filho, se provar que no período legal da concepção existiram relações entre os cônjuges, que tornam verosímil a paternidade do marido ou que o filho, na ocasião do nascimento, beneficiou de posse de estado relativamente a ambos os cônjuges.

2. Existe posse de estado relativamente a ambos os cônjuges quando se verifiquem, cumulativamente, os seguintes requisitos:

a) Ser a pessoa reputada e tratada como filho por ambos os cônjuges;

b) Ser reputada como tal nas relações sociais, especial-mente nas respectivas famílias.

3. Se existir perfilhação, na acção a que se refere o n.º 1, deve ser igualmente demandado o perfilhante.

Artigo 1712º

(Não indicação da paternidade do marido)

1. A mulher casada pode fazer a declaração do nascimento com a indicação de que o filho não é do marido.

2. Cessa a presunção de paternidade no caso previsto no número anterior, se for averbada ao registo declaração de que na ocasião do nascimento o filho não beneficiou de posse de estado, nos termos do n.º 2 do Artigo precedente, relativamente a ambos os cônjuges.

3. A menção da paternidade do marido da mãe é feita oficiosamente se, decorridos 60 dias sobre a data em que foi lavrado o registo, a mãe não provar que pediu a declaração a que alude o n.º 2 ou se o pedido for indeferido.

4. Sem prejuízo do disposto no n.º 1, não são admissíveis no registo de nascimento menções que contrariem a presunção de paternidade enquanto esta não cessar.

5. Se a mãe fizer a declaração prevista no n.º 1, o poder paternal só cabe ao marido quando for averbada ao registo a menção da sua paternidade.

6. Quando a presunção de paternidade houver cessado nos termos do n.º 2, é aplicável o disposto no Artigo 1711º.

Artigo 1713º

(Declaração de inexistência de posse de estado)

A declaração de inexistência de posse de estado a que se refere o n.º 2 do Artigo anterior é proferida em processo especial e os seus efeitos restringem-se ao disposto naquele preceito.

Artigo 1714º

(Dupla presunção de paternidade)

1. Se o filho nasceu depois de a mãe ter contraído novo casamento sem que o primeiro se achasse dissolvido ou dentro dos trezentos dias após a sua dissolução, presume-se que o pai é o segundo marido.

2. Julgada procedente a acção de impugnação de paternidade, renasce a presunção relativa ao anterior marido da mãe.

Artigo 1715º

(Menção obrigatória da paternidade)

1. A paternidade presumida nos termos dos Artigos anteriores consta obrigatoriamente do registo do nascimento do filho, não sendo admitidas menções que a contrariem, salvo o disposto nos Artigos 1708º e 1712º.

2. Se o registo do casamento dos pais só vier a ser efectuado depois do registo do nascimento, e deste não constar a paternidade do marido da mãe, é a paternidade mencionada oficiosamente.

Artigo 1716º

(Rectificação do registo)

1. Se contra o disposto na lei não se fizer menção da paterni-dade do filho nascido de mulher casada, pode a todo o tempo qualquer interessado, o Ministério Público ou o funcionário competente promover a rectificação do registo.

2. De igual faculdade gozam as mesmas pessoas quando tenha sido registado como filho do marido da mãe quem não beneficie de presunção de paternidade

Artigo 1717º

(Rectificação, declaração de nulidade ou cancelamento do registo)

Se for rectificado, declarado nulo ou cancelado qualquer registo por falsidade ou qualquer outra causa e, em consequência da rectificação, declaração de nulidade ou cancelamento, o filho deixar de ser havido como filho do marido da mãe ou passar a beneficiar da presunção de paternidade relativamente a este, é lavrado oficiosamente o respectivo averbamento, se não tiver sido ordenado pelo tribunal.

Artigo 1718º

(Impugnação da paternidade)

A paternidade presumida nos termos do Artigo 1706º não pode ser impugnada fora dos casos previstos nos Artigos seguintes.

Artigo 1719º

(Fundamento e legitimidade)

1. A paternidade do filho pode ser impugnada pelo marido da mãe, por esta, pelo filho ou, nos termos do Artigo 1721º, pelo Ministério Público.

2. Na acção o autor deve provar que, de acordo com as circunstâncias, a paternidade do marido da mãe é manifestamente improvável.

3. Não é permitida a impugnação de paternidade com fundamento em inseminação artificial ao cônjuge que nela consentiu.

Artigo 1720º

(Impugnação da paternidade do filho concebido antes do matrimónio)

1. Independentemente da prova a que se refere o n.º 2 do Artigo anterior, podem ainda a mãe ou o marido impugnar a paternidade do filho nascido dentro dos cento e oitenta dias posteriores à celebração do casamento, excepto:

a) Se o marido, antes de casar, teve conhecimento da gravidez da mulher;

b) Se, estando, pessoalmente presente ou representado por procurador com poderes especiais, o marido consentiu que o filho fosse declarado seu no registo do nascimento;

c) Se por qualquer outra forma o marido reconheceu o filho como seu.

2. Cessa o disposto na alínea a) do número anterior se o casamento for anulado por falta de vontade, ou por coação moral exercida contra o marido; cessa ainda o disposto nas alíneas b) e c) quando se prove ter sido o consentimento ou reconhecimento viciado por erro sobre as circunstâncias que tenham contribuído decisivamente para o convenci-mento da paternidade, ou extorquido por coação.

Artigo 1721º

(Acção do Ministério Público)

1. A acção de impugnação de paternidade pode ser proposta pelo Ministério Público a requerimento de quem se declarar pai do filho, se for reconhecida pelo tribunal a viabilidade do pedido.

2. O requerimento deve ser dirigido ao tribunal no prazo de sessenta dias a contar da data em que a paternidade do marido da mãe conste no registo.

3. O tribunal procede às diligências necessárias para averiguar a viabilidade da acção, depois de ouvir, sempre que possível, a mãe e o marido.

4. Se concluir pela viabilidade da acção, o tribunal ordena a remessa do processo ao agente do Ministério Público junto do tribunal competente para a acção de impugnação.

Artigo 1722º

(Prazos)

1. A acção de impugnação de paternidade pode ser intentada:

a) Pelo marido, no prazo de dois anos contados desde que teve conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se a sua não paternidade;

b) Pela mãe, dentro dos dois anos posteriores ao nascimento;

c) Pelo filho, até um ano depois de haver atingido a maioridade ou de ter sido emancipado, ou posterior-mente, dentro de um ano a contar da data em que teve conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se não ser filho do marido da mãe.

2. Se o registo for omisso quanto à maternidade, os prazos a que se referem as alíneas a) e c) do número anterior contam-se a partir do estabelecimento da maternidade.

Artigo 1723º

(Impugnação antecipada)

1. Se o registo for omisso quanto à maternidade, a acção de impugnação pode ser intentada pelo marido da pretensa mãe no prazo de seis meses a contar do dia em que soube do nascimento.

2. O decurso do prazo a que se refere o número anterior não impede o marido de intentar acção de impugnação, nos termos gerais.

Artigo 1724º

(Prossecução e transmissão da acção)

1. Se o titular do direito de impugnar a paternidade falecer no decurso da acção, ou sem a haver intentado, mas antes de findar o prazo estabelecido nos Artigos 1722º e 1723º, têm legitimidade para nela prosseguir ou para a intentar:

a) No caso de morte do presumido pai, o cônjuge não se-parado judicialmente de pessoas e bens que não seja a mãe do filho, os descendentes e ascendentes;

b) No caso de morte da mãe, os descendentes e ascendentes;

c) No caso de morte do filho, o cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e os descendentes.

2. O direito de impugnação conferido às pessoas mencionadas no número anterior caduca se a acção não for proposta no prazo de noventa dias a contar:

a) Da morte do marido ou da mãe, ou do nascimento de filho póstumo, no caso das alíneas a) e b);

b) Da morte do filho, no caso da alínea c).

Artigo 1725º

(Ausência)

No caso de ausência justificada do titular do direito de impugnar a paternidade, a acção a que se refere o Artigo 1719º pode ser intentada pelas pessoas referidas no Artigo anterior, no prazo de cento e oitenta dias a contar do trânsito em julgado da sentença.

Artigo 1726º

(Legitimidade passiva)

1. Na acção de impugnação de paternidade devem ser demandados a mãe, o filho e o presumido pai quando nela não figurem como autores.

2. No caso da morte da mãe, do filho ou do presumido pai, a acção deve ser intentada ou prosseguir contra as pessoas referidas no Artigo 1724º, devendo, na falta destas, ser nomeado um curador especial; se, porém, existirem herdeiros ou legatários cujos direitos possam ser atingidos pela procedência do pedido, a acção não produz efeitos contra eles se não tiverem sido também demandados.

3. Quando o filho for menor não emancipado, o tribunal nomeia-lhe curador especial.

SUBSECÇÃO II

Reconhecimento de paternidade

Divisão I

Disposições gerais

Artigo 1727º

(Formas de reconhecimento)

O reconhecimento do filho nascido ou concebido fora do matrimónio efectua-se por perfilhação ou decisão judicial em acção de investigação.

Artigo 1728º

(Casos em que não é admitido o reconhecimento)

1. Não é admitido o reconhecimento em contrário da filiação que conste do registo de nascimento enquanto este não for rectificado, declarado nulo ou cancelado.

2. O disposto no número anterior não invalida a perfilhação feita por algumas das formas mencionadas nas alíneas b), c) e d) do Artigo 1733º, embora ela não produza efeitos enquanto não puder ser registada.



Divisão II

Perfilhação

Artigo 1729º

(Carácter pessoal e livre da perfilhação)

A perfilhação é acto pessoal e livre; pode, contudo, ser feita por intermédio de procurador com poderes especiais.

Artigo 1730º

(Capacidade)

1. Têm capacidade para perfilhar os indivíduos com mais de dezasseis anos, se não estiverem interditos por anomalia psíquica ou não forem notoriamente dementes no momento da perfilhação.

2. Os menores, os interditos não compreendidos no número anterior e os inabilitados não necessitam, para perfilhar, de autorização dos pais, tutores ou curadores.

Artigo 1731º

(Maternidade não declarada)

Não obsta à perfilhação o facto de a maternidade do perfilhando não se encontrar declarada no registo.

Artigo 1732º

(Conteúdo defeso)

1. O acto de perfilhação não comporta cláusulas que limitem ou modifiquem os efeitos que lhe são atribuídos por lei, nem admite condição ou termo.

2. As cláusulas ou declarações proibidas não invalidam a perfilhação, mas têm-se por não escritas.

Artigo 1733º

(Forma)

A perfilhação pode fazer-se:

a) Por declaração prestada perante o funcionário do registo civil;

b) Por testamento;

c) Por escritura pública;

d) Por termo lavrado em juízo.

Artigo 1734º

(Tempo da perfilhação)

A perfilhação pode ser feita a todo o tempo, antes ou depois do nascimento do filho ou depois da morte deste.

Artigo 1735º

(Perfilhação de nascituro)

A perfilhação de nascituro só é válida se for posterior à concepção e o perfilhante identificar a mãe.

Artigo 1736º

(Perfilhação de filho falecido)

A perfilhação posterior à morte do filho só produz efeitos em favor dos seus descendentes.

Artigo 1737º

(Perfilhação de maiores)

1. A perfilhação de filho maior ou emancipado, ou de filho pré-defunto de quem vivam descendentes maiores ou emancipados só produz efeitos se aquele ou estes, ou, tratando-se de interditos, os respectivos representantes, derem o seu assentimento.

2. O assentimento pode ser dado antes ou depois da perfilhação, ainda que o perfilhante tenha falecido, por alguma das seguintes formas:

a) Por declaração prestada perante o funcionário do registo civil, averbada no assento de nascimento, e no de perfilhação, se existir;

b) Por documento autêntico ou autenticado;

c) Por termo lavrado em juízo no processo em que haja sido feita a perfilhação.

3. O registo da perfilhação é considerado secreto até ser prestado o assentimento necessário e, sem prejuízo do disposto no número seguinte, só pode ser invocado para instrução do processo preliminar de publicações ou em acção de nulidade ou anulação de casamento.

4. Qualquer interessado tem o direito de requerer judicialmente a notificação pessoal do perfilhando, dos seus descendentes ou dos seus representantes legais, para declararem, no prazo de trinta dias, se dão o seu assentimento à perfilhação, considerando-se esta aceite no caso de falta de resposta e sendo cancelado o registo no caso de recusa.

Artigo 1738º

(Irrevogabilidade)

A perfilhação é irrevogável e, quando feita em testamento, não é prejudicada pela revogação deste.

Artigo 1739º

(Impugnação)

1. A perfilhação que não corresponda à verdade é impugnável em juízo mesmo depois da morte do perfilhado.

2. A acção pode ser intentada a todo o tempo, pelo perfilhante, pelo perfilhado, ainda que haja consentido na perfilhação, por qualquer outra pessoa que tenha interesse moral ou patrimonial na sua procedência ou pelo Ministério Público.

3. A mãe ou o filho, quando autores, só têm de provar que o perfilhante não é o pai se este demonstrar ser verosímil que coabitou com a mãe do perfilhado no período de concepção.

Artigo 1740º

(Anulação por erro ou coacção)

1. A perfilhação é anulável judicialmente a requerimento do perfilhante quando viciada por erro ou coacção moral.

2. Só é relevante o erro sobre circunstâncias que tenham contribuído decisivamente para o convencimento da paternidade.

3. A acção de anulação caduca no prazo de um ano, a contar do momento em que o perfilhante teve conhecimento do erro ou que cessou a coacção, salvo se ele for menor não emancipado ou interdito por anomalia psíquica; neste caso, a acção não caduca sem ter decorrido um ano sobre a maioridade, emancipação ou levantamento da interdição.

Artigo 1741º

(Anulação por incapacidade)

1. A perfilhação é anulável por incapacidade do perfilhante a requerimento deste ou de seus pais ou tutor.

2. A acção pode ser intentada dentro de um ano, contado:

a) Da data da perfilhação, quando intentada pelos pais ou tutor;

b) Da maioridade ou emancipação, quando intentada pelo que perfilhou antes da idade exigida por lei;

c) Do termo da incapacidade, quando intentada por quem perfilhou estando interdito por anomalia psíquica ou notoriamente demente.

Artigo 1742º

(Morte do perfilhante)

Se o perfilhante falecer sem haver intentado a acção de anulação ou no decurso dela, têm legitimidade para a intentar no ano seguinte à sua morte, ou nela prosseguir, os descendentes ou ascendentes do perfilhante e todos os que mostrem ter sido prejudicados nos seus direitos sucessórios por efeito da perfilhação.

Artigo 1743º

(Perfilhação posterior a investigação judicial)

A perfilhação feita depois de intentada em juízo acção de investigação de paternidade contra pessoa diferente do perfilhante fica sem efeito, e o respectivo registo deve ser cancelado, se a acção for julgada procedente.

DIVISÃO III

Averiguação oficiosa da paternidade

Artigo 1744º

(Paternidade desconhecida)

Sempre que seja lavrado registo de nascimento de menor apenas com a maternidade estabelecida, deve o funcionário remeter ao tribunal certidão integral do registo, a fim de se averiguar oficiosamente a identidade do pai.

Artigo 1745º

(Averiguação oficiosa)

1. Sempre que possível, o tribunal ouve a mãe acerca da paternidade que atribui ao filho.

2. Se a mãe indicar quem é o pai ou por outro meio chegar ao conhecimento do tribunal a identidade do pretenso progenitor, é este também ouvido.

3. No caso de o pretenso progenitor confirmar a paternidade, é lavrado termo de perfilhação e remetida certidão para averbamento à repartição competente para o registo.

4. Se o presumido pai negar ou se recusar a confirmar a paternidade, o tribunal procede às diligências necessárias para averiguar a viabilidade da acção de investigação de paternidade.

5. Se o tribunal concluir pela existência de provas seguras da paternidade, ordena a remessa do processo ao agente do Ministério Público junto do tribunal competente, a fim de ser intentada a acção de investigação.

Artigo 1746º

(Casos em que não é admitida a averiguação oficiosa da paternidade)

A acção a que se refere o Artigo anterior não pode ser intentada:

a) Se a mãe e o pretenso pai forem parentes ou afins em linha recta ou parentes no segundo grau da linha colateral;

b) Se tiverem decorrido dois anos sobre a data do nascimento.

Artigo 1747º

(Investigação com base em processo crime)

Quando em processo crime se considere provada a cópula em termos de constituir fundamento para a investigação da paternidade e se mostre que a ofendida teve um filho em condições de o período legal da concepção abranger a época do crime, deve o Ministério Público instaurar a correspondente acção de investigação, independentemente do prazo estabelecido na alínea b) do Artigo 1746º.

Artigo 1748º

(Remissão)

É aplicável à acção oficiosa de investigação de paternidade, com as necessárias adaptações, o disposto nos Artigos 1691º, 1692º e 1693º.

DIVISÃO IV

Reconhecimento judicial

Artigo 1749º

(Investigação da paternidade)

A paternidade pode ser reconhecida em acção especialmente intentada pelo filho se a maternidade já se achar estabelecida ou for pedido conjuntamente o reconhecimento de uma e outra.

Artigo 1750º

(Legitimidade da mãe menor)

A mãe menor tem legitimidade para intentar a acção em representação do filho sem necessidade de autorização dos pais, mas é sempre representada na causa por curador especial nomeado pelo tribunal.

Artigo 1751º

(Presunção)

1. A paternidade presume-se:

a) Quando o filho houver sido reputado e tratado como tal pelo pretenso pai e reputado como filho também pelo público;

b) Quando exista carta ou outro escrito no qual o pretenso pai declare inequivocamente a sua paternidade;

c) Quando, durante o período legal da concepção, tenha existido comunhão duradoura de vida em condições análogas às dos cônjuges ou concubinato duradouro entre a mãe e o pretenso pai;

d) Quando o pretenso pai tenha seduzido a mãe, no período legal da concepção, se esta era virgem e menor no momento em que foi seduzida, ou se o consentimento dela foi obtido por meio de promessa de casamento, abuso de confiança ou abuso de autoridade.

e) Quando se prove que o pretenso pai teve relações sexuais com a mãe durante o período legal de concepção.

2. A presunção considera-se ilidida quando existam dúvidas sérias sobre a paternidade do investigado.

Artigo 1752º

(Coligação de investigantes)

Na acção de investigação de paternidade é permitida a coligação de investigantes filhos da mesma mãe, em relação ao mesmo pretenso progenitor.

Artigo 1753º

(Remissão)

É aplicável à acção de investigação de paternidade, com as necessárias adaptações, o disposto nos Artigos 1697º a 1699º e 1701º.

CAPÍTULO II

Efeitos da filiação

SECÇÃO I

Disposições gerais

Artigo 1754º

(Deveres de pais e filhos)

1. Pais e filhos devem-se mutuamente respeito, auxílio e assistência.

2. O dever de assistência compreende a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir, durante a vida em comum, de acordo com os recursos próprios, para os encargos da vida familiar.

Artigo 1755º

(Nome do filho)

1. O filho usa apelidos do pai e da mãe ou só de um deles.

2. A escolha do nome próprio e dos apelidos do filho menor pertence aos pais; na falta de acordo decide o juiz, de harmonia com o interesse do filho.

3. Se a maternidade ou paternidade forem estabelecidas posteriormente ao registo do nascimento, os apelidos do filho poderão ser alterados nos termos dos números anteriores.

Artigo 1756º

(Atribuição dos apelidos do marido da mãe)

1. Quando a paternidade se não encontre estabelecida, poderão ser atribuídos ao filho menor apelidos do marido da mãe se esta e o marido declararem, perante o funcionário do registo civil, ser essa a sua vontade.

2. Nos dois anos posteriores à maioridade ou à emancipação o filho pode requerer que sejam eliminados do seu nome os apelidos do marido da mãe.

SECÇÃO II

Poder paternal

SUBSECÇÃO I

Princípios gerais

Artigo 1757º

(Duração do poder paternal)

Os filhos estão sujeitos ao poder paternal até à maioridade ou emancipação.

Artigo 1758º

(Conteúdo do poder paternal)

1. Compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens.

2. Os filhos devem obediência aos pais; estes, porém, de acordo com a maturidade dos filhos, devem ter em conta a sua opinião nos assuntos familiares importantes e reconhecer-lhes autonomia na organização da própria vida.

Artigo 1759º

(Despesas com o sustento, segurança, saúde e educação dos filhos)

Os pais ficam desobrigados de prover ao sustento dos filhos e de assumir as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação na medida em que os filhos estejam em condições de suportar, pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos, aqueles encargos.

Artigo 1760º

(Despesas com os filhos maiores ou emancipados)

Se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, mantém-se a obrigação a que se refere o número anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete.

Artigo 1761º

(Poder de representação)

1. O poder de representação compreende o exercício de to-dos os direitos e o cumprimento de todas as obrigações do filho, exceptuados os actos puramente pessoais, aqueles que o menor tem o direito de praticar pessoal e livremente e os actos respeitantes a bens cuja administração não pertença aos pais.

2. Se houver conflito de interesses cuja resolução dependa de autoridade pública, entre qualquer dos pais e o filho sujeito ao poder paternal, ou entre os filhos, ainda que, neste caso, algum deles seja maior, são os menores repre-sentados por um ou mais curadores especiais nomeados pelo tribunal.

Artigo 1762º

(Irrenunciabilidade)

Os pais não podem renunciar ao poder paternal nem a qualquer dos direitos que ele especialmente lhes confere, sem prejuízo do que neste código se dispõe acerca da adopção.

Artigo 1763º

(Filho concebido fora do matrimónio)

O pai ou a mãe não pode introduzir no lar conjugal o filho concebido na constância do matrimónio que não seja filho do seu cônjuge, sem consentimento deste.

Artigo 1764º

(Alimentos à mãe)

1. O pai não unido pelo matrimónio à mãe do filho é obrigado, desde a data do estabelecimento de paternidade, a prestar-lhe alimentos relativos ao período da gravidez e ao primeiro ano de vida do filho, sem prejuízo das indemnizações a que por lei ela tenha direito.

2. A mãe pode pedir os alimentos na acção de investigação de paternidade e tem direito a alimentos provisórios se a acção foi proposta antes de decorrido o prazo a que se refere o número anterior, desde que o tribunal considere provável o reconhecimento.



SUBSECÇÃO II

Poder paternal relativamente à pessoa dos filhos

Artigo 1765º

(Educação)

1. Cabe aos pais, de acordo com as suas possibilidades, promover o desenvolvimento físico, intelectual e moral dos filhos.

2. Os pais devem proporcionar aos filhos, em especial aos diminuídos física e mentalmente, adequada instrução geral e profissional, correspondente, na medida do possível, às aptidões e inclinações de cada um.

Artigo 1766º

(Educação religiosa)

Pertence aos pais decidir sobre a educação religiosa dos filhos menores de dezasseis anos.

Artigo 1767º

(Abandono do lar)

1. Os menores não podem abandonar a casa paterna ou aquela que os pais lhes destinaram, nem dela ser retirados.

2. Se a abandonarem ou dela forem retirados, qualquer dos pais e, em caso de urgência, as pessoas a quem eles tenham confiado o filho podem reclamá-lo, recorrendo, se for necessário, ao tribunal ou à autoridade competente.

Artigo 1768º

(Convívio com irmãos e ascendentes)

Os pais não podem injustificadamente privar os filhos do convívio com os irmãos e ascendentes.

SUBSECÇÃO III

Poder paternal relativamente a os bens dos filhos

Artigo 1769º

(Exclusão da administração)

1. Os pais não têm a administração:

a) Dos bens do filho que procedam de sucessão da qual os pais tenham sido excluídos por indignidade ou deserdação;

b) Dos bens que tenham advindo ao filho por doação ou sucessão contra a vontade dos pais;

c) Dos bens deixados ou doados ao filho com exclusão da administração dos pais;

d) Dos bens adquiridos pelo filho maior de dezasseis anos pelo seu trabalho.

2. A exclusão da administração, nos termos da alínea c) do número anterior, é permitida mesmo relativamente a bens que caibam ao filho a título de legítima.

Artigo 1770º

(Actos cuja validade depende de autorização do tribunal)

1. Como representantes do filho não podem os pais, sem autorização do tribunal:

a) Alienar ou onerar bens, salvo tratando-se de alienação onerosa de coisas susceptíveis de perda ou dete-rioração;

b) Votar, nas assembleias gerais das sociedades, deliberações que importem a sua dissolução;

c) Adquirir estabelecimento comercial ou industrial ou continuar a exploração do que o filho haja recebido por sucessão ou doação;

d) Entrar em sociedade em nome colectivo ou em coman-dita simples ou por acções;

e) Contrair obrigações cambiárias ou resultantes de qualquer título transmissível por endosso;

f) Garantir ou assumir dívidas alheias;

g) Contrair empréstimos;

h) Contrair obrigações cujo cumprimento se deva verificar depois da maioridade;

i) Ceder direitos de crédito;

j) Repudiar herança ou legado;

l) Aceitar herança, doação ou legado com encargos, ou convencionar partilha extrajudicial;

m) Locar bens, por prazo superior a seis anos;

n) Convencionar ou requerer em juízo a divisão de coisa comum ou a liquidação e partilha de patrimónios sociais;

o) Negociar transacção ou comprometer-se em árbitros relativamente a actos referidos nas alíneas anteriores, ou negociar concordata com os credores.

2. Não se considera abrangida na restrição da alínea a) do número anterior a aplicação de dinheiro ou capitais do menor na aquisição de bens.

Artigo 1771º

(Aceitação e rejeição de liberalidades)

1. Se ao filho for deixada herança ou legado, ou for feita proposta de doação que necessite de ser aceite, devem os pais aceitar a liberalidade, se o puderem fazer legalmente, ou requerer ao tribunal, no prazo de trinta dias, autorização para aceitar ou rejeitar.

2. Se, decorrido aquele prazo sobre a abertura da sucessão ou sobre a proposta de doação, os pais nada tiverem providenciado, pode o filho ou qualquer dos seus parentes, o Ministério Público, o doador ou algum interessado nos bens deixados requerer ao tribunal a notificação dos pais para darem cumprimento ao disposto no número anterior, dentro do prazo que lhes for assinado.

3. Se os pais nada declararem dentro do prazo fixado, a liberalidade tem-se por aceite, salvo se o tribunal julgar mais conveniente para o menor a rejeição.

4. No processo em que os pais requeiram autorização judicial para aceitar a herança, quando dela necessitem, pode requerer autorização para convencionar a respectiva partilha extrajudicial, bem como a nomeação de curador especial para nela outorgar, em representação do menor, quando com ele concorram à sucessão ou a ela concorram vários incapazes por eles representados.

Artigo 1772º

(Nomeação de curador especial)

1. Se o menor não tiver quem legalmente o represente, qualquer das pessoas mencionadas no n.º 2 do Artigo anterior tem legitimidade para requerer ao tribunal a nomeação de um curador especial para os efeitos do disposto no n.º 1 do mesmo Artigo.

2. Quando o tribunal recusar autorização aos pais para rejeitarem a liberalidade, é também nomeado oficiosamente um curador para o efeito da sua aceitação.

Artigo 1773º

(Proibição de adquirir bens do filho)

1. Sem autorização do tribunal não podem os pais tomar de arrendamento ou adquirir, directamente ou por interposta pessoa, ainda que em hasta pública, bens ou direitos do filho sujeito ao poder paternal, nem tornar-se cessionários de créditos ou outros direitos contra este, excepto nos casos de sub-rogação legal, de licitação em processo de inventário ou de outorga em partilha judicialmente autorizada.

2. Entende-se que a aquisição é feita por interposta pessoa nos casos referidos no n.º 2 do Artigo 514º.

Artigo 1774º

(Actos anuláveis)

1. Os actos praticados pelos pais em contravenção do disposto nos Artigos 1770º e 1773º são anuláveis a requerimento do filho, até um ano depois de atingir a maioridade ou ser emancipado, ou, se ele entretanto falecer, a pedido dos seus herdeiros, excluídos os próprios pais responsáveis, no prazo de um ano a contar da morte do filho.

2. A anulação pode ser requerida depois de findar o prazo se o filho ou seus herdeiros mostrarem que só tiveram conhecimento do acto impugnado nos seis meses anteriores à proposição da acção.

3. A acção de anulação pode também ser intentada pelas pessoas com legitimidade para requerer a inibição do poder paternal, contanto que o façam no ano seguinte à prática dos actos impugnados e antes de o menor atingir a maioridade ou ser emancipado.

Artigo 1775º

(Confirmação dos actos pelo tribunal)

O tribunal pode confirmar os actos praticados pelos pais sem a necessária autorização.

Artigo 1776º

(Bens cuja propriedade pertence aos pais)

1. Pertence aos pais a propriedade dos bens que o filho me-nor, vivendo em sua companhia, produza por trabalho pres-tado aos seus progenitores e com meios ou capitais pertencentes a estes.

2. Os pais devem dar ao filho parte nos bens produzidos ou por outra forma compensá-lo do seu trabalho; o cumpri-mento deste dever não pode, todavia, ser judicialmente exigido.

Artigo 1777º

(Rendimento dos bens do filho)

1. Os pais podem utilizar os rendimentos dos bens do filho para satisfazerem as despesas com o sustento, segurança, saúde e educação deste, bem como, dentro de justos limites, com outras necessidades da vida familiar.

2. No caso de só um dos pais exercer o poder paternal, a ele pertence a utilização dos rendimentos do filho, nos termos do número anterior.

3. A utilização de rendimentos de bens que caibam ao filho a título de legítima não pode ser excluída pelo doador ou testador.

Artigo 1778º

(Exercício da administração)

Os pais devem administrar os bens dos filhos com o mesmo cuidado com que administram os seus.

Artigo 1779º

(Prestação de caução)

1. Sem prejuízo do disposto no Artigo 1802º, os pais não são obrigados a prestar caução como administradores dos bens do filho, excepto quando a este couberem valores móveis e o tribunal, considerando o valor dos bens, o julgue necessário, a pedido das pessoas com legitimidade para a acção de inibição do exercício do poder paternal.

2. Se os pais não prestarem a caução que lhes for exigida é aplicável o disposto no Artigo 1393º.

Artigo 1780º

(Dispensa de prestação de contas)

Os pais não são obrigados a prestar contas da sua administração, sem prejuízo do disposto no Artigo 1802º.

Artigo 1781º

(Fim da administração)

1. Os pais devem entregar ao filho, logo que este atinja a maioridade ou seja emancipado, todos os bens que lhe pertençam; quando por outro motivo cesse o poder paternal ou a administração, devem os bens ser entregues ao representante legal do filho.

2. Os móveis devem ser restituídos no estado em que se encontrarem; não existindo, pagam os pais o respectivo valor, excepto se houverem sido consumidos em uso comum ao filho ou tiverem perecido por causa não imputável aos progenitores.

SUBSECÇÃO IV

Exercício do poder paternal

Artigo 1782º

(Poder paternal na constância do matrimónio)

1. Na constância do matrimónio o exercício do poder paternal pertence a ambos os pais.

2. Os pais exercem o poder paternal de comum acordo e, se este faltar em questões de particular importância, qualquer deles pode recorrer ao tribunal, que tenta a conciliação; se esta não for possível, o tribunal ouve, antes de decidir, o filho maior de catorze anos, salvo quando circunstâncias ponderosas o desaconselhem.

3. Nos casos de falta de acordo dos pais em questões de par-ticular importância em que, por motivos de urgência, não seja possível recorrer ao tribunal de acordo com o previsto no número anterior, deve prevalecer a posição do progenitor que melhor salvaguarde o interesse do menor ou importe menor sacrifício para a sua segurança, saúde, formação moral ou educação.

Artigo 1783º

(Actos praticados por um dos pais)

1. Se um dos pais praticar acto que integre o exercício do poder paternal, presume-se que age de acordo com o outro, salvo quando a lei expressamente exija o consentimento de ambos os progenitores ou se trate de acto de particular importância; a falta de acordo não é oponível a terceiro de boa fé.

2. O terceiro deve recusar-se a intervir no acto praticado por um dos cônjuges quando, nos termos do número anterior, não se presuma o acordo do outro cônjuge ou quando conheça a oposição deste.

Artigo 1784º

(Impedimento de um dos pais)

Quando um dos pais não puder exercer o poder paternal por ausência, incapacidade ou outro impedimento, cabe esse exercício unicamente ao outro progenitor.

Artigo 1785º

(Viuvez)

Dissolvido o casamento por morte de um dos cônjuges, o poder paternal pertence ao sobrevivo.

Artigo 1786º

(Poder paternal de pais não unidos pelo matrimónio que vivam maritalmente)

Quando a filiação se encontre estabelecida relativamente a ambos os pais e estes não estejam unidos pelo matrimónio mas vivam maritalmente, o exercício do poder paternal pertence a ambos, que o exercem de comum acordo, aplicando-se as regras do exercício do poder paternal na constância do matrimónio.

Artigo 1787º

(Casos de necessidade de regulação do exercício do poder paternal)

1. Nos casos de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento, o destino do filho, o regime de visitas, os alimentos a este devidos e a forma de os prestar são regulados por acordo dos pais, sujeito a homologação do tribunal; a homologação é recusada se o acordo não corresponder ao interesse do menor, incluindo o interesse deste em manter com aquele progenitor a quem não seja confiado uma relação de grande proximidade.

2. Na falta de acordo, o tribunal decide de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com o progenitor a quem não seja confiado, podendo a sua guarda caber a qualquer dos pais, ou, quando se verifique alguma das circunstâncias previstas no Artigo 1800º, a terceira pessoa ou estabelecimento de reeducação ou assistência.

Artigo 1788º

(Exercício do poder paternal nos casos de necessidade da sua regulação)

1. O poder paternal é exercido pelo progenitor a quem o filho foi confiado.

2. Os pais podem, todavia, acordar, nos termos do n.º 1 do Artigo anterior, o exercício em comum do poder paternal, decidindo as questões relativas à vida do filho em condições idênticas às que vigoram para tal efeito na constância do matrimónio.

3. Os pais podem ainda acordar, nos termos do n.º 1 do Artigo anterior, que determinados assuntos sejam resolvidos por acordo de ambos os pais ou que a administração dos bens do filho seja assumida pelo progenitor a quem o menor não tenha sido confiado.

4. Ao progenitor que não exerça o poder paternal assiste o poder de vigiar a educação e as condições de vida do filho.

Artigo 1789º

(Exercício do poder paternal quando o filho é confiado a terceira pessoa ou a estabelecimento de educação ou assistência)

1. Quando o filho seja confiado a terceira pessoa ou a estabelecimento de educação ou assistência, cabem a estes os poderes e deveres dos pais que forem exigidos pelo adequado desempenho das suas funções.

2. O tribunal decide a qual dos progenitores compete o exercício do poder paternal na parte não prejudicada pelo disposto no número anterior.

Artigo 1790º

(Sobrevivência do progenitor a quem o filho não foi confiado)

Quando se verifique alguma das circunstâncias previstas no Artigo 1800º, pode o tribunal, ao regular o exercício do poder paternal, decidir que, se falecer o progenitor a quem o menor for entregue, a guarda não passe para o sobrevivo; o tribunal designa então a pessoa a quem, provisoriamente, o menor é confiado.

Artigo 1791º

(Separação)

As disposições dos Artigos 1787º a 1790º são aplicáveis nos casos de separação de facto de cônjuges e de separação de pais não unidos pelo matrimónio que vivam maritalmente.

Artigo 1792º

(Filiação estabelecida apenas quanto a um dos progenitores)

Se a filiação de menor nascido fora do casamento se encontrar estabelecida apenas quanto a um dos progenitores, a este pertence o poder paternal.

Artigo 1793º

(Filiação estabelecida quanto a ambos os progenitores não unidos pelo matrimónio)

1. Quando a filiação se encontre estabelecida relativamente a ambos os pais e estes não tenham contraído matrimónio ou não vivam maritalmente após o nascimento do menor, o exercício do poder paternal pertence ao progenitor que tiver a guarda de facto do filho.

2. Na falta de acordo, o tribunal decide de harmonia com o interesse do menor; é aplicável, neste caso, com as necessárias adaptações o disposto no n.º 2 do Artigo 1787º.

3. Os progenitores podem sujeitar a homologação do tribunal acordo relativo ao poder paternal, nomeadamente acordo segundo o qual o exercício do poder paternal pertence a ambos conjuntamente; é aplicável, neste caso, com as necessárias adaptações, o disposto nos Artigos 1782.º a 1784.º.

Artigo 1794º

(Regulação do exercício do poder paternal)

Se os progenitores viverem maritalmente é aplicável o disposto no Artigo 1786º.

SUBSECÇÃO V

Inibição e limitações ao exercício do poder paternal

Artigo 1795º

(Inibição de pleno direito)

1. Consideram-se de pleno direito inibidos do exercício do poder paternal:

a) Os condenados definitivamente por crime a que a lei atribua esse efeito;

b) Os interditos e os inabilitados por anomalia psíquica;

c) Os ausentes, desde a nomeação do curador provisório.

2. Consideram-se de pleno direito inibidos de representar o filho e administrar os seus bens os menores não emancipa-dos e os interditos e inabilitados não referidos na alínea b) do número anterior.

3. As decisões judiciais que importem inibição do exercício do poder paternal são comunicadas, logo que transitem em julgado, ao tribunal competente, a fim de serem tomadas as providências que no caso couberem.

Artigo 1796º

(Cessação da inibição)

A inibição de pleno direito do exercício do poder paternal cessa pelo levantamento da interdição ou inabilitação e pelo termo da curadoria.

Artigo 1797º

(Inibição do exercício do poder paternal)

1. A requerimento do Ministério Público, de qualquer parente do menor ou de pessoa a cuja guarda ele esteja confiado, de facto ou de direito, pode o tribunal decretar a inibição do exercício do poder paternal quando qualquer dos pais infrinja culposamente os deveres para com os filhos, com grave prejuízo destes, ou quando, por inexperiência, enfermidade, ausência ou outras razões, não se mostre em condições de cumprir aqueles deveres.

2. A inibição pode ser total ou limitar-se à representação e administração dos bens dos filhos; pode abranger ambos os progenitores ou apenas um deles e referir-se a todos os filhos ou apenas a algum ou alguns.

3. Salvo decisão em contrário, os efeitos da inibição que abranja todos os filhos estendem-se aos que nascerem depois de decretada.

Artigo 1798º

(Levantamento da inibição)

1. A inibição do exercício do poder paternal decretada pelo tribunal é levantada quando cessem as causas que lhe deram origem.

2. O levantamento pode ser pedido pelo Ministério Público, a todo o tempo, ou por qualquer dos pais, passado um ano sobre o trânsito em julgado da sentença de inibição ou da que houver desatendido outro pedido de levantamento.

Artigo 1799º

(Alimentos)

A inibição do exercício do poder paternal em nenhum caso isenta os pais do dever de alimentarem o filho.

Artigo 1800º

(Perigo para a segurança, saúde, formação moral e educação do filho)

Quando a segurança, a saúde, a formação moral ou a educação de um menor se encontrem em perigo e não seja caso de inibição do exercício do poder paternal, pode o tribunal, a requerimento do Ministério Público ou de qualquer das pessoas indicadas no n.º 1 do Artigo 1797º, decretar as providências adequadas, designadamente confiá-lo a terceira pessoa ou a estabeleci-mento de educação ou assistência.

Artigo 1801º

(Exercício do poder paternal enquanto se mantiver a providência)

1. Quando tiver sido decretada alguma das providências referidas no Artigo anterior, os pais conservam o exercício do poder paternal em tudo o que com ela se não mostre inconciliável.

2. Se o menor tiver sido confiado a terceira pessoa ou a estabelecimento de educação ou assistência, é estabelecido um regime de visitas aos pais, a menos que, excepcional-mente, o interesse do filho o desaconselhe.

Artigo 1802º

(Protecção dos bens do filho)

1. Quando a má administração ponha em perigo o património do filho e não seja caso de inibição do exercício do poder paternal, pode o tribunal, a requerimento do Ministério Público ou de qualquer parente, decretar as providências que julgue adequadas.

2. Atendendo em especial ao valor dos bens, pode nomeadamente o tribunal exigir a prestação de contas e de informações sobre a administração e estado do património do filho e, quando estas providências não sejam suficientes, a prestação de caução.

Artigo 1803º

(Revogação ou alteração de decisões)

As decisões que decretem providências ao abrigo do disposto nos Artigos 1800º a 1802º podem ser revogadas ou alteradas a todo o tempo pelo tribunal que as proferiu, a requerimento do Ministério Público ou de qualquer dos pais.



SUBSECÇÃO VI

Registo das decisões relativas ao poder paternal

Artigo 1804º

(Obrigatoriedade do registo)

São oficiosamente comunicadas à repartição do registo civil competente a fim de serem registadas:

a) As decisões que regulem o exercício do poder paternal ou homologuem acordo sobre esse exercício;

b) As decisões que homologuem a reconciliação de cônjuges judicialmente separados de pessoas e bens;

c) As decisões que façam cessar a regulação do poder paternal em caso de reconciliação de cônjuges separados de facto;

d) As decisões que importem a inibição do exercício do poder paternal, o suspendam provisoriamente ou estabeleçam providências limitativas desse poder.

Artigo 1805º

(Consequência da falta do registo)

As decisões judiciais a que se refere o Artigo anterior não podem ser invocadas contra terceiro de boa fé enquanto se não mostre efectuado o registo.

SECÇÃO III

Meios de suprir o poder paternal

SUBSECÇÃO I

Disposições gerais

Artigo 1806º

(Menores sujeitos a tutela)

1. O menor está obrigatoriamente sujeito a tutela:

a) Se os pais houverem falecido;

b) Se estiverem inibidos do poder paternal quanto à regência da pessoa do filho;

c) Se estiverem há mais de seis meses impedidos de facto de exercer o poder paternal;

d) Se forem incógnitos.

2. Havendo impedimento de facto dos pais, deve o Ministério Público tomar as providências necessárias à defesa do menor, independentemente do decurso do prazo referido na alínea c) de número anterior, podendo para o efeito promover a nomeação de pessoa que, em nome do menor, celebre os negócios jurídicos que sejam urgentes ou de que resulte manifesto proveito para este.

Artigo 1807º

(Administração de bens)

É instituído o regime de administração de bens do menor previsto nos Artigos 1847º e seguintes:

a) Quando os pais tenham sido apenas excluídos, inibidos ou suspensos da administração de todos os bens do incapaz ou de alguns deles, se por outro título se não encontrar designado o administrador;

b) Quando a entidade competente para designar o tutor confie a outrem, no todo ou em parte, a administração dos bens do menor.

Artigo 1808º

(Carácter oficioso da tutela e da administração)

1. Sempre que o menor se encontre numa das situações previstas nos Artigos anteriores, deve o tribunal promover oficiosamente a instauração da tutela ou da administração de bens.

2. Qualquer autoridade administrativa ou judicial, bem como os funcionários do registo civil, que no exercício do cargo tenham conhecimento de tais situações devem comunicar o facto ao Ministério Público.

Artigo 1809º

(Órgãos da tutela e da administração)

1. A tutela é exercida por um tutor e pelo conselho de família.

2. A administração de bens é exercida por um ou mais administradores e, se estiver instaurada a tutela, pelo conselho de família.

Artigo 1810º

(Atribuições do tribunal)

1. Tanto a tutela como a administração de bens são exercidas sob a vigilância do tribunal.

2. Ao tribunal, além de outras atribuições fixadas na lei, com-pete ainda, conforme os casos, confirmar ou designar os tutores, administradores de bens e vogais do conselho de família.

Artigo 1811º

(Obrigatoriedade das funções tutelares)

Os cargos de tutor, administrador de bens e vogal do conselho de família são obrigatórios, não podendo ninguém ser deles escusado senão nos casos expressos na lei.

SUBSECÇÃO II

Tutela

DIVISÃO I

Designação do tutor

Artigo 1812º

(Pessoas a quem compete a tutela)

O cargo de tutor recai sobre a pessoa designada pelos pais ou pelo tribunal.

Artigo 1813º

(Tutor designado pelos pais)

1. Os pais podem nomear tutor ao filho menor para o caso de virem a falecer ou se tornarem incapazes; se apenas um dos progenitores exercer o poder paternal, a ele pertence esse poder.

2. Quando, falecido um dos progenitores que houver nomeado tutor ao filho menor, lhe sobreviver o outro, a designação considera-se eficaz se não for revogada por este no exercício do poder paternal.

3. A designação do tutor e respectiva revogação só têm validade sendo feitas em testamento ou em documento autêntico ou autenticado.

Artigo 1814º

(Designação de vários tutores)

Quando, nos termos do Artigo anterior, tiver sido designado mais de um tutor para o mesmo filho, recai a tutela em cada um dos designados segundo a ordem da designação, quando a precedência entre eles não for de outro modo especificada.

Artigo 1815º

(Tutor designado pelo tribunal)

1. Quando os pais não tenham designado tutor ou este não haja sido confirmado, compete ao tribunal, ouvido o conselho de família, nomear o tutor de entre os parentes ou afins do menor ou de entre as pessoas que de facto tenham cuidado ou estejam a cuidar do menor ou tenham por ele demonstrado afeição.

2. Antes de proceder à nomeação de tutor, deve o tribunal ouvir o menor que tenha completado catorze anos.

Artigo 1816º

(Tutela de vários irmãos)

A tutela respeitante a dois ou mais irmãos cabe, sempre que possível, a um só tutor.

Artigo 1817º

(Quem não pode ser tutor)

1. Não podem ser tutores:

a) Os menores não emancipados, os interditos e os inabilitados;

b) Os notoriamente dementes, ainda que não estejam interditos ou inabilitados;

c) As pessoas de mau procedimento ou que não tenham modo de vida conhecido;

d) Os que tiverem sido inibidos ou se encontrarem total ou parcialmente suspensos do poder paternal;

e) Os que tiverem sido removidos ou se encontrarem suspensos de outra tutela ou do cargo de vogal de conselho de família por falta de cumprimento das respectivas obrigações;

f) Os que tenham demanda pendente com o menor ou com seus pais, ou a tenham tido há menos de cinco anos;

g) Aquele cujos pais, filhos ou cônjuges tenham, ou hajam tido há menos de cinco anos, demanda com o menor ou seus pais;

h) Os que sejam inimigos pessoais do menor ou dos seus pais;

i) Os que tenham sido excluídos pelo pai ou mãe do menor, nos mesmos termos em que qualquer deles pode designar tutor;

j) Os magistrados judiciais ou de Ministério Público que exerçam funções na comarca do domicílio do menor ou na da situação dos seus bens.

2. Os inabilitados por prodigalidade, os falidos ou insolventes, e bem assim os inibidos ou suspensos do poder paternal ou removidos da tutela, quanto à administração de bens, podem ser nomeados tutores, desde que sejam apenas encarregados da guarda e regência da pessoa do menor.

Artigo 1818º

(Escusa da tutela)

1. Podem escusar-se da tutela:

a) O Presidente da República e os membros do governo;

b) Os membros de confissões religiosas;

c) Os militares em serviço activo;

d) Os que residam fora da comarca onde o menor tem a maior parte dos bens, salvo se a tutela compreender apenas a regência da pessoa do menor, ou os bens deste forem de reduzido valor;

e) Os que tiverem mais de três descendentes a seu cargo;

f) Os que exerçam outra tutela ou curatela;

g) Os que tenham mais de sessenta e cinco anos;

h) Os que não sejam parentes ou afins em linha recta do menor, ou seus colaterais até ao quarto grau;

i) Os que, em virtude de doença, ocupações profissionais absorventes ou carência de meios económicos, não possam exercer a tutela sem grave incómodo ou prejuízo.

2. O que for escusado da tutela pode ser compelido a aceitá-la, desde que cesse o motivo da escusa.



DIVISÃO II

Direitos e obrigações do tutor

Artigo 1819º

(Princípios gerais)

1. O tutor tem os mesmos direitos e obrigações dos pais, com as modificações e restrições constantes dos Artigos seguintes.

2. O tutor deve exercer a tutela com a diligência de um bom pai de família.

Artigo 1820º

(Rendimentos dos bens do pupilo)

O tutor só pode utilizar os rendimentos dos bens do pupilo no sustento e educação deste e na administração dos seus bens.

Artigo 1821º

(Actos proibidos ao tutor)

É vedado ao tutor:

a) Dispor a título gratuito dos bens do menor;

b) Tomar de arrendamento ou adquirir, directamente ou por interposta pessoa, ainda que seja em hasta pública, bens ou direitos do menor, ou tornar-se cessionário de créditos ou outros direitos contra ele, excepto nos casos de sub-rogação legal, de licitação em processo de inventário ou de outorga em partilha judicialmente autorizada;

c) Celebrar em nome do pupilo contratos que o obriguem pessoalmente a praticar certos actos, excepto quando as obrigações contraídas sejam necessárias à sua educação, estabelecimento ou ocupação;

d) Receber do pupilo, directamente ou por interposta pessoa, quaisquer liberalidades, por acto entre vivos ou por morte, se tiverem sido feitas depois da sua designação e antes da aprovação das respectivas contas, sem prejuízo do disposto para as deixas testamentárias no n.º 3 do Artigo 2056º.

Artigo 1822º

(Actos dependentes da autorização do tribunal)

1. O tutor, como representante do pupilo, necessita de autorização do tribunal:

a) Para praticar qualquer dos actos mencionados no n.º 1 do Artigo 1770º;

b) Para adquirir bens, móveis ou imóveis, como aplicação de capitais do menor;

c) Para aceitar herança, doação ou legado, ou convencionar partilha extrajudicial;

d) Para contrair ou solver obrigações, salvo quando respeitem a alimentos do menor ou se mostrem neces-sárias à administração do seu património;

e) Para intentar acções, salvas as destinadas à cobrança de prestações periódicas e aquelas cuja demora possa causar prejuízo;

f) Para continuar a exploração de estabelecimento co-mercial ou industrial que o menor haja recebido por sucessão ou doação.

2. O tribunal não concede a autorização que lhe seja pedida sem previamente ouvir o conselho de família.

3. O disposto no n.º 1 não prejudica o que é especialmente determinado em relação aos actos praticados em processo de inventário.

Artigo 1823º

(Nulidade dos actos praticados pelo tutor)

1. São nulos os actos praticados pelo tutor em contravenção do disposto no Artigo 1821º; a nulidade não pode, porém, ser invocada pelo tutor ou seus herdeiros nem pela interposta pessoa de quem ele se tenha servido.

2. A nulidade é sanável mediante confirmação do pupilo, depois de maior ou emancipado, mas somente enquanto não for declarada por sentença com trânsito em julgado.

Artigo 1824º

(Outras sanções)

1. Os actos praticados pelo tutor em contravenção do disposto nas alíneas a) a d) do n.º 1 do Artigo 1822º podem ser anulados oficiosamente pelo tribunal durante a menoridade do pupilo, ou a requerimento de qualquer vogal do conselho de família ou do próprio pupilo, até cinco anos após a sua maioridade ou emancipação.

2. Os herdeiros do pupilo podem também requerer a anulação, desde que o façam antes de decorrido igual período sobre o falecimento.

3. Se o tutor intentar alguma acção em contravenção do disposto na alínea e) do n.º 1 do Artigo 1822º, deve o tribunal ordenar oficiosamente a suspensão da instância, depois da citação, até que seja concedida a autorização necessária.

4. Se o tutor continuar a explorar, sem autorização, o estabeleci-mento comercial ou industrial do pupilo, é pessoalmente responsável por todos os danos, ainda que acidentais, resultantes da exploração.

Artigo 1825º

(Confirmação dos actos pelo tribunal)

O tribunal, ouvido o conselho de família, pode confirmar os actos praticados pelo tutor sem a necessária autorização.

Artigo 1826º

(Remuneração do tutor)

1. O tutor tem direito a ser remunerado.

2. Se a remuneração não tiver sido fixada pelos pais do menor no acto de designação do tutor, é arbitrada pelo tribunal, ouvido o conselho de família, não podendo, em qualquer caso, exceder a décima parte dos rendimentos líquidos dos bens do menor.

Artigo 1827º

(Relação dos bens do menor)

1. O tutor é obrigado a apresentar uma relação do activo e do passivo do pupilo dentro do prazo que lhe for fixado pelo tribunal.

2. Se o tutor for credor do menor, mas não tiver relacionado o respectivo crédito, não lhe é lícito exigir o cumprimento durante a tutela, salvo provando que à data da apresentação da relação ignorava a existência da dívida.

Artigo 1828º

(Obrigação de prestar contas)

1. O tutor é obrigado a prestar contas ao tribunal quando cessar a sua gerência ou, durante ela, sempre que o tribunal o exigir.

2. O conselho de família dá parecer sobre as contas prestadas, antes da sentença de prestação de contas.

3. Sendo as contas prestadas no termo da gerência, o tribunal ouve o ex-pupilo ou os seus herdeiros, se tiver terminado a tutela; no caso contrário, é ouvido o novo tutor.

Artigo 1829º

(Responsabilidade do tutor)

1. O tutor é responsável pelo prejuízo que por dolo ou culpa causar ao pupilo.

2. Quando à vista das contas o tutor ficar alcançado, a importância do alcance vence os juros legais desde a aprovação daquelas, se os não vencer por outra causa desde data anterior.

Artigo 1830º

(Direito do tutor a ser indemnizado)

1. Serão abonadas ao tutor as despesas que legalmente haja feito, ainda que delas, sem culpa sua, nenhum proveito tenha provindo ao menor.

2. O saldo a favor do tutor é satisfeito pelos primeiros rendimentos do menor; ocorrendo, porém, despesas urgentes, de forma que o tutor se não possa inteirar, vence juros o saldo, se não se prover de outro modo ao pronto pagamento da dívida.

Artigo 1831º

(Contestação das contas aprovadas)

A aprovação das contas não impede que elas sejam judicialmente impugnadas pelo pupilo nos dois anos subsequentes à maioridade ou emancipação, ou pelos seus herdeiros dentro do mesmo prazo, a contar do falecimento do pupilo, se este falecer antes de decorrido o prazo que lhe seria concedido se fosse vivo.

DIVISÃO III

Remoção e exoneração do tutor

Artigo 1832º

(Remoção do tutor)

Pode ser removido da tutela:

a) O tutor que falte ao cumprimento dos deveres próprios do cargo ou revele inaptidão para o seu exercício;

b) O tutor que por facto superveniente à investidura no cargo se constitua nalguma das situações que impediriam a sua nomeação.

Artigo 1833º

(Acção de remoção)

A remoção do tutor é decretada pelo tribunal, ouvido o conselho de família, a requerimento do Ministério Público, de qualquer parente do menor, ou da pessoa a cuja guarda este esteja confiado de facto ou de direito.

Artigo 1834º

(Exoneração do tutor)

O tutor pode, a seu pedido, ser exonerado do cargo pelo tribunal:

a) Se sobrevier alguma das causas de escusa;

b) Ao fim de três anos, nos casos em que o tutor se podia ter escusado a aceitar o cargo, se subsistir a causa da escusa.

DIVISÃO IV

Conselho de família

Artigo 1835º

(Constituição)

O conselho de família é constituído por dois vogais, escolhidos nos termos do Artigo seguinte, e pelo agente do Ministério Público, que preside.

Artigo 1836º

(Escolha dos vogais)

1. Os vogais do conselho de família são escolhidos entre os parentes ou afins do menor, tomando em conta, nomeadamente, a proximidade do grau, as relações de amizade, as aptidões, a idade, o lugar de residência e o interesse manifestado pela pessoa do menor.

2. Na falta de parentes ou afins que possam ser designados nos termos do número anterior, cabe ao tribunal escolher os vogais de entre os amigos dos pais, vizinhos ou outras pessoas que possam interessar-se pelo menor.

3. Sempre que possível, um dos vogais do conselho de família pertence ou representa a linha paterna e o outro a linha materna do menor.

Artigo 1837º

(Incapacidade. Escusa)

1. É aplicável aos vogais do conselho de família o disposto nos Artigos 1817º e 1818º.

2. É ainda fundamento de escusa o facto de o vogal designado residir fora do distrito em que o menor tiver residência habitual.

Artigo 1838º

(Atribuições)

Pertence ao conselho de família vigiar o modo por que são desempenhadas as funções do tutor e exercer as demais atribuições que a lei especialmente lhe confere.

Artigo 1839º

(Protutor)

1. A fiscalização da acção do tutor é exercida com carácter permanente por um dos vogais do conselho de família, denominado protutor.

2. O protutor deve, sempre que possível, representar a linha de parentesco diversa da do tutor.

3. Se o tutor for irmão germano do menor ou cônjuge de irmão germano, ou se ambos os vogais do conselho de família pertencerem à mesma linha de parentesco ou não pertencerem a nenhuma delas, cabe ao tribunal a escolha do protutor.

Artigo 1840º

(Outras funções do protutor)

Além de fiscalizar a acção do tutor, compete ao protutor:

a) Cooperar com o tutor no exercício das funções tutelares, podendo encarregar-se da administração de certos bens do menor nas condições estabelecidas pelo conselho de família e com o acordo do tutor;

b) Substituir o tutor nas suas faltas e impedimentos, passando, nesse caso, a servir de protutor o outro vogal do conselho de família;

c) Representar o menor em juízo ou fora dele, quando os seus interesses estejam em oposição com os do tutor e o tribunal não haja nomeado curador especial.

Artigo 1841º

(Convocação do conselho)

1. O conselho de família é convocado por determinação do tribunal ou do Ministério Público, ou a requerimento de um dos vogais, do tutor, do administrador de bens, de qualquer parente do menor, ou do próprio menor, quando tiver mais de dezasseis anos.

2. A convocação indica o objecto principal da reunião e é enviada a cada um dos vogais com oito dias de antecedência.

3. Faltando algum dos vogais, o conselho é convocado para outro dia; se de novo faltar algum dos vogais, as deliberações são tomadas pelo Ministério Público, ouvido o outro vogal, quando esteja presente.

4. A falta injustificada às reuniões do conselho de família torna o faltoso responsável pelos danos que o menor venha a sofrer.

Artigo 1842º

(Funcionamento)

1. Os vogais do conselho de família são obrigados a comparecer pessoalmente.

2. O conselho de família pode deliberar que às suas reuniões ou a alguma delas assista o tutor, o administrador de bens, qualquer parente do menor, o próprio menor, ou ainda pessoa estranha à família cujo parecer seja útil; mas, em qualquer caso, só os vogais do conselho têm voto.

3. De igual faculdade goza o Ministério Público.

Artigo 1843º

(Gratuidade das funções)

O exercício do cargo de vogal do conselho de família é gratuito.

Artigo 1844º

(Remoção e exoneração)

São aplicáveis aos vogais do conselho de família, com as necessárias adaptações, as disposições relativas à remoção e exoneração do tutor.

DIVISÃO V

Termo da tutela

Artigo 1845º

(Quando termina)

A tutela termina:

a) Pela maioridade, salvo o disposto no Artigo 127º;

b) Pela emancipação, salvo o disposto no Artigo 1536º;

c) Pela adopção;

d) Pelo termo da inibição do poder paternal;

e) Pela cessação do impedimento dos pais;

f) Pelo estabelecimento da maternidade ou paternidade.

DIVISÃO VI

Tutela de menores confiados a estabelecimentos de educação ou assistência

Artigo 1846º

(Exercício da tutela)

1. Quando não exista pessoa em condições de exercer a tutela, o menor é confiado à assistência pública, nos termos da respectiva legislação, exercendo as funções de tutor o director do estabelecimento público ou particular, onde tenha sido internado.

2. Neste caso, não existe conselho de família nem é nomeado protutor.

SUBSECÇÃO III

Administração de bens

Artigo 1847º

(Designação do administrador)

Quando haja lugar à instituição da administração de bens do menor nos termos do Artigo 1807º, são aplicáveis à designação do administrador as disposições relativas à nomeação do tutor, salvo o preceituado nos Artigos seguintes.

Artigo 1848º

(Designação por terceiro)

Ao autor de doação ou deixa em benefício de menor é lícita a designação de administrador, mas só com relação aos bens compreendidos na liberalidade.

Artigo 1849º

(Pluralidade de administradores)

1. Tendo os pais ou terceiro designado vários administradores e tendo sido determinados os bens cuja administração compete a cada um deles, não é aplicável o critério da preferência pela ordem da designação.

2. O tribunal pode também designar vários administradores, determinando os bens que a cada um compete administrar.

Artigo 1850º

(Quem não pode ser administrador)

Além das pessoas que a lei impede de serem tutores, não podem ser administradores:

a) Os inabilitados por prodigalidade, os falidos ou insolventes, e bem assim os inibidos ou suspensos do poder paternal ou removidos da tutela quanto à administração de bens;

b) Os condenados como autores ou cúmplices dos crimes de furto, roubo, burla, abuso de confiança, falência ou insolvência fraudulenta e, em geral, de crimes dolosos contra a propriedade.

Artigo 1851º

(Direitos e deveres do administrador)

1. No âmbito da sua administração, o administrador tem os direitos e deveres do tutor.

2. O administrador é o representante legal do menor nos actos relativos aos bens cuja administração lhe pertença.

3. O administrador deve abonar aos pais ou tutor, por força dos rendimentos dos bens, as importâncias necessárias aos alimentos do menor.

4. As divergências entre o administrador e os pais ou tutor são decididas pelo tribunal, ouvido o conselho de família, se o houver.

Artigo 1852º

(Remoção e exoneração. Termo da administração)

São aplicáveis ao administrador, com as necessárias adaptações, as disposições relativas à remoção e exoneração do tutor e ao termo da tutela.

TÍTULO IV

DA ADOPÇÃO

CAPÍTULO I

Disposições gerais

Artigo 1853º

(Constituição)

1. O vínculo da adopção constitui-se por sentença judicial.

2. O processo é instruído com um inquérito, que deve incidir, nomeadamente, sobre a personalidade e a saúde do adoptante e do adoptando, a idoneidade do adoptante para criar e educar o adoptando, a situação familiar e económica do adoptante e as razões determinantes do pedido de adopção.

Artigo 1854º

(Requisitos gerais)

1. A adopção apenas é decretada quando apresente reais vantagens para o adoptando, se funde em motivos legítimos, não envolva sacrifício injusto para os outros filhos do adoptante e seja razoável supor que entre o adoptante e o adoptando se estabelece um vínculo semelhante ao da filiação.

2. O adoptando deve ter estado ao cuidado do adoptante durante prazo suficiente para se poder avaliar da conveniência da constituição do vínculo.

Artigo 1855º

(Proibição de várias adopções do mesmo adoptado)

Enquanto subsistir uma adopção não pode constituir-se outra quanto ao mesmo adoptado, excepto se os adoptantes forem casados um com o outro.

Artigo 1856º

(Adopção pelo tutor ou administrador legal de bens)

O tutor ou administrador legal de bens só pode adoptar o menor depois de aprovadas as contas da tutela ou administração de bens e saldada a sua responsabilidade.

Artigo 1857º

(Confiança com vista a futura adopção)

1. Com vista a futura adopção, o tribunal pode confiar o menor a casal, a pessoa singular ou a instituição em qualquer das situações seguintes:

a) Se o menor for filho de pais incógnitos ou falecidos;

b) Se tiver havido consentimento prévio para a adopção;

c) Se os pais tiverem abandonado o menor;

d) Se os pais, por acção ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devido a razões de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação moral ou a educação ou o desenvolvimento do menor.

e) Se os pais do menor acolhido por um particular ou por uma instituição tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade dos vínculos afectivos próprios da filiação, durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança.

2. Na verificação das situações previstas no número anterior o tribunal deve atender prioritariamente aos direitos e interesses do menor.

3. A confiança com fundamento nas situações previstas nas alíneas a) c), d) e e) do número um não pode ser decidida se o menor se encontrar a viver com ascendente, colateral até ao terceiro grau ou tutor e a seu cargo, salvo se aqueles familiares ou o tutor puserem em perigo, de forma grave, a segurança, a saúde, a formação moral ou a educação do menor ou se o tribunal concluir que a situação não é adequada a assegurar suficientemente o interesse do menor.

4. Têm legitimidade para requerer a confiança judicial do menor o Ministério Público, os serviços sociais da área da residência do menor, a pessoa com quem o menor se encontre a viver e o director do estabelecimento público ou a direcção da instituição particular que o tenha acolhido.

5. Decretada a confiança judicial do menor ficam os pais inibidos do exercício do poder paternal.

CAPÍTULO II

Adopção

Artigo 1858º

(Quem pode adoptar)

1. Podem adoptar duas pessoas casadas há mais de quatro anos e não separadas judicialmente de pessoas e bens ou de facto, se ambas tiverem mais de vinte cinco anos.

2. Pode ainda adoptar quem tiver mais de trinta anos ou, se o adoptando for filho do cônjuge do adoptante, mais de vinte cinco anos.

3. Só pode adoptar quem não tiver mais de sessenta anos à data em que o menor lhe tenha sido confiado, sendo que a partir dos cinquenta anos a diferença de idades entre o adoptante e o adoptado não pode ser superior a cinquenta anos.

4. Pode, no entanto, a diferença de idades ser superior a cinquenta anos quando, a título excepcional, motivos ponderosos o justifiquem, nomeadamente por se tratar de um conjunto de irmãos em que relativamente apenas a algum ou alguns dos irmãos se verifique uma diferença de idades superior àquela.

5. O disposto no n.º3 não se aplica quando o adoptando for filho do cônjuge do adoptante.

Artigo 1859º

(Quem pode ser adoptado)

1. Podem ser adoptados os menores filhos do cônjuge do adoptante e aqueles que tenham sido confiados ao adoptante.

2. O adoptando deve ter menos de quinze anos à data da petição judicial de adopção; pode, no entanto, ser adoptado quem, a essa data, tenha menos de dezassete anos e não se encontre emancipado, quando, desde idade não superior a quinze anos, tenha sido confiado aos adoptantes ou a um deles ou quando for filho do cônjuge do adoptante.

Artigo 1860º

(Consentimento para a adopção)

1. É necessário para a adopção o consentimento:

a) Do adoptando maior de doze anos, devendo ser expresso de forma livre e independente de factores externos que possam coagir ou intimidar a sua manifestação de vontade;

b) Do cônjuge do adoptante não separado judicialmente de pessoas e bens;

c) Dos pais do adoptando, ainda que menores e mesmo que não exerçam o poder paternal, desde que não tenha havido confiança judicial;

d) Do ascendente, do colateral até ao terceiro grau ou do tutor, quando, tendo falecido os pais do adoptando, tenha este a seu cargo e com ele viva.

2. No caso previsto no n.º 2 do Artigo 1857º, tendo a confiança fundamento nas situações previstas nas alíneas c), d) e e) do n.º1 do mesmo Artigo, não é exigido o consentimento dos pais, mas é necessário o do parente aí referido ou do tutor, desde que não tenha havido confiança judicial.

3. O tribunal pode dispensar o consentimento:

a) Das pessoas que o deveriam prestar nos termos dos números anteriores, se estiverem privadas do uso das faculdades mentais ou se, por qualquer outra razão, houver grave dificuldade em as ouvir;

b) Das pessoas referidas na alínea c) e d) do n.º 1 e no n.º 2 quando se verificar alguma das situações que, nos termos das alíneas c), d) e e) do n.º 1 e do n.º 2 do Artigo 1857º, permitiriam a confiança judicial;

c) Dos pais do adoptando inibidos do exercício do poder paternal, quando, passados dezoito ou seis meses, respectivamente, sobre o trânsito em julgado da sentença de inibição ou da que houver desatendido outro pedido, o Ministério Público ou aqueles não tenham solicitado o levantamento da inibição decretada pelo tribunal, nos termos do disposto no n.º 2 do Artigo 1798º.

Artigo 1861º

(Forma e tempo do consentimento)

1. O consentimento é prestado perante o juiz, que deve esclarecer o declarante sobre o significado e os efeitos do acto.

2. O consentimento dos pais pode ser prestado independen-temente da instauração do processo de adopção se o adoptando tiver sido acolhido por alguém que pretenda adoptá-lo ou em estabelecimento público ou particular, não sendo necessária a identificação do futuro adoptante.

3. A mãe não pode dar o seu consentimento antes de decorridas seis semanas após o parto.

Artigo 1862º

(Revogação do consentimento)

O consentimento para adopção pode ser revogado se até à data da manifestação da revogação o processo de adopção não tiver sido iniciado.

Artigo 1863º

(Audição obrigatória)

O juiz deve ouvir:

a) Os filhos do adoptante maiores de doze anos;

b) Os ascendentes ou, na sua falta, os irmãos maiores do progenitor falecido, se o adoptando for filho do cônjuge do adoptante e o seu consentimento não for necessário, salvo se estiverem privados das faculdades mentais ou se, por qualquer outra razão, houver grave dificuldade em os ouvir.

Artigo 1864º

(Segredo da identidade)

1. A identidade do adoptante não pode ser revelada aos pais naturais do adoptado, salvo se aquele declarar expres-samente que não se opõe a essa revelação.

2. Os pais naturais do adoptado podem opor-se, mediante declaração expressa, a que a sua identidade seja revelada ao adoptante.

Artigo 1865º

(Efeitos)

1. Pela adopção o adoptado adquire a situação de filho do adoptante e integra-se com os seus descendentes na família deste, extinguindo-se as relações familiares entre o adoptado e os seus ascendentes e colaterais naturais, sem prejuízo do disposto quanto a impedimentos matrimoniais nos Artigos 1491º a 1493º.

2. Se um dos cônjuges adopta o filho do outro mantêm-se as relações entre o adoptado e o cônjuge do adoptante e os respectivos parentes.

Artigo 1866º

(Estabelecimento e prova da filiação natural)

Depois de decretada a adopção não é possível estabelecer a filiação natural do adoptado nem fazer a prova dessa filiação fora do processo preliminar de publicações.

Artigo 1867º

(Nome próprio e apelidos do adoptado)

1. O adoptado perde os seus apelidos de origem, sendo o seu novo nome constituído, com as necessárias adaptações, nos termos do Artigo 1755º.

2. A pedido do adoptante, pode o tribunal, excepcionalmente, modificar o nome próprio do menor, se a modificação salvaguardar o seu interesse, nomeadamente o direito à identidade pessoal, e favorecer a integração na família.

Artigo 1868º

(Irrevogabilidade da adopção)

A adopção não é revogável nem sequer por acordo do adoptante e do adoptado.

Artigo 1869º

(Revisão da sentença)

1. A sentença que tiver decretado a adopção só é susceptível de revisão:

a) Se tiver faltado o consentimento do adoptante ou dos pais do adoptado, quando necessário e não dispensado;

b) Se o consentimento dos pais do adoptado tiver sido indevidamente dispensado, por não se verificarem as condições do n.º 3 do Artigo 1860º;

c) Se o consentimento do adoptante tiver sido viciado por erro desculpável e essencial sobre a pessoa do adoptado;

d) Se o consentimento do adoptante ou dos pais do adoptado tiver sido determinado por coacção moral, contanto que seja grave o mal com que eles foram ilicitamente ameaçados e justificado o receio da sua consumação;

e) Se tiver faltado o consentimento do adoptado, quando necessário.

2. O erro só se considera essencial quando for de presumir que o conhecimento da realidade excluiria razoavelmente a vontade de adoptar.

3. A revisão não é, contudo, concedida quando os interesses do adoptado possam ser consideravelmente afectados, salvo se razões invocadas pelo adoptante imperiosamente o exigirem.

Artigo 1870º

(Legitimidade e prazo para a revisão)

1. A revisão nos termos do n.º 1 do Artigo anterior pode ser pedida:

a) No caso das alíneas a) e b), pelas pessoas cujo consentimento faltou, no prazo de seis meses a contar da data em que tiveram conhecimento da adopção;

b) No caso das alíneas c) e d), pelas pessoas cujo consentimento foi viciado, dentro dos seis meses subsequentes à cessação do vício;

c) No caso da alínea e), pelo adoptado, até seis meses a contar da data em que ele atingiu a maioridade ou foi emancipado.

2. No caso das alíneas a) e b) do número anterior, o pedido de revisão não pode ser deduzido decorridos três anos sobre a data do trânsito em julgado da sentença que tiver decretado a adopção.

TÍTULO V

DOS ALIMENTOS

CAPÍTULO I

Disposições gerais

Artigo 1871º

(Noção)

1. Por alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário.

2. Os alimentos compreendem também a instrução e educação do alimentado no caso de este ser menor.

Artigo 1872º

(Medida dos alimentos)

1. Os alimentos são proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los.

2. Na fixação dos alimentos atende-se, outrossim, à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência.

Artigo 1873º

(Modo de os prestar)

1. Os alimentos devem ser fixados em prestações pecuniárias mensais, salvo se houver acordo ou disposição legal em contrário, ou se ocorrerem motivos que justifiquem medidas de excepção.

2. Se, porém, aquele que for obrigado aos alimentos mostrar que os não pode prestar como pensão, mas tão-somente em sua casa e companhia, assim pode ser decretados.

Artigo 1874º

(Desde quando são devidos)

Os alimentos são devidos desde a proposição da acção ou, estando já fixados pelo tribunal ou por acordo, desde o momento em que o devedor se constituiu em mora, sem prejuízo no disposto no Artigo 2136º.

Artigo 1875º

(Alimentos provisórios)

1. Enquanto se não fixarem definitivamente os alimentos, pode o tribunal, a requerimento do alimentando, ou oficiosamente se este for menor, conceder alimentos provisórios, que são taxados segundo o seu prudente arbítrio.

2. Não há lugar, em caso algum, à restituição dos alimentos provisórios recebidos.

Artigo 1876º

(Indisponibilidade e impenhorabilidade)

1. O direito a alimentos não pode ser renunciado ou cedido, bem que estes possam deixar de ser pedidos e possam renunciar-se as prestações vencidas.

2. O crédito de alimentos não é penhorável, e o obrigado não pode livrar-se por meio de compensação, ainda que se trate de prestações já vencidas.

Artigo 1877º

(Pessoas obrigadas a alimentos)

1. Estão vinculados à prestação de alimentos, pela ordem indicada:

a) O cônjuge ou o ex-cônjuge;

b) Os descendentes;

c) Os ascendentes;

d) Os irmãos;

e) Os tios, durante a menoridade do alimentando;

f) O padrasto e a madrasta, relativamente a enteados menores que estejam, ou estivessem no momento da morte do cônjuge, a cargo deste.

2. Entre as pessoas designadas nas alíneas b) e c) do número anterior, a obrigação defere-se segundo a ordem da sucessão legítima.

3. Se algum dos vinculados não puder prestar os alimentos ou não puder saldar integralmente a sua responsabilidade, o encargo recai sobre os onerados subsequentes.

Artigo 1878º

(Pluralidade de vinculados)

1. Sendo várias as pessoas vinculadas à prestação de alimentos, respondem todas na proporção das suas quotas como herdeiros legítimos do alimentando.

2. Se alguma das pessoas assim oneradas não puder satisfazer a parte que lhe cabe, o encargo recai sobre as restantes.

Artigo 1879º

(Doações)

1. Se o alimentando tiver disposto de bens por doação, as pessoas designadas nos Artigos anteriores não são obrigadas à prestação de alimentos, na medida em que os bens doados pudessem assegurar ao doador meios de subsistência.

2. Neste caso, a obrigação alimentar recai, no todo ou em parte, sobre o donatário ou donatários, segundo a pro-porção do valor dos bens doados; esta obrigação transmite-se aos herdeiros do donatário.

Artigo 1880º

(Alteração dos alimentos fixados)

Se, depois de fixados os alimentos pelo tribunal ou por acordo dos interessados, as circunstâncias determinantes da sua fixação se modificarem, podem os alimentos taxados ser reduzidos ou aumentados, conforme os casos, ou podem outras pessoas serem obrigadas a prestá-los.

Artigo 1881º

(Cessação da obrigação alimentar)

1. A obrigação de prestar alimentos cessa:

a) Pela morte do obrigado ou alimentado;

b) Quando aquele que os presta não possa continuar a prestá-los ou aquele que os recebe deixe de precisar deles;

c) Quando o credor viole gravemente os seus deveres para com o obrigado.

2. A morte do obrigado ou a impossibilidade de este continuar a prestar alimentos não priva o alimentado de exercer o seu direito em relação a outros, igual ou sucessivamente onerados.

Artigo 1882º

(Outras obrigações alimentares)

1. À obrigação alimentar que tenha por fonte um negócio jurídico são aplicáveis, com as necessárias correcções, as disposições deste capítulo, desde que não estejam em oposição com a vontade manifestada ou com disposições especiais da lei.

2. As disposições deste capítulo são ainda aplicáveis a todos os outros casos de obrigação alimentar imposta por lei, na medida em que possam ajustar-se aos respectivos preceitos.

CAPÍTULO II

Disposições especiais

Artigo 1883º

(Obrigação alimentar relativamente a cônjuges)

Na vigência da sociedade conjugal, os cônjuges são reciprocamente obrigados à prestação de alimentos, nos termos do Artigo 1563º.

Artigo 1884º

(Divórcio e separação judicial de pessoas e bens)

1. Têm direito a alimentos, em caso de divórcio:

a) O cônjuge não considerado culpado ou, quando haja culpa de ambos, não considerado principal culpado na sentença de divórcio, se este tiver sido decretado com fundamento no Artigo 1656º ou nas alíneas a) ou b) do Artigo 1658º;

b) O cônjuge réu, se o divórcio tiver sido decretado com fundamento na alínea c) do Artigo 1658º;

c) Qualquer dos cônjuges se o divórcio tiver sido decretado por mútuo consentimento ou se, tratando-se de divór-cio litigioso, ambos forem considerados igualmente culpados.

2. Excepcionalmente, pode o tribunal, por motivos de equi-dade, conceder alimentos ao cônjuge que a eles não teria direito, nos termos do número anterior, considerando, em particular, a duração do casamento e a colaboração prestada por esse cônjuge à economia do casal.

3. Na fixação do montante dos alimentos deve o tribunal to-mar em conta a idade e estado de saúde dos cônjuges, as suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego, o tempo que terão de dedicar, eventualmente, à criação de filhos comuns, os seus rendimentos e proventos e, de modo geral, todas as circunstâncias que influam sobre as necessidades do cônjuge que recebe os alimentos e as possibilidades do que os presta.

4. O disposto nos números anteriores é aplicável ao caso de ter sido decretada a separação judicial de pessoas e bens.

Artigo 1885º

(Casamento declarado nulo ou anulado)

Tendo sido declarado nulo ou anulado o casamento, o cônjuge de boa fé conserva o direito a alimentos após o trânsito em julgado ou o averbamento da decisão respectiva.

Artigo 1886º

(Apanágio do cônjuge sobrevivo)

1. Falecendo um dos cônjuges, o viúvo tem direito a ser alimentado pelos rendimentos dos bens deixados pelo falecido.

2. São obrigados, neste caso, à prestação dos alimentos os herdeiros ou legatários a quem tenham sido transmitidos os bens, segundo a proporção do respectivo valor.

3. O apanágio deve ser registado, quando onere coisas imóveis, ou coisas móveis sujeitas a registo.

Artigo 1887º

(Cessação da obrigação alimentar)

Em todos os casos referidos nos Artigos anteriores, cessa o direito a alimentos se o alimentado contrair casamento, ou se tornar indigno do benefício pelo seu comportamento moral.

LIVRO V

DIREITO DAS SUCESSÕES

TÍTULO I

DAS SUCESSÕES EM GERAL

CAPÍTULO I

Disposições gerais

Artigo 1888º

(Noção)

Diz-se sucessão o chamamento de uma ou mais pessoas à titularidade das relações jurídicas patrimoniais de uma pessoa falecida e a consequente devolução dos bens que a esta pertenciam.

Artigo 1889º

(Objecto da sucessão)

1. Não constituem objecto de sucessão as relações jurídicas que devam extinguir-se por morte do respectivo titular, em razão da sua natureza ou por força da lei.

2. Podem também extinguir-se à morte do titular, por vontade deste, os direitos renunciáveis.

Artigo 1890º

(Títulos de vocação sucessória)

A sucessão é deferida por lei, testamento ou contrato.

Artigo 1891º

(Espécies de sucessão legal)

A sucessão legal é legítima ou legitimária, conforme possa ou não ser afastada pela vontade do seu autor.

Artigo 1892º

(Sucessão contratual)

1. Há sucessão contratual quando, por contrato, alguém renúncia à sucessão de pessoa viva, ou dispõe da sua própria sucessão ou da sucessão de terceiro ainda não aberta.

2. Os contratos sucessórios apenas são admitidos nos casos previstos na lei, sendo nulos todos os demais, sem prejuízo no disposto no n.º 2 do Artigo 880º.

Artigo 1893º

(Partilha em vida)

1. Não é havido por sucessório o contrato pelo qual alguém faz doação entre vivos, com ou sem reserva de usufruto, de todos os seus bens ou parte deles a algum ou alguns dos presumidos herdeiros legitimários, com o consentimento dos outros, e os donatários pagam ou se obrigam a pagar a estes o valor das partes que proporcional-mente lhes tocariam nos bens doados.

2. Se sobrevier ou se tornar conhecido outro presumido herdeiro legitimário, pode este exigir que lhe seja composta em dinheiro a parte correspondente.

3. As tornas em dinheiro, quando não sejam logo efectuados os pagamentos, estão sujeitas a actualização nos termos gerais.

Artigo 1894º

(Espécie de sucessores)

1. Os sucessores são herdeiros ou legatários.

2. Diz-se herdeiro o que sucede na totalidade ou numa quota do património do falecido e legatário o que sucede em bens ou valores determinados.

3. É havido como herdeiro o que sucede no remanescente dos bens do falecido, não havendo especificação destes.

4. O usufrutuário, ainda que o seu direito incida sobre a totalidade do património, é havido como legatário.

5. A qualificação dada pelo testador aos seus sucessores não lhes confere o título de herdeiro ou legatário em contravenção do disposto nos números anteriores.

CAPÍTULO II

Abertura da sucessão e chamamento dos herdeiros e legatários

SECÇÃO I

Abertura da sucessão

Artigo 1895º

(Momento e lugar)

A sucessão abre-se no momento da morte do seu autor e no lugar do último domicílio dele.

Artigo 1896º

(Chamamento de herdeiros e legatários)

1. Aberta a sucessão, são chamados à titularidade das relações jurídicas do falecido aqueles que gozam de prioridade na hierarquia dos sucessíveis, desde que tenham a necessária capacidade.

2. Se os primeiros sucessíveis não quiserem ou não puderem aceitar, são chamados os subsequentes, e assim sucessivamente; a devolução a favor dos últimos retrotrai-se ao momento da abertura da sucessão.

SECÇÃO II

Capacidade sucessória

Artigo 1897º

(Princípios gerais)

1. Têm capacidade sucessória, além do Estado, todas as pessoas nascidas ou concebidas ao tempo da abertura da sucessão, não exceptuadas por lei.

2. Na sucessão testamentária ou contratual têm ainda capacidade:

a) Os nascituros não concebidos, que sejam filhos de pessoa determinada, viva ao tempo da abertura da sucessão;

b) As pessoas colectivas e as sociedades.

Artigo 1898º

(Incapacidade por indignidade)

Carecem de capacidade sucessória, por motivo de indignidade:

a) O condenado como autor ou cúmplice de homicídio doloso, ainda que não consumado, contra o autor da sucessão ou contra o seu cônjuge, descendente, ascendente, adoptante ou adoptado;

b) O condenado por denúncia caluniosa ou falso testemunho contra as mesmas pessoas, relativamente a crime a que corresponda pena de prisão superior a dois anos, qualquer que seja a sua natureza;

c) O que por meio de dolo ou coacção induziu o autor da sucessão a fazer, revogar ou modificar o testamento, ou disso o impediu;

d) O que dolosamente subtraiu, ocultou, inutilizou, falsificou ou suprimiu o testamento, antes ou depois da morte do autor da sucessão, ou se aproveitou de algum desses factos.

Artigo 1899º

(Momento da condenação e do crime)

1. A condenação a que se referem as alíneas a) e b) do Artigo anterior pode ser posterior à abertura da sucessão, mas só o crime anterior releva para o efeito.

2. Estando dependente de condição suspensiva a instituição de herdeiro ou a nomeação de legatário, é relevante o crime cometido até à verificação da condição.

Artigo 1900º

(Declaração de indignidade)

A acção destinada a obter a declaração de indignidade pode ser intentada dentro do prazo de dois anos a contar da abertura da sucessão, ou dentro de um ano a contar, quer da condenação pelos crimes que a determinam, quer do conhecimento das causas de indignidade previstas nas alíneas c) e d) do Artigo 1898º.

Artigo 1901º

(Efeitos da indignidade)

1. Declarada a indignidade, a devolução da sucessão ao indigno é havida como inexistente, sendo ele considerado, para todos os efeitos, possuidor de má fé dos respectivos bens.

2. Na sucessão legal, a capacidade do indigno não prejudica o direito de representação dos seus descendentes.

Artigo 1902º

(Reabilitação do indigno)

1. O que tiver incorrido em indignidade, mesmo que esta já tenha sido judicialmente declarada, readquire a capacidade sucessória, se o autor da sucessão expressamente o reabilitar em testamento ou escritura pública.

2. Não havendo reabilitação expressa, mas sendo o indigno contemplado em testamento quando o testador já conhecia a causa da indignidade, pode ele suceder dentro dos limites da disposição testamentária.

SECÇÃO III

Direito de representação

Artigo 1903º

(Noção)

Dá-se a representação sucessória, quando a lei chama os descendentes de um herdeiro ou legatário a ocupar a posição daquele que não pôde ou não quis aceitar a herança ou o legado.

Artigo 1904º

(Âmbito da representação)

A representação tanto se dá na sucessão legal como na testamentária, mas com as restrições constantes dos Artigos seguintes.

Artigo 1905º

(Representação na sucessão testamentária)

1. Gozam do direito de representação na sucessão testa-mentária os descendentes do que faleceu antes do testador ou do que repudiou a herança ou o legado, se não houver outra causa de caducidade da vocação sucessória.

2. A representação não se verifica:

a) Se tiver sido designado substituto ao herdeiro ou legatário;

b) Em relação ao fideicomissário, nos termos do n.º 2 do Artigo 2156º;

c) No legado de usufruto ou de outro direito pessoal.

Artigo 1906º

(Representação na sucessão legal)

Na sucessão legal, a representação tem sempre lugar, na linha recta, em benefício dos descendentes de filho do autor da sucessão e, na linha colateral, em benefício dos descendentes de irmão do falecido, qualquer que seja, num caso ou noutro, o grau de parentesco.

Artigo 1907º

(Representação nos casos de repúdio e incapacidade)

Os descendentes representam o seu ascendente, mesmo que tenham repudiado a sucessão destes ou sejam incapazes em relação a ele.

Artigo 1908º

(Partilha)

1. Havendo representação, cabe a cada estirpe aquilo em que sucederia o ascendente respectivo.

2. Do mesmo modo se procede para o efeito da subdivisão, quando a estirpe compreenda vários ramos.

Artigo 1909º

(Extensão da representação)

A representação tem lugar, ainda que todos os membros das várias estirpes estejam, relativamente ao autor da sucessão, no mesmo grau de parentesco, ou exista uma só estirpe.

CAPÍTULO III

Herança jacente

Artigo 1910º

(Noção)

Diz-se jacente a herança aberta, mas ainda não aceita nem declarada vaga para o Estado.

Artigo 1911º

(Administração)

1. O sucessível chamado à herança, se ainda não tiver aceitado nem repudiado, não está inibido de providenciar acerca da administração dos bens, se do retardamento das providências puderem resultar prejuízos.

2. Sendo vários os herdeiros, é lícito a qualquer deles praticar os actos urgentes de administração; mas, se houver oposição de algum, prevalece a vontade do maior número.

3. O disposto neste Artigo não prejudica a possibilidade de nomeação de curador à herança.

Artigo 1912º

(Curador da herança jacente)

1. Quando se torne necessário, para evitar a perda ou deterioração dos bens, por não haver quem legalmente os administre, o tribunal nomeará curador à herança jacente, a requerimento do Ministério Público ou de qualquer interessado.

2. À curadoria da herança é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto sobre a curadoria provisória dos bens do ausente.

3. A curadoria termina logo que cessem as razões que a determinaram.

Artigo 1913º

(Notificação dos herdeiros)

1. Se o sucessível chamado à herança, sendo conhecido, a não aceitar nem a repudiar dentro dos quinze dias seguintes, pode o tribunal, a requerimento do Ministério Público ou de qualquer interessado, mandá-lo notificar para, no prazo que lhe for fixado, declarar se a aceita ou repudia.

2. Na falta de declaração de aceitação, ou não sendo apresentado documento legal de repúdio dentro do prazo fixado, a herança tem-se por aceite

3. Se o notificado repudiar a herança, são notificados, sem prejuízo do disposto no Artigo 1931º, os herdeiros imediatos, e assim sucessivamente até não haver quem prefira a sucessão do Estado.

CAPÍTULO IV

Aceitação da herança

Artigo 1914º

(Efeitos)

1. O domínio e posse dos bens da herança adquirem-se pela aceitação, independentemente da sua apreensão material.

2. Os efeitos da aceitação retrotraem-se ao momento da abertura da sucessão.

Artigo 1915º

(Pluralidade de sucessíveis)

Sendo vários os sucessíveis, pode a herança ser aceita por algum ou alguns deles e repudiada pelos restantes.

Artigo 1916º

(Espécies de aceitação)

1. A herança pode ser aceite pura e simplesmente ou a bene-fício de inventário.

2. Têm-se como não escritas as cláusulas testamentárias que, directa ou indirectamente, imponham uma ou outra espécie de aceitação.

Artigo 1917º

(Aceitação a benefício de inventário)

A aceitação a benefício de inventário faz-se requerendo inventário judicial, nos termos da lei de processo, ou intervindo em inventário pendente.

Artigo 1918º

(Aceitação sob condição, a termo ou parcial)

1. A herança não pode ser aceita sob condição nem a termo.

2. A herança também não pode ser aceita só em parte, salvo o disposto no Artigo seguinte.

Artigo 1919º

(Devolução testamentária e legal)

1. Se alguém é chamado à herança, simultânea ou sucessiva-mente, por testamento e por lei, e a aceita ou repudia por um dos títulos, entende-se que a aceita ou repudia igualmente pelo outro; mas pode aceitá-la ou repudiá-la pelo primeiro, não obstante a ter repudiado ou aceitado pelo segundo, se ao tempo ignorava a existência do testamento.

2. O sucessível legitimário que também é chamado à herança por testamento pode repudiá-la quanto à quota disponível e aceitá-la quanto à legítima.

Artigo 1920º

(Formas de aceitação)

1. A aceitação pode ser expressa ou tácita.

2. A aceitação é havida como expressa quando nalgum documento escrito o sucessível chamado à herança declara aceitá-la ou assume o título de herdeiro com a intenção de a adquirir.

3. Os actos de administração praticados pelo sucessível não implicam aceitação tácita da herança.

Artigo 1921º

(Caso de aceitação tácita)

1. Não importa aceitação a alienação da herança, quando feita gratuitamente em benefício de todos aqueles a quem ela caberia se o alienante a repudiasse.

2. Entende-se, porém, que aceita a herança e a aliena aquele que declara renunciar a ela, se o faz a favor apenas de algum ou alguns dos sucessíveis que seriam chamados na sua falta.

Artigo 1922º

(Transmissão)

1. Se o sucessível chamado à herança falecer sem a haver aceitado ou repudiado, transmite-se aos seus herdeiros o direito de a aceitar ou repudiar.

2. A transmissão só se verifica se os herdeiros aceitarem a herança do falecido, o que os não impede de repudiar, querendo, a herança a que este fora chamado.

Artigo 1923º

(Caducidade)

1. O direito de aceitar a herança caduca ao fim de dez anos, contados desde que o sucessível tem conhecimento de haver sido a ela chamado.

2. No caso de instituição sob condição suspensiva, o prazo conta-se a partir do conhecimento da verificação da condição; no caso de substituição fideicomissária, a partir do conhecimento da morte do fiduciário ou da extinção da pessoa colectiva.

Artigo 1924º

(Anulação por dolo ou coacção)

A aceitação da herança é anulável por dolo ou coacção, mas não com fundamento em simples erro.

Artigo 1925º

(Irrevogabilidade)

A aceitação é irrevogável.

CAPÍTULO V

Repúdio da herança

Artigo 1926º

(Efeitos do repúdio)

Os efeitos do repúdio da herança retrotraem-se ao momento da abertura da sucessão, considerando-se como não chamado o sucessível que a repudia, salvo para efeitos de representação.

Artigo 1927º

(Forma)

O repúdio está sujeito à forma exigida para a alienação da herança.

Artigo 1928º

(Repúdio sob condição, a termo ou parcial)

1. A herança não pode ser repudiada sob condição nem a termo.

2. A herança também não pode ser repudiada só em parte salvo o disposto no Artigo 1919º.

Artigo 1929º

(Anulação por dolo ou coacção)

O repúdio da herança é anulável por dolo ou coacção, mas não com fundamento em simples erro.

Artigo 1930º

(Irrevogabilidade)

O repúdio é irrevogável.

Artigo 1931º

(Sub-rogação dos credores)

1. Os credores do repudiante podem aceitar a herança em nome dele, nos termos dos Artigos 540º e seguintes.

2. A aceitação deve efectuar-se no prazo de seis meses, a contar do conhecimento do repúdio.

3. Pagos os credores do repudiante, o remanescente da herança não aproveita a este, mas aos herdeiros imediatos.

CAPÍTULO VI

Encargos da herança

Artigo 1932º

(Responsabilidade da herança)

A herança responde pelas despesas com o funeral e sufrágios do seu autor, pelos encargos com a testamentaria, administração e liquidação do património hereditário, pelo pagamento das dívidas do falecido e pelo cumprimento dos legados.

Artigo 1933º

(Âmbito da herança)

Fazem parte da herança:

a) Os bens sub-rogados no lugar de bens da herança por meio de troca directa;

b) O preço dos alienados;

c) Os bens adquiridos com dinheiro ou valores da herança, desde que a proveniência do dinheiro ou valores seja devidamente mencionada no documento de aquisição;

d) Os frutos percebidos até à partilha.

Artigo 1934º

(Preferências)

1. Os credores da herança e os legatários gozam de preferência sobre os credores pessoais do herdeiro, e os primeiros sobre os segundos.

2. Os encargos da herança são satisfeitos segundo a ordem por que vêm indicados no Artigo 1932º.

3. As preferências mantêm-se nos cinco anos subsequentes à abertura da sucessão ou à constituição da dívida, se esta é posterior, ainda que a herança tenha sido partilhada; e prevalecem mesmo quando algum credor preterido tenha adquirido garantia real sobre os bens hereditários.

Artigo 1935º

(Responsabilidade do herdeiro)

1. Sendo a herança aceita a benefício de inventário, só respondem pelos encargos respectivos os bens inventariados, salvo se os credores ou legatários provarem a existência de outros bens.

2. Sendo a herança aceita pura e simplesmente, a responsabilidade pelos encargos também não excede o valor dos bens herdados, mas incumbe, neste caso, ao herdeiro provar que na herança não existem valores suficientes para cumprimento dos encargos.

Artigo 1936º

(Responsabilidade do usufrutuário)

1. O usufrutuário da totalidade ou de uma quota do património do falecido pode adiantar as somas necessárias, conforme os bens que usufruir, para cumprimento dos encargos da herança, ficando com o direito de exigir dos herdeiros, findo o usufruto, a restituição sem juros das quantias que despendeu.

2. Se o usufrutuário não fizer o adiantamento das somas necessárias, podem os herdeiros exigir que dos bens usufruídos se vendam os necessários para cumprimento dos encargos, ou pagá-los com dinheiro seu, ficando neste último caso, com o direito de haver do usufrutuário os juros correspondentes.

Artigo 1937º

(Legado de alimentos ou pensão vitalícia)

1. O usufrutuário da totalidade do património do falecido é obrigado a cumprir por inteiro o legado de alimentos ou pensão vitalícia.

2. Incidindo o usufruto sobre uma quota-parte do património, o usufrutuário só em proporção dessa quota é obrigado a contribuir para o cumprimento do legado de alimentos ou pensão vitalícia.

3. O usufrutuário de coisas determinadas não é obrigado a contribuir para os sobreditos alimentos ou pensão, se o encargo lhe não tiver sido imposto expressamente.

Artigo 1938º

(Direitos e obrigações do herdeiro em relação à herança)

1. O herdeiro conserva, em relação à herança, até à sua integral liquidação e partilha, todos os direitos e obrigações que tinha para com o falecido, à excepção dos que se extinguem por efeito da morte deste.

2. São imputadas na quota do herdeiro as quantias em dinheiro de que ele é devedor à herança.

3. Se houver necessidade de fazer valer em juízo os direitos e obrigações do herdeiro, e este for o cabeça-de-casal, será nomeado à herança, para esse fim, um curador especial.

CAPÍTULO VII

Petição da herança

Artigo 1939º

(Acção de petição)

1. O herdeiro pode pedir judicialmente o reconhecimento da sua qualidade sucessória, e a consequente restituição de todos os bens da herança ou de parte deles, contra quem os possua como herdeiro, ou por outro título, ou mesmo sem título.

2. A acção pode ser intentada a todo o tempo, sem prejuízo da aplicação das regras da usucapião relativamente a cada uma das coisas possuídas, e do disposto no Artigo 1923º.

Artigo 1940º

(Alienação a favor de terceiro)

1. Se o possuidor de bens da herança tiver disposto deles, no todo ou em parte, a favor de terceiro, a acção de petição pode ser também proposta contra o adquirente, sem prejuízo da responsabilidade do disponente pelo valor dos bens alienados.

2. A acção não procede, porém, contra terceiro que haja adquirido do herdeiro aparente, por título oneroso e de boa fé, bens determinados ou quaisquer direitos sobre eles; neste caso, estando também de boa fé, o alienante é apenas responsável segundo as regras do enriquecimento sem causa.

3. Diz-se herdeiro aparente aquele que é reputado herdeiro por força de erro comum ou geral.

Artigo 1941º

(Cumprimento de legados)

1. Se o testamento for declarado nulo ou anulado depois do cumprimento de legados feito em boa fé, fica o suposto herdeiro quite para com o verdadeiro herdeiro entregando-lhe o remanescente da herança, sem prejuízo do direito deste último contra o legatário.

2. A precedente disposição é extensiva aos legados com encargos.

Artigo 1942º

(Exercício da acção por um só herdeiro)

1. Sendo vários os herdeiros, qualquer deles tem legitimidade para pedir separadamente a totalidade dos bens em poder do demandado, sem que este possa opor-lhe que tais bens lhe não pertencem por inteiro.

2. O disposto no número anterior não prejudica o direito que assiste ao cabeça-de-casal de pedir a entrega dos bens que deva administrar, nos termos do capítulo seguinte.

CAPÍTULO VIII

Administração da herança

Artigo 1943º

(Cabeça-de-casal)

A administração da herança, até à sua liquidação e partilha, pertence ao cabeça-de-casal.

Artigo 1944º

(A quem incumbe o cargo)

1. O cargo de cabeça-de-casal defere-se pela ordem seguinte:

a) Ao cônjuge sobrevivo, não separado judicialmente de pessoas e bens, se for herdeiro ou tiver meação nos bens do casal;

b) Ao testamenteiro, salvo declaração do testador em contrário;

c) Aos parentes que sejam herdeiros legais;

d) Aos herdeiros testamentários.

2. De entre os parentes que sejam herdeiros legais, preferem os mais próximos em grau.

3. De entre os herdeiros legais do mesmo grau de parentesco, ou de entre os herdeiros testamentários, preferem os que viviam com o falecido há pelo menos um ano à data da morte.

4. Em igualdade de circunstâncias, prefere o herdeiro mais velho.

Artigo 1945º

(Herança distribuída em legados)

Tendo sido distribuído em legados todo o património hereditário, serve de cabeça-de-casal, em substituição dos herdeiros, o legatário mais beneficiado; em igualdade de circunstâncias, prefere o mais velho.

Artigo 1946º

(Incapacidade da pessoa designada)

1. Se o cônjuge, o herdeiro ou legatário que tiver preferência for incapaz, exerce as funções de cabeça-de-casal o seu representante legal.

2. O curador é tido como representante do inabilitado para o efeito do número anterior.

Artigo 1947º

(Designação pelo tribunal)

Se todas as pessoas referidas nos Artigos anteriores se escusarem ou forem removidas, é o cabeça-de-casal designado pelo tribunal, oficiosamente, a requerimento de qualquer interessado, ou a pedido do Ministério Público nos inventários em que tenha intervenção principal.

Artigo 1948º

(Designação por acordo)

As regras dos Artigos precedentes não são imperativas; por acordo de todos os interessados, e do Ministério Público, nos casos em que tenha intervenção principal, podem entregar-se a administração da herança e o exercício das demais funções de cabeça-de-casal a qualquer outra pessoa.

Artigo 1949º

(Escusa)

1. O cabeça-de-casal pode a todo o tempo escusar-se do cargo:

a) Se tiver mais de setenta anos de idade;

b) Se estiver impossibilitado, por doença, de exercer convenientemente as funções;

c) Se residir fora da área de jurisdição do Tribunal Distrital competente para o inventário;

d) Se o exercício das funções de cabeça-de-casal for incompatível com o desempenho de cargo público que exerça.

2. O disposto neste Artigo não prejudica a liberdade de aceitação da testamentaria e consequente exercício das funções de cabeça-de-casal.

Artigo 1950º

(Remoção do cabeça-de-casal)

1. O cabeça-de-casal pode ser removido, sem prejuízo das demais sanções que no caso couberem:

a) Se dolosamente ocultou a existência de bens perten-centes à herança ou de doações feitas pelo falecido, ou se, também dolosamente, denunciou doações ou encargos inexistentes;

b) Se não administrar o património hereditário com prudência e zelo;

c) Se não cumpriu no inventário os deveres que a lei de processo lhe impuser;

d) Se revelar incompetência para o exercício do cargo.

2. Tem legitimidade para pedir a remoção qualquer interessado, ou o Ministério Público, quando tenha intervenção principal.

Artigo 1951º

(Bens sujeitos à administração do cabeça-de-casal)

1. O cabeça-de-casal administra os bens próprios do falecido e, tendo este sido casado em regime de comunhão, os bens comuns do casal.

2. Os bens doados em vida pelo autor da sucessão não se consideram hereditários e continuam a ser administrados pelo donatário.

Artigo 1952º

(Entrega de bens)

1. O cabeça-de-casal pode pedir aos herdeiros ou a terceiro a entrega dos bens que deva administrar e que estes tenham em seu poder, e usar contra eles de acções possessórias a fim de ser mantido na posse das coisas sujeitas à sua gestão ou a ela restituído.

2. O exercício das acções possessórias cabe igualmente aos herdeiros ou a terceiro contra o cabeça-de-casal.

Artigo 1953º

(Cobrança de dívidas)

O cabeça-de-casal pode cobrar as dívidas activas da herança, quando a cobrança possa perigar com a demora ou o pagamento seja feito espontaneamente.

Artigo 1954º

(Venda de bens e satisfação de encargos)

1. O cabeça-de-casal deve vender os frutos ou outros bens deterioráveis, podendo aplicar o produto na satisfação das despesas do funeral e sufrágios, bem como no cumprimento dos encargos da administração.

2. Para satisfazer as despesas do funeral e sufrágios, bem como os encargos da administração, pode o cabeça-de-casal vender os frutos não deterioráveis, na medida do que for necessário.

Artigo 1955º

(Exercício de outros direitos)

1. Fora dos casos declarados nos Artigos anteriores, e sem prejuízo do disposto no Artigo 1942º, os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros.

2. O disposto no número anterior não prejudica os direitos que tenham sido atribuídos pelo testador ao testamenteiro nos termos dos Artigos 2188º e 2189º, sendo o testamenteiro cabeça-de-casal.

Artigo 1956º

(Entrega de rendimentos)

Qualquer dos herdeiros ou o cônjuge meeiro tem o direito de exigir que o cabeça-de-casal distribua por todos até metade dos rendimentos que lhes caibam, salvo se forem necessários, mesmo nessa parte, para satisfação de encargos da administração.

Artigo 1957º

(Prestação de contas)

1. O cabeça-de-casal deve prestar contas anualmente.

2. Nas contas entram como despesas ou rendimentos, entregues pelo cabeça-de-casal aos herdeiros ou ao cônjuge meeiro nos termos do Artigo anterior, e bem assim o juro do que haja gasto à sua custa na satisfação de encargos da administração.

3. Havendo saldo positivo, é distribuído pelos interessados, segundo o seu direito, depois de deduzida a quantia necessária para os encargos do novo ano.

Artigo 1958º

(Gratuidade do cargo)

O cargo de cabeça-de-casal é gratuito, sem prejuízo do disposto no Artigo 2194º, se for exercido pelo testamenteiro.

Artigo 1959º

(Intransmissibilidade)

O cargo de cabeça-de-casal não é transmissível em vida nem por morte.

Artigo 1960º

(Sonegação de bens)

1. O herdeiro que sonegar bens da herança, ocultando dolosamente a sua existência, seja ou não cabeça-de-casal, perde em benefício dos co-herdeiros o direito que possa ter a qualquer parte dos bens sonegados, além de incorrer nas mais sanções que forem aplicáveis.

2. O que sonegar bens da herança é considerado mero detentor desses bens.

CAPÍTULO IX

Liquidação da herança

Artigo 1961º

(Responsabilidade da herança indivisa)

Os bens da herança indivisa respondem colectivamente pela satisfação dos respectivos encargos.

Artigo 1962º

(Pagamento dos encargos após a partilha)

1. Efectuada a partilha, cada herdeiro só responde pelos encargos em proporção da quota que lhe tenha cabido na herança.

2. Podem, todavia, os herdeiros deliberar que o pagamento se faça à custa de dinheiro ou outros bens separados para esse efeito, ou que fique a cargo de algum ou alguns deles.

3. A deliberação obriga os credores e os legatários; mas, se uns ou outros não puderem ser pagos integralmente nos sobreditos termos, têm recurso contra os outros bens ou contra os outros herdeiros, nos termos gerais.

Artigo 1963°

(Remição de direitos de terceiro)

Se existirem direitos de terceiro, de natureza remível, sobre determinados bens da herança, e houver nesta dinheiro suficiente, pode qualquer dos co-herdeiros ou o cônjuge meeiro exigir que esses direitos sejam remidos antes de efectuada a partilha.

Artigo 1964º

(Pagamento dos direitos de terceiro)

1. Entrando os bens na partilha com os direitos referidos no Artigo anterior, desconta-se neles o valor desses direitos, que são suportados exclusivamente pelo interessado a quem os bens couberem.

2. Se não se fizer tal desconto, o interessado que pagar a remição tem regresso contra os outros pela parte que a cada um tocar, em proporção do seu quinhão; mas, em caso de insolvência de algum deles, é a sua parte repartida entre todos proporcionalmente.

 

CAPÍTULO X

Partilha da herança

SECÇÃO I

Disposições gerais

Artigo 1965º

(Direito de exigir partilha)

1. Qualquer co-herdeiro ou o cônjuge meeiro tem o direito de exigir partilha quando lhe aprouver.

2. Não pode renunciar-se ao direito de partilhar, mas pode convencionar-se que o património se conserve indiviso por certo prazo, que não exceda cinco anos; é lícito renovar este prazo, uma ou mais vezes, por nova convenção.

Artigo 1966º

(Forma)

1. A partilha pode fazer-se extrajudicialmente, quando houver acordo de todos os interessados, ou por inventário judicial nos termos prescritos na lei de processo.

2. Procede-se ainda a inventário judicial quando o Ministério Público o requeira, por entender que o interesse do incapaz a quem a herança é deferida implica aceitação beneficiária, e ainda nos casos em que algum dos herdeiros não possa, por motivo de ausência em parte incerta ou de incapacidade de facto permanente, outorgar em partilha extrajudicial.

Artigo 1967º

(Interessado único)

Havendo um único interessado, o inventário a que haja de proceder-se nos termos do n.º 2 do Artigo anterior tem apenas por fim relacionar os bens e, eventualmente, servir de base à liquidação da herança.

SECÇÃO II

Atribuições preferenciais

Artigo 1968º

(Direito de habitação da casa de morada da família e direito de uso do recheio)

1. O cônjuge sobrevivo tem direito a ser encabeçado, no momento da partilha, no direito de habitação da casa de morada da família e no direito de uso do respectivo recheio, devendo tornas aos co-herdeiros se o valor recebido exceder o da sua parte sucessória e meação, se a houver.

2. Caducam os direitos atribuídos no número anterior se o cônjuge não habitar a casa por prazo superior a um ano.

3. A pedido dos proprietários, pode o tribunal, quando o considere justificado, impor ao cônjuge a obrigação de prestar caução.

Artigo 1969º

(Direitos sobre o recheio)

Se a casa de morada da família não fizer parte da herança, observa-se, com as necessárias adaptações, o disposto no Artigo anterior relativamente ao recheio.

Artigo 1970º

(Noção de recheio)

Para os efeitos do disposto nos Artigos anteriores, considera-se recheio o mobiliário e demais objectos ou utensílios destinados ao cómodo, serviço e ornamentação da casa.

SECÇÃO III

Colação

Artigo 1971º

(Noção)

1. Os descendentes que pretendem entrar na sucessão do ascendente devem restituir à massa da herança, para igualação da partilha, os bens ou valores que lhes foram doados por este: esta restituição tem o nome de colação.

2. São havidas como doação, para efeitos de colação, as despesas referidas no Artigo 1977º.

Artigo 1972º

(Descendentes sujeitos à colação)

Só estão sujeitos à colação os descendentes que eram à data da doação presuntivos herdeiros legitimários do doador.

Artigo 1973º

(Sobre quem recai a obrigação)

A obrigação de conferir recai sobre o donatário, se vier a suceder ao doador, ou sobre os seus representantes, ainda que estes não hajam tirado benefício da liberalidade.

Artigo 1974º

(Doações feitas a cônjuges)

1. Não estão sujeitos a colação os bens ou valores doados ao cônjuge do presuntivo herdeiro legitimário.

2. Se a doação tiver sido feita a ambos os cônjuges, fica su-jeita a colação apenas a parte do que for presuntivo herdeiro.

3. A doação não se considera feita a ambos os cônjuges só porque entre eles vigora o regime da comunhão geral.

Artigo 1975º

(Como se efectua a conferência)

1. A colação faz-se pela imputação do valor da doação ou da importância das despesas na quota hereditária, ou pela restituição dos próprios bens doados, se houver acordo de todos os herdeiros.

2. Se não houver na herança bens suficientes para igualar todos os herdeiros, nem por isso são reduzidas as doações, salvo se houver inoficiosidade.

Artigo 1976º

(Valor dos bens doados)

1. O valor dos bens doados é o que eles tiverem à data da abertura da sucessão.

2. Se tiverem sido doados bens que o donatário consumiu, alienou ou onerou, ou que pereceram por sua culpa, atende-se ao valor que esses bens teriam na data da abertura da sucessão, se não fossem consumidos, alienados ou onerados, ou não tivessem perecido.

3. A doação em dinheiro, bem como os encargos em dinheiro que a oneraram e foram cumpridos pelo donatário, são actualizados nos termos do Artigo 485º.

Artigo 1977º

(Despesas sujeitas e não sujeitas a colação)

1. Está sujeito a colação tudo quanto o falecido tiver des-pendido gratuitamente em proveito dos descendentes.

2. Exceptuam-se as despesas com o casamento, alimentos, estabelecimento e colocação dos descendentes, na medida em que se harmonizem com os usos e com a condição social e económica do falecido.

Artigo 1978º

(Frutos)

Os frutos da coisa doada sujeita a colação, percebidos desde a abertura da sucessão, devem ser conferidos.

Artigo 1979º

(Perda da coisa doada)

Não é objecto de colação a coisa doada que tiver perecido em vida do autor da sucessão por facto não imputável ao donatário.

Artigo 1980º

(Dispensa da colação)

1. A colação pode ser dispensada pelo doador no acto da doação ou posteriormente.

2. Se a doação tiver sido acompanhada de alguma formalidade externa, só pela mesma forma, ou por testamento, pode ser dispensada a colação.

3. A colação presume-se sempre dispensada nas doações manuais e nas doações remuneratórias.

Artigo 1981º

(Imputação na quota disponível)

1. Não havendo lugar à colação, a doação é imputada na quota disponível.

2. Se, porém, não houver lugar à colação pelo facto de o donatário repudiar a herança sem ter descendentes que o representem, a doação é imputada na quota indisponível.

Artigo 1982º

(Benfeitorias nos bens doados)

O donatário é equiparado, quanto a benfeitorias, ao possuidor de boa fé, sendo-lhe aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos Artigos 1193º e seguintes.

Artigo 1983º

(Deteriorações)

O donatário responde pelas deteriorações que culposamente tenha causado nos bens doados.

Artigo 1984º

(Doação de bens comuns)

1. Sendo a doação de bens comuns feita por ambos os cônjuges, confere-se metade por morte de cada um deles.

2. O valor de cada uma das metades é o que ela tiver ao tempo da abertura da sucessão respectiva.

Artigo 1985º

(Ónus real)

1. A eventual redução das doações sujeitas a colação constitui um ónus real.

2. Não pode fazer-se o registo de doação de bens imóveis sujeita a colação sem se efectuar, simultaneamente, o registo do ónus.

SECÇÃO IV

Efeitos da partilha

Artigo 1986º

(Retroactividade da partilha)

Feita a partilha, cada um dos herdeiros é considerado, desde a abertura da herança, sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos, sem prejuízo do disposto quanto a frutos.

Artigo 1987º

(Entrega de documentos)

1. Finda a partilha, são entregues a cada um dos co-herdeiros os documentos relativos aos bens que lhe couberem.

2. Os documentos relativos aos bens atribuídos a dois ou mais herdeiros são entregues ao que neles tiver maior parte, com obrigação de os apresentar aos outros interessados, nos termos gerais.

3. Os documentos relativos a toda a herança ficam em poder do co-herdeiro que os interessados escolherem, ou que o tribunal nomear na falta de acordo, com igual obrigação de os apresentar aos outros interessados.

SECÇÃO V

Impugnação da partilha

Artigo 1988º

(Fundamento da impugnação)

A partilha extrajudicial só é impugnável nos casos em que o sejam os contratos.

Artigo 1989º

(Partilha adicional)

A omissão de bens da herança não determina a nulidade da partilha, mas apenas a partilha adicional dos bens omitidos.

Artigo 1990º

(Partilha de bens não pertencentes à herança)

1. Se tiver recaído sobre bens não pertencentes à herança, a partilha é nula nessa parte, sendo-lhe aplicável, com as necessárias adaptações e sem prejuízo do disposto no número seguinte, o preceituado acerca da venda de bens alheios.

2. Aquele a quem sejam atribuídos os bens alheios é indemnizado pelos co-herdeiros na proporção dos respectivos quinhões hereditários; se, porém, algum dos co-herdeiros estiver insolvente, respondem os demais pela sua parte, na mesma proporção.

CAPÍTULO XI

Alienação de herança

Artigo 1991º

(Disposições aplicáveis)

A alienação de herança ou de quinhão hereditário está sujeita às disposições reguladoras do negócio jurídico que lhe der causa, salvo o preceituado nos Artigos seguintes.

Artigo 1992º

(Objecto)

1. Todo o benefício resultante da caducidade de um legado, encargo ou fideicomisso se presume transmitido com a herança ou quota hereditária.

2. A parte hereditária devolvida ao alienante, depois da alienação, em consequência de fideicomisso ou do direito de acrescer, presume-se excluída da disposição.

3. Presume-se igualmente excluídos da alienação os diplomas e a correspondência do falecido, bem como as recordações de família de diminuto valor económico.

Artigo 1993º

(Forma)

1. A alienação de herança ou de quinhão hereditário é feita por escritura pública, se existirem bens cuja alienação deva ser feita por essa forma.

2. Fora do caso previsto no número anterior, a alienação deve constar de documento particular.

Artigo 1994º

(Alienação de coisa alheia)

O que aliena uma herança ou quinhão hereditário sem especificação de bens só responde pela alienação de coisa alheia se não vier a ser reconhecido como herdeiro.

Artigo 1995º

(Sucessão nos encargos)

O adquirente de herança ou de quinhão hereditário sucede nos encargos respectivos; mas o alienante responde solidariamente por esses encargos, salvo o direito de haver do adquirente o reembolso total do que assim houver despendido.

Artigo 1996º

(Indemnizações)

1. O alienante por título oneroso que tiver disposto de bens da herança é obrigado a entregar o respectivo valor ao adquirente.

2. O adquirente a título oneroso ou gratuito é obrigado a reembolsar o alienante do que este tiver despendido na satisfação dos encargos da herança e a pagar-lhe o que a herança lhe dever.

3. As disposições dos números anteriores são supletivas.

Artigo 1997º

(Direito de preferência)

1. Quando seja vendido ou dado em cumprimento a estranhos um quinhão hereditário, os co-herdeiros gozam do direito de preferência nos termos em que este direito assiste aos comproprietários.

2. O prazo, porém, para o exercício do direito, havendo comunicação para a preferência, é de dois meses.

TÍTULO II

DA SUCESSÃO LEGÍTIMA

CAPÍTULO I

Disposições gerais

Artigo 1998º

(Abertura da sucessão legítima)

Se o falecido não tiver disposto válida e eficazmente, no todo ou em parte, dos bens de que podia dispor para depois da morte, são chamados à sucessão desses bens os seus herdeiros legítimos.

Artigo 1999º

(Categoria de herdeiros legítimos)

São herdeiros legítimos o cônjuge, os parentes e o Estado, pela ordem e segundo as regras constantes do presente título.

Artigo 2000º

(Classes de sucessíveis)

1. A ordem por que são chamados os herdeiros, sem prejuízo do disposto no título da adopção, é a seguinte:

a) Cônjuge e descendentes;

b) Cônjuge e ascendentes;

c) Irmãos e seus descendentes;

d) Outros colaterais até ao quarto grau;

e) Estado.

2. O cônjuge sobrevivo integra a primeira classe de sucessí-veis, salvo se o autor da sucessão falecer sem descen-dentes e deixar ascendentes, caso em que integra a segunda classe.

3. O cônjuge não é chamado à herança se à data da morte do autor da sucessão se encontrar divorciado ou separado judicialmente de pessoas e bens, por sentença que já tenha transitado ou venha a transitar em julgado, ou ainda se a sentença de divórcio ou separação vier a ser proferida posteriormente àquela data, nos termos do n.º 3 do Artigo 1661º.

Artigo 2001º

(Preferência de classes)

Os herdeiros de cada uma das classes de sucessíveis preferem aos das classes imediatas.

Artigo 2002º

(Preferência de graus de parentesco)

Dentro de cada classe os parentes de grau mais próximo preferem aos de grau mais afastado.

Artigo 2003º

(Sucessão por cabeça)

Os parentes de cada classe sucedem por cabeça ou em partes iguais, salvas as excepções previstas neste código.

Artigo 2004º

(Ineficácia do chamamento)

1. Se os sucessíveis da mesma classe chamados simultanea-mente à herança não puderem ou não quiserem aceitar, são chamados os imediatos sucessores.

2. Se, porém, apenas algum ou alguns dos sucessíveis não puderem ou não quiserem aceitar, a sua parte acresce à dos outros sucessíveis da mesma classe que com eles concorram à herança, sem prejuízo do disposto no Artigo 2010º.

Artigo 2005º

(Direito de representação)

O disposto nos três Artigos anteriores não prejudica o direito de representação, nos casos em que este tem lugar.

CAPÍTULO II

Sucessão do cônjuge e dos descendentes

Artigo 2006º

(Regras gerais)

1. A partilha entre o cônjuge e os filhos faz-se por cabeça, dividindo-se a herança em tantas partes quantos forem os herdeiros; a quota do cônjuge, porém, não pode ser inferior a uma quarta parte da herança.

2. Se o autor da sucessão não deixar cônjuge sobrevivo, a herança divide-se pelos filhos em partes iguais.

Artigo 2007º

(Descendentes do segundo grau e seguintes)

Os descendentes dos filhos que não puderem ou não quiserem aceitar a herança são chamados à sucessão nos termos do Artigo 2009º.

Artigo 2008º

(Sucessão do cônjuge, na falta de descendentes)

Na falta de descendentes sucede o cônjuge, sem prejuízo do disposto no capítulo seguinte.

CAPÍTULO III

Sucessão do cônjuge e dos ascendentes

Artigo 2009º

(Regras gerais)

1. Se não houver descendentes e o autor da sucessão deixar cônjuge e ascendentes, ao cônjuge pertencerão duas terças partes e aos ascendentes uma terça parte da herança.

2. Na falta de cônjuge, os ascendentes são chamados à totalidade da herança.

3. A partilha entre os ascendentes, nos casos previstos nos números anteriores, faz-se segundo as regras dos Artigos 2002º e 2003º.

Artigo 2010º

(Acrescer)

Se algum ou alguns dos ascendentes não puderem ou não quiserem aceitar, no caso previsto no n.º 1 do Artigo anterior, a sua parte acresce à dos outros ascendentes que concorram à sucessão; se estes não existirem, acresce à do cônjuge sobrevivo.

Artigo 2011º

(Sucessão do cônjuge, na falta de descendentes e ascendentes)

Na falta de descendentes e ascendentes, o cônjuge é chamado à totalidade da herança.

CAPÍTULO IV

Sucessão dos irmãos e seus descendentes

Artigo 2012º

(Regra geral)

Na falta de cônjuge, descendentes e ascendentes, são chamados à sucessão os irmãos e, representativamente, os descendentes destes.

Artigo 2013º

(Irmãos germanos e unilaterais)

Concorrendo à sucessão irmãos germanos e irmãos consan-guíneos ou uterinos, o quinhão de cada um dos irmãos germanos, ou dos descendentes que os representem, é igual ao dobro do quinhão de cada um dos outros.

CAPÍTULO V

Sucessão dos outros colaterais

Artigo 2014º

(Outros colaterais até ao quarto grau)

Na falta de herdeiros das classes anteriores, são chamados à sucessão os restantes colaterais até ao quarto grau, preferindo sempre os mais próximos.

Artigo 2015º

(Duplo parentesco)

A partilha faz-se por cabeça, mesmo que algum dos chamados à sucessão seja duplamente parente do falecido.

CAPÍTULO VI

Sucessão do Estado

Artigo 2016º

(Chamamento do Estado)

Na falta de cônjuge e de todos os parentes sucessíveis, é chamado à herança o Estado.

Artigo 2017º

(Direitos e obrigações do Estado)

O Estado tem, relativamente à herança, os mesmos direitos e obrigações de qualquer outro herdeiro.

Artigo 2018º

(Desnecessidade de aceitação e impossibilidade de repúdio)

A aquisição da herança pelo Estado, como sucessor legítimo, opera-se de direito, sem necessidade de aceitação, não podendo o Estado repudiá-la.

Artigo 2019º

(Declaração de herança vaga)

Reconhecida judicialmente a inexistência de outros sucessíveis legítimos, a herança é declarada vaga para o Estado nos termos das leis de processo.

TÍTULO III

DA SUCESSÃO LEGITIMÁRIA

CAPÍTULO I

Disposições gerais

Artigo 2020º

(Legítima)

Entende-se por legítima a porção de bens de que o testador não pode dispor, por ser legalmente destinada aos herdeiros legitimários.

Artigo 2021º

(Herdeiros legitimários)

São herdeiros legitimários o cônjuge, os descendentes e os ascendentes, pela ordem e segundo as regras estabelecidas para a sucessão legítima.

Artigo 2022º

(Legítima do cônjuge)

A legítima do cônjuge, se não concorrer com descendentes nem ascendentes, é de metade da herança.

Artigo 2023º

(Legítima do cônjuge e dos filhos)

1. A legítima do cônjuge e dos filhos, em caso de concurso, é de dois terços da herança.

2. Não havendo cônjuge sobrevivo, a legítima dos filhos é de metade ou dois terços da herança, conforme exista um só filho ou existam dois ou mais.

Artigo 2024º

(Legítima dos descendentes do segundo grau e seguintes)

Os descendentes do segundo grau e seguintes têm direito à legítima que caberia ao seu ascendente, sendo a parte de cada um fixada nos termos prescritos para a sucessão legítima.

Artigo 2025º

(Legítima do cônjuge e dos ascendentes)

1. A legítima do cônjuge e dos ascendentes, em caso de concurso, é de dois terços da herança.

2. Se o autor da sucessão não deixar descendentes nem côn-juge sobrevivo, a legítima dos ascendentes é de metade ou de um terço da herança, conforme forem chamados os pais ou os ascendentes do segundo grau e seguintes.

Artigo 2026º

(Cálculo da legítima)

1. Para o cálculo da legítima, deve atender-se ao valor dos bens existentes no património do autor da sucessão à data da sua morte, ao valor dos bens doados, às despesas sujeitas a colação e às dívidas da herança.

2. Não é atendido para o cálculo da legítima o valor dos bens que, nos termos do Artigo 1979º, não são objecto de colação.

Artigo 2027º

(Proibição de encargos)

O testador não pode impor encargos sobre a legítima, nem designar os bens que a devem preencher, contra a vontade do herdeiro.

Artigo 2028º

(Cautela sociniana)

Se, porém, o testador deixar usufruto ou constituir pensão vitalícia que atinja a legítima, podem os herdeiros legitimários cumprir o legado ou entregar ao legatário tão-somente a quota disponível.

Artigo 2029º

(Legado em substituição da legítima)

1. Pode o autor da sucessão deixar um legado ao herdeiro legitimário em substituição da legítima.

2. A aceitação do legado implica a perda do direito à legítima, assim como a aceitação da legítima envolve a perda do direito ao legado.

3. Se o herdeiro, notificado nos termos do n.º 1 do Artigo 1913º, nada declarar, tem-se por aceito o legado.

4. O legado deixado em substituição da legítima é imputado na quota indisponível do autor da sucessão; mas, se exceder o valor da legítima do herdeiro, é imputado pelo excesso, na quota disponível.

Artigo 2030º

(Deserdação)

1. O autor da sucessão pode em testamento, com expressa declaração da causa, deserdar o herdeiro legitimário, privando-o da legítima, quando se verifique alguma das seguintes ocorrências:

a) Ter sido o sucessível condenado por algum crime doloso cometido contra a pessoa, bens ou honra do autor da sucessão, ou do seu cônjuge, ou algum descendente, ascendente, adoptante ou adoptado, desde que ao crime corresponda pena superior a seis meses de prisão;

b) Ter sido o sucessível condenado por denúncia calu-niosa ou falso testemunho contra as mesmas pessoas;

c) Ter o sucessível, sem justa causa, recusado ao autor da sucessão ou ao seu cônjuge os devidos alimentos.

2. O deserdado é equiparado ao indigno para todos os efeitos legais.

Artigo 2031º

(Impugnação da deserdação)

A acção de impugnação da deserdação, com fundamento na inexistência da causa invocada, caduca ao fim de dois anos a contar da abertura do testamento.

CAPÍTULO II

Redução de liberalidades

Artigo 2032º

(Liberalidades inoficiosas)

Dizem-se inoficiosas as liberalidades, entre vivos ou por morte, que ofendam a legítima dos herdeiros legitimários.

Artigo 2033º

(Redução)

As liberalidades inoficiosas são redutíveis, a requerimento dos herdeiros legitimários ou dos seus sucessores, em tanto quanto for necessário para que a legítima seja preenchida.

Artigo 2034º

(Proibição da renúncia)

Não é permitida em vida do autor da sucessão a renúncia ao direito de reduzir as liberalidades.

Artigo 2035º

(Ordem da redução)

A redução abrange em primeiro lugar as disposições testamentárias a título de herança, em segundo lugar os legados, e por último as liberalidades que hajam sido feitas em vida do autor da sucessão.

Artigo 2036º

(Redução das disposições testamentárias)

1. Se bastar a redução das disposições testamentárias, será feita proporcionalmente, tanto no caso de deixas a título de herança como a título de legado.

2. No caso, porém, de o testador ter declarado que determi-nadas disposições devem produzir efeito de preferência a outras, as primeiras só são reduzidas se o valor integral das restantes não for suficiente para o preenchimento da legítima.

3. Gozam de igual preferência as deixas remuneratórias.

Artigo 2037º

(Redução de liberalidades feitas em vida)

1. Se for necessário recorrer às liberalidades feitas em vida, começa-se pela última, no todo ou em parte; se isso não bastar, passa-se à imediata; e assim sucessivamente.

2. Havendo diversas liberalidades feitas no mesmo acto ou na mesma data, a redução é feita entre elas rateadamente, salvo se alguma delas for remuneratória, porque a essa é aplicável o disposto no n.º 3 do Artigo anterior.

Artigo 2038º

(Termos em que se efectua a redução)

1. Quando os bens legados ou doados são divisíveis, a redução faz-se separando deles a parte necessária para preencher a legítima.

2. Sendo os bens indivisíveis, se a importância da redução exceder metade do valor dos bens, estes pertencem integralmente ao herdeiro legitimário, e o legatário ou donatário haverá o resto em dinheiro; no caso contrário, os bens pertencem integralmente ao legatário ou donatário, tendo este de pagar em dinheiro ao herdeiro legitimário a importância da redução.

3. A reposição de aquilo que se despendeu gratuitamente a favor dos herdeiros legitimários, em consequência da redução, é feita igualmente em dinheiro.

Artigo 2039º

(Perecimento ou alienação dos bens doados)

Se os bens doados tiverem perecido por qualquer causa ou tiverem sido alienados ou onerados, o donatário ou os seus sucessores são responsáveis pelo preenchimento da legítima em dinheiro, até ao valor desses bens.

Artigo 2040º

(Insolvência do responsável)

Nos casos previstos no Artigo anterior e no n.º 3 do Artigo 2038º, a insolvência daqueles que, segundo a ordem estabele-cida, devem suportar o encargo da redução não determina a responsabilidade dos outros.

Artigo 2041º

(Frutos e benfeitorias)

O donatário é considerado, quanto a frutos e benfeitorias, possuidor de boa fé até à data do pedido de redução.

Artigo 2042º

(Prazo para a redução)

A acção de redução de liberalidades inoficiosas caduca dentro de dois anos, a contar da aceitação da herança pelo herdeiro legitimário.

TÍTULO IV

DA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA

CAPÍTULO I

Disposições gerais

Artigo 2043º

(Noção de testamento)

1. Diz-se testamento o acto unilateral e revogável pelo qual uma pessoa dispõe, para depois da morte, de todos os seus bens ou de parte deles.

2. As disposições de carácter não patrimonial que a lei permite inserir no testamento são válidas se fizerem parte de um acto revestido de forma testamentária, ainda que nele não figurem disposições de carácter patrimonial.

Artigo 2044º

(Expressão da vontade do testador)

É nulo o testamento em que o testador não tenha exprimido cumprida e claramente a sua vontade, mas apenas por sinais ou monossílabos, em resposta a perguntas que lhe fossem feitas.

Artigo 2045º

(Testamento de mão comum)

Não podem testar no mesmo acto duas ou mais pessoas, quer em proveito recíproco, quer em favor de terceiro.

Artigo 2046º

(Carácter pessoal do testamento)

1. O testamento é acto pessoal, insusceptível de ser feito por meio de representante ou de ficar dependente do arbítrio de outrem, quer pelo que toca à instituição de herdeiros ou nomeação de legatários, quer pelo que respeita ao objecto da herança ou do legado, quer pelo que pertence ao cumprimento ou não cumprimento das suas disposições.

2. O testador pode, todavia, cometer a terceiro:

a) A repartição da herança ou do legado, quando institua ou nomeie uma generalidade de pessoas;

b) A nomeação do legatário de entre pessoas por aquele determinadas.

3. Nos casos previstos no número antecedente, qualquer interessado tem a faculdade de requerer ao tribunal a fixação de um prazo para a repartição da herança ou do legado ou nomeação do legatário, sob a cominação, no primeiro caso, de a repartição pertencer à pessoa designada para o efeito pelo tribunal e, no segundo, de a distribuição do legado ser feita por igual pelas pessoas que o testador tenha determinado.

Artigo 2047º

(Escolha do legado pelo onerado, pelo legatário ou por terceiro)

1. O testador pode deixar a escolha da coisa legada à justa apreciação do onerado, do legatário ou de terceiro, desde que indique o fim do legado e o género ou espécie em que ele se contém.

2. É aplicável a este caso, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 3 do Artigo anterior.

Artigo 2048º

(Testamento "per relationem")

É nula a disposição que dependa de instruções ou recomenda-ções feitas a outrem secretamente, ou se reporte a documentos não autênticos, ou não escritos e assinados pelo testador com data anterior à data do testamento ou contemporânea desta.

Artigo 2049º

(Disposições a favor de pessoas incertas)

É igualmente nula a disposição feita a favor de pessoa incerta que por algum modo se não possa tornar certa.

Artigo 2050º

(Fim contrário à lei ou à ordem pública, ou ofensivo dos bons costumes)

É nula a disposição testamentária, quando da interpretação do testamento resulte que foi essencialmente determinada por um fim contrário à lei ou à ordem pública, ou ofensivo dos bons costumes.

Artigo 2051º

(Interpretação dos testamentos)

1. Na interpretação das disposições testamentárias observa-se o que parecer mais ajustado com a vontade do testador, conforme o contexto do testamento.

2. É admitida prova complementar, mas não surte qualquer efeito a vontade do testador que não tenha no contexto um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expressa.

CAPÍTULO II

Capacidade testamentária

Artigo 2052º

(Princípio geral)

Podem testar todos os indivíduos que a lei não declare incapazes de o fazer.

Artigo 2053º

(Incapacidade)

São incapazes de testar:

a) Os menores não emancipados;

b) Os interditos por anomalia psíquica.

Artigo 2054º

(Sanção)

O testamento feito por incapazes é nulo.

Artigo 2055º

(Momento da determinação da capacidade)

A capacidade do testador determina-se pela data do testamento.

CAPÍTULO III

Casos de indisponibilidade relativa

Artigo 2056º

(Tutor, curador, administrador legal de bens e protutor)

1. É nula a disposição feita por interdito ou inabilitado a favor do seu tutor, curador ou administrador legal de bens, ainda que estejam aprovadas as respectivas contas.

2. É igualmente nula a disposição a favor do protutor, se este, na data em que o testamento foi feito, substituía qualquer das pessoas designadas no número anterior.

3. É, porém, válida a disposição a favor das mesmas pessoas, quando se trate de descendentes, ascendentes, colaterais até ao terceiro grau ou cônjuge do testador.

Artigo 2057º

(Médicos, enfermeiros e sacerdotes)

É nula a disposição a favor do médico ou enfermeiro que tratar do testador, ou do sacerdote que lhe prestar assistência espiritual, se o testamento for feito durante a doença e o seu autor vier a falecer dela.

Artigo 2058º

(Excepções)

A nulidade estabelecida no Artigo anterior não abrange:

a) Os legados remuneratórios de serviços recebidos pelo doente;

b) As disposições a favor das pessoas designadas no n.º 3 do Artigo 2056º.

Artigo 2059º

(Cúmplice do testador adúltero)

1. É nula a disposição a favor da pessoa com quem o testador casado cometeu adultério.

2. Não se aplica o preceito do número anterior:

a) Se o casamento já estava dissolvido, ou os cônjuges estavam separados judicialmente de pessoas e bens ou separados de facto há mais de seis anos, à data da abertura da sucessão;

b) Se a disposição se limitar a assegurar alimentos ao beneficiário.

Artigo 2060º

(Intervenientes no testamento)

É nula a disposição a favor do notário ou entidade com funções notariais que lavrou o testamento público ou aprovou o testamento cerrado, ou a favor da pessoa que escreveu este, ou das testemunhas, abonadores ou intérpretes que intervierem no testamento ou na sua aprovação.

Artigo 2061º

(Interpostas pessoas)

1. São nulas as disposições referidas nos Artigos anteriores, quando feitas por meio de interposta pessoa.

2. Consideram-se interpostas pessoas as designadas no n.º 2 do Artigo 514º.

CAPÍTULO IV

Falta e vícios da vontade

Artigo 2062º

(Incapacidade acidental)

É anulável o testamento feito por quem se encontrava incapacitado de entender o sentido da sua declaração ou não tinha o livre exercício da sua vontade por qualquer causa, ainda que transitória.

Artigo 2063º

(Simulação)

É anulável a disposição feita aparentemente a favor de pessoa designada no testamento, mas que, na realidade, e por acordo com essa pessoa, vise a beneficiar outra.

Artigo 2064º

(Erro, dolo e coacção)

É também anulável a disposição testamentária determinada por erro, dolo ou coacção.

Artigo 2065º

(Erro sobre os motivos)

O erro, de facto ou de direito, que recaia sobre o motivo da disposição testamentária só é causa de anulação quando resultar do próprio testamento que o testador não teria feito a disposição se conhecesse a falsidade do motivo.

Artigo 2066º

(Erro na indicação da pessoa ou dos bens)

Se o testador tiver indicado erroneamente a pessoa do herdeiro ou do legatário, ou dos bens que são objecto da disposição, mas da interpretação do testamento for possível concluir a que pessoa ou bens ele pretendia referir-se, a disposição vale relativamente a esta pessoa ou a estes bens.

CAPÍTULO V

Forma do testamento

SECÇÃO I

Formas comuns

Artigo 2067º

(Indicação)

As formas comuns do testamento são o testamento público e o testamento cerrado.

Artigo 2068º

(Testamento público)

É público o testamento escrito por notário no seu livro de notas.

Artigo 2069º

(Testamento cerrado)

1. O testamento diz-se cerrado, quando é escrito e assinado pelo testador ou por outra pessoa a seu rogo, ou escrito por outra pessoa a rogo do testador e por este assinado.

2. O testador só pode deixar de assinar o testamento cerrado quando não saiba ou não possa fazê-lo, ficando consignada no instrumento de aprovação a razão por que o não assina.

3. A pessoa que assina o testamento deve rubricar as folhas que não contenham a sua assinatura.

4. O testamento cerrado deve ser aprovado por notário, nos termos da lei do notariado.

5. A violação do disposto nos números anteriores importa nulidade do testamento.

Artigo 2070º

(Data do testamento cerrado)

A data da aprovação do testamento cerrado é havida como data do testamento para todos os efeitos legais.

Artigo 2071º

(Inabilidade para fazer testamento cerrado)

Os que não sabem ou não podem ler são inábeis para dispor em testamento cerrado.

Artigo 2072º

(Conservação e apresentação do testamento cerrado)

1. O testador pode conservar o testamento cerrado em seu poder, cometê-lo à guarda de terceiro ou depositá-lo em qualquer repartição notarial.

2. A pessoa que tiver em seu poder o testamento é obrigada a apresentá-lo ao notário em cuja área o documento se encontre, dentro de três dias contados desde o conhecimento do falecimento do testador; se o não fizer, incorre em responsabilidade pelos danos a que der causa, sem prejuízo da sanção especial da alínea d) do Artigo 1898º.

SECÇÃO II

Formas especiais

Artigo 2073º

(Testamento de militares e pessoas equiparadas)

Os militares, bem como os civis ao serviço das forças armadas, podem testar pela forma declarada nos Artigos seguintes, quando se encontrem em campanha ou aquartelados fora do País, ou ainda dentro do País mas em lugares com os quais estejam interrompidas as comunicações e onde não exista notário, e também quando se encontrem prisioneiros do inimigo.

Artigo 2074º

(Testamento militar público)

1. O militar, ou o civil a ele equiparado, declara a sua vontade na presença do comandante da respectiva unidade independente ou força isolada e de duas testemunhas.

2. Se o comandante quiser fazer testamento, toma o seu lugar quem deva substituí-lo.

3. O testamento, depois de escrito, datado e lido em voz alta pelo comandante, é assinado pelo testador, pelas testemunhas, e pelo mesmo comandante; se o testador ou as testemunhas não puderem assinar, declara-se o motivo porque o não fazem.

Artigo 2075º

(Testamento militar cerrado)

1. Se o militar, ou o civil a ele equiparado, souber e puder escrever, pode fazer o testamento por seu próprio punho.

2. Escrito e assinado o testamento pelo testador, este apresenta-o ao comandante, na presença de duas testemunhas, declarando que exprime a sua última vontade; o comandante, sem o ler, escreve no testamento a declaração datada de que ele lhe foi apresentado, sendo essa declaração assinada tanto pelas testemunhas como pelo comandante.

3. Se o testador o solicitar, o comandante, ainda na presença das testemunhas, cose e lacra o testamento, exarando na face exterior da folha que servir de invólucro uma nota com a designação da pessoa a quem pertencer o testamento ali contido.

4. É aplicável a esta espécie de testamento o que fica disposto no n.º 2 do Artigo antecedente.

Artigo 2076º

(Formalidades complementares)

1. O testamento feito na conformidade dos Artigos anteriores é depositado pelas autoridades militares no cartório notarial do lugar do domicílio ou da última residência do testador.

2. Falecendo o testador antes de findar a causa que o impedia de testar nas formas comuns, é a sua morte anunciada no jornal oficial, com designação do cartório notarial onde o testamento se encontra depositado.

Artigo 2077º

(Testamento feito a bordo de navio)

Qualquer pessoa pode fazer testamento a bordo de navio de guerra ou de navio mercante, em viagem por mar, nos termos declarados nos Artigos seguintes.

Artigo 2078º

(Formalidades do testamento marítimo)

O testamento feito a bordo de navio deve obedecer ao preceituado nos Artigos 2074º ou 2075º, competindo ao comandante do navio a função que neles é atribuída ao comandante da unidade independente ou força isolada.

Artigo 2079º

(Duplicado, registo e guarda do testamento)

O testamento marítimo é feito em duplicado, registado no diário de navegação e guardado entre os documentos de bordo.

Artigo 2080º

(Entrega do testamento)

1. Se o navio entrar em algum porto estrangeiro onde exista autoridade consular timorense, deve o comandante entregar a essa autoridade um dos exemplares do testamento e cópia do registo feito no diário de navegação.

2. Aportando o navio a território timorense, entrega o comandante à autoridade marítima do lugar o outro exemplar do testamento, ou faz entrega de ambos, se nenhum foi depositado nos termos do número anterior, além de cópia do registo.

3. Em qualquer dos casos declarados no presente Artigo, o comandante cobra recibo da entrega e averba-o no diário de navegação, à margem do registo do testamento.

Artigo 2081º

(Termo de entrega e depósito do testamento)

1. A autoridade consular ou militar lavra termo de entrega do testamento, logo que esta lhe seja feita, e fá-lo-á depositar no cartório notarial do lugar do domicílio ou da última residência do testador.

2. É aplicável a este caso o disposto no n.º 2 do Artigo 2076º.

Artigo 2082º

(Testamento feito a bordo de aeronave)

O disposto nos Artigos 2077º a 2081º é aplicável, com as necessárias adaptações, ao testamento feito em viagem a bordo de aeronave.

Artigo 2083º

(Testamento feito em caso de calamidade pública)

1. Se qualquer pessoa estiver inibida de socorrer-se das for-mas comuns de testamento, por se encontrar em lugar onde grasse epidemia ou por outro motivo de calamidade pública, pode testar perante algum notário, juiz ou sacerdote, com observância das formalidades prescritas nos Artigos 2074º ou 2075º.

2. O testamento é depositado, logo que seja possível, no cartório notarial do lugar onde foi feito.

Artigo 2084º

(Idoneidade das testemunhas, abonadores ou intérpretes; incapacidades)

1. Não pode ser testemunha, abonador ou intérprete em qualquer dos testamentos regulados na presente secção quem está impedido de o ser nos documentos autênticos extra-oficiais.

2. É extensivo aos mesmos testamentos, com as necessárias adaptações, o disposto no Artigo 2060º.

Artigo 2085º

(Prazo de eficácia)

1. O testamento celebrado por alguma das formas especiais previstas na presente secção fica sem efeito decorridos dois meses sobre a cessação da causa que impedia o testador de testar segundo as formas comuns.

2. Se no decurso deste prazo o testador for colocado de novo em circunstâncias impeditivas, o prazo é interrompido devendo começar a contar-se por inteiro a partir da cessação das novas circunstâncias.

3. A entidade perante quem for feito o testamento deve esclarecer o testador acerca do disposto no n.º 1, fazendo menção do facto no próprio testamento; a falta de cumprimento deste preceito não determina a nulidade do acto.

Artigo 2086º

(Testamento feito por timorense em país estrangeiro)

O testamento feito por cidadão timorense em país estrangeiro com observância da lei estrangeira competente só produz efeitos em Timor-Leste se tiver sido observada uma forma solene na sua feitura ou aprovação.

CAPÍTULO VI

Conteúdo do testamento

SECÇÃO I

Disposições gerais

Artigo 2087º

(Disposições a favor da alma)

1. É válida a disposição a favor da alma, quando o testador designe os bens que devem ser utilizados para esse fim ou quando seja possível determinar a quantia necessária para tal efeito.

2. A disposição a favor da alma constitui encargo que recai sobre o herdeiro ou legatário.

Artigo 2088º

(Disposição a favor de uma generalidade de pessoas)

A disposição a favor de uma generalidade de pessoas, sem qualquer outra indicação, considera-se feita a favor das existentes no lugar em que o testador tinha o seu domicílio à data da morte.

Artigo 2089º

(Disposições a favor de parentes ou herdeiros legítimos)

1. A disposição a favor dos parentes do testador ou de ter-ceiro, sem designação de quais sejam, considera-se feita a favor dos que seriam chamados por lei à sucessão, na data da morte do testador, sendo a herança ou legado distribuído segundo as regras da sucessão legítima.

2. De igual forma se procederá, se forem designados como sucessores os herdeiros legítimos do testador ou de terceiro, ou certa categoria de parentes.

Artigo 2090º

(Designação individual e colectiva dos sucessores)

Se o testador designar certos sucessores individualmente e outros colectivamente, são estes havidos por individualmente designados.

Artigo 2091º

(Designação de certa pessoa e seus filhos)

Se o testador chamar à sucessão certa pessoa e seus filhos, entende-se que são todos designados simultaneamente, nos termos do Artigo anterior, e não sucessivamente.

SECÇÃO II

Disposições condicionais, a termo e modais

Artigo 2092º

(Disposições condicionais)

O testador pode sujeitar a instituição de herdeiro ou a nomeação de legatário a condição suspensiva ou resolutiva, com as limitações dos Artigos seguintes.

Artigo 2093º

(Condições impossíveis, contrárias à lei ou à ordem pública ou ofensivas dos bons costumes)

1. A condição física ou legalmente impossível considera-se não escrita e não prejudica o herdeiro ou legatário, salvo declaração do testador em contrário.

2. A condição contrária à lei ou à ordem pública, ou ofensiva dos bons costumes, tem-se igualmente por não escrita, ainda que o testador haja declarado o contrário, salvo o disposto no Artigo 2050º.

Artigo 2094º

(Condição captatória)

É nula a disposição feita sob condição de que o herdeiro ou legatário faça igualmente em seu testamento alguma disposição a favor do testador ou de outrem.

Artigo 2095º

(Condições contrárias à lei)

Consideram-se contrárias à lei a condição de residir ou não residir em certo prédio ou local, de conviver ou não conviver com certa pessoa, de não fazer testamento, de não transmitir a determinada pessoa os bens deixados ou de os não partilhar ou dividir, de não requerer inventário, de tomar ou deixar de tomar o estado eclesiástico ou determinada profissão e as cláusulas semelhantes.

Artigo 2096º

(Condição de casar ou não casar)

1. É também contrária à lei a condição de que o herdeiro ou legatário celebre ou deixe de celebrar casamento.

2. É, todavia, válida a deixa de usufruto, uso, habitação, pensão ou outra prestação contínua ou periódica para produzir efeito enquanto durar o estado de solteiro ou viúvo do legatário.

Artigo 2097º

(Condição de não dar ou não fazer)

Se a herança ou legado for deixado sob condição de o herdeiro ou legatário não dar certa coisa ou não praticar certo acto por tempo indeterminado, a disposição considera-se feita sob condição resolutiva, a não ser que o contrário resulte do testamento.



Artigo 2098º

(Obrigação de preferência)

O testador pode impor ao legatário a obrigação de dar preferência a certa pessoa na venda da coisa legada ou na realização de outro contrato, nos termos prescritos para os pactos de preferência.

Artigo 2099º

(Prestação de caução)

1. Em caso de disposição testamentária sujeita a condição resolutiva, o tribunal pode impor ao herdeiro ou legatário a obrigação de prestar caução no interesse daqueles a favor de quem a herança ou legado será deferido no caso de a condição se verificar.

2. Do mesmo modo, em caso de legado dependente de condição suspensiva ou termo inicial, o tribunal pode impor àquele que deva satisfazer o legado a obrigação de prestar caução no interesse do legatário.

3. O testador pode dispensar a prestação de caução em qualquer dos casos previstos nos números anteriores.

Artigo 2100º

(Administração da herança ou legado)

1. Se o herdeiro for instituído sob condição suspensiva, é posta a herança em administração, até que a condição se cumpra ou haja a certeza de que não pode cumprir-se.

2. Também é posta em administração a herança ou legado durante a pendência da condição ou do termo, se não prestar caução aquele a quem for exigida nos termos do Artigo anterior.

Artigo 2101º

(A quem pertence a administração)

1. No caso de herança sob condição suspensiva, a administra-ção pertence ao próprio herdeiro condicional e, se ele a não aceitar, ao seu substituto; se não existir substituto ou este também a não aceitar, a administração pertence ao co-herdeiro ou co-herdeiros incondicionais, quando entre eles e o co-herdeiro condicional houver direito de acrescer, e, na sua falta, ao herdeiro legítimo presumido.

2. Não sendo prestada a caução prevista no Artigo 2099º, a administração da herança ou legado compete àquele em cujo interesse a caução devia ser prestada.

3. Contudo, em qualquer dos casos previstos no presente Artigo, o tribunal pode providenciar de outro modo, se ocorrer justo motivo.

Artigo 2102º

(Regime da administração)

Sem prejuízo do disposto nos Artigos anteriores, os administradores da herança ou legado estão sujeitos às regras aplicáveis ao curador provisório dos bens do ausente, com as necessárias adaptações.

Artigo 2103º

(Administração da herança ou legado a favor de nascituro)

1. O disposto nos Artigos 2100º a 2102º é aplicável à herança deixada a nascituro não concebido, filho de pessoa viva; mas a esta pessoa ou, se ela for incapaz, ao seu representante legal pertence a representação do nascituro em tudo o que não seja inerente à administração da herança ou do legado.

2. Se o herdeiro ou legatário estiver concebido, a administração da herança ou do legado compete a quem administraria os seus bens se ele já tivesse nascido.

Artigo 2104º

(Administração do cabeça-de-casal)

As disposições dos Artigos antecedentes não prejudicam os poderes de administração do cabeça-de-casal.

Artigo 2105º

(Retroactividade da condição)

1. Os efeitos do preenchimento da condição retrotraem-se à data da morte do testador, considerando-se não escritas as declarações testamentárias em contrário.

2. É aplicável quanto ao regime da retroactividade o disposto nos n.º 2 e 3 do Artigo 268º.

Artigo 2106º

(Termo inicial ou final)

1. O testador pode sujeitar a nomeação do legatário a termo inicial; mas este apenas suspende a execução da disposição, não impedindo que o nomeado adquira direito ao legado.

2. A declaração de termo inicial na instituição de herdeiro, e bem assim a declaração de termo final tanto na instituição de herdeiro como na nomeação de legatário, têm-se por não escritas, excepto, quanto a esta nomeação, se a disposição versar sobre direito temporário.

Artigo 2107º

(Encargos)

Tanto a instituição de herdeiro como a nomeação de legatário podem ser sujeitas a encargos.

Artigo 2108º

(Encargos impossíveis, contrários à lei ou à ordem pública, ou ofensivos dos bons costumes)

É aplicável aos encargos impossíveis, contrários à lei ou à ordem pública, ou ofensivos dos bons costumes, o disposto no Artigo 2093º.

Artigo 2109º

(Prestação de caução)

O tribunal, quando o considere justificado e o testador não tenha disposto coisa diversa, pode impor ao herdeiro ou legatário onerado pelos encargos a obrigação de prestar caução.

Artigo 2110º

(Cumprimento dos encargos)

No caso de o herdeiro ou legatário não satisfazer os encargos, a qualquer interessado é lícito exigir o seu cumprimento.

Artigo 2111º

(Resolução da disposição testamentária)

1. Qualquer interessado pode também pedir a resolução da disposição testamentária pelo não cumprimento do encargo, se o testador assim houver determinado, ou se for lícito concluir do testamento que a disposição não teria sido mantida sem o cumprimento do encargo.

2. Sendo resolvida a disposição, o encargo deve ser cumprido, nas mesmas condições, pelo beneficiário da resolução, salvo se outra coisa resultar do testamento ou da natureza da disposição.

3. O direito de resolução caduca passados cinco anos sobre a mora no cumprimento do encargo e, em qualquer caso, decorridos vinte anos sobre a abertura da sucessão.

SECÇÃO III

Legados

Artigo 2112º

(Aceitação e repúdio do legado)

É extensivo aos legados, no que lhes for aplicável, e com as necessárias adaptações, o disposto sobre a aceitação e repúdio da herança.

Artigo 2113º

(Indivisibilidade da vocação)

1. O legatário não pode aceitar um legado em parte e repudiá-lo noutra parte; mas pode aceitar um legado e repudiar outro, contanto que este último não seja onerado por encargos impostos pelo testador.

2. O herdeiro que seja ao mesmo tempo legatário tem a faculdade de aceitar a herança e repudiar o legado ou de aceitar o legado e repudiar a herança, mas também só no caso de a deixa repudiada não estar sujeita a encargos.

Artigo 2114º

(Legado de coisa pertencente ao onerado ou a terceiro)

1. É nulo o legado de coisa pertencente ao sucessor onerado com o encargo ou a terceiro, salvo se do testamento se depreender que o testador sabia que não lhe pertencia a coisa legada.

2. Neste último caso, o sucessor que tenha aceitado a disposição feita em seu benefício é obrigado a adquirir a coisa e a transmiti-la ao legatário ou a proporcionar-lhe por outro modo a sua aquisição, ou, não sendo isso possível, a pagar-lhe o valor dela; e é igualmente obrigado a transmitir-lhe a coisa, se ela lhe pertencer.

3. Se a coisa legada, que não pertencia ao testador no mo-mento da feitura do testamento, se tiver depois tornado sua por qualquer título, tem efeito a disposição relativa a ela, como se ao tempo do testamento pertencesse ao testador.

4. Se o legado recair sobre coisa de algum dos co-herdeiros, são os outros obrigados a satisfazer-lhe, em dinheiro ou em bens da herança, a parte que lhes toca no valor dela, proporcionalmente aos seus quinhões hereditários, salvo diversa declaração do testador.

Artigo 2115º

(Legado de coisa pertencente só em parte ao testador)

1. Se o testador legar uma coisa que não lhe pertença por inteiro, o legado vale apenas em relação à parte que lhe pertencer, salvo se do testamento resultar que o testador sabia não lhe pertencer a totalidade da coisa, pois, nesse caso, observa-se, quanto ao restante, o preceituado no Artigo anterior.

2. As regras do número anterior não prejudicam o disposto no Artigo 1579º quanto à deixa de coisa certa e determinada do património comum dos cônjuges.

Artigo 2116º

(Legado de coisa genérica)

É válido o legado de coisa indeterminada de certo género, ainda que nenhuma coisa deste género se encontrasse no património do testador à data do testamento e nenhuma aí se encontre à data da sua morte, salvo se o testador fizer a declaração prevista no Artigo seguinte.

Artigo 2117º

(Legado de coisa não existente no espólio do testador)

1. Se o testador legar coisa determinada, ou coisa indetermi-nada de certo género, com a declaração de que aquela coisa ou este género existe no seu património, mas se assim não suceder ao tempo da sua morte, é nulo o legado.

2. Se a coisa ou género mencionado na disposição se encontrar no património do testador ao tempo da sua morte, mas não na quantidade legada, haverá o legatário o que existir.

Artigo 2118º

(Legado de coisa existente em lugar determinado)

O legado de coisa existente em lugar determinado só pode ter efeito até onde chegue a quantidade que aí se achar à data da abertura da sucessão, excepto se a coisa, habitualmente guardada nesse lugar, tiver sido de lá removida, no todo ou em parte, a título transitório.

Artigo 2119º

(Legado de coisa pertencente ao próprio legatário)

1. É nulo o legado de coisa que à data do testamento pertencia ao próprio legatário, se também lhe pertencer à data da abertura da sucessão.

2. O legado, é porém, válido se à data da abertura da sucessão a coisa pertencia ao testador; e também o é, se a esse tempo pertencia ao sucessor onerado com o legado ou a terceiro e do testamento resultar que a deixa foi feita na previsão deste facto.

3. É aplicável, neste último caso, o disposto nos n.º 2 e 4 do Artigo 2114º.

Artigo 2120º

(Legado de coisa adquirida pelo legatário)

1. Se depois da feitura do testamento o legatário adquirir do testador, por título oneroso ou gratuito, a coisa que tiver sido objecto do legado, este não produz efeito.

2. O legado também não produz efeito se, após o testamento, o legatário adquirir a coisa, por título gratuito, do sucessor onerado ou de terceiro; se a adquirir por título oneroso, pode pedir o que houver desembolsado, quando do testamento resulte que o testador sabia não lhe pertencer a coisa legada.

Artigo 2121º

(Legado de usufruto)

A deixa de usufruto, na falta de indicação em contrário, considera-se feita vitaliciamente; se o beneficiário for uma pessoa colectiva, tem a duração de trinta anos.

Artigo 2122º

(Legado para pagamento de dívida)

1. Se o testador legar certa coisa ou certa soma como por ele devida ao legatário, é válido o legado, ainda que a soma ou coisa não fosse realmente devida, salvo sendo o legatário incapaz de a haver por sucessão.

2. O legado fica, todavia, sem efeito, se o testador, sendo devedor ao tempo da feitura do testamento, cumprir a obrigação posteriormente.

Artigo 2123º

(Legado a favor do credor)

O legado feito a favor de um credor, mas sem que o testador refira a sua dívida, não se considera destinado a satisfazer essa dívida.

Artigo 2124º

(Legado de crédito)

1. O legado de um crédito só produz efeito em relação à parte que subsista ao tempo da morte do testador.

2. O herdeiro satisfaz a disposição entregando ao legatário os títulos respeitantes ao crédito.



Artigo 2125º

(Legado da totalidade dos créditos)

Se o testador legar a totalidade dos seus créditos, deve entender-se, em caso de dúvida, que o legado só compreende os créditos em dinheiro, excluídos os depósitos bancários e os títulos ao portador ou nominativos.

Artigo 2126º

(Legado do recheio de uma casa)

Sendo legado o recheio de uma casa ou o dinheiro nela existente, não se entende, no silêncio do testador, que são também legados os créditos, ainda que na casa se encontrem os documentos respectivos.

Artigo 2127º

(Pré-legado)

O legado a favor de um dos co-herdeiros, e a cargo de toda a herança, vale por inteiro.

Artigo 2128º

(Obrigação de prestação do legado)

1. Na falta de disposição em contrário, o cumprimento do legado incumbe aos herdeiros.

2. O testador pode, todavia, impor o cumprimento só a algum ou alguns dos herdeiros, ou a algum ou alguns dos legatários.

3. Os herdeiros ou legatários sobre quem recaia o encargo ficam a ele sujeitos em proporção dos respectivos quinhões hereditários ou dos respectivos legados, se o testador não tiver estabelecido proporção diversa.

Artigo 2129º

(Cumprimento do legado de coisa genérica)

1. Quando o legado for de coisa indeterminada pertencente a certo género, cabe a escolha dela a quem deva prestá-la, excepto se o testador tiver atribuído a escolha ao próprio legatário ou a terceiro.

2. No silêncio do testador, a escolha recai sobre coisas existentes na herança, salvo se não se encontrar nenhuma do género considerado e o legado for válido nos termos do Artigo 2116º; o legatário pode escolher a coisa melhor, a não ser que a escolha verse sobre coisas não existentes na herança.

3. As regras dos Artigos 335º e 476º são aplicáveis, com as necessárias adaptações, ao legado de coisa genérica, quando não estejam em oposição com o disposto nos números antecedentes.

Artigo 2130º

(Cumprimento dos legados alternativos)

Os legados alternativos estão sujeitos ao regime, devidamente adaptado, das obrigações alternativas.

Artigo 2131º

(Transmissão do direito de escolha)

Tanto no legado de coisa genérica como no legado alternativo, se a escolha pertencer ao sucessor onerado ou ao legatário, e um ou outro falecer sem a ter efectuado, transmite-se esse direito aos seus herdeiros.

Artigo 2132º

(Extensão do legado)

1. Na falta de declaração do testador sobre a extensão do legado, entende-se que ele abrange as benfeitorias e partes integrantes.

2. O legado de prédio rústico ou urbano, ou do conjunto de prédios rústicos ou urbanos que constituam uma unidade económica, abrange, no silêncio do testador, as construções nele feitas, anteriores ou posteriores ao testamento, e bem assim as aquisições posteriores que se tenham integrado na mesma unidade, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do Artigo 2179º.

Artigo 2133º

(Entrega do legado)

Na falta de declaração do testador sobre a entrega do legado, esta deve ser feita no lugar em que a coisa legada se encontrava ao tempo da morte do testador e no prazo de um ano a contar dessa data, salvo se por facto não imputável ao onerado se tornar impossível o cumprimento dentro desse prazo; se, porém, o legado consistir em dinheiro ou em coisa genérica que não exista na herança, a entrega deve ser feita no lugar onde se abrir a sucessão, dentro do mesmo prazo.

Artigo 2134º

(Frutos)

Não havendo declaração do testador sobre os frutos da coisa legada, o legatário tem direito aos frutos desde a morte do testador, com excepção dos percebidos adiantadamente pelo autor da sucessão; se, todavia, o legado consistir em dinheiro ou em coisa não pertencente à herança, os frutos só são devidos a partir da mora de quem deva satisfazê-lo.

Artigo 2135º

(Legado de coisa onerada)

1. Se a coisa legada estiver onerada com alguma servidão ou outro encargo que lhe seja inerente, passa com o mesmo encargo ao legatário.

2. Havendo foros ou outras prestações atrasadas, serão pa-gas por conta da herança; e por conta dela são pagas ainda as dívidas asseguradas por hipotecas ou outra garantia real constituída sobre coisa legada.

Artigo 2136º

(Legado de prestação periódica)

1. Se o testador legar qualquer prestação periódica, o primeiro período corre desde a sua morte, tendo o legatário o direito a toda a prestação respeitante a cada período, ainda que faleça no seu decurso.

2. O disposto no número anterior é aplicável ao legado de alimentos, mesmo que estes só venham a ser fixados depois da morte do testador.

3. O legado só é exigível no termo do período correspondente, salvo se for a título de alimentos, pois, nesse caso, é devido a partir do início de cada período.

Artigo 2137º

(Legado deixado a um menor)

O legado deixado a um menor para quando atingir a maioridade não pode ser por ele exigido antes desse tempo, ainda que seja emancipado.

Artigo 2138º

(Despesas com o cumprimento do legado)

As despesas feitas com o cumprimento do legado ficam a cargo de quem deva satisfazê-lo.

Artigo 2139º

(Encargos impostos ao legatário)

1. O legatário responde pelo cumprimento dos legados e dos outros encargos que lhe sejam impostos, mas só dentro dos limites do valor da coisa legada.

2. Se o legatário com encargo não receber todo o legado, é o encargo reduzido proporcionalmente e, se a coisa legada for reivindicada por terceiro, pode o legatário reaver o que houver pago.

Artigo 2140º

(Pagamento dos encargos da herança pelos legatários)

Se a herança for toda distribuída em legado, são os encargos dela suportados por todos os legatários em proporção dos seus legados, excepto se o testador houver disposto outra coisa.

Artigo 2141º

(Herança insuficiente para pagamento dos legados)

Se os bens da herança não chegarem para cobrir os legados, são estes pagos rateadamente; exceptuam-se os legados remuneratórios, os quais são considerados como dívida da herança.

Artigo 2142º

(Reivindicação da coisa legada)

O legatário pode reivindicar de terceiro a coisa legada, contanto que esta seja certa e determinada.

Artigo 2143º

(Legados pios)

Os legados pios são regulados por legislação especial.

SECÇÃO IV

Substituições

SUBSECÇÃO I

Substituição directa

Artigo 2144º

(Noção)

1. O testador pode substituir outra pessoa ao herdeiro instituí-do para o caso de este não poder ou não querer aceitar a herança: é o que se chama substituição directa.

2. Se o testador previr só um destes casos, entende-se ter querido abranger o outro, salvo declaração em contrário.

Artigo 2145º

(Substituição plural)

Podem substituir-se várias pessoas a uma só, ou uma só a várias.

Artigo 2146º

(Substituição recíproca)

1. O testador pode determinar que os co-herdeiros se substituam reciprocamente.

2. Em tais casos se os co-herdeiros tiverem sido instituídos em partes desiguais, respeita-se, no silêncio do testador, a mesma proporção na substituição.

3. Mas, se à substituição não forem chamados todos os restantes instituídos, ou o for outra pessoa além deles, e nada se declarar sobre a proporção respectiva, o quinhão vago é repartido em partes iguais pelos substitutos.

Artigo 2147º

(Direitos e obrigações dos substitutos)

Os substitutos sucedem nos direitos e obrigações em que sucederiam os substituídos, excepto se outra for a vontade do testador.

Artigo 2148º

(Substituição directa nos legados)

1. O disposto na presente subsecção é aplicável aos legados.

2. Quanto aos legatários nomeados em relação ao mesmo objecto, seja ou não conjunta a nomeação, a substituição recíproca considera-se feita, no silêncio do testador, na mesma proporção em que foi feita a nomeação.

SUBSECÇÃO II

Substituição fideicomissária

Artigo 2149º

(Noção)

Diz-se substituição fideicomissária, ou fideicomisso, a disposição pela qual o testador impõe ao herdeiro instituído o encargo de conservar a herança, para que ela reverta, por sua morte, a favor de outrem; o herdeiro gravado com o encargo chama-se fiduciário, e fideicomissário o beneficiário da substituição.

Artigo 2150º

(Substituição plural)

Pode haver um só ou vários fiduciários, assim como um ou vários fideicomissários.

Artigo 2151º

(Limite de validade)

São nulas as substituições fideicomissárias em mais de um grau, ainda que a reversão da herança para o fideicomissário esteja subordinada a um acontecimento futuro e incerto.

Artigo 2152º

(Nulidade da substituição)

A nulidade da substituição fideicomissária não envolve a nulidade da instituição ou da substituição anterior; apenas se tem por não escrita a cláusula fideicomissária, salvo se o contrário resultar do testamento.

Artigo 2153º

(Direitos e obrigações do fiduciário)

1. O fiduciário tem o gozo e a administração dos bens sujeitos ao fideicomisso.

2. São extensivas ao fiduciário, no que não for incompatível com a natureza do fideicomisso, as disposições legais relativas ao usufruto.

3. O caso julgado constituído em acção relativa aos bens sujeitos ao fideicomisso não é oponível ao fideicomissário se ele não interveio nela.

Artigo 2154º

(Alienação ou oneração de bens)

1. Em caso de evidente necessidade ou utilidade para os bens da substituição, pode o tribunal autorizar, com as devidas cautelas, a alienação ou oneração dos bens sujeitos ao fideicomisso.

2. Nas mesmas condições, pode o tribunal autorizar a alienação ou oneração em caso de evidente necessidade ou utilidade para o fiduciário, contanto que os interesses do fideicomis-sário não sejam afectados.

Artigo 2155º

(Direitos dos credores pessoais do fiduciário)

Os credores pessoais do fiduciário não têm o direito de se pagar pelos bens sujeitos ao fideicomisso, mas tão-somente pelos seus frutos.

Artigo 2156º

(Devolução da herança ao fideicomissário)

1. A herança devolve-se ao fideicomissário no momento da morte do fiduciário.

2. Se o fideicomissário não puder ou não quiser aceitar a herança, fica sem efeito a substituição, e a titularidade dos bens hereditários considera-se adquirida definitivamente pelo fiduciário desde a morte do testador.

3. Não podendo ou não querendo o fiduciário aceitar a heran-ça, a substituição, no silêncio do testamento, converte-se de fideicomissária em directa, dando-se a devolução da herança a favor do fideicomissário, com efeito desde o óbito do testador.

Artigo 2157º

(Actos de disposição do fideicomissário)

O fideicomissário não pode aceitar ou repudiar a herança nem dispor dos bens respectivos, mesmo por título oneroso, antes de ela lhe ser devolvida.

Artigo 2158º

(Fideicomissos irregulares)

1. São havidas como fideicomissárias:

a) As disposições pelas quais o testador proíba o herdeiro de dispor dos bens hereditários, seja por acto entre vivos, seja por acto de última vontade;

b) As disposições pelas quais o testador chame alguém ao que restar da herança por morte do herdeiro;

c) As disposições pelas quais o testador chame alguém aos bens deixados a uma pessoa colectiva, para o caso de esta se extinguir.

2. No caso previsto na alínea a) do número anterior, são havidos como fideicomissários os herdeiros legítimos do fiduciário.

3. Aos fideicomissos previstos neste Artigo são aplicáveis as disposições dos Artigos antecedentes; mas, nos casos das alíneas b) e c) do n.º 1, o fiduciário pode dispor dos bens por acto entre vivos, independentemente de autorização judicial, se obtiver o consentimento do fideicomissário.

Artigo 2159º

(Substituição fideicomissária nos legados)

O disposto na presente subsecção é aplicável aos legados.

SUBSECÇÃO III

Substituições pupilar e quase-pupilar

Artigo 2160º

(Substituição pupilar)

1. O progenitor que não estiver inibido total ou parcialmente do poder paternal tem a faculdade de substituir aos filhos os herdeiros ou legatários que bem lhe aprouver, para o caso de os mesmos filhos falecerem antes de perfazer os dezassete anos de idade: é o que se chama substituição pupilar.

2. A substituição fica sem efeito logo que o substituído perfaça os dezassete anos, ou se falecer deixando descendentes ou ascendentes.

Artigo 2161º

(Substituição quase-pupilar)

1. A disposição do Artigo anterior é aplicável, sem distinção de idade, ao caso de o filho ser incapaz de testar em consequência de interdição por anomalia psíquica: é o que se chama substituição quase-pupilar.

2. A substituição quase-pupilar fica sem efeito logo que seja levantada a interdição, ou se o substituto falecer deixando descendentes ou ascendentes.

Artigo 2162º

(Transformação da substituição pupilar em quase-pupilar)

A substituição pupilar é havida para todos os efeitos como quase-pupilar, se o menor for declarado interdito por anomalia psíquica.

Artigo 2163º

(Bens que podem ser abrangidos)

As substituições pupilar e quase pupilar só podem abranger os bens que o substituído haja adquirido por via do testador, embora a título de legítima.

SECÇÃO V

Direito de acrescer

Artigo 2164º

(Direito de acrescer entre herdeiros)

1. Se dois ou mais herdeiros forem instituídos em partes iguais na totalidade ou numa quota dos bens, seja ou não conjunta a instituição, e algum deles não puder ou não quiser aceitar a herança, acrescer a sua parte à dos outros herdeiros instituídos na totalidade ou na quota.

2. Se forem desiguais as quotas dos herdeiros, a parte do que não pôde ou não quis aceitar é dividida pelos outros, respeitando-se a proporção entre eles.

Artigo 2165º

(Direito de acrescer entre legatários)

1. Há direito de acrescer entre os legatários que tenham sido nomeados em relação ao mesmo objecto, seja ou não conjunta a nomeação.

2. É aplicável, neste caso, com as necessárias adaptações, o disposto no Artigo anterior.

Artigo 2166º

(Desoneração do encargo do cumprimento do legado)

Não havendo direito de acrescer entre os legatários, o objecto do legado é atribuído ao herdeiro ou legatário onerado com o encargo do seu cumprimento, salvo se esse objecto estiver genericamente compreendido noutro legado.

Artigo 2167º

(Casos em que o direito de acrescer não tem lugar)

Não há lugar ao direito de acrescer, se o testador tiver disposto outra coisa, se o legado tiver natureza puramente pessoal ou se houver direito de representação.

Artigo 2168º

(Direito de acrescer entre usufrutuários)

É aplicável ao direito de acrescer entre usufrutuários o disposto nos Artigos 1365º e 2165º.

Artigo 2169º

(Aquisição da parte acrescida)

A aquisição da parte acrescida dá-se por força da lei, sem necessidade de aceitação do beneficiário, que não pode repudiar separadamente essa parte, excepto quando sobre ela recaiam encargos especiais impostos pelo testador; neste caso, sendo objecto de repúdio, a porção acrescida reverte para a pessoa ou pessoas a favor de quem os encargos hajam sido constituídos.

Artigo 2170º

(Efeitos do direito de acrescer)

Os herdeiros ou legatários que houverem o acrescido sucedem nos mesmos direitos e obrigações, de natureza não puramente pessoal, que caberiam àquele que não pôde ou não quis receber a deixa.

CAPÍTULO VII

Nulidade, anulabilidade, revogação e caducidade dos testamentos e disposições testamentárias

SECÇÃO I

Nulidade e anulabilidade

Artigo 2171º

(Caducidade da acção)

1. A acção de nulidade do testamento ou de disposição testamentária caduca ao fim de dez anos, a contar da data em que o interessado teve conhecimento do testamento e da causa da nulidade.

2. Sendo anulável o testamento ou a disposição, a acção caduca ao fim de dois anos a contar da data em que o interessado teve conhecimento do testamento e da causa da anulabilidade.

3. São aplicáveis, nestes casos, as regras da suspensão e interrupção da prescrição.

Artigo 2172º

(Confirmação do testamento)

Não pode prevalecer-se da nulidade ou anulabilidade do testamento ou da disposição testamentária aquele que a tiver confirmado.

Artigo 2173º

(Inadmissibilidade da proibição de impugnar o testamento)

O testador não pode proibir que seja impugnado o seu testamento nos casos em que haja nulidade ou anulabilidade.

SECÇÃO II

Revogação e Caducidade

Artigo 2174º

(Faculdade de revogação)

1. O testador não pode renunciar à faculdade de revogar, no todo ou em parte, o seu testamento.

2. Tem-se por não escrita qualquer cláusula que contrarie a faculdade de revogação.

Artigo 2175º

(Revogação expressa)

A revogação expressa do testamento só pode fazer-se declarando o testador, noutro testamento ou em escritura pública, que revoga no todo ou em parte o testamento anterior.

Artigo 2176º

(Revogação tácita)

1. O testamento posterior que não revogue expressamente o anterior revoga-o apenas na parte em que for com ele incompatível.

2. Se aparecerem dois testamentos da mesma data, sem que seja possível determinar qual foi o posterior, e implicarem contradição, haver-se-ão por não escritas em ambos as disposições contraditórias.

Artigo 2177º

(Revogação do testamento revogatório)

1. A revogação expressa ou tácita produz o seu efeito, ainda que o testamento revogatório seja por sua vez revogado.

2. O testamento anterior recobra, todavia, a sua força, se o testador, revogando o posterior, declarar ser sua vontade que revivam as disposições do primeiro.

Artigo 2178º

(Inutilização do testamento cerrado)

1. Se o testamento cerrado aparecer dilacerado ou feito em pedaços, considera-se revogado, excepto quando se prove que o facto foi praticado por pessoa diversa do testador ou que este não teve intenção de o revogar ou se encontrava privado do uso da razão.

2. Presume-se que o facto foi praticado por pessoa diversa do testador, se o testamento não se encontrava no espólio deste à data da sua morte.

3. A simples obliteração ou cancelamento do testamento, no todo ou em parte, ainda que com ressalva e assinatura, não é havida como revogação, desde que possa ler-se a primitiva disposição.

Artigo 2179º

(Alienação ou transformação da coisa legada)

1. A alienação total ou parcial da coisa legada implica revo-gação correlativa do legado; a revogação surte o seu efeito, ainda que a alienação seja anulada por fundamento diverso da falta ou vícios da vontade do alheador, ou ainda que este readquira por outro modo a propriedade da coisa.

2. Implica, outrossim, revogação do legado a transformação da coisa em outra, com diferente forma e denominação ou diversa natureza, quando a transformação seja feita pelo testador.

3. É, porém, admissível a prova de que o testador, ao alienar ou transformar a coisa, não quis revogar o legado.

Artigo 2180º

(Casos de caducidade)

As disposições testamentárias, quer se trate da instituição de herdeiro, quer da nomeação de legatário, caducam, além de outros casos:

a) Se o instituído ou nomeado falecer antes do testador, salvo havendo representação sucessória;

b) Se a instituição ou nomeação estiver dependente de condição suspensiva e o sucessor falecer antes de a condição se verificar;

c) Se o instituído ou nomeado se tornar incapaz de adquirir a herança ou o legado;

d) Se o chamado à sucessão era cônjuge do testador e à data da morte deste se encontravam divorciados ou separados judicialmente de pessoas e bens ou o casamento tenha sido declarado nulo ou anulado, por sentença já transitada ou que venha a transitar em julgado, ou se vier a ser proferida, posteriormente àquela data, sentença de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento;

e) Se o chamado à sucessão repudiar a herança ou o legado, salvo havendo representação sucessória.

CAPÍTULO VIII

Testamentaria

Artigo 2181º

(Noção)

O testador pode nomear uma ou mais pessoas que fiquem encarregadas de vigiar o cumprimento do seu testamento ou de o executar, no todo ou em parte: é o que se chama testamentaria.



Artigo 2182º

(Quem pode ser nomeado testamenteiro)

1. Só pode ser nomeado testamenteiro o que tiver plena capacidade jurídica.

2. A nomeação pode recair sobre um herdeiro ou legatário.

Artigo 2183º

(Aceitação ou recusa)

O nomeado pode aceitar ou recusar a testamentaria.

Artigo 2184º

(Aceitação)

1. A aceitação da testamentaria pode ser expressa ou tácita.

2. A testamentaria não pode ser aceite sob condição, nem a termo, nem só em parte.

Artigo 2185º

(Recusa)

A recusa da testamentaria faz-se por meio de declaração perante notário.

Artigo 2186º

(Atribuições do testamenteiro)

O testamenteiro tem as atribuições que o testador lhe conferir, dentro dos limites da lei.

Artigo 2187º

(Disposição supletiva)

Se o testador não especificar as atribuições do testamenteiro, compete a este:

a) Cuidar do funeral do testador e pagar as despesas e sufrá-gios respectivos, conforme o que for estabelecido no testamento ou, se nada se estabelecer, consoante os usos da terra;

b) Vigiar a execução das disposições testamentárias e susten-tar, se for necessário, a sua validade em juízo;

c) Exercer as funções de cabeça-de-casal, nos termos da alínea b) do n.º 1 do Artigo 1944º.

Artigo 2188º

(Cumprimento de legados e outros encargos)

O testador pode encarregar o testamenteiro do cumprimento dos legados e dos demais encargos da herança, quando este seja cabeça-de-casal e não haja lugar a inventário obrigatório.

Artigo 2189º

(Venda de bens)

Para efeitos do disposto no Artigo anterior, pode o testamenteiro ser autorizado pelo testador a vender quaisquer bens da herança, móveis ou imóveis, ou os que forem designados no testamento.

Artigo 2190º

(Pluralidade de testamenteiros)

1. Sendo vários os testamenteiros, consideram-se todos nomeados conjuntamente, salvo se outra coisa tiver sido disposta pelo testador.

2. Caducando por qualquer causa a testamentaria em relação a algum dos nomeados, continuam os restantes no exercício das respectivas funções.

3. Sendo os testamenteiros nomeados sucessivamente, cada um deles só é chamado a aceitar ou recusar o cargo na falta do anterior.

Artigo 2191º

(Escusa do testamenteiro)

O nomeado que aceitou a testamentaria só pode ser dela escusado nos casos previstos no n.º 1 do Artigo 1949º.

Artigo 2192º

(Remoção do testamenteiro e caducidade da testamentaria plural)

1. O testamenteiro pode ser judicialmente removido, a requerimento de qualquer interessado, se não cumprir com prudência e zelo os deveres do seu cargo ou mostrar incompetência no seu desempenho.

2. Se forem vários os testamenteiros nomeados conjuntamente e não houver acordo entre eles sobre o exercício da testamentaria, podem ser removidos todos, ou apenas algum ou alguns deles.

Artigo 2193º

(Prestação de contas)

1. O testamenteiro é obrigado a prestar contas anualmente.

2. Em caso de culpa, responde o testamenteiro perante os herdeiros e legatários pelos danos a que der causa.

Artigo 2194º

(Remuneração)

1. O cargo de testamenteiro é gratuito, excepto se lhe for assinada pelo testador alguma retribuição.

2. O testamenteiro não tem direito à retribuição assinada, ainda que atribuída sob a forma de legado, se não aceitar a testamentaria ou for dela removido; se a testamentaria caducar por qualquer outra causa, cabe-lhe apenas uma parte da retribuição proporcional ao tempo em que exerceu as funções.

Artigo 2195º

(Intransmissibilidade)

A testamentaria não é transmissível, em vida ou por morte, nem é delegável, bem que possa o testamenteiro servir-se de auxiliares na execução do cargo, nos mesmos termos em que o procurador o pode fazer.