REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DE TIMOR-LESTE

REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DE TIMOR-LESTE

LEI DO PARLAMENTO

10/2008

EXERCÍCIO DE ARTES MARCIAIS



A prática das actividades de artes marciais assume em Timor Leste uma importância social e cultural de relevo na população, em especial entre as camadas mais jovens de cidadãos, sendo o seu ensino também um meio de transmissão de valores e princípios fundamentais na conduta e carácter dos seus prati-cantes e adeptos.



No entanto, atendendo à especial perigosidade de algumas das técnicas utilizadas na prática dessas artes e ao sentido de responsabilidade exigível para a promoção, o ensino e a apren-dizagem destas actividades, é indispensável proceder ao seu enquadramento jurídico e posterior regulamentação específica, por forma a que sejam assegurados os princípios de ordem pública e respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.



Por se assistir a um desvio na finalidade da prática desse tipo de actividades, que tem vindo a despoletar um acréscimo de criminalidade e violência no seio da sociedade timorense, im-põe-se a necessidade de se legalizar as associações e os cen-tros de ensino e aprendizagem existentes, assim como imple-mentar mecanismos de autorização para a criação dessas entida-des.

Por outro lado, com o intuito de garantir o cumprimento do dis-posto no presente diploma e desincentivar a prática de activi-dades destituídas do devido enquadramento legal, são pre-vistos mecanismos de sancionamento disciplinar, assim como são criminalizadas as condutas de pessoas, individuais ou colectivas, que pratiquem, ensinem, aprendam ou incitem à prática destas actividades sem a devida autorização.



Foram consultadas várias entidades, nomeadamente a Procuradoria-Geral da República, o Tribunal Distrital de Dili, a Provedoria dos Direitos Humanos e Justiça e o Gabinete para os Direitos Humanos da Missão das Nações Unidas em Timor-Leste, cujos contributos foram fundamentais para a preparação da presente lei, que tem como objectivo definir e regulamentar a prática das várias modalidades de artes marciais existentes em Timor-Leste.



Assim, o Parlamento Nacional decreta, nos termos do n.º 1 do artigo 95.º da Constituição da República, para valer como lei, o seguinte:



Artigo 1.º

Definições



Para efeitos do presente diploma, consideram-se:



a) "Artes marciais", as técnicas constituídas por práticas tra-dicionais, nativas e culturais, memorizadas por rotinas ou padrões, muitas vezes identificadas por modalidades des-portivas e acompanhadas de treino de combate, bem como os movimentos corporais criativos introduzidos nessas téc-nicas que pela sua perigosidade se devam considerar como semelhantes;



b) "Centros, clubes ou escolas destinados à prática de artes marciais", as entidades ou grupos de cidadãos cujo objec-tivo comum seja a promoção e organização de activi-dades físicas de aprendizagem e treino das técnicas pró-prias de artes marciais, com finalidades desportivas, forma-tivas, lúdicas, sociais ou de cultura defensiva dos praticantes.



Artigo 2.º

Autorização prévia



Nos termos do presente diploma, dependem de prévia autoriza-ção:



a) O ensino, a aprendizagem e a prática de artes marciais;



b) A abertura de centros, clubes ou escolas destinados à prá-tica das actividades identificadas na alínea anterior;



c) A realização de exibições, abertas ao público, de qualquer modalidade ou prática das referidas actividades;

d) A filiação em organismos internacionais de centros ou outras organizações que incluam entre os seus fins quais-quer das actividades previstas e definidas no artigo anterior.



Artigo 3.º

Natureza jurídica dos centros, clubes ou escolas



1. A prática de artes marciais só pode ter lugar em locais, públicos ou privados, identificados pelos centros, clubes ou escolas como destinados a essas actividades.



2. Cada centro, clube ou escola destinado à prática de artes marciais deve ser constituído como associação civil sem fins lucrativos, nos termos do Decreto-Lei n.º 5/2005, de 3 de Agosto, e adoptar uma denominação que o distinga, individualizando o tipo de modalidade ou técnica desenvol-vida.



3. Os centros, clubes ou escolas que funcionem integrados em associações que se dediquem também a outras activida-des devem constituir secções independentes, responsá-veis pelo cumprimento do disposto no presente diploma e nas respectivas normas regulamentares.



4. É vedado aos centros, clubes ou escolas destinados à prá-tica de artes marciais integrarem ou estarem de qualquer forma associados a partidos políticos.



Artigo 4.º

Constituição e registo dos centros, clubes ou escolas



1. Todos os centros, clubes ou escolas destinados à prática de artes marciais, para além de deverem preencher os requisitos previstos no Decreto-Lei n.º 5/2005, de 3 de Agos-to, para a constituição das associações sem fins lucrativos, devem apresentar a identificação do local para a prática da actividade, a respectiva autorização do proprietário para a utilização do local e a identificação de, pelo menos, um res-ponsável por cada cinquenta praticantes.



2. Os responsáveis pelos praticantes dos centros, clubes ou escolas devem apresentar cópia do documento de identifi-cação civil, certificado de registo criminal, atestado médico de robustez física e psicológica que confira aptidão para o ensino de artes marciais e comprovada experiência no domínio da modalidade desportiva, devendo ainda ter com-pletado 21 anos de idade.



3. O pedido de autorização para a constituição de um centro, clube ou escola destinado à prática de artes marciais deve ser submetido à Comissão Reguladora das Artes Marciais, acompanhado dos elementos identificados no n.º 1.



4. O centro, clube ou escola destinado à prática de artes mar-ciais deve requerer, após parecer favorável da Comissão Reguladora das Artes Marciais, o registo da associação junto da Direcção dos Registos e Notariado, nos termos do Decreto-Lei n.º 5/2005, de 3 de Agosto.



Artigo 5.º

Aplicação subsidiária



A criação e constituição dos centros, clubes ou escolas destina-dos à prática de artes marciais, enquanto associações civis sem fins lucrativos, reger-se-á pelo disposto no Decreto-Lei n.º 5/2005, de 3 de Agosto, em tudo o que não esteja previsto no presente diploma ou na respectiva regulamentação.



Artigo 6.º

Ensino, aprendizagem e prática de artes marciais



1. O ensino, a aprendizagem e a prática de artes marciais só são autorizados aos indivíduos que possuam a conveniente aptidão psicofisiológica e ofereçam garantias de idoneidade moral e cívica no acatamento da ordem social estabelecida.



2. É susceptível de constituir falta de idoneidade para efeitos do disposto no número anterior o facto de ao indivíduo ter sido aplicada condenação judicial pela prática de crimes contra a segurança do Estado, contra a ordem púbica, contra a vida, contra a integridade física ou contra a liberdade pessoal ou sexual.



3. Cabe aos centros, clubes e escolas destinados à prática de artes marciais a responsabilidade pela avaliação da aptidão dos seus praticantes.



4. A associação deve manter um arquivo com a identificação de todos os praticantes, devidamente actualizado.



Artigo 7.º

Comissão Reguladora das Artes Marciais



1. Para supervisionar as actividades dos centros, clubes ou escolas quanto ao ensino, aprendizagem e exercício de artes marciais, é criada a Comissão Reguladora das Artes Mar-ciais, adiante também designada por Comissão Regula-dora, sob a tutela da Secretaria de Estado da Juventude e do Desporto.



2. A Comissão Reguladora é constituída por quatro vogais e um presidente.



3. O cargo de presidente é exercido por um representante da Secretaria de Estado da Juventude e do Desporto, nomeado pelo respectivo Secretário de Estado.



4. Os restantes membros da Comissão Reguladora são um representante do Ministério da Justiça, um representante do Ministério da Educação e dois representantes dos cen-tros, clubes ou escolas de artes marciais, por estes eleitos.



5. A Comissão Reguladora terá ainda um conselheiro técnico e um secretário, nomeados pelo Secretário de Estado da tu-tela, sob proposta do Presidente da Comissão Reguladora, de entre indivíduos com o conhecimento, o mérito e a idonei-dade adequados ao exercício das funções.



Artigo 8.º

Competência



1. Compete à Comissão Reguladora das Artes Marciais, nomea-damente:

a) Conhecer e dar parecer sobre os pedidos de autorização para a constituição de centros, clubes ou escolas des-tinados à prática de artes marciais;



b) Cancelar as autorizações concedidas de abertura de centros, clubes ou escolas destinados à prática de artes marciais;



c) Homologar a escolha dos responsáveis dos centros, clubes ou escolas destinados à prática de artes marciais e a eleição dos representantes dos mesmos na Comissão Reguladora;



d) Em cooperação com os centros, clubes ou escolas, orientar os respectivos programas de actividades e prestar assistência técnica através de conselheiro técnico;



e) Emitir directivas associadas à divulgação, ao ensino, à aprendizagem e à prática de artes marciais;



f) Fiscalizar as actividades dos centros, clubes ou escolas de artes marciais e a prática de modalidades daquelas afins;



g) Instruir e julgar os processos disciplinares;



h) Estabelecer a criação de subcomissões a nível distrital para o exercício das suas competências;



i) Propor ao Secretário de Estado da tutela as providências convenientes para a execução do presente diploma e das respectivas normas regulamentares.



2. As deliberações da Comissão Reguladora são aprovadas por maioria e estão sujeitas a homologação do Secretário de Estado da tutela, delas cabendo recurso para o Conselho de Ética Desportiva, nos termos a definir pela lei de bases do desporto.



3. A Comissão Reguladora pode delegar as suas competências nas subcomissões distritais, assim como delegar nos chefes de suco, as competências identificadas nas alíneas a), f) e i) do n.º 1.



Artigo 9.º

Tutela



1. A Comissão Reguladora das Artes Marciais depende da Secretaria de Estado da Juventude e do Desporto e actua com autonomia técnica.



2. Constituem receitas da Comissão Reguladora:



a) As quantias consignadas pela Secretaria de Estado da tutela;



b) O produto das sanções pecuniárias aplicadas.



3. Constituem encargos da Comissão Reguladora todas as despesas com o respectivo funcionamento.



Artigo 10.º

Responsabilidade disciplinar



1. Quaisquer violações dos centros, clubes ou escolas ao disposto no presente diploma, à respectiva regulamentação ou às directivas da Comissão Reguladora das Artes Mar-ciais são passíveis de procedimento disciplinar, a instaurar pela Comissão Reguladora, sem prejuízo de o mesmo facto ou conduta poder constituir, simultaneamente, crime, com a consequente instauração de procedimento criminal.

2. Consideram-se infracções disciplinares dos centros, esco-las ou clubes as cometidas pelos respectivos dirigentes ou instrutores, sem prejuízo da responsabilidade pessoal destes pelas respectivas infracções cometidas.



3. O elenco de condutas susceptíveis de constituir infracções disciplinares e o respectivo procedimento disciplinar serão objecto de regulamentação autónoma, a elaborar pela Comis-são Reguladora das Artes Marciais e a homologar pelo Secretário de Estado da tutela.



Artigo 11.º

Sanções disciplinares



1. Ao abrigo do processo disciplinar, a Comissão Reguladora das Artes Marciais poderá aplicar aos centros, clubes ou escolas de artes marciais as seguintes sanções discipli-nares:



a) Advertência;



b) Multa, até ao limite de 2000 USD;



c) Suspensão de actividade, até ao limite de quatro anos;



d) Encerramento.



2. Aos instrutores, dirigentes e praticantes poderão ser aplicadas as seguintes sanções disciplinares:



a) Advertência;



b) Multa, até ao limite de 200 USD;



c) Suspensão do exercício da prática de artes marciais, até ao limite de dois anos;



d) Expulsão.



Artigo 12.º

Cúmulo



Se um mesmo facto constituir simultaneamente infracção disciplinar e crime nos termos do Código Penal, o agente será punido a título de crime, sem prejuízo da aplicação das sanções previstas para as infracções em sede de processo disciplinar.



Artigo 13.º

Agravação



É considerada circunstância agravante da responsabilidade criminal do agente a utilização do ensino, da aprendizagem ou da prática de artes marciais para o cometimento de actos suscep-tíveis de constituir uma conduta criminosa, sendo o agente punido com a pena aplicável ao respectivo crime agravada de um terço nos seus limites mínimo e máximo.



Artigo 14.º

Prática ilícita



Incorre em crime de desobediência quem, após advertido por autoridade legal de que a sua conduta é contrária ao presente diploma, ensinar, aprender ou praticar quaisquer modalidades de artes marciais fora do local devidamente autorizado e identificado pelos centros, clubes ou escolas para a prática de artes marciais.





Artigo 15.º

Exercício ilícito de actividade



Incorre em crime de desobediência qualificada quem, após advertido por autoridade legal de que a sua conduta é contrária ao presente diploma, explorar, dirigir ou, de qualquer forma, mantiver instalações para a prática de artes marciais ou nelas ministrar o seu ensino sem a devida autorização e inscrição legal.



Artigo 16.º

Excepção



O ensino, a aprendizagem e a prática de qualquer modalidade de artes marciais por pessoal das forças armadas ou policiais, no âmbito do exercício das suas funções e em harmonia com instruções superiormente aprovadas, não são abrangidos pelo regime jurídico previsto no presente diploma.



Artigo 17.º

Disposições transitórias



1. Os centros, escolas ou clubes praticantes existentes e em funcionamento à data da entrada em vigor do presente diploma dispõem do prazo de cento e vinte dias para pro-ceder à respectiva regularização junto da Secretaria de Esta-do da Juventude e do Desporto.



2. As competências da Comissão Reguladora das Artes Marciais são, transitoriamente, exercidas pela Secretaria de Estado da Juventude e do Desporto enquanto não for aprovado o decreto do Governo que determine a constitui-ção e os estatutos da Comissão Reguladora.



Artigo 18.º

Norma revogatória



São revogadas todas as disposições legais contrárias ao disposto no presente diploma.



Artigo 19.º

Entrada em vigor



O presente diploma entra em vigor no sexagésimo dia posterior ao da sua publicação.



Aprovada em 23 de Junho de 2008.





O Presidente do Parlamento Nacional,





Fernando La Sama de Araújo







Promulgada em 4 de Julho de 2008



Publique-se.





O Presidente da República,





Dr. José Ramos Horta